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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA PÓS‐GRADUAÇÃO EM GESTÃO DO MEIO AMBIENTE: Educação, Direito e Análise Ambiental DISCIPLINA: DIREITO ADMINISTRATIVO AMBIENTAL Profª. Sandra de Mello Carneiro Miranda 2011 APRESENTAÇÃO Caros alunos, É com alegria que assumo mais uma vez a tarefa de ser professora do Curso de Especialização a Distância em Gestão do Meio Ambiente, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), ao ministrar a disciplina “Educação, Direito e Análise Ambiental”. Trabalhar na educação a distância tem sido uma experiência bastante enriquecedora e uma oportunidade de aprendizagem, que tem me proporcionado a reinvenção do meu modo de ensinar. Dando continuidade à ênfase “Direito” do nosso curso, cabe-me agora tratar do “Direito Administrativo Ambiental a Distância”. Na apostila elaborada para a disciplina, serão vistos alguns aspectos essenciais da relação entre Direito Administrativo e Direito Ambiental. Em razão do intrínseco envolvimento das duas disciplinas, sugiro que vocês tenham um manual de Direito Administrativo para dar suporte à matéria que será estudada. Será analisado o licenciamento, que ocupa lugar de relevo dentre os atos de política ambiental exercidos pela Administração Pública. Cabe-me destacar que o licenciamento ambiental é o procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetivas ou potencialmente poluidoras, ou aquelas que possam causar degradação ambiental. Assim, torna-se indispensável falar sobre a avaliação de impacto ambiental. Nesse estudo, serão enfatizados o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) por serem os mais completos e complexos instrumentos de Avaliação de Impactos Ambientais. Posteriormente, serão abordadas a Responsabilidade Administrativa Ambiental e as sanções administrativas derivadas de condutas e de atividades lesivas ao meio ambiente. É importante destacar que a concepção de meio ambiente para o direito não se restringe ao ambiente natural (sistemas vivos, elementos químicos e fenômenos físicos), mas envolve o meio ambiente cultural (como os sítios arqueológicos, as paisagens, as obras de valor artístico, turístico e arquitetônico) e o meio ambiente artificial (equipamentos urbanos, por exemplo). Assim, o tombamento e a desapropriação serão estudados como formas de proteger o patrimônio cultural brasileiro. A fim de aprofundar nas discussões teóricas que envolvem o direito administrativo ambiental, junto com a apostila serão trabalhados textos complementares. Buscarei também realizar pesquisas para verificar casos de aplicação dos conhecimentos adquiridos. Por meio dessa estruturação do curso, minha intenção é fazer com que vocês possam apreender o conteúdo da disciplina e refletir sobre ele para colocá-lo em prática na sua atuação jurídica e/ou cidadã. Bom curso a todos! Profª. Sandra de Mello Carneiro Miranda SUMÁRIO 1. RELAÇÃO ENTRE DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO AMBIENTAL 2. LICENCIAMENTO AMBIENTAL 3. AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS (AIA): O ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL E O RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL 4. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA AMBIENTAL 5. TOMBAMEN 6. DESAPROPRIAÇÃO REFERÊNCIAS 1 RELAÇÃO ENTRE DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO AMBIENTAL 1.1 AS PRÉ-COMPREENSÕES DO DIREITO DO AMBIENTE Um problema prévio a qualquer análise que se faça do Direito Ambiental tem a ver com a finalidade em nome da qual é estabelecido o seu regime. Discutem-se, assim, os fundamentos da tutela jurídico-política do ambiente e coloca-se a seguinte questão: deve-se proteger o ambiente em face do valor que ele tem em si ou é a vida do Homem que se pretende assegurar em condições dignas de existência? Assinalam-se, habitualmente, duas grandes compreensões da tutela jurídica do ambiente: Antropocêntrica: a defesa do ambiente é feita com o objetivo principal – ou mesmo único - de defender a vida humana. Ecocêntrica: o ambiente é tutelado em si mesmo, procurando-se a defesa e a promoção da natureza como um valor novo. Como afirma Dias (2002, p. 10), independente da opção que se tome, deve sublinhar-se que se vem sentindo paulatinamente o trânsito de uma visão antropocêntrica do direito para uma outra em que também as “coisas” passam a merecer a tutela da ordem jurídica (substituição do princípio antropocêntrico pelo princípio ecocêntrico ou biocêntrico). 1.2 INTERDISCIPLINARIDADE E TRANSVERSALIDADE DO DIREITO AMBIENTAL Uma característica marcante do Direito Ambiental é a necessidade de se ter um tratamento interdisciplinar. Há fortes relações entre os conhecimentos jurídicos e os provenientes de outras ciências como, por exemplo, a Ecologia (estudo e caracterização dos ecossistemas), a Economia (avaliação econômica do dano ambiental), a Antropologia (levantamento de populações indígenas), a Estatística (cálculos de probabilidade de estudos de impacto ambiental), entre outras. Além da interdisciplinaridade entre o Direito Ambiental e outras ciências, também no nível especificamente jurídico, deve-se destacar a transversalidade desse ramo do direito, no sentido de chamar a atenção para a importância dos conceitos, meios, institutos e instrumentos dos diferentes ramos “clássicos” do direito na ordenação jurídica do ambiente. É o que explica Dias (2002, p. 15), em seus ensinamentos sobre o direito administrativo e constitucional do direito português, que também se aplicam ao caso brasileiro: Isto porque a proteção do ambiente “convoca” praticamente todas as disciplinas clássicas do Direito, uma vez que levanta problemas nas relações entre sujeitos particulares (Direito Civil), nas relações entre os diversos sujeitos que compõem a comunidade internacional (Direito Internacional Público). É um dos sectores onde mais se tem feito sentir a regulamentação da União Europeia (Direito Comunitário): suscita algumas opções fundamentais da comunidade politicamente organizada (Direito Constitucional), merece já a qualificação dos principais atentados ao ambiente como crimes (Direito Penal) e é um sector fundamental da intervenção do Estado e das outras pessoas colectivas públicas e das relações entre a Administração Pública e os cidadãos (Direito Administrativo). 1.3 O PAPEL DO DIREITO ADMINISTRATIVO NA TUTELA DO AMBIENTE Apesar da transversalidade do Direito Ambiental, o Direito Administrativo possui uma posição de relevo na ordenação jurídica do ambiente. Isso porque a proteção e a promoção do ambiente, mais do que relacionadas com os interesses particulares dos cidadãos individualmente considerados, configuram-se como um interesse coletivo da maior importância. E a persecução do interesse público é um dos objetivos basilares do Direito Administrativo. Na visão de Dias (2002), outra razão que justifica o papel do Direito Administrativo em sede ambiental prende-se com sua maior aptidão para regular questões de índole técnica. Assim, a Constituição estabelece as opções básicas sobre a organização e o funcionamento da atividade administrativa e a legislação, por sua vez, ocupa-se da disciplina jurídica dos comportamentos e atividades com impactos ambientais. Mas Dias (2002, p. 27) afirma que, na esmagadora maioria dos casos, essas leis estão muito “longe” das situações concretas, sendo imprescindível que a Administração se ocupe da interpretação, especificação, pormenorização e, por vezes, desenvolvimento dos preceitos legais através de regulamentos administrativos indispensáveis à autorização e licenciamento de actividades susceptíveisde produzirem impactos ambientais, ao controle, fiscalização e sancionamento das condutas com efeitos ambientais nocivos e outras formas de fixar a disciplina ambiental dos casos concretos sujeitos à sua apreciação. Daí que toda a “aparelhagem” técnica do direito administrativo, designadamente contida em regulamentos e actos administrativos, venha a desempenhar um papel de relevo único na ordenação jurídica do ambiente. (grifos do autor) 1.4 PRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO E DO DIREITO AMBIENTAL Uma consequência da intrínseca relação entre o Direito Ambiental e o Direito Administrativo consiste no dever de observância dos princípios da Administração Pública para a tutela jurídico-administrativa do meio ambiente. Aplicam-se aqui os princípios que conformam toda a atividade administrativa, como os previstos no caput do art. 37 da CF/88: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte”. O mesmo vale para os princípios que, embora não expressamente previstos na Constituição, comandam a atividade administrativa. Nesse sentido, mencionam- se os princípios da supremacia do interesse público sobre o particular, o da motivação dos atos administrativos, o da proporcionalidade e o da finalidade. Na verdade, mesmo os princípios específicos do Direito Ambiental devem ser aplicados em conformidade com os princípios