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Disciplina: Estágio Supervisionado Básico I em Psicologia – SDE0210 PROFESSOR: PAULO COGO, Doutor. Curso de Psicologia Unidade II: A escuta psicológica Conteúdo da aula: A escuta como instrumento de trabalho A escuta ativa Falar ou calar A ESCUTA COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO ESCUTA (CLÍNICA) A palavra escuta vem do latim escutare, que significa: tornar-se ou estar atento para ouvir; dar ouvidos a; aplicar o ouvido com atenção para perceber ou ouvir . É importante destacar neste sentido que a atitude de quem se coloca na postura de ouvinte é ativa, é a de quem não está presente como um mero espectador, receptor ou transmissor de informações. A ESCUTA COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO A ESCUTA ANALÍTICA - A DIFERENÇA ENTRE OUVIR E ESCUTAR Existe uma diferença fundamental entre ouvir e escutar. Tal diferença, sutil muitas vezes, chegando a passar despercebida na maioria dos casos, é bastante relevante para o trabalho do psicólogo. Ouvir está mais ligado ao sentido da audição, ao próprio ouvido, logo à capacidade de ouvir. A ESCUTA COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO Escutar, por sua vez, significa prestar atenção para ouvir; dar atenção a; perceber, ou ainda, tornar-se ou estar atento para ouvir; aplicar o ouvido com atenção para perceber ou ouvir. Percebe-se, então, que o ouvir é mais superficial do que o escutar, mais físico. Para escutar, faz-se necessária a utilização de uma função específica, a saber, a da atenção. Requer, assim, ouvidos mais apurados, atentos ao que o outro fala. A ESCUTA COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO Escutar implica em ouvir, contudo a recíproca não é verdadeira. Quem escuta, ouve; mas quem ouve não necessariamente escuta. Daí o dito popular: "entrou por um ouvido e saiu pelo outro". E a escuta? A escuta refere-se ao ato de escutar; lugar onde se escuta; pessoa que escuta. A ESCUTA COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO Assim, pode-se dizer que a escuta retém o discurso do outro. Posto isto, fica claro que ao psicólogo, e especialmente ao analista, cabe escutar, não simplesmente ouvir. A ESCUTA COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO AS RECOMENDAÇÕES FREUDIANAS Freud, em 1912, escreve o artigo Recomendações aos Médicos que praticam a Psicanálise. Com este pretende, como o próprio nome sugere, fazer determinadas recomendações acerca da técnica da Psicanálise. Encontramos neste artigo recomendações fundamentais que nos devem seguir de guia, ao menos, para muitas reflexões. A ESCUTA COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO Nos diz Freud que a técnica da psicanálise é muito simples. "Consiste simplesmente em não dirigir a atenção para algo específico e em manter a mesma atenção uniformemente suspensa' (atenção flutuante) em face de tudo o que escuta" (Freud, 1912: p. 125). Ou seja, não é preciso fazer um esforço de atenção e concentração naquilo que se está escutando. A ESCUTA COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO E prossegue Freud nos pontuando que desta forma "(...) evitamos um perigo que é inseparável da atenção deliberada. Pois assim que alguém deliberadamente concentra bastante a atenção, começa a selecionar o material que lhe é apresentado" (Freud, 1912: p. 126). A ESCUTA COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO Portanto, a seleção de determinado ponto do discurso do paciente é prejudicial à escuta do mesmo, pois que se poderá dar ênfase ou destaque a algo que não necessariamente merecesse receber tal atenção. Não devemos esquecer que "(...) o que se escuta, na maioria, são coisas cujo significado só é identificado posteriormente" (Freud, 1912: p. 126). A ESCUTA COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO Mas ao colocar em relevo determinado aspecto do discurso do paciente, está-se, inevitavelmente, negligenciando outros pontos que podem ser tão ou mais importantes. Além do que, como poderia o analista saber a que atribuir maior importância? Freud vai além quando afirma que "(...) a regra de prestar igual reparo a tudo constitui a contrapartida necessária da exigência feita ao paciente, de que comunique tudo o que lhe ocorre, sem crítica ou seleção. A ESCUTA COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO Se o médico se comportar de outro modo, estará jogando fora a maior parte da vantagem que resulta de o paciente obedecer à 'regra fundamental da psicanálise' (associação livre). A regra para o médico pode ser assim expressa: 'Ele deve conter todas as influências conscientes da sua capacidade de prestar atenção e abandonar-se