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1 DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS PROPRIEDADE FUNDAMENTO JURÍDICO DA PROPRIEDADE A propriedade é um direito natural. O direito de possuir bens advém da natureza e não da lei. É condição da existência e da liberdade do homem (teoria da natureza humana). O direito de propriedade é cláusula pétrea, tutelado no art. 5.° da Magna Carta. Cláusula pétrea é a que não pode ser alterada pelo Poder Constituinte Derivado. As expressões propriedade e domínio, para uma corrente, são sinônimas, tendo em vista o princípio da operabilidade. Outra corrente sustenta que o domínio refere-‐se à titularidade de bens corpóreos, enquanto a propriedade é a titularidade de bens incorpóreos, que são os direitos. CONTEÚDO DO DIREITO DE PROPRIEDADE O direito de propriedade é complexo, pois confere os poderes de usar, gozar, dispor e reaver a coisa de quem injustamente a possua: a) direito de usar (jus utendi): é o direito de exigir os serviços que a coisa pode prestar, sem alterar-‐lhe a substância. Exemplos: habitar a casa, montar no cavalo, guardar a coisa etc.; b) direito de gozar (jus fruendi): é o direito de extrair os benefícios da coisa. Exemplos: aquisição dos frutos e produtos; alugar a casa etc. Os frutos e mais produtos da coisa pertencem, ainda quando separados, ao seu proprietário, salvo se, por preceito jurídico especial, couberem a outrem (artigo 1232 do CC); c) direito de dispor (jus abutendi ou disponendi): é o direito de consumir a coisa (destruição material), aliená-‐la ou gravá-‐la de ônus real (v.g., hipoteca). A inalienabilidade pode ser legal, isto é, imposta pela lei (v.g., dote), e voluntária; • Obs.: Inalienabilidade voluntária. A cláusula de inalienabilidade retira a disponibilidade do bem, que não poderá mais ser alienado (vendido, doado etc.) e nem penhorado. Ocorre quando o proprietário aliena a propriedade, mas ao mesmo tempo proíbe que o adquirente torne a aliená-‐la. Só é possível nas transmissões gratuitas (testamento e doações puras), devendo estar estipulada a inalienabilidade no título que transferiu a propriedade e constar no Registro Público. Essa cláusula não é perpétua, só vale por certo tempo. Pode ser: temporária (quando fixa o termo ou condição para sua extinção) ou vitalícia (cessa com a morte). Se vitalícia, é possível a alienação do bem, em vida, mediante ordem judicial e desde que haja motivo justo, ocorrendo, nesse caso, a sub-‐rogação do vínculo, consistente na transferência da inalienabilidade para o bem adquirido com o produto da venda. O bem com cláusula de inalienabilidade não se comunica ao cônjuge do adquirente, conforme a Súmula 49 do STF e o art. 1.911 do CC. d) direito de reaver (rei vindicatio) a coisa de quem injustamente a possua: consiste em reivindicá-‐la por meio da ação reivindicatória. O artigo 1228 do CC admite a ação reivindicatória em face de quem possui ou detenha a coisa. Entende-‐se que o dispositivo é inconstitucional, na parte que permite a ação reivindicatória contra o detentor, pois a sentença será inócua em relação ao possuidor, que não será atingido por ela, tendo em vista os limites subjetivos da coisa julgada, que só atinge as partes. Assim, o detentor que figura como réu deve fazer a nomeação à autoria do possuidor ou proprietário. Só o proprietário pode ingressar com esta ação. Tratando-‐se de bem imóvel é preciso o registro do título aquisitivo, não bastando a escritura pública. Nesta ação, reclama-‐se a restituição definitiva da coisa, ao passo que na ação possessória, a proteção é provisória. A ação reivindicatória é imprescritível. É cabível quando o proprietário é totalmente privado do seu bem (perda da posse). Discute-‐se propriedade e não posse. Vencerá a ação quem 2 DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS provar a propriedade do bem. Se ainda não ocorreu a perda da posse, mas mera turbação, o proprietário pode ingressar com a ação negatória, que é uma ação de caráter defensivo para se obter a cessação da turbação. Se houver fundado receio da ocorrência de prejuízo a ser causado pelo prédio vizinho, o proprietário pode ingressar com ação preventiva, denominada ação de dano infecto. Observe-‐se a correlação entre essas três ações petitórias (reivindicatória, negatória e dano infecto) e as ações possessórias (reintegração de posse, manutenção de posse e interdito proibitório). O proprietário pode também ingressar com as ações possessórias. Pode também propor ação declaratória positiva ou negativa a fim de obter uma sentença que torne incontroverso seu direito de propriedade, eliminando a dúvida. Enquanto na ação reivindicatóriao proprietário visa reaver a posse da coisa, pressupondo, portanto, a perda da posse, na ação declaratória, o proprietário, embora se mantendo na posse do bem, quer tornar incontroverso seu direito de propriedade. Quando todos esses poderes (usar, gozar, dispor e reaver) se acham reunidos nas mãos de um único titular fala-‐se em propriedade plena ou perfeita ou alodial. A propriedade presume plena e exclusiva até prova em contrário (artigo 1231 do CC). Havendo desmembramento de um ou de alguns desses atributos a favor de outra pessoa, conservando o proprietário os demais atributos, fala-‐se em propriedade limitada ou restrita, tal como ocorre no usufruto. Propriedade limitada é a que tem ônus real ou é resolúvel. Essa classificação decorre da elasticidade do direito de propriedade (possibilidade de se desmembrar da propriedade um ou alguns dos seus atributos e de retornar automaticamente esses atributos tão logo venha a cessar a causa do