do Direito Administrativo. Assim ensina Machado (2004) ao afirmar que o princípio da precaução deverá ser implementado pela Administração Pública, no cumprimento dos princípios expostos no art. 37, caput, da CF/88. Conforme o autor, contraria a moralidade e a legalidade administrativa o adiamento de medidas de precaução que devam ser tomadas imediatamente. Violam o princípio da publicidade e o da impessoalidade administrativas os acordos e/ou licenciamentos em que o cronograma da execução de projetos ou a execução de obras não sejam apresentados previamente ao público, possibilitando que os setores interessados possam participar do procedimento das decisões. Acrescenta-se que o princípio da precaução deve ser pensado a partir de duas premissas: a) Motivação – qualquer ação estatal para postergar, controlar, cercear ou impedir o desenvolvimento de uma atividade deve estar fundamentada. A ameaça deve estar devidamente demonstrada, ainda que não seja possível comprová-la cientificamente. b) Proporcionalidade – a ação controladora não deve necessariamente impedir o desenvolvimento da atividade, mas controlar seus riscos possíveis, reduzir a ameaça do dano ou mitigá-lo. A mesma observação cabe quanto ao princípio da informação tangente às questões ambientais. Toma-se como exemplo o Estudo de Impacto Ambiental e seus respectivos relatórios (EIA/RIMA): o primeiro (EIA) é um documento complexo, multidisciplinar, com um conteúdo vasto sobre uma determinada atividade proposta que deve se submeter a ele; o segundo é um relatório com linguagem mais acessível, destinado a dar publicidade aos seus resultados para que todos os interessados tenham acesso. Outro exemplo que pode ser considerado é o licenciamento ambiental. Sempre que vai ser julgado um pedido de licenciamento é dada publicação prévia da reunião que o julgará para informar aos interessados. Praticamente, todas as práticas e políticas ambientais estão submetidas a processos de publicidade. É um direito categórico que todos devem ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, principalmente informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades. Também é clara essa exigência quando se trata da aplicação do princípio da consideração da variável ambiental no processo decisório de política de desenvolvimento. Segundo o princípio, qualquer ação ou decisão, seja ela emanada do poder público ou da iniciativa privada, com risco potencial de dano ao meio ambiente, deve considerar a variável ambiental. Ou seja, a questão ambiental, dada a sua importância, deve ser considerada de modo prioritário, e inquestionavelmente inserida dentro das motivações que direcionam qualquer política de desenvolvimento proposta ou estabelecida. 1.5 PODER DE POLÍCIA AMBIENTAL Antunes afirma que A utilização de recursos ambientais é atividade submetida ao poder de polícia do Estado, não se concebendo sem a presença de diferentes mecanismos de controle que serão manejados pelo Estado conforme as necessidades que forem se apresentando na vida diária (ANTUNES, 2008, p. 125). O conceito de poder de polícia foi dado pelo art. 78, do Código Tributário Nacional, em que: Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder. Daí decorre que o poder de polícia é prerrogativo da Administração Pública, uma vez que legitima a intervenção na esfera jurídica do particular em defesa de interesses maiores relevantes para a coletividade, desde que fundado em lei anterior que o discipline e defina seus contornos. O poder de polícia ambiental, definido como incumbência do Poder Público pelo art. 225, da CF/88, é decorrência lógica para o exercício da tutela administrativa do ambiente. Nesse sentido, Machado (2004) afirma que o Poder Público ganha constitucionalmente a incumbência de proteger o meio ambiente em sua sanidade e equilíbrio ecossistêmico. Para tanto, dispõe de uma série de instrumentos de controle de atividades potencialmente poluidoras e, mais importante, legitimidade para agir, para intervir na esfera de direitos do poluidor e corrigir a sua conduta. Assim, o princípio do controle do poluidor pelo Poder Público traduz a sua necessária intervenção para manutenção, restauração e preservação dos recursos naturais. Essa intervenção, muitas vezes, representa o exercício do poder de polícia administrativo – faculdade inerente à administração pública de limitar o exercício dos direitos individuais, visando assegurar o bem-estar da coletividade. Importante lembrar o papel do princípio da precaução no Direito Ambiental que, segundo Machado (2004), estende o poder de polícia da administração, pois, em nome desse princípio, o Estado pode suspender uma grande liberdade, ainda que ele não possa apoiar sua decisão em uma certeza científica. Adiciona-se o poder de polícia ambiental decorrente da função socioambiental da propriedade, ou seja, ao fato de o Estado ter a possibilidade, legalidade e legitimidade de impor um comportamento positivo ao proprietário (fiscalização, autuação, desapropriação etc.) condicionando-o ao atendimento do bem-estar social e dos valores éticos da comunidade. O poder de polícia ambiental é exercido mais comumente por meio de ações fiscalizadoras. Cabe ao Poder Público verificar, por exemplo, a observância dos padrões de qualidade ambientalque determinam a forma como certos recursos podem ser utilizados, como e de que forma podem ser eliminados os dejetos da produção, entre outros fins que visam manter a qualidade ambiental em níveis socialmente aceitáveis. Embora seja comum o exercício do poder de polícia ambiental por meio de ações fiscalizadoras, dentre os atos de polícia, o licenciamento ocupa lugar de relevo e será visto em capítulo próprio. O poder de polícia administrativa é dotado dos atributos da discricionariedade, da autoexecutoriedade e da coercibilidade, inerentes aos atos administrativos. Pode ser exercido diretamente ou por delegação, desde que esta tenha esteio legal, não podendo ser arbitrária, nem ampla, nem indefinida. A omissão do exercício do poder de polícia pela autoridade competente pode configurar tanto infração administrativa, nos termos do § 3º, do art. 70 da Lei nº 9.605/98, quanto ato de improbidade administrativa, a teor do art. 11, II, da Lei nº 8.429/92, ensejando a corresponsabilidade e, até mesmo, a perda do cargo do funcionário omisso. No art. 23, VI, a CF/88 estabelece que a União, os Estados e o Distrito Federal têm competência concorrente para legislar sobre a proteção do meio ambiente. De acordo com o art. 30, I e II, cabe aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local, suplementando as legislações federal e estadual. No art. 24, VI, a Constituição dispõe que todos os entes federativos têm competência comum para proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas. Portanto, a polícia ambiental deve ser exercida cumulativamente por todos os entes federativos, genericamente referidos no caput do art. 225, da CF/88, como o Poder Público. Em sintonia com a regra constitucional, a Lei nº 9.605/98 inclui todos os órgãos ambientais integrantes do SISNAMA, no âmbito das três esferas da federação, para fins de lavratura dos autos de infração administrativa. Para saber a respeito do funcionamento do SISNAMA, sugere-se a revisão do item 6.1 Gestão Ambiental no Brasil, da apostila de “Fundamentos de Direito Ambiental” do curso. 2 LICENCIAMENTO AMBIENTAL1 Por ser concebido como bem de uso comum do povo e como um direito fundamental, o meio ambiente condiciona a fruição da propriedade privada e o desenvolvimento de atividades econômicas à sua função socioambiental. Isso significa dizer que a exploração do meio ambiente, dos recursos e elementos naturais, independente de se situarem em áreas públicas ou privadas, sofre restrições legais que visam assegurar a sua proteção, a duração ou a proteção de sua qualidade. Nesse sentido, a exploração do meio ambiente é sempre limitada e condicionada (BENJAMIN, 2008): uma atividade que repercute (ou que pode repercutir) negativamente na qualidade do ambiente, compreendida como efetiva ou potencialmente poluidora, e que não poderá ser realizada de qualquer maneira. Devem ser atendidas certas condições, certos requisitos legais que podem, inclusive, inviabilizar a exploração de um dado recurso ou o desenvolvimento de uma dada atividade (seja pela escassez/raridade do recurso, seja pelo potencial lesivo da atividade). Dessa forma, é necessário não apenas conhecer certas práticas e quais as possíveis consequências negativas poderão recair sobre a qualidade do ambiente, mas, sobretudo, controlar essas práticas. Esse raciocínio implica a materialização de certos instrumentos de controle e de comando que consagraram o Direito Ambiental, principalmente no seu aspecto preventivo. Dentre esses instrumentos, o que será adentrado adiante figura como um dos mais importantes, o Licenciamento Ambiental, previsto na Lei nº 6.938/81, art. 9º, inc. IV, que visa “verificar a possibilidade e regularidade de toda e qualquer intervenção projetada sobre o meio ambiente” (MILARÈ, 2008). 