inteiramente à 'memória inconsciente'" (Freud, 1912: p. 126). A ESCUTA COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO Portanto, Freud adverte não ser bom fazer anotações integrais do que foi relatado durante as sessões, pois isto, de um lado, poderia ser desagradável para o paciente e, por outro lado, o material seria novamente objeto de seleção, uma vez que o analista não conseguiria a façanha de escrever sobre o que o paciente falou e escutar o que ele está falando ao mesmo tempo. Mesmo que tal fato fosse justificado pelo analista no sentido de estar trabalhando cientificamente em cima do caso clínico. A ESCUTA COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO A este respeito, Freud alerta que "Não é bom trabalhar cientificamente num caso enquanto o tratamento ainda está continuando - reunir sua estrutura, tentar predizer seu progresso futuro e obter, de tempos em tempos, um quadro do estado atual das coisas, como o interesse científico exigiria. A ESCUTA COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO Casos que são dedicados, desde o princípio, a propósitos científicos, e assim são tratados, sofrem em seu resultado; enquanto os casos mais bem sucedidos são aqueles em que se permite ser tomado de surpresa por qualquer nova reviravolta neles, e sempre se o enfrenta com liberalidade, sem quaisquer pressuposições. A conduta correta para um analista reside em oscilar, de acordo com a necessidade, de uma atitude mental para outra, em evitar especulação ou meditação sobre os casos" (Freud, 1912: p. 128). A ESCUTA COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO E isto seria impraticável se o analista se detivesse num estudo do caso... A seleção ocorreria aqui de novo. Dessa forma cabe ao psicólogo, e especialmente ao analista, sustentar o lugar do não-saber para que possa ser "pego" pelo elemento surpresa, fundamental numa análise. A ESCUTA COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO Tem que se colocar na postura de ir para os seus atendimentos sem memória e sem desejo, que seriam prejudiciais uma vez que poderiam cristalizar o analista numa posição pré-determinada, referida ou à sessões passadas ou a expectativas quanto à sessão presente e às futuras. Em outras palavras, deve deixar sua escuta analítica fluir naturalmente e não se colocar em posição de controlá-la, desviando-a para este ou aquele caminho, baseado no que supõe ser o mais relevante. A ESCUTA COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO Em 1913, no artigo Sobre o Início do Tratamento, Freud alerta quanto ao momento adequado da fala do analista - de sua interpretação, pontuação ou intervenção. E conclui que o analista não deve revelar ao paciente o significado oculto (por serem inconscientes) de suas ideias e desejos. A ESCUTA COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO Cabe ao analista esperar o momento certo de comunicá-los ao paciente, momento este determinado não apenas pela relação transferencial, mas também quando o analista percebe que o paciente já está em condições de receber determinado tipo de informação. A ESCUTA COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO Ou nas palavras de Freud: "Mesmo nos estádios posteriores da análise, tem-se de ter cuidado em não fornecer ao paciente a solução de um sintoma ou a tradução de um desejo até que ele esteja tão próximo delas que só tenha de dar mais um passo para conseguir a explicação por si próprio" (Freud, 1913: p. 155). A ESCUTA COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO Ou seja, se a escuta do analista é fundamental para o progresso da análise, também há que se levar em conta a ocasião apropriada no que concerne à possibilidade e capacidade de escuta do paciente. Há que se estar atento a este fator. Uma interpretação inoportuna - determinada pela impossibilidade de escuta e elaboração do paciente, num dado momento do processo analítico - poderia fazer emergir muitas resistências e, com isso, retardar o tratamento. A ESCUTA COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO Ou, na melhor das hipóteses, cairíamos no que nos diz o ditado "entrou por um ouvido e saiu pelo outro", isto é, o paciente não faria o menor uso de nossa intervenção. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Freud, S. (1912). Recomendações aos médicos que exercem psicanálise. In: ESB das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Editora Imago, Rio de Janeiro, 1996. v. XII, p. 123-133. Freud, S. (1913). Sobre o Início do Tratamento. In: ESB das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Editora Imago, Rio de Janeiro, 1996. v. XII, p. 137-158.
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