desmembramento). Assim, morto o usufrutuário, os poderes de usar e gozar retornam ao nu-‐proprietário, consolidando-‐se a propriedade, que de limitada passa a ser plena. CARACTERÍSTICAS DO DIREITO DE PROPRIEDADE O direito de propriedade é absoluto, exclusivo e irrevogável: a) absoluto porque oponível erga omnes; e também porque o proprietário pode usar, gozar e dispor da coisa como bem entender. Na verdade, porém, o direito de propriedade sofre tantas restrições, impostas no interesse público e no interesse privado, que não é mais tão absoluto. Vejamos algumas restrições: 1) desapropriação; 2) requisição em caso de perigo público iminente; 3) coisa tombada (o dono não pode destruí-‐la, pintá-‐la ou restaurá-‐la sem autorização da autoridade competente); 4) doação universal (é proibida – art. 548 do CC); 5) direito de vizinhança etc. Modernamente, a propriedade tem função socioambiental. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com suas finalidades econômicas e sociais e de modo que seja preservados conforme lei especial o meio ambiente (flora, fauna, patrimônio histórico e artístico, águas, etc). O STJ já decidiu que o novo proprietário é obrigado a fazer a recuperação ambiental mesmo não sendo o causador do dano, pois a reserva florestal é uma obrigação propter rem. O Código Civil, ao contrário do direito romano, limita o direito de propriedade do solo à altura ou profundidade úteis ao proprietário, não podendo este se opor a trabalhos ou empreendimentos de terceiros a uma altura ou profundidade que não lhe prejudique (art. 1.229 do CC). A propriedade do solo não abrange as jazidas, minas e demais recursos minerais e potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos em lei especial. As jazidas e demais recursos minerais constituem propriedade distinta do solo para efeito de exploração ou aproveitamento; não pertencem ao proprietário, mas sim à União (art. 176 da CF/1988). A avaliação da indenização devida ao proprietário do solo em razão de alvará de pesquisa mineral é no juízo estadual da situação do imóvel, conforme 238 do STJ. O proprietário do solo tem o direito de explorar os recursos minerais de emprego imediato na construção civil, desde que não se submeta a 3 DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS transformações industriais. Exemplo: venda de areia, desde que não prejudique o meio ambiente. O § 2º do artigo 1228 do CC proíbe os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade ou utilidade e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. b) exclusivo porque o proprietário é o único que pode exercer os poderes de propriedade sobre a coisa, podendo impedir a interferência de terceiros. A mesma coisa não pode pertencer com exclusividade e simultaneamente a duas ou mais pessoas. No condomínio, essa exclusividade sobre o todo é exercida em conjunto pelos condôminos; o direito de propriedade é um só, tendo cada um dos consortes uma parte ideal da coisa indivisível (divisão abstrata). No tocante a essa parte ideal, o direito do condômino é absoluto, exclusivo e perpétuo. É possível, porém, o desmembramento da propriedade quando se transfere a terceiros alguns dos seus atributos (v.g., usufruto); c) irrevogável ou perpétuo porque tem duração ilimitada; é transmissível com a morte e não cessa pelo não-‐uso. Os únicos direitos reais perpétuos (transmissíveis post mortem) são: o direito de propriedade (salvo a propriedade resolúvel, que é temporária) e a enfiteuse. A servidão também é perpétua no sentido de ser transmissível post mortem, porém cessa com o não-‐uso durante 10 anos consecutivos. Já a propriedade intelectual(direito autoral) é temporária no que tange à sua exploração econômica exclusiva, e perpétua no concernente aos direitos morais (paternidade da obra). PROPRIEDADE URBANA E RURAL A distinção reside na destinação dada à coisa, independentemente de sua localização. Imóvel rural ou rústico é o que se destina à exploração extrativa, agrícola ou pecuária ou agroindustrial, pouco importa se situado em zona urbana ou rural. Não se destinando a essas atividades, o imóvel é urbano. AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMÓVEL Pode a propriedade ser adquirida pelos seguintes modos: registro do título, acessão, usucapião, direito hereditário (sucessão causa mortis, regulada pelo direito das sucessões). Mas, além desses quatro modos, há ainda outros: casamento sob o regime de comunhão universal, sentença em ação de reivindicação e desapropriação. AQUISIÇÃO PELO REGISTRO DO TÍTULO A Lei 6.015/1973 usa indistintamente a palavra registro para abranger os casos de transcrição e inscrição. Transcrição é o registro do título aquisitivo da propriedade. Inscrição é o registro de certos atos como a hipoteca e outros direitos reais limitados. Averbação é a anotação no registro de certos dados ou alterações. Matrícula é o ato realizado por ocasião do primeiro registro de cada imóvel. A transcrição do título é a tradição solene. No Brasil, o simples contrato não transfere o domínio; é preciso a transcrição do título no Cartório de Registro de Imóveis da situação do imóvel para que se adquira a propriedade, entre vivos. Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel. Em contrapartida, enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel. Acrescente-‐se, ainda, que o registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo. Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o interessado reclamar que se retifique ou anule. Cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o imóvel, 4 DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS independentemente da boa-‐fé ou do título do terceiro adquirente (parágrafo único do art. 1.247 do CC). Em regra, só o registro do título gera transmissão da propriedade imóvel; sem ele a pessoa não é proprietária. Há, porém, certos casos em que o registro do título não funciona como ato transmissor da propriedade, mas sim como ato declaratório de sua disponibilidade, v.g., o formal de partilha e usucapião. Efetivamente, com a morte já existe o direito de propriedade dos herdeiros, mas sem o registro do formal de partilha os herdeiros não podem alienar os bens, em razão do princípio da continuidade dos Registros Públicos. O registro é ato unilateral, sem prazo certo para sua realização. Com o contrato, o adquirente está implicitamente autorizado a fazer o registro em seu nome. Assim, o adquirente pode registrar o título após a morte do alienante. Qualquer interessado (v.g., o credor) pode promover o registro. Se houver dois registros do mesmo imóvel, prevalecerá o que foi protocolado primeiro (art. 1.246 do CC). O registro deve ser feito no Cartório da situação do imóvel; se o imóvel se situar em várias comarcas o registro deve ser feito em todas elas. São atributos do registro: Ø princípio da publicidade: qualquer interessado tem acesso ao registro, devendo o oficial fornecer certidão a quem a pedir; Ø princípio da legalidade: significa que se há registro é porque o título não contém irregularidade, pois já foi examinado (conferido); Ø princípio da continuidade: só é possível o registro se houver registro anterior em nome do alienante; Ø princípio da fé pública: presume-‐se pertencer o direito real à pessoa que consta do registro. Essa presunção é relativa (juris tantum); Ø princípio da obrigatoriedade: somente o registro transfere a propriedade nos negócios jurídicos inter vivos. AQUISIÇÃO POR ACESSÃO A acessão contínua ocorre quando uma coisa se une à outra por força externa. A acessão discreta ocorre quando a união se dá por força interna da própria coisa, v.g., os frutos. O Código Civil refere-‐se à acessão contínua. Na acessão, a coisa acessória (acedente) se une à principal (coisa acedida). O proprietário da coisa principal adquire a propriedade da coisa acessória. A acessão pode ser: a) por obra da natureza: a união provém da força da natureza, sem a intervenção do homem. São as seguintes: aluvião, avulsão, álveo abandonado e formação de ilhas; b) industrial ou artificial:a união é produzida pelo homem. São as construções de obras; c) mistas: a união provém da conjugação da força da natureza e da intervenção do homem. São as plantações. Aluvião é o acréscimo vagaroso e imperceptível de um trecho de terra que o rio anexa às margens de um terreno. A aluvião formada nas bordas de águas públicas ou dominiais é considerada bem público (arts. 16 e 17 do Código de Águas – Decreto 24.643/1934). Formando-‐se à margem das correntes comuns ou das correntes públicas de uso comum, pertence ao proprietário marginal. O terreno aluvial, que se formar em frente de prédios de proprietários diferentes, dividir-‐ se-‐á entre eles, na proporção da testada de cada um sobre a antiga margem. O proprietário que teve o terreno diminuído não tem direito à indenização (fato fortuito). A aluvião pode ser: própria 5 DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS (é a que se forma com os acréscimos nos terrenos marginais do rio) e imprópria (quando parte do álveo se descobre em razão do afastamento ou desvio das águas). Reputa-‐se formada a aluvião desde que ultrapasse o nível das águas, na época das grandes cheias. Aluvião é obra da natureza, não podendo ser produzida pelo homem. O Poder Público pode impedir a aluvião e a formação de ilhas, mediante drenagem e limpeza das margens. Avulsão é o desprendimento repentino de um trecho de terra por força das águas. É diferente da aluvião em que o acréscimo de terra é vagaroso, imperceptível, sem que se possa saber a quem pertenciam as terras trazidas pelas águas. A avulsão pode ser por justaposição (porção de terra de um imóvel se destaca e adere a outro imóvel) ou por superposição (a porção de terra vai parar no solo de outro imóvel). O proprietário que sofre avulsão tem um ano (prazo decadencial) para reclamar a remoção da parte desmembrada; ele não pode pedir indenização (fato fortuito). O proprietário beneficiado pode escolher entre concordar com a remoção ou pagar o valor da porção de terra, sem outras indenizações. Ao desmoronamento de morro ou montanha aplicam-‐se as mesmas regras da avulsão. Todavia, se a coisa não for suscetível de aderência natural não há avulsão, mas sim coisa achada, v.g., furacão lança roupas do varal ao imóvel, o proprietário do imóvel deve restituí-‐las ao dono, aplicando-‐se por analogia o disposto no art. 1.234 do CC. Álveo abandonado (arts. 9.º, 10 e §§ 1.º e 2.