1 Capítulo elaborado pelo professor Leonardo Alejandro Gomide Alcântara. Antes de se falar especificamente sobre o licenciamento ambiental, vale recordar, no Direito Administrativo, as noções de autorização e licença: a) Autorização – ato administrativo discricionário (faculta ao administrador a decisão de sua concessão ou não) e precário (pode ser retirado a qualquer momento a critério do administrador), que faculta ao administrado um direito que, em “circunstâncias normais”, é proibido (trata-se de um ato constitutivo). Por exemplo, o porte de armas. b) Licença – ato administrativo vinculado (preenchendo certos requisitos legais, o administrador é obrigado a concedê-la) e definitivo (mantendo-se as condições que facultam a licença ao administrado, a mesma não pode ser retirada), que faculta ao administrado, mediante cumprimento de requisitos legais, o gozo de direito líquido e certo (trata-se de um ato declaratório). No Direito Ambiental, a licença e o processo de licenciamento são peculiares, distintos do Direito Administrativo, podendo-se afirmar que a Licença Ambiental é uma licença sui generis, com características próprias e exclusivas, seguindo preceitos legais, padrões administrativos e rituais claramente estabelecidos. Por suas características peculiares, pode-se questionar sobre a Natureza Jurídica do licenciamento ambiental, indagando-se: Trata-se de uma licença ou uma autorização? Um ato administrativo vinculado ou discricionário? Ou é um ato definitivo ou precário? Pode-se adiantar que, mesmo cumprindo os requisitos legais, mesmo que os estudos que precedem o licenciamento não indiquem transgressões à legislação vigente, a concessão da licença não é vinculante para o administrador, pois o mesmo pode se pautar na conveniência do projeto. Ou seja, ainda que cumpridos todos os requisitos legais, um empreendimento pode ter negada a sua licença por não atender aos interesses sociais de uma dada região, comunidade, estado etc. Mas isso não significa uma discricionariedade absoluta para o administrador, pois, por exemplo, conforme se sabe, via de regra, são as instâncias colegiadas de gestão política do meio ambiente que julgam o licenciamento (os conselhos ambientais). Essas instâncias, conforme estudado na disciplina “Fundamentos de Direito Ambiental”, comportam uma multiplicidade de segmentos representativos de diferentes interesses sociais, e, em meio a profundas discussões entre os segmentos, pode-se deliberar pela não concessão de uma licença. Mas o debate tornará a motivação da não concessão suficientemente clara, ou seja, a decisão de não conceder a licença deverá ser satisfatoriamente motivada de acordo com os interesses sociais. Pode-se dizer, desse modo, que não se trata de um ato inteiramente discricionário e nem inteiramente vinculado, mas algo que se situa entre as duas coisas. Por sua vez, há prazos de validade para cada tipo de licença e possibilidade de renovação, o que enseja tratar-se de um ato administrativo precário. Entretanto, a licença ambiental goza de estabilidade temporal, já que, durante a sua vigência, não pode ser retirada ou modificada sem justa causa. E são muitas as razões que justificam estabelecer prazos de validade para as licenças ambientais, como o simples fato de que se vive num mundo dinâmico onde o que se compreende hoje como algo inofensivo, o avanço do saber pode demonstrar o contrário, necessitando readaptações, novas tecnologias etc. Além disso, poderia-se admitir que uma atividade sabidamente poluidora (que em outro momento não se entendia como tal) atue perpetuamente degradando por ter uma licença definitiva. Por fim, a discussão caminha para dirimir uma questão central: afinal, a Licença Ambiental trata-se de licença ou autorização? Com baseem estudos como o de Edis Milaré, Paulo Afonso Leme Machado, entre outros, pode-se afirmar, categoricamente, que se trata de uma licença, pois garante o direito de propriedade e o livre exercício da atividade econômica – direito subjetivo fundamental previsto constitucionalmente. Esse instrumento de gestão ambiental, de controle da administração pública das atividades humanas que interferem nas condições ambientais, é um “ato uno, de caráter complexo, em cujas etapas podem intervir vários agentes dos diversos órgãos do SISNAMA”. Um licenciamento ambiental será sempre precedido de estudos técnicos que subsidiem sua análise (MILARÉ, 2008), sendo que, o principal dentre estes (mas não o único), é o Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo relatório (EIA/RIMA), que será estudado no próximo capítulo. A Resolução nº 237/97, em nível federal, é o principal instrumento normativo regulamentar desse instrumento da PNMA, estabelecendo um rol de atividades que ficam obrigadas ao Licenciamento Ambiental, além de algumas conceituações importantes, tais como: Licenciamento Ambiental: “É o procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetivas ou potencialmente poluidoras, ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso”. Licença Ambiental: “Ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental”. Estudos Ambientais: “São todos e quaisquer estudos relativos aos aspectos ambientais relacionados à localização, instalação, operação e ampliação de uma atividade ou empreendimento, apresentado como subsídio para a análise da licença requerida, tais como: relatório ambiental, plano e projeto de controle ambiental, relatório ambiental preliminar, diagnóstico ambiental, plano de manejo, plano de recuperação de área degradada e análise preliminar de risco”. Partindo dessas conceituações, pode-se aferir que o Licenciamento Ambiental possui momentos diferenciados, desdobrando-se – ainda que considerado como ato uno – na concessão de três subespécies de licenças: 1 Licença Prévia (LP): avalia-se a proposta de atividade potencial ou efetivamente poluidora, atesta-se o projeto do empreendimento e sua viabilidade ambiental e legal frente à área em que se propõe a atividade. Também, nesse momento, são propostas condicionantes (como o próprio nome diz, são ações que devem ser realizadas como condição para a licença) e estabelecidos requisitos básicos que deverão ser atendidos ao longo do licenciamento. 2 Licença de Instalação (LI): nesse momento, avaliam-se os planos de implantação e os impactos decorrentes das obras de instalação da atividade proposta, consentindo ou não, de acordo com a proposta, com a instalação física (obras de infraestrutura e engenharia) do empreendimento ou atividade. 3 Licença de Operação (LO): vencidas as anteriores e após observar o cumprimento das condicionantes e requisições, a última etapa avalia os impactos gerados pelo exercício da atividade e as formas de controle/mitigação dos mesmos, consentindo ou não com a operação da atividade. Somente, a partir dessa etapa, o empreendimento (ou atividade) poderá operar conforme se propôs. Percebe-se que os impactos decorrentes da instalação de um empreendimento podem ser muito distintos daqueles decorrentes de sua operação. Toma-se como exemplo uma empresa que pretende tingir tecidos: na sua instalação, poderá haver supressão de florestas, geração de entulhos da obra, movimentação de terra etc. Por sua vez, na operação, haverá despejo de dejetos químicos, poluição atmosférica, rejeitos industriais, entre outros. Por todo empreendimento ou atividade possuir momentos diferenciados, com impactos diferenciados, o legislador teve o cuidado de criar um instrumento que avaliasse cada um desses momentos, tornando o processo de licenciamento ambiental um procedimento complexo. Procedimento Com base na Resolução CONAMA nº 237/97, art. 10, em sua integralidade, o procedimento de licenciamento ambiental pode ser compreendido com oito fases distintas, a saber: 1 Definição de documentos, projetos e estudos ambientais necessários ao início do processo. 2 Requerimento de licença e seu anúncio público. 3 Análise dos documentos e vistoria técnica. 4 Solicitação de esclarecimentos e complementações (se necessário). 5 Audiência Pública (se necessário). 6 Esclarecimentos e complementações decorrentes da Audiência Pública (se necessário). 7 Emissão de parecer técnico conclusivo e jurídico. 8 Deferimento ou não da licença. Para melhor ilustrar os procedimentos e fases do Licenciamento Ambiental, será analisado a seguir o licenciamento no Estado de Minas Gerais. 