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CIÊNCIA POLÍTICA PARA O CURSO DE ADMINISTRAÇÃO Ailton Guimarães 1 1 Mestre em Economia de Empresas pela UCB - Universidade Católica de Brasília; Especialista em Finanças pela UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina e Especialista em Controladoria pela Faculdade Tibiriçá/SP. 1 SUMÁRIO 1. PARTE I - CAPÍTULO 1, página 2. Significado e objeto da Política. Evolução Histórica do Pensamento Político. Pensamento Político Contemporâneo. 2. PARTE I - CAPÍTULO 2, página 22. Evolução Histórica do Pensamento Político. Grécia. Roma. Maquiavel. Maquiavel e a Administração. Pensamento Político Contemporâneo. 3. PARTE I - CAPÍTULO 3, página 49. Poder e sociedade. Conceito de poder. Tipos e fontes de poder. Maquiavel e o poder político. Legitimidade e legalidade do poder político. Teoria das elites. As elites e o poder. 4. PARTE I - CAPITULO 4, página 62. Concepção e evolução de Estado. O Estado Moderno. Teorias sobre a origem do Estado. Burocracia. Burocracia e poder. A estrutura burocrática das empresas capitalistas. 5. PARTE II - CAPITULO 5, página 72. Política, poder e Administração. Liderança e poder. Dependência, a chave do poder. Táticas de poder O poder em ação, o comportamento político. 6. PARTE II - CAPITULO 6, página 80. Teorias contratualistas. Economia Política. Poder político e o poder econômico. Intervenção do Estado na economia. 7. PARTE II - CAPITULO 7, página 100. Teoria dos jogos. História. Conceitos. Importância. Teoria da escolha Racional. O poder do eleitor. Teoria das votações. Teorema do eleitor mediano. O jogo do apadrinhamento. 2 CAPITULO I O que veremos neste capítulo: Significado e objeto da Política. Evolução Histórica do Pensamento Político. Pensamento Político Contemporâneo. “O homem é um animal político” Aristóteles 1. Introdução O estudo da ciência política permite-nos conhecer o exercício e organização do poder em uma sociedade. Além disso, através desta ciência social, podemos ver como acontece a distribuição e transferência de poder em processos de tomada de decisão. Estes processos de distribuição e transferência de poder envolvem, normalmente, interesses contraditórios, e a ciência política é o veiculo apropriado para entendermos estes processos. A ciência política faz parte das ciências humanas, pois analisa o Estado, a soberania, a hegemonia, os regimes políticos, os governos, as linhas históricas destas partes da política nos países desde a antiguidade até hoje e a influência que têm sobre a sociedade incluindo as Relações internacionais. É frequentemente um exemplo aplicado na Teoria dos jogos e sob este prisma podemos avaliar os ganhos - como o lucro privado de pessoas ou das empresas ou da sociedade (o desenvolvimento econômico) - e as perdas - como o empobrecimento de pessoas ou da sociedade (Corrupção política) - como resultados de uma luta ou de um jogo em que existem regras não explícitas que a pesquisa deve explicitar. A ciência política tem relação com diversos campos do conhecimento, como os sistemas políticos, ideologia, teoria dos jogos, economia política, geopolítica, análise de políticas públicas, relações internacionais, 3 análise de relações exteriores, estudos de administração pública e governo, processo legislativo e outros. 2. Definição O termo ciência política foi cunhado em 1880 por Herbert Baxter Adams, professor de História da Universidade Johns Hopkins. Significa o estudo da política. Mas o que é política? Segundo Dias (2011), a definição do termo política foi dada pelos gregos. Este povo vivia em cidades ou estados conhecidos como polis. Do termo polis vem os adjetivos "politiké" (política em geral) e "politikós" (dos cidadãos, pertencente aos cidadãos). Ainda segundo Dias, o termo política é usado também para representar uma atividade ou conjunto de atividades que tem como referência a polis ou, em outras palavras, o Estado. Max Weber, citado por Dias (2011), diz que o conceito da palavra política é bastante amplo e abrangente. O termo pode ser usado para indicar a política de desconto de um banco, política de greve de um sindicato, política da diretoria de uma associação e, até, da política de uma esposa para controlar o marido. Para Weber, política é o conjunto de esforços feitos com vistas a participar ou influenciar a divisão do poder. Política também significa a arte ou ciência da organização, direção e administração de nações ou Estados. Nesse sentido temos a política interna - aplicação desta ciência aos negócios internos