º, do Código de Águas – Decreto 24.643/1934). O álveo definitivamente abandonado pelo rio, quer seja público ou particular, pertence aos proprietários ribeirinhos das duas margens, seguindo a linha mediana que o dividir em duas partes iguais, tal como a repartição de ilha. Nenhuma indenização é devida aos donos dos terrenos por onde as águas abriram novo leito (força maior). Se o rio volve ao antigo leito recompõe-‐se a situação dominial anterior. Evidente que, se o desvio se deu por obra pública, o dono do imóvel atravessado pelo novo álveo tem direito à indenização, mediante desapropriação, mas o álveo abandonado, neste caso, pertencerá ao Poder Público para compensá-‐lo das despesas feitas. Qual a diferença entre aluvião imprópria e álveo abandonado? Na aluvião apenas parte do álveo se descobre em razão do afastamento das águas. No abandono do álveo há total e permanente abandono do antigo leito, isto é, o leito do rio fica inteiramente descoberto. FORMAÇÃO DE ILHAS Só pertencem aos particulares as ilhas que emergirem em rios particulares, isto é, não navegáveis (arts. 1.249 do CC e 23 do Código de Águas). No mar territorial, a ilha pertencerá à União. Em alto-‐mar, pertencerá ao primeiro país ocupante. Em rios navegáveis ou que banhem mais de um Estado pertencerá ao Poder Público a quem tais correntes pertencerem. As ilhas que se formam no meio do rio pertencem aos proprietários ribeirinhos de ambas as margens na proporção de suas testadas. As que se formam entre a referida linha e uma das margens pertencem aos proprietários ribeirinhos desse lado. As ilhas que se formam pelo desdobramento de um novo braço do rio pertencem aos proprietários dos terrenos às custas dos quais se constituíram. As ilhas previstas no artigo 20, IV, da CF são da União, outras ilhas pertecem ao Município. CONSTRUÇÕES E PLANTAÇÕES (arts. 1.253 a 1.259 do CC) Em regra, toda construção ou plantação existente em um terreno presume-‐se feita pelo proprietário e à sua custa, até que se prove o contrário (art. 1.253 do CC). Se o proprietário planta com semente alheia ou constrói com material alheio, em terrenopróprio, adquire a propriedade 6 DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS destas; mas, se agiu de má-‐fé, fica obrigado a pagar-‐lhes o valor e as perdas e danos (art. 1.254 do CC); se agiu de boa-‐fé, fica obrigado apenas a pagar o valor da semente ou do material. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções (art. 1.255 do CC). Se, porém, agiu de boa-‐fé, terá direito à indenização. Em contrapartida, se estava de má-‐fé, poderá ser compelido a repor as coisas no estado anterior, pagando todos os prejuízos que causou. Por outro lado, o princípio de que o acessório segue o principal sofreu algumas modificações no Código Civil de 2002, na hipótese de a plantação ou construção exceder consideravelmente o valor do terreno. É a chamada acessão inversa ou invertida. Com efeito, dispõe o parágrafo único do art. 1.255 do CC que “se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-‐fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver acordo”. O aludido dispositivo só se aplica às acessões, isto é, construções ou plantações novas, não abrangendo as benfeitorias, que são os melhoramentos em coisas já existentes. Nesse aspecto, cumpre distinguir acessão industrial (construções e plantações) e benfeitorias. Benfeitorias são as despesas feitas em coisa já existente, com o fito de conservá-‐la, melhorá-‐la ou embelezá-‐la. Acessões são obras que criam coisas novas. Benfeitorias são reparações, reconstruções em obra já existente. Construção em terreno vazio é acessão. Reforma da casa ou construção de edícula é benfeitoria. Se a construção ou plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, mas ambas as partes estiverem de má-‐fé, adquirirá o proprietário as sementes, plantas e construções, devendo ressarcir o valor das acessões (art. 1.256 do CC). Presume-‐se a má-‐fé do proprietário, quando o trabalho de construção, ou lavoura, se fez em sua presença e sem impugnação sua (parágrafo único do art. 1.256 do CC). Tal situação, há de se presumir a boa-‐fé do edificador ou lavrador, diante do consentimento tácito do proprietário. Quando terceiro de boa-‐fé planta ou edifica com semente ou material de outrem, em terreno igualmente alheio, a construção ou a plantação passa a pertencer ao proprietário do solo, mas o dono da semente ou dos materiais poderá cobrar do proprietário a indenização devida, quando não puder havê-‐la do plantador ou construtor (art. 1.257 e seu parágrafo único do CC). Por outro lado, se a construção, feita parcialmente em solo próprio, invade solo alheio em proporção não superior à vigésima parte deste, adquire o construtor de boa-‐fé a propriedade da parte do solo invadido, se o valor da construção exceder o dessa parte, e responde por indenização que represente, também, o valor da área perdida e a desvalorização da área remanescente (art. 1.258 do CC). Quanto ao construtor de má-‐fé, poderá também adquirir a propriedade da parte do solo invadido em proporção não superior à vigésima parte, desde que: a) efetue o pagamento em décuplo das perdas e danos; b) o valor da construção exceda consideravelmente o da parte invadida; c) impossibilidade de se demolir a porção invasora sem grave prejuízo para a construção. Esses requisitos, que são cumulativos, encontram-‐se no parágrafo único do art. 1.258 do CC. Alguns civilistas acrescentam mais um requisito, que é a necessidade de proteger terceiro de boa-‐fé. Acrescente-‐se, ainda, que se o construtor estiver de boa-‐fé, e a invasão do solo exceder à vigésima parte deste, adquire a propriedade da parte do solo invadido e responde por perdas e danos que abranjam o valor que a invasão acrescer à construção, mais o da área perdida e o da desvalorização da área remanescente (art. 1.259, 1.ª parte, do CC). Denota-‐se que a construção passa a ser o principal e o solo o acessório. Se, porém, o construtor estiver de má-‐fé, será obrigado a demolir o que nele construiu, pagando as perdas e danos apurados, que serão devidos em dobro (art. 1.259, 2.ª parte, do CC). 