2.1 LICENCIAMENTO EM MINAS GERAIS Em Minas Gerais, a Lei nº 7.772/80 cria a Política Estadual de Proteção, Conservação e Melhoria do Meio Ambiente. Essa lei vai ser regulamentada pelo Decreto nº 44.844/2008, que, por sua vez, estabelece as regras para o licenciamento ambiental e a autorização ambiental de funcionamento no Estado. Entretanto, a legislação que mais nos interessa no momento é a Deliberação Normativa COPAM n° 74/04, pois a mesma é que vai estabelecer os critérios para a classificação das atividades submetidas ao licenciamento Ambiental ou à Autorização Ambiental de Funcionamento. Dois pontos são considerados para a classificação: 1 Porte do empreendimento: área útil, volume de produção, número de empregados etc. 2 Potencial poluidor/degradador: estabelecido pela DN nº 74/04, de acordo com o impacto ambiental no solo, água e ar. Conforme a DN COPAM nº 74/04, em seu anexo único: 1 Os empreendimentos e atividades modificadoras do meio ambiente são enquadradas em seis classes que conjugam o porte e o potencial poluidor (ou degradador) do meio ambiente (1, 2, 3, 4, 5 e 6), conforme a Tabela A-1: Tabela A-1: Determinação da classe do empreendimento a partir do potencial poluidor da atividade e do porte. Potencial poluidor/degradador geral da atividade P M G Porte do P 1 1 3 Empreendimen to M 2 3 5 G 4 5 6 2 O potencial poluidor/degradador da atividade é considerado pequeno (P), médio (M) ou grande (G), em função das características intrínsecas da atividade, conforme as listagens A, B, C, D, E, F e G. O potencial poluidor é considerado sobre as variáveis ambientais: ar, água e solo. Para efeito de simplificação, incluem-se, no potencial poluidor sobre o ar, os efeitos de poluição sonora, e sobre o solo, os efeitos nos meios bióticos e socioeconômicos. O potencial poluidor/degradador geral é obtido da Tabela A-2: Tabela A-2: Determinação de potencial poluidor/degradador geral. Potencial Poluidor/Degradador Variáveis Variáveis Ambientais Ar/Água/S olo P P P P P P M M M G P P P M M G M M G G P M G M G G M G G G Geral P P M M M G M M G G 3 O porte do empreendimento, por sua vez, também é considerado pequeno (P), médio (M) ou grande (G), conforme os limites fixados nas listagens. A própria DN COPAM nº 74/04 estabeleceuma ampla listagem de atividades sujeitas ao licenciamento, classificando-as a partir de seu potencial poluidor. Vale ressaltar que o simples fato de uma atividade não se encontrar na listagem não a isenta a priori de um Licenciamento Ambiental, caso a mesma seja efetiva ou potencialmente poluidora. Mesmo porque atividades novas surgem de forma muito mais dinâmica do que são modificadas as normatizações que as regulamentam ambientalmente e isso não significa que as mesmas devam ficar sem controle. A seguir, o passo a passo dos procedimentos: 1 Preencher e protocolar o “Formulário de Caracterização do Empreendimento Integrado - FCEI” (momento em que o empreendedor vai descrever qual a atividade/empreendimento que pretende desenvolver). 2 Receber o “Formulário de Orientações Básicas Integrado – FOBI” e cumprir suas determinações (após avaliar a classe e o tipo de empreendimento proposto ao órgão ambiental – o órgão executivo do SISMUMA (FEAM) irá designar quais são os estudos e documentações necessárias para o empreendimento). 3 Dependendo da classe do empreendimento, o mesmo deverá proceder ao licenciamento ambiental – LP, LI e LO (classes 3, 4, 5, e 6) ou requisitar uma Autorização Ambiental de Funcionamento – AAF, que não o isenta do Licenciamento Ambiental Municipal quando couber. 4 É dada a publicação no Diário Oficial do Estado do requerimento da licença (para que todos os interessados possam saber e mesmo participar, sem direito a voto se não for conselheiro, nos espaços colegiados do processo). O empreendedor também faz publicar em jornal de grande circulação. 5 É elaborado um parecer técnico, com base nas vistorias, para analisar a correspondência entre a realidade do local proposto para o empreendimento e o que foi apresentado pelo empreendedor nos estudos solicitados, entrando no mérito do processo, recomendando ou não a aprovação do licenciamento. Também é elaborado um parecer jurídico, que, por sua vez, analisará aspectos formais e legais do processo. 6 Poder-se-á requisitar, por parte do órgão ambiental, informações complementares, caso os técnicos detectem que o estudo apresentado seja insuficiente. Dependendo do estudo, os prazos podem variar. 7 O processo é enviado para o Conselho de Política Ambiental (COPAM) ou seus regionais para ser apreciado nas câmaras técnicas competentes. A licença pode ser deferida, comunicando-se ao empreendedor, ou indeferida, caso em que o empreendedor deverá formalizar novo processo com as devidas correções. Em âmbito municipal, o procedimento é bastante aproximado, conforme pode ser exemplificado com o município de Juiz de Fora (MG), conveniado à Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD). 2.1.1 Licenciamento em Juiz de Fora (MG) Para se submeter ao licenciamento em Juiz de Fora, é necessário: 1 Preencher Formulário de Caracterização do Empreendimento – FCE. 2 O órgão ambiental remete ao empreendedor o Formulário de Orientação Básica – FOB (detalha os tipos de estudos e documentação necessários). 3 O interessado solicita a licença ambiental através de requerimento acompanhado de documentação (PCA/RCA). 4 É publicado no Diário Oficial do Município o requerimento de licença. 5 O empreendedor faz publicar o requerimento em jornal de grande circulação no município. 6 É elaborado (com base em análises e vistorias) um parecer técnico e um parecer jurídico. 7 Informações complementares (prazo máximo de 120 dias para a entrega). 8 O processo é enviado ao Comdema para análise e julgamento da licença. 9 Após a decisão do Comdema, o processo é encaminhado à Agenda JF para posterior comunicação ao interessado. 2.2 CARACTERÍSTICAS Conforme visto, o Licenciamento Ambiental é sui generis, com características que o assemelham a uma autorização, mas que é essencialmente uma licença. Desdobra-se em três subespécies (LP, LI e LO) e sempre exige alguma forma de avaliação prévia de impactos. Estabelece prazos de validade, mas possui estabilidade temporal distinguindo-se da precariedade da autorização e do caráter definitivo das licenças tradicionais. 2.3 COMPETÊNCIA Outro ponto de substancial importância trata-se das competências para o licenciamento. A competência deve ser fundada no alcance dos impactos ambientais do empreendimento proposto, cabendo aos órgãos do SISNAMA e ao IBAMA proceder ao licenciamento. Existe a possibilidade constitucional de licenciamentos múltiplos, como na federação, nos estados e nos municípios concomitantemente (reconhecimento do STJ), mas isso pode gerar uma grande confusão caso haja divergências. Os dispositivos da R. CONAMA nº 237/97 fixam também critérios de dominialidade do bem, mas alguns autores apontam que isso afronta a CF/88, que apresenta definições como “interesse local” e esmiúça competências ambientais para os entes federados. Conforme a Resolução, o Licenciamento Federal: Art. 4º - Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, órgão executor do SISNAMA, o licenciamento ambiental, a que se refere o artigo 10 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, a saber: I - localizadas ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; no mar territorial; na plataforma continental; na zona econômica exclusiva; em terras indígenas ou em unidades de conservação do domínio da União. II - localizadas ou desenvolvidas em dois ou mais Estados; III - cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais do País ou de um ou mais Estados; IV - destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN; V- bases ou empreendimentos militares, quando couber, observada a legislação específica. § 1º - O IBAMA fará o licenciamento de que trata este artigo após considerar o exame técnico procedido pelos órgãos ambientais dos Estados e Municípios em que se localizar a atividade ou empreendimento, bem como, quando couber, o parecer dos demais órgãos competentes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, envolvidos no procedimento de licenciamento. § 2º - O IBAMA, ressalvada sua competência supletiva, poderá delegar aos Estados o licenciamento de atividade com significativo impacto ambiental de âmbito regional, uniformizando, quando possível, as exigências. Quanto ao Licenciamento Estadual/Distrital: Art. 5º - Compete ao órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal o licenciamento ambiental dos empreendimentos e atividades: I - localizados ou desenvolvidos em mais de um Município ou em unidades de conservação de domínio estadual ou do Distrito Federal; II - localizados ou desenvolvidos nas florestas e demais formas de vegetação natural de preservação permanente relacionadas no artigo 2º da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, e em todas as que assim forem consideradas por normas federais, estaduais ou municipais; III - cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais de um ou mais Municípios; IV - delegados pela União aos Estados ou ao Distrito Federal, por instrumento legal ou convênio. Parágrafo único. O órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal fará o licenciamento de que trata este artigo após considerar o exame técnico procedido pelos órgãos ambientais dos Municípios em que se localizara atividade ou empreendimento, bem como, quando couber, o parecer dos demais órgãos competentes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, envolvidos no procedimento de licenciamento. Por fim, quanto ao Licenciamento Municipal: Art. 6º - Compete ao órgão ambiental municipal, ouvidos os órgãos competentes da União, dos Estados e do Distrito Federal, quando couber, o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades de impacto ambiental local e daquelas que lhe forem delegadas pelo Estado por instrumento legal ou convênio. Para que um município possa licenciar ambientalmente atividades ou empreendimentos, é necessário que ele possua: 1 Conselho deliberativo e paritário; 2 Lei de Política Ambiental (caso de MG); 3 Corpo técnico habilitado. Em Minas Gerais, os municípios podem licenciar as atividades classe 1 e 2 originariamente. Caso possuam convênio com a SEMAD, podem licenciar atividades classes 3 e 4, conforme DN COPAM nº 102/06. Ou seja, firmando convênio, o município pode licenciar atividades que a priori são de competência do Estado. Conforme DN COPAM nº 102/06: Art. 3º - O sistema municipal de gestão ambiental a que se refere o art.1º desta Deliberação Normativa, nos casos de convênios realizados para o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades classificadas nas classes 3 e 4 da Deliberação Normativa nº 74, de 9 de setembro de 2004, caracteriza-se pela existência de: I - política municipal de meio ambiente prevista em lei orgânica ou legislação específica; II - conselho de meio ambiente caracterizado por instância normativa, colegiada, consultiva e deliberativa de gestão ambiental, com representação da sociedade civil organizada paritária à do Poder Público, eleita autonomamente, em processo coordenado pelo município, com as mesmas restrições que os Conselheiros do COPAM central, na forma estabelecida pelo art. 31 e art. 34 caput e §§1°, 2°, 3° e 4° do Decreto Estadual nº 44.316, de 07 de julho de 2006; III - órgão técnico-administrativo na estrutura do Poder Executivo Municipal, com atribuições específicas ou compartilhadas na área de meio ambiente, dotado de corpo técnico multidisciplinar responsável pela análise de pedidos de licenciamento, fiscalização e pelo controle de impactos ambientais, ainda que de forma consorciada com outros municípios, desde que todos os integrantes do consórcio sejam partes do convênio a que se refere esta Deliberação Normativa; IV - sistema de licenciamento ambiental, que preveja: a) a análise técnica pelo órgão descrito no inciso III; b) a concessão das licenças ambientais pela instância colegiada prevista no inciso II; c) a indenização dos custos de análise ambiental, nos moldes do sistema adotado pelo COPAM. V - sistema de fiscalização ambiental legalmente estabelecido, que preveja multas para o descumprimento de obrigações de natureza ambiental; VI - destinação das receitas geradas pelas ações previstas nos incisos IV e V e outras, ao sistema municipal de gestão ambiental; VII - sistema adequado de disposição final de resíduos sólidos urbanos e de tratamento de efluentes domésticos, de acordo com as normas estabelecidas pelo COPAM; VIII - Plano Diretor Municipal implantado ou revisado de acordo com o estabelecido na Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Art. 4º - O sistema municipal de gestão ambiental a que se refere o art. 1º desta Deliberação Normativa, nos casos de convênios realizados para a autorização ambiental de funcionamento de empreendimentos e atividades classificadas nas classes 1 e 2 da Deliberação Normativa nº 74, de 9 de setembro de 2004, caracteriza-se pela existência de: I - política municipal de meio ambiente prevista em lei orgânica ou legislação específica; II - conselho de meio ambiente caracterizado por instância normativa, colegiada, consultiva e deliberativa de gestão ambiental, com representação da sociedade civil organizada paritária à do Poder Público, eleita autonomamente, em processo coordenado pelo município, com as mesmas restrições que os Conselheiros do COPAM central, na forma estabelecida pelo art. 31 do Decreto Estadual, 44.316, de 07 de julho de 2006; III - estrutura institucional dotada de corpo técnico multidisciplinar, com capacidade para conceder e fiscalizar o cumprimento das autorizações ambientais de funcionamento, ainda que de forma consorciada, desde que todos os municípios integrantes do consórcio sejam partes do convênio a que se refere esta Deliberação Normativa; IV - Sistema adequado de disposição final de resíduos sólidos urbanos e de tratamento de efluentes domésticos, de acordo com as normas estabelecidas pelo COPAM; V - Plano Diretor Municipal implantado ou revisado de acordo com o estabelecido na Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001. São conferidos prazos para a análise da licença, para informações complementares, para validade de licenças entre outros, conforme a R. CONAMA nº 237/97: Art. 14 - O órgão ambiental competente poderá estabelecer prazos de análise diferenciados para cada modalidade de licença (LP, LI e LO), em função das peculiaridades da atividade ou empreendimento, bem como para a formulação de exigências complementares, desde que observado o prazo máximo de 6 (seis) meses a contar do ato de protocolar o requerimento até seu deferimento ou indeferimento, ressalvados os casos em que houver EIA/RIMA e/ou audiência pública, quando o prazo será de até 12 (doze) meses. (Grifo nosso) § 1º - A contagem do prazo previsto no caput deste artigo será suspensa durante a elaboração dos estudos ambientais complementares ou preparação de esclarecimentos pelo empreendedor. § 2º - Os prazos estipulados no caput poderão ser alterados, desde que justificados e com a concordância do empreendedor e do órgão ambiental competente. Art. 15 - O empreendedor deverá atender à solicitação de esclarecimentos e complementações, formuladas pelo órgão ambiental competente, dentro do prazo máximo de 4 (quatro) meses, a contar do recebimento da respectiva notificação Parágrafo Único - O prazo estipulado no caput poderá ser prorrogado, desde que justificado e com a concordância do empreendedor e do órgão ambiental competente. Art. 16 - O não cumprimento dos prazos estipulados nos artigos 14 e 15, respectivamente, sujeitará o licenciamento à ação do órgão que detenha competência para atuar supletivamente e o empreendedor ao arquivamento de seu pedido de licença. Art. 17 - O arquivamento do processo de licenciamento não impedirá a apresentação de novo requerimento de licença, que deverá obedecer aos procedimentos estabelecidos no artigo 10, mediante novo pagamento de custo de análise. Art. 18 - O órgão ambiental competente estabelecerá os prazos de validade de cada tipo de licença, especificando-os no respectivo documento, levando em consideração os seguintes aspectos: I - O prazo de validade da Licença Prévia (LP) deverá ser, no mínimo, o estabelecido pelo cronograma de elaboração dos planos, programas e projetos relativos ao empreendimento ou atividade, não podendo ser superior a 5 (cinco) anos. II - O prazo de validade da Licença de Instalação (LI) deverá ser, no mínimo, o estabelecido pelo cronograma de instalação do empreendimento ou atividade, não podendo ser superior a 6 (seis) anos. III - O prazo de validade da Licença de Operação (LO) deverá considerar os planos de controle ambiental e será de, no mínimo, 4 (quatro) anos e, no máximo, 10 (dez) anos. § 1º - A Licença Prévia (LP) e a Licença de Instalação (LI) poderão ter os prazos de validadeprorrogados, desde que não ultrapassem os prazos máximos estabelecidos nos incisos I e II § 2º - O órgão ambiental competente poderá estabelecer prazos de validade específicos para a Licença de Operação (LO) de empreendimentos ou atividades que, por sua natureza e peculiaridades, estejam sujeitos a encerramento ou modificação em prazos inferiores. § 3º - Na renovação da Licença de Operação (LO) de uma atividade ou empreendimento, o órgão ambiental competente poderá, mediante decisão motivada, aumentar ou diminuir o seu prazo de validade, após avaliação do desempenho ambiental da atividade ou empreendimento no período de vigência anterior, respeitados os limites estabelecidos no inciso III. § 4º - A renovação da Licença de Operação(LO) de uma atividade ou empreendimento deverá ser requerida com antecedência mínima de 120 (cento e vinte) dias da expiração de seu prazo de validade, fixado na respectiva licença, ficando este automaticamente prorrogado até a manifestação definitiva do órgão ambiental competente. 