7 DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS PERDA DA PROPRIEDADE IMÓVEL O art. 1.275 do CC aponta as seguintes causas de perda da propriedade: alienação, renúncia, abandono, perecimento do imóvel e desapropriação. Mas, além dessas, há outras: usucapião, morte, confisco, posse pro labore ou posse-‐trabalho, requisição administrativa da propriedade particularetc. No caso de alienação e renúncia, a perda só se dá com o registro no Registro de Imóveis (parágrafo único do artigo 1275 do CC). Alienação é o ato pelo qual o proprietário transfere a propriedade a outra pessoa. Pode ser gratuita (doação), onerosa (compra e venda), voluntária (ex.: dação em pagamento) e compulsória (desapropriação e adjudicação). A perda da propriedade se dá no momento da transcrição do título aquisitivo. Renúncia é o ato unilateral pelo qual o proprietário expressamente abre mão do direito de propriedade. Para produzir efeitos a renúncia precisa ser registrada no Registro Imobiliário (parágrafo único do art. 1.275 do CC). Não existe renúncia tácita. De acordo com Maria Helena Diniz, a renúncia deve ser feita em favor de terceira pessoa, que não precisa manifestar sua aceitação, data venia, esse ato não é renúncia e sim doação. Abandono ou derrelição (res derelicta) é o ato unilateral pelo qual o proprietário larga a coisa com intenção de abandoná-‐la (animus derelinquendi). Se o abandono for tácito é preciso ficar bem evidenciada a intenção do abandono. Mera negligência não é abandono. A casa pode permanecer fechada e nem por isso haverá abandono. O imóvel abandonado é bem vago e passa ao domínio do Poder Público três anos depois. Se o imóvel abandonado for urbano, pertencerá ao Município ou ao Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições. Se estiver situado em zona rural, pertencerá à União, onde quer que ele se localize (art. 1.276 e § 1.º do CC). Presumir-‐se-‐á de modo absoluto a intenção de abandonar o imóvel, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais (§ 2.º do art. 1.276 do CC). Anote-‐se, contudo, que enquanto não decorrer o prazo de três anos não haverá a perda da propriedade, podendo o titular da propriedade reaver o bem de terceiros. O abandono só se configura após o decurso deste prazo. Só pode ser arrecadado como bem vago se presentes os seguintes requisitos: a) cessar a posse do proprietário; b) o bem não se encontrar na posse de outrem; c) decurso do prazo de três anos. Enquanto na renúncia o proprietário expressamente abre mão do direito de propriedade, exigindo a transcrição no Registro Imobiliário, no abandono, o proprietário apenas larga o que é seu (derrelição da coisa) com o propósito de não a ter mais para si (animus derelinquendi), ele abre mão tacitamente do direito de propriedade. Saliente-‐se, ainda, que, de acordo com Maria Helena Diniz, a renúncia deve ser feita em favor de alguém, ao passo que no abandono o proprietário não especifica o beneficiário. Abandono de coisa móvel confunde-‐se com renúncia, não há diferença. Perecimento. Ex.: a casa definitivamente tomada pelas águas do mar. POSSE PRO LABORE OU POSSE-‐TRABALHO Dispõe o § 4.º do art. 1.228 do CC: “O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel urbano ou rural reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-‐fé, por mais de 5 (cinco) anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante”. Acrescenta o § 5º que “O juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores”. A indenização não abrange juros compensatórios, pois esta desapropriação não é feita pelo poder público. Trata-‐se de uma hipótese de desapropriação privada judicial, baseada no princípio da função social da propriedade. Logo não há qualquer inconstitucionalidade em razão da 8 DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS violação da propriedade, que não é um direito absoluto. O registro da sentença só é feito após o pagamento no prazo fixado pelo juiz. Sem o pagamento não se registra a sentença, salvo se prescrever a ação de cobrança. Distingue-‐se do usucapião, pois este não é indenizável. O Código é omisso sobre quem tem a obrigação de indenizar o proprietário. Cremos que a indenização deva ser paga pelos reivindicantes. Não tem cabimento atribuir esta obrigação ao Município da situação do bem, por força do princípio da indisponibilidade dos bens públicos. Todavia, há quem entenda que o Estado deve indenizar quando se tratar de ocupantes de baixa renda. Preceitua o art. 2.030 das Disposições Transitórias do Código Civil que o prazo de cinco anos deve sofrer o acréscimo de mais dois anos, após a entrada em vigor do novo Código, se a situação que lhe deu origem teve início antes da vigência do novoCódigo ou durante a vacatio legis. É necessária a intervenção do Ministério Público no processo, tendo em vista a presença de interesse coletivo. A ação reivindicatória movida pelo proprietário deve ser julgada improcedente quando os réus alegarem e comprovarem os requisitos da desapropriação privada judicial. Vê-‐se assim que a desapropriação judicial é matéria de defesa em ações reivindicatórias ou possessórias. Quanto aos bens públicos, não podem ser objetos de usucapião e por isso não se submetem à desapropriação privada judicial, mas uma corrente admite tanto o usucapião quanto essa desapropriação em relação às terras devolutas. AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE MOBILIÁRIA A aquisição da propriedade de coisa móvel pode se dar pela ocupação, especificação, comistão, confusão, adjunção e tradição. Há, ainda, outros modos: sucessão hereditária, usucapião etc. A ocupação apresenta-‐se sob três formas: a) ocupação propriamente dita: é a apropriação de res nullius (coisa que jamais teve dono, v.g., caça, pesca) ou res derelictae (coisa abandonada ou renunciada pelo dono). Quem se assenhorear de coisas sem dono para logo lhe adquire a propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei (artigo 1263 do CC). Coisas públicas de