2.4 ALTERAÇÃO DAS LICENÇAS Conforme visto, a Licença Ambiental não confere ao licenciado uma outorga de operar ad eternum, mas além da temporalidade, há ainda a possibilidade de modificação da mesma, principalmente quando ocorrem situações imprevisíveis. Nesses casos, adota-se analogamente a Lei Federal nº 8.666/93, art. 58, inc. I, que trata da modificação de contratos administrativos aplicando-se a teoria da imprevisão. A cláusula Rebus sic standibus (a convenção não permanece em vigor se as coisas não permanecem como eram) é bastante apropriada nesse sentido. Se as condições originais mudarem, a licença poderá ser alterada. Ou seja, aplica-se a teoria da imprevisão esclarecendo que, no curso do contrato, quando sobrevêm eventos excepcionais e imprevisíveis que subvertem a equação econômico-financeira do pacto, possibilita-se a sua revisão. No caso da Licença Ambiental, a sua modificação se dá quando é percebida a situação de inadequação circunstancial da licença ambiental. A modificação pode ser restritiva ou liberalizante, correndo às custas do empreendedor. A R. CONAMA nº 237/97 é bastante elucidativa quanto às possibilidades de cancelamento e suspensão: Art. 19 – O órgão ambiental competente, mediante decisão motivada, poderá modificar os condicionantes e as medidas de controle e adequação, suspender ou cancelar uma licença expedida, quando ocorrer: I - Violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais. II - Omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição da licença. III - Superveniência de graves riscos ambientais e de saúde. Um pouco mais detalhadamente: a) Suspensão da licença – 1. Omissão de informações importantes sanáveis e 2. Superveniência de graves riscos para o ambiente ou para saúde, superáveis através de medidas de controle e adequação. b) Cancelamento da licença – 1. Expedida de forma contrária a ordem jurídica; 2. Subsidiada por falsa descrição de informações relevantes e 3. Superveniência de graves riscos (ambiente e saúde) insuperáveis. Há que se falar ainda em direito à indenização. Essa ocorre no caso de suspensão ou cancelamento da licença por motivo alheio ao licenciado, ou seja, quando ele não contribuiu para a modificação da situação que tornou a licença inadequada e o Estado a suspende ou a cancela. Este deve arcar com as consequências e prejuízos econômicos decorrentes da paralisação da atividade, e não o empreendedor. 2.5 LICENCIAMENTO CORRETIVO Por fim, resta falar sobre o Licenciamento Corretivo, que é aquele requerido de atividades que operam sem as devidas licenças (o art. 34 do Dec. nº 4.340/02 obriga a Licença de Operação Corretiva (LOC) em dozes meses após a publicação). Quando determinada atividade já operava antes de se exigir o licenciamento e este passa a ser exigido, a mesma deverá proceder com o seu licenciamento corretivo para tornar-se ambientalmente regularizada. No caso em que a atividade passa a operar sem o licenciamento, mas já havia a obrigação legal de licenciar-se, a mesma incorre em crime ambiental previsto no artigo 60 da Lei nº 9.605/98, a saber: Art. 60. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente. Figura em Minas Gerais o instituto da Denúncia Espontânea, que opera quando o empreendedor da atividade não licenciada, mas passível de licenciamento, se apresenta por livre e espontânea vontade ao órgão ambiental para regularizar-se. Nesse caso, firma-se um Termo de Compromisso com o órgão ambiental para não incorrer em punições mais severas. O mesmo pode ocorrer diante do Ministério Público, em que se firmará uma Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). 3 AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS (AIA): O ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL E O RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL2 A forma mais eficiente de se evitar danos ao meio ambiente é prevenindo-os na sua origem, como assevera um dos princípios mais importantes do Direito Ambiental, o princípio da prevenção. Mas, para que isso seja possível, é necessário que se tenha conhecimento sobre os possíveis danos que uma ação, atividade ou empreendimento podem ocasionar, além de uma previsibilidade mínima para que se possa ter um controle satisfatório sobre possíveis riscos e perigos para o ambiente e para a saúde. Assim, o instrumento da PNMA que será estudado nesta unidade tem precisamente essa função, avaliar antecipadamente, ou mesmo no curso de uma atividade, seus possíveis impactos no ambiente de forma suficiente para que os mesmos possam ser controlados, afastados, mitigados ou minimizados. Dessa forma, possibilitará afastar os custos econômicos e sociais da degradação do ambiente. Uma conceituação e designação de sua função para o AIA pode ser dada como: Instrumento formado por um conjunto de procedimentos capaz de assegurar, desde o princípio do processo, que se faça um exame sistemático dos impactos ambientais de uma ação proposta (projeto, programa, plano ou política) e de suas alternativas e que os resultados sejam apresentados de forma adequada ao público e aos responsáveis pela tomada de decisão, garantindo adoção de medidas de proteção (MOREIRA apud MILARÉ, 2008, p. 354). O AIA é de suma importância para o planejamento e o controle de atividades potencial ou efetivamente degradadoras, bem como para planos, projetos e mesmo políticas públicas, pois é o instrumento que vai subsidiar as informações 2 Capítulo elaborado pelo prof. Leonardo Alejandro Gomide Alcântara. necessárias para o processo de tomada de decisão, obrigando que se leve em conta a variável ambiental no mesmo. Ou seja, o meio ambiente deve ser considerado nos processos de tomada de decisões tanto para atividades e empreendimentos da iniciativa privada, quanto para projetos, planos e políticas do Estado, fazendo jus ao princípio da consideração da variável ambiental. O AIA se subdivide em inúmeras modalidades de instrumentos como o Estudo de Impacto Ambiental e o seu relatório – EIA/RIMA, o Plano de Controle Ambiental e seu relatório – PCA/RACA, o Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV, a Avaliação Ambiental Estratégica – AAE, entre outros. Para o presente estudo, se dará ênfase ao EIA/RIMA por ser o mais completo e complexo instrumento de Avaliaçãode Impactos Ambientais. Os demais instrumentos serão apenas mencionados. 3.1 LEGISLAÇÃO DISCIPLINADORA A PNMA, Lei nº 6938/81, em seu artigo 9º, inciso III, cria como um de seus instrumentos a Avaliação de Impactos Ambientais. O Decreto Federal nº 88.351/83, posteriormente modificado pelo Dec. nº 99.274/90, ao regulamentar a Lei nº 6938/81, vinculou a avaliação de impactos ambientais aos sistemas de licenciamento, outorgando ao Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) a competência para fixar os critérios básicos segundo os quais serão exigidos estudos de impactos ambientais para fins de licenciamento (MILARÉ, 2008). O regramento legal efetuado pelo CONAMA se deu com a Resolução CONAMA nº 001/86 que diz em seu preâmbulo: O CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE - CONAMA, no uso das atribuições que lhe confere o artigo 48 do Decreto nº 88.351, de 1º de junho de 1983, para efetivo exercício das responsabilidades que lhe são atribuídas pelo artigo 18 do mesmo decreto, e considerando a necessidade de se estabelecerem as definições, as responsabilidades, os critérios básicos e as diretrizes gerais para uso e implementação da Avaliação de Impacto Ambiental como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente. Entretanto, o que o CONAMA veio efetivamente a regulamentar com a R. CONAMA nº 001/86 foi o EIA/RIMA, criando um rol de atividades que se obrigam ao referido estudo, conforme se atesta no seu artigo 2º: Artigo 2º - Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental - RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e do IBAMA em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, tais como (grifo nosso): I - Estradas de rodagem com duas ou mais faixas de rolamento; II - Ferrovias; III - Portos e terminais de minério, petróleo e produtos químicos; IV - Aeroportos, conforme definidos pelo inciso 1, artigo 48, do Decreto-Lei nº 32, de 18.11.66; V - Oleodutos, gasodutos, minerodutos, troncos coletores e emissários de esgotos sanitários; VI - Linhas de transmissão de energia elétrica, acima de 230KV; VII - Obras hidráulicas para exploração de recursos hídricos, tais como: barragem para fins hidrelétricos, acima de 10MW, de saneamento ou de irrigação, abertura de canais para navegação, drenagem e irrigação, retificação de cursos d'água, abertura de barras e embocaduras, transposição de bacias, diques; VIII - Extração de combustível fóssil (petróleo, xisto, carvão); IX - Extração de minério, inclusive os da classe II, definidas no Código de Mineração; X - Aterros sanitários, processamento e destino final de resíduos tóxicos ou perigosos; Xl - Usinas de geração de eletricidade, qualquer que seja a fonte de energia primária, acima de 10MW; XII - Complexo e unidades industriais e agro-industriais (petroquímicos, siderúrgicos, cloroquímicos, destilarias de álcool, hulha, extração e cultivo de recursos hídricos); XIII - Distritos industriais e zonas estritamente industriais - ZEI; XIV - Exploração econômica de madeira ou de lenha, em áreas acima de 100 hectares ou menores, quando atingir áreas significativas em termos percentuais ou de importância do ponto de vista ambiental; XV - Projetos urbanísticos, acima de 100 ha. ou em áreas consideradas de relevante interesse ambiental a critério da SEMA e dos órgãos municipais e estaduais competentes; XVI - Qualquer atividade que utilize carvão vegetal, em quantidade superior a dez toneladas por dia. Posteriormente, o CONAMA edita a Resolução CONAMA nº 006/87, que regulamenta o Estudo de Impacto Ambiental para obras em estágio avançado, sobretudo para os empreendimentos do setor elétrico, executados por empresas governamentais. Como as atividades já estavam em desenvolvimento, essa modalidade de estudos visava subsidiar um processo de licenciamento ambiental corretivo. Vale ressaltar que o modelo de AIA, apresentado pela R. CONAMA nº 006/87, apesar de receber o mesmo nome “Estudo de Impacto Ambiental”, se distingue do EIA, regulamentado pela R. CONAMA nº 001/86, visto que este é um estudo prévio, realizado antes de se iniciar o empreendimento. No mesmo ano, é editada a Resolução CONAMA nº 009/87, dando um passo importante para a ampliação democrática do processo de licenciamento ambiental, pois a mesma vai regulamentar a realização de audiência pública na hipótese do EIA/RIMA, consagrando os princípios da publicidade e da participação democrática. Adiante, será retomada essa discussão. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o sentido dado pela R. CONAMA nº 001/86 no seu artigo segundo, quando menciona sobre a necessidade de EIA para “atividades modificadoras do meio ambiente” é corrigido, condicionando-o somente para atividades de “significativa degradação”. O texto anterior estava tecnicamente equivocado, uma vez que qualquer atividade é modificadora do ambiente, mas nem toda atividade é significativamente degradadora. Conforme a CF/88: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade. (Grifo nosso) Entretanto, o instrumento regulamentar mais importante para o AIA, assim como para o licenciamento ambiental, foi a Resolução CONAMA nº 237/97. A Resolução nº 237 altera a Resolução nº 001, distinguindo o AIA como gênero, no qual o EIA/RIMA é uma espécie. Conforme art. 1º, inc. III e art. 3º: Art. 1º - Para efeito desta Resolução são adotadas as seguintes definições: III - Estudos Ambientais: são todos e quaisquer estudos relativos aos aspectos ambientais relacionados à localização, instalação, operação e ampliação de uma atividade ou empreendimento, apresentado como subsídio para a análise da licença requerida, tais como: relatório ambiental, plano e projeto de controle ambiental, relatório ambiental preliminar, diagnóstico ambiental, plano de manejo, plano de recuperação de área degradada e análise preliminar de risco. Art. 3º- A licença ambiental para empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual dar-se-á publicidade, garantida a realização de audiências públicas, quando couber, de acordo com a regulamentação. Parágrafo único. O órgão ambiental competente, verificando que a atividade ou empreendimento não é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, definirá os estudos ambientais pertinentes ao respectivo processo de licenciamento. 3.2 ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL (EIA) O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) são dois documentos distintos que consagram a vocação preventiva do Direito Ambiental Brasileiro, estimulando a participação democrática e contribuindo para um manejo adequado do meio ambiente, com a utilização racional dos recursos naturais e com desenvolvimento e implementação de tecnologias mais sustentáveis. O EIA é um estudo complexo, com linguagem técnica e dados expostos pormenorizadamente. Por sua vez, o RIMA seriaa síntese desse estudo, os seus principais resultados expostos em uma linguagem acessível direcionada ao público em geral. A função do EIA é quantificar (tanto quanto possível) e qualificar antecipadamente o impacto ambiental de uma dada atividade. É um estudo que visa antecipar as prováveis modificações que irão decorrer da implementação de uma dada atividade, submetida ao estudo, tanto em aspectos biofísicos quanto socioeconômicos. Tem uma vocação preventiva bastante evidente, bem como de monitoramento (MACHADO, 2004). O conceito jurídico de impacto ambiental pode ser extraído da própria R. CONAMA nº 001/86: Artigo 1º - Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população; II - as atividades sociais e econômicas; III - a biota; IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V - a qualidade dos recursos ambientais. Conforme mencionado, o EIA é um estudo complexo, caro, que requer uma equipe técnica multidisciplinar que deverá elaborar levantamentos, análises, inventários, consultas etc. É um estudo que necessita de um prazo razoável para a sua elaboração e que deve obedecer a três requisitos básicos: 1 Transparência administrativa: todas as informações disponíveis devem ser liberadas; 2 Consulta aos interessados: consiste na efetiva participação e fiscalização dos interessados; 3 Motivação da decisão ambiental: as decisões em desacordo com as alternativas do EIA devem ser motivadas. Conforme visto, existem diversas atividades que ficam submetidas ao EIA (rol do art. 2º da R. nº 001/86). Entretanto, a interpretação constitucional deve prevalecer, obrigando o EIA somente para as atividades de “significativa degradação”. Mas, afinal, o que se entende por “significativa degradação? Existe um debate doutrinário a esse respeito que incorre, muitas vezes, em posicionamentos divergentes. Pode-se fazer menção a duas perspectivas de “significativa degradação”, a “presumida” e a “discricionária”. A presumida ocorreria naquelas atividades ditadas pelo rol do art. 2º da R. CONAMA nº 001/86, ou seja, admite-se que aquelas ali previstas acarretam necessariamente significativa degradação, logo ficam obrigadas ao EIA/RIMA. Entretanto, no rol do artigo segundo, não é exaustivo, mas sim, meramente, exemplificativo. Não há como prever, dentre todas as atividades humanas, aquelas que efetivamente causarão significativa degradação, mesmo porque uma atividade concebida como inofensiva, ao ser desenvolvida em um ecossistema frágil, pode ser significativamente degradante. Nesse sentido, há a necessidade de se pensar em uma significativa degradação discricionária e, por isso, o administrador só poderá aferi-la no caso concreto e a partir daí requerer um EIA/RIMA. Contudo, esse mesmo raciocínio serve para questionar a significativa degradação presumida (confrontando a ideia de uma presunção “absoluta” por uma “relativa”) uma vez que as atividades estabelecidas no rol do artigo segundo, dependendo do local onde serão propostas (suponha-se uma área já completamente degradada/antropisada), podem não representar uma significativa degradação, logo não necessitando do EIA/RIMA, que conforme mencionado é um estudo caro. Por sua vez, a doutrina majoritária assevera que para as atividades do artigo 2º presume-se significativa degradação, logo necessitam de EIA/RIMA independentemente do local onde serão propostas. O objetivo principal do EIA é influir no mérito da decisão administrativa de concessão da licença ambiental, considerando a possibilidade de sua não execução, por isso é fundamental que seja elaborado antecipadamente (deve ser realizado com antecedência). O órgão ambiental (Federal, Estadual ou Municipal), após analisar a proposta da atividade, exigirá o tipo de estudo adequado para o seu licenciamento. Constatando-se a possibilidade de significativa degradação, o estudo adequado será o EIA. Conforme visto, estudos de avaliação ambiental poderão ser exigidos posteriormente ao licenciamento, bem como complementações aos estudos desenvolvidos, inclusive ao EIA, caso se constate alguma insuficiência no mesmo. Quanto à equipe de elaboração, que deve ser multidisciplinar e habilitada pelo Cadastro Técnico Federal de Atividades – IBAMA, não há mais a necessidade de independência da equipe (não ser empregado da própria empresa proponente), conforme o art. 7º RE. CONAMA nº 001/86, pois a mesma determinação foi revogada pelo art. 22 da RE. CONAMA nº 237/97. Tal medida é percebida como acertada, pois o fato de ser contratado ou empregado não muda muita coisa em relação à idoneidade da equipe. Ademais, qualquer informação equivocada que acarrete em dano ambiental ensejará, de imediato, a responsabilização civil (objetiva). Caso haja má-fé, intenção ou inobservância dos deveres objetivos de cuidado (imprudência, imperícia ou negligência), a equipe e o seu contratante poderão responder penal e administrativamente (culpa sentido lato – art. 66 e 74 da Lei nº 9605/98). Outra discussão que se perfaz diz respeito aos custos da elaboração do estudo, pois alguns entendem que o Estado é que deveria responsabilizar-se. Entretanto, essa é uma discussão vazia, uma vez que quem vai obter lucro com a atividade é o proponente da mesma. Logo, obviamente, o mesmo deve arcar com seus custos. Ao Estado cabe fiscalizar devidamente se o estudo foi realizado de forma adequada e idônea, caso contrário, responsabilizar os culpados. Nesse sentido, todos os custos correm por conta do proponente do projeto. 3.2.1 Diretrizes Gerais do EIA (aspectos formais) As diretrizes gerais da elaboração do EIA figuram como aspectos formais e devem ser atendidas sob pena de invalidação, o que seria um grande prejuízo para o empreendedor. As mesmas estão previstas no artigo 5º da R. CONAMA nº 0001/86: Artigo 5º - O estudo de impacto ambiental, além de atender à legislação, em especial os princípios e objetivos expressos na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, obedecerá às seguintes diretrizes gerais: I - Contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização de projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto; II - Identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da atividade; III - Definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual se localiza; lV - Considerar os planos e programas governamentais, propostos e em implantação na área de influência do projeto, e sua compatibilidade. Parágrafo Único - Ao determinar a execução do estudo de impacto ambiental o órgão estadual competente, ou o IBAMA ou, quando couber, o Município, fixará as diretrizes adicionais que, pelas peculiaridades do projeto e características ambientais da área, forem julgadas necessárias, inclusive os prazos para conclusão e análise dos estudos. 3.2.2 Conteúdo Mínimo do EIA De igual maneira, o conteúdo mínimo do EIA deve ser seguido sob pena de invalidação do estudo. O mesmo está previsto no artigo 6º da R. CONAMA nº 0001/86: Artigo 6º - O estudo de impacto ambiental desenvolverá, no mínimo, as seguintes atividades técnicas: I - Diagnóstico ambiental da área de influência do projeto, completa descrição e análise dos recursos ambientais esuas interações, tal como existem, de modo a caracterizar a situação ambiental da área, antes da implantação do projeto, considerando: a) o meio físico - o subsolo, as águas, o ar e o clima, destacando os recursos minerais, a topografia, os tipos e aptidões do solo, os corpos d'água, o regime hidrológico, as correntes marinhas, as correntes atmosféricas; b) o meio biológico e os ecossistemas naturais - a fauna e a flora, destacando as espécies indicadoras da qualidade ambiental, de valor científico e econômico, raras e ameaçadas de extinção e as áreas de preservação permanente; c) o meio socioeconômico - o uso e ocupação do solo, os usos da água e a socioeconomia, destacando os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, as relações de dependência entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura desses recursos. II - Análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos e negativos (benéficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazos, temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios sociais. III - Definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, entre elas os equipamentos de controle e sistemas de tratamento de despejos, avaliando a eficiência de cada uma delas. lV - Elaboração do programa de acompanhamento e monitoramento (os impactos positivos e negativos, indicando os fatores e parâmetros a serem considerados. Parágrafo Único - Ao determinar a execução do estudo de impacto Ambiental o órgão estadual competente; ou o IBAMA ou quando couber, o Município fornecerá as instruções adicionais que se fizerem necessárias, pelas peculiaridades do projeto e características ambientais da área. 3.2.3 Conteúdo Mínimo do RIMA Por sua vez, o RIMA tem disciplinado seu conteúdo mínimo no artigo 9º da referida resolução: Artigo 9º - O relatório de impacto ambiental - RIMA refletirá as conclusões do estudo de impacto ambiental e conterá, no mínimo: I - Os objetivos e justificativas do projeto, sua relação e compatibilidade com as políticas setoriais, planos e programas governamentais; II - A descrição do projeto e suas alternativas tecnológicas e locacionais, especificando para cada um deles, nas fases de construção e operação a área de influência, as matérias primas, e mão-de-obra, as fontes de energia, os processos e técnica operacionais, os prováveis efluentes, emissões, resíduos de energia, os empregos diretos e indiretos a serem gerados; III - A síntese dos resultados dos estudos de diagnósticos ambiental da área de influência do projeto; IV - A descrição dos prováveis impactos ambientais da implantação e operação da atividade, considerando o projeto, suas alternativas, os horizontes de tempo de incidência dos impactos e indicando os métodos, técnicas e critérios adotados para sua identificação, quantificação e interpretação; V - A caracterização da qualidade ambiental futura da área de influência, comparando as diferentes situações da adoção do projeto e suas alternativas, bem como com a hipótese de sua não realização; VI - A descrição do efeito esperado das medidas mitigadoras previstas em relação aos impactos negativos, mencionando aqueles que não puderam ser evitados, e o grau de alteração esperado; VII - O programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos; VIII - Recomendação quanto à alternativa mais favorável (conclusões e comentários de ordem geral). Observação importante: O RIMA deve ser apresentado de forma objetiva e adequada à sua compreensão. As informações devem ser traduzidas em linguagem acessível, ilustradas por mapas, cartas, quadros, gráficos e demais técnicas de comunicação visual, de modo que se possam entender as vantagens e desvantagens do projeto, bem como todas as consequências ambientais de sua implementação (Parágrafo único, art. 9º). 3.3 AUDIÊNCIAS PÚBLICAS A audiência pública, conforme mencionado, é de substancial importância para uma atuação mais ativa da sociedade civil, já que é um espaço onde ela poderá se manifestar diretamente, formular questões, fazer denúncias, detectar controvérsias. É um momento muito importante no processo democrático desse instrumento da PNMA, apesar de não ser o único e de não culminar em decisões. A R. CONAMA nº 009/87 vai regulamentar as audiências públicas bem como estabelecer as hipóteses de seu cabimento: Art. 1º - A Audiência Pública referida na RESOLUÇÃO/Conama/nº 001/86, tem por finalidade expor aos interessados o conteúdo do produto em análise e do seu referido RIMA, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes as críticas e sugestões a respeito. Art. 2º - Sempre que julgar necessário, ou quando for solicitado por entidade civil, pelo Ministério Público, ou por 50 (cinquenta) ou mais cidadãos, o Órgão de Meio Ambiente promoverá a realização de audiência pública. § 1º - O Órgão de Meio Ambiente, a partir da data do recebimento do RIMA, fixará em edital e anunciará pela imprensa local a abertura do prazo que será no mínimo de 45 dias para solicitação de audiência pública. § 2º - No caso de haver solicitação de audiência pública e na hipótese do Órgão Estadual não realizá-la, a licença concedida não terá validade. § 3º - Após este prazo, a convocação será feita pelo Órgão Licenciador, através de correspondência registrada aos solicitantes e da divulgação em órgãos da imprensa local. § 4º - A audiência pública deverá ocorrer em local acessível aos interessados. § 5º - Em função da 1 calização geográfica dos solicitantes, e da complexidade do tema, poderá haver mais de uma audiência pública sobre o mesmo projeto de respectivo Relatório de Impacto Ambiental - RIMA. Art. 3º - A audiência pública será dirigida pelo representante do Órgão Licenciador que, após a exposição objetiva do projeto e do seu respectivo RIMA, abrirá as discussões com os interessados presentes. Art 4º - Ao final de cada audiência pública será lavrara uma ata sucinta Parágrafo Único - Serão anexadas à ata, todos os documentos escritos e assinados que forem entregues ao presidente dos trabalhos durante a seção. Art. 5º - A ata da(s) audiência(s) pública(s) e seus anexos servirão de base, juntamente com o RIMA, para a análise e parecer final do licenciador quanto à aprovação ou não do projeto. 3.4 OUTROS ESTUDOS DE AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS O PCA/RCA, denominado Plano de Controle Ambiental e seu respectivo Relatório de Controle Ambiental, são estudos exigidos para empreendimentos ou atividades com menor potencial ofensivo ao ambiente, ou com menor capacidade de gerar impactos ambientais. Geralmente, quando não é necessário o EIA/RIMA, utiliza- se este instrumento. A elaboração e estruturação de seus documentos possuem escopo semelhante aos do EIA/RIMA, mas com um grau de especificidade bem menor. É como um EIA/RIMA mais simples, mais rápido e mais barato. Entretanto, não dispensa a seriedade que um estudo ambiental deve conter, acarretando nas mesmas responsabilizações ou necessidade de complementações caso se apresente insatisfatório. Por sua vez, o Plano de Recuperação de Áreas Degradas - PRAD foi instituído pelo Decreto Federal nº 97.632, de 10.04.1989. Define em seu Artigo Primeiro que "Os empreendimentos que se destinam à exploração dos recursos minerais deverão, quando da apresentação do Estudo de Impacto Ambiental - EIA e do
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