uso comum podem ser apropriadas em parte, mas não no todo. Exemplo: quem recolhe água do rio torna-‐se dono. Não existe ocupação de imóvel porque todas as terras têm dono; o imóvel abandonado pertence ao Poder Público; inexiste imóvel que seja res nullius. O único caso de aquisição de imóvel por ocupação ocorre no loteamento, quando, desde a data do registro do loteamento, o Município adquire, mediante ocupação, o domínio das ruas e praças abertas para servirem a lotes vendidos (art. 22 da Lei 6.766/1979). Dá-‐se o nome de res hostilis à ocupação bélica, matéria relacionada ao direito internacional público. b) descoberta (ou invenção, conforme denominava o Código Civil de 1916): é o achado de coisa perdida (art. 1.233 do CC). O descobridor (aquele que acha a coisa) não adquire a propriedade; ele deve devolver a coisa ao dono ou legítimo possuidor e não o conhecendo deverá tentar encontrá-‐lo e se não conseguir deverá entregar para a autoridade competente (arts. 1.233, parágrafo único, do CC, e 169, parágrafo único, II, do CP); tem direito à recompensa pelos gastos que fez para devolver e conservar a coisa; esta recompensa é denominada achádego; se passados sessenta dias não aparecer o dono, a coisa passa a pertencer ao Estado e será vendida em hasta pública. É importante destacar que “Aquele que restituir a coisa achada, nos termos do artigo antecedente, terá direito a uma recompensa não inferior a 5% (cinco por cento) do seu valor, e à indenização pelas despesas que houver feito com a conservação e transporte da coisa, se o dono não preferir abandoná-‐la” (art. 1.234, caput, do CC). Outrossim, “Na determinação do montante da recompensa, considerar-‐se-‐á o esforço desenvolvido pelo descobridor para encontrar o dono, ou o 9 DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS legítimo possuidor, as possibilidades que teria este de encontrar a coisa e a situação econômica de ambos” (parágrafo único do art. 1.234 do CC). “O descobridor responde pelos prejuízos causados ao proprietário ou possuidor legítimo, quando tiver procedido com dolo” (art. 1.235 do CC). “A autoridade competente dará conhecimento da descoberta através da imprensa e outros meios de informação, somente expedindo editais se o seu valor os comportar” (art. 1.236 do CC). “Decorridos 60 (sessenta) dias da divulgação da notícia pela imprensa, ou do edital, não se apresentando quem comprove a propriedade sobre a coisa, será esta vendida em hasta pública e, deduzidas do preço as despesas, mais a recompensa do descobridor, pertencerá o remanescente ao Município em cuja circunscrição se deparou o objeto perdido” (art. 1.237, caput, do CC). “Sendo de diminuto valor, poderá o Município abandonar a coisa em favor de quem a achou” (parágrafo único do art. 1.237 do CC). c) tesouro: é o depósito antigo de coisas preciosas, oculto e de cujo dono não se guarde memória. O tesouro será dividido por igual entre o proprietário do prédio e o inventor que o encontrou casualmente (art. 1.264 do CC). Todavia, o tesouro pertencerá por inteiro ao proprietário do prédio, se for achado por ele, ou em pesquisa que ordenou, ou por terceiro não autorizado (art. 1.265 do CC). Achando-‐se em enfiteuse, o tesouro será dividido por igual entre o descobridor e o enfiteuta, ou será deste por inteiro quando ele mesmo seja o descobridor (art. 1.266do CC). O usufrutuário tem direito à metade do tesouro quando se tratar de usufruto universal, a outra metade pertence ao inventor, mas no usufruto particular metade do tesouro pertence ao nu-‐ proprietário a outra ao inventor, conforme §3º do artigo 1392 do CC. Especificação é a transformação de coisa móvel em espécie nova, em virtude do trabalho ou da indústria, desde que não seja possível reduzi-‐la à forma primitiva. Exemplo: o escultor que da pedra cria a estátua. Se o especificador lança mão de matéria-‐prima alheia a quem pertencerá a coisa? O especificador é dono: a) quando a matéria-‐prima lhe pertença, ainda que em parte somente (art. 1.269 do CC), pouco importa esteja de boa ou má-‐fé; b) quando a matéria-‐prima é alheia, mas o especificador se achar de boa-‐fé (art. 1.270 do CC). Em ambas as hipóteses, o especificador só será o dono da espécie nova, se esta não puder voltar à forma primitiva, caso contrário, o objeto novo pertencerá ao dono da matéria-‐prima. Se o especificador agiu de má-‐fé o objeto novo pertencerá ao dono da matéria-‐prima, quer seja ou não passível a redução à forma primitiva. Em qualquer caso, haja ou não boa-‐fé, se o preço da mão-‐de-‐obra exceder consideravelmente o valor da matéria-‐prima, o objeto novo será do especificador (art. 1.270, § 2.º, do CC), que apenas terá que indenizar o valor do material que empregou (Washington de Barros Monteiro). Ø Acessão é a junção, incorporação de uma coisa a outra; Ø Especificação é a transformação de matéria-‐prima em espécie nova. Ø Confusão é a mistura entre líquidos. Ø Comistão é a mistura entre coisas sólidas. O artigo 1272 comete erro gráfico, faz menção a comissão, mas o correto é comistão. Ø Adjunção é quando uma coisa se justapõe a outra e não pode mais ser separada. Exemplo: tinta na parede. Sobre a confusão, comistão e adjunção, dispõe o art. 1.272 e parágrafos do CC que “as coisas pertencentes a diversos donos, confundidas, misturadas ou adjuntadas sem o consentimento deles, continuam a pertencer-‐lhes, sendo possível separá-‐las sem deterioração”. O § 1.º dispõe que “Não sendo possível a separação das coisas, ou exigindo dispêndio excessivo, subsiste indiviso o todo, cabendo a cada um dos donos quinhão proporcional ao valor da coisa com que entrou para a 10 DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS mistura ou agregado”. O § 2.º, por sua vez, determina que “Se uma das coisas puder considerar-‐se principal, o dono sê-‐lo-‐á do todo, indenizando os outros”. De acordo com o art. 1.273 do CC, “Se a confusão, comistão ou adjunção se operou de má-‐fé, à outra parte caberá escolher entre adquirir a propriedade do todo, pagando o que não for seu, abatida a indenização que lhe for devida, ou renunciar ao que lhe pertencer, caso em que será indenizado”. Se da mistura surgir espécie nova, como na hipótese de surgir um novo mineral pela mistura de minerais, aplica-‐se as normas da especificação (artigos 1269 a 1271 do CC). O artigo 1274 se equivoca ao mandar aplicar os artigos 1272 e 1273, que nada tem a ver com a especificação. Tradição é o ato de entrega da coisa ao adquirente com o intuito de transferir-‐lhe a propriedade. Simples entrega não é tradição; é preciso intenção de transferir o domínio da coisa. Quem entrega é o tradens. A tradição só transfere a propriedade quando feita pelo proprietário. Aquisição a non domino é negócio inexistente em face do proprietário; se, porém, este ratificar o negócio, ou se o vendedor se tornar proprietário, o ato se convalesce se o adquirente estava de boa-‐fé (§ 1.º do art. 1.268 do CC). Igualmente, a tradição feita por quem não seja proprietário só produz efeito quando a coisa, oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento comercial, for transferida ao adquirente de boa-‐fé (art. 1.268, caput do CC). Outra exceção é a alienação onerosa feita pelo herdeiro aparente, que não é proprietário, mas a propriedade é transferida, por força do artigo 1817 do CC. Acrescente-‐se, ainda, que a tradição realizada por quem não é dono configura crime de estelionato (art. 171, § 2.º, I, do CP), além disso, não gera a transmissão da propriedade. A propriedade da coisa não se transfere pelo negócio jurídico, e sim pela tradição (artigo 1267 do CC). O §2º salienta que não transfere a propriedade a tradição que tem por título um negócio jurídico nulo. A tradição pode ser: real, simbólica e ficta. A tradição é real quando há a efetiva entrega da coisa pelo alienante ao adquirente ou ao terceiro designado pelo adquirente. Simbólica oupresumida ou consensual é a tradição em que há um ato que representa a entrega da coisa. A entrega não é real. Exemplo: entrega das chaves do imóvel vendido. Outro exemplo é a venda sobre documentos, a tradição da coisa é substituída pela entrega de seu título representativo e dos outros documentos exigidos pelo contrato ou, no silêncio deste, pelos usos (art. 529 do CC). Tradição ficta ou jurídica é a decorrente do constituto possessório ou cláusula constituti (tradição convencional); a tradição jurídica se opera por força de lei, sem a entrega material. Como regra geral, é pela tradição, e não pelo contrato, que se opera a transferência do domínio (art. 1.267 do CC). Exceções: 1. alienação fiduciária (Dec.-‐lei 911/1969). Há, porém, quem sustente a ocorrência da tradição ficta; 2. na compra e venda de títulos da dívida pública, a celebração do contrato transfere imediatamente ao comprador a propriedade do título (art. 8.º do Dec.-‐lei 3.545/1941); 3. na compra da coisa de que já tinha a posse; 4. no matrimônio realizado sob o regime de comunhão universal, onde a transferência do domínio efetua-‐se independentemente da tradição; decorre do próprio casamento (art. 1.667 do CC); 11 DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS PROPRIEDADE RESOLÚVEL OU REVOGÁVEL Propriedade resolúvel ou revogável é aquela que se extingue se ocorrer certa condição ou termo extintivo, previsto no próprio título que a constituiu. Exemplo: contrato de compra e venda com pacto de retrovenda, pelo qual o vendedor pode reaver o imóvel alienado, dentro de três anos, mediante a devolução do preço e reembolso das despesas contratuais. O proprietário resolúvel é dono da coisa enquanto não ocorrer o termo ou a condição extintiva, podendo vendê-‐ la, doá-‐la e hipotecá-‐la; só não pode destruí-‐la. A propriedade resolúvel é temporária. Trata-‐se de uma exceção à perpetuidade do direito de propriedade. Ocorrida a condição ou termo extintivo revoga-‐se (extingue-‐se) seu direito de propriedade. A revogação é ex tunc, isto é, desde a prática do ato. É o princípio da retroatividade das condições; é como se ele nunca tivesse sido proprietário; o proprietário terá direito de reivindicar a coisa ainda que alienada a terceiros, pois todos os direitos reais concedidos medio tempore são extintos (art. 1.359 do CC). A venda e a hipoteca são válidas, mas ineficazes perante o proprietário; o terceiro adquirente do bem terá apenas direito à indenização contra o proprietário resolúvel. Outros exemplos de propriedade resolúvel: fideicomisso, doação com cláusula de reversão em que o bem volta para o doador no caso de morte do donatário e alienação fiduciária em garantia. PROPRIEDADE AD TEMPUS Propriedade ad tempus (art. 1.360 do CC) é aquela que se extingue em virtude de causas supervenientes não previstas no título. Exemplo: revogação da doação por ingratidão. É espécie de propriedade resolúvel. Todavia, o possuidor que a adquirir antes da causa de extinção será considerado proprietário perfeito, não perderá o bem. Enquanto na propriedade resolutiva a causa extintiva consta no próprio título aquisitivo da propriedade, na propriedade ad tempus a causa extintiva é estranha ao título. Na propriedade resolutiva a revogação é ex tunc. Na propriedade ad tempus a revogação é ex nunc, isto é, desde agora; logo, serão válidas as alienações e ônus, recaídos sobre o imóvel. Assim, a ingratidão revoga a doação, extinguindo-‐se o direito de propriedade. Entretanto, será válida a alienação ou hipoteca feita pelo donatário ingrato antes da sentença que lhe reconhece a ingratidão, ressalvando-‐se ao doador o direito à indenização contra o donatário. Na propriedade resolutiva, a pessoa a quem aproveita a revogação tem ação real, isto é, direito de sequela (poderá reaver a coisa, esteja em poder de quem quer que seja); na propriedade ad tempus, se a coisa não puder ser restituída em espécie, por ter sido alienada, a ação será pessoal (não poderá reaver a coisa, devendo se contentar com a mera indenização). 12 DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS PERGUNTAS: 1) Por que a propriedade é um direito natural? 2) O que é a teoria da natureza humana? 3) Por que o direito de propriedade é cláusula pétrea? 4) Qual o conteúdo do direito de propriedade? 5) Qual a distinção entre o direito de usar e o direito de gozar? 6) Qual o conteúdo do direito de dispor? 7) Quais as ações cabíveis para exercer o direito de reavera coisa com base na propriedade? 8) Qual a distinção entre a propriedade plena ou perfeita e a propriedade limitada ou restrita? 9) Por que o direito de propriedade é elástico? 10) Por que o direito de propriedade é absoluto? 11) Por que o direito de propriedade é exclusivo? No condomínio, existe está exclusividade? 12) Em que consiste a irrevogabilidade ou perpetuidade do direito de propriedade? Há exceções? 13) Quais são os direitos reais perpétuos? 14) Qual a distinção entre a propriedade urbana e a propriedade rural? 15) Quais os modos de aquisição da propriedade imóvel? 16) Qual a distinção entre registro, transcrição, inscrição, averbação e matrícula? 17) O que é tradição solene? 18) Qual o inicio da eficácia do registro? 19) É possível adquirir a propriedade imóvel sem adquirir o registro? 20) É possível o registro após a morte do alienante? 21) Se houver duplicidade de registro qual prevalece? 22) O que é o princípio da publicidade do registro? 23) O que é o princípio da legalidade do registro? 24) O que é o princípio da continuidade do registro? 25) O que é o princípio da fé pública do registro? 26) O que é o princípio da obrigatoriedade do registro? 27) Qual a distinção entre acessão contínua e acessão discreta? 28) O que é acessão por obra da natureza? 29) O que é acessão industrial? 30) O que é acessão mista? 31) Qual a distinção entre aluvião e avulsão? 32) Qual a distinção entre álveo abandonado e aluvião impróprio? 33) Quem planta ou constrói em terreno alheio sempre adquiri a propriedade da plantação ou construção? 34) Quem constrói em solo próprio, mas invade solo alheio, adquire a propriedade da construção? 35) Qual a distinção entre renúncia e abandono? 36) O que é posse pro-‐labore? 37) O que é ocupação? 38) O que é descoberta? 39) O que é achadego? 40) O descubridor responde pelos prejuízos causados ao proprietário? 41) Quando a coisa achada vendida em hasta pública? 42) O que é tesouro? 43) A quem pertence o tesouro? 44) O que é especificação? 45) A quem pertence a coisa que é objeto de especificação? 13 DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS 46) Qual a diferença entre especificação e acessão? 47) Qual a distinção entre confusão, comistão e adjunção? A quem pertence estas coisas? 48) O que é tradição? 49) A simples entrega configura tradição? 50) A entrega feita por quem não é proprietário produz o efeito de transmitir a propriedade? 51) Qual a distinção entre tradição real, simbólica e ficta? 52) Em que hipóteses o simples contrato transmite o domínio? 53) Qual a distinção entre a propriedade resolúvel e propriedade ad tempus? 1 DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS CONDOMÍNIO GERAL CONCEITO Comunhão é o fato de o direito pertencer a mais de uma pessoa. Ocorre nas relações jurídicas em que há pluralidade subjetiva. Há comunhão de propriedade, servidão, usufruto, uso, habitação e superfície. Assim, o condomínio ou compropriedade, que é o fato de o direito de propriedade pertencer a mais de uma pessoa, é uma espécie do gênero comunhão. Anote-‐se, contudo, que o direito de propriedade é um só, mas é exercido em conjunto pelos condomínios. Todavia, perante terceiros cada condomínio pode agir como proprietário exclusivo do todo, exercendo a totalidade dos poderes inerentes ao direito de propriedade. Entre os próprios condomínios, porém, como esclarece Washington de Barros Monteiro, o direito de cada um é autolimitado pelo do outro, na medida de suas quotas, para que possível se torne a sua coexistência. CLASSIFICAÇÃO Quanto à origem, o condomínio pode ser: a) convencional ou voluntário: é o que nasce da vontade dos condôminos, através da aquisição em comum da coisa. No silêncio, presume-‐se a igualdade dos quinhões (art. 1.315, parágrafo único do CC). b) Eventual ou fortuito: é o que nasce da vontade de uma terceira pessoa, através da doação ou testamento de uma coisa em favor de mais de uma pessoa. É também chamado de condomínio acidental ou incidente. c) legal ou necessário: é o imposto pela lei, como no caso de paredes, cercas, muros e valas (art. 1327). A propósito, as despesas com essas divisórias devem ser rateadas entre os vizinhos. Se um vizinho ergue essas divisórias, o outro tem o direito de adquirir-‐lhe a metade ideal, mediante pagamento, é claro, do preço proporcional da obra, e não o preço de custo (art. 1.328). O valor é apurado no momento em que o confrontante exerce o direito de pleitear a sua meação. Antes desse pagamento, o vizinho não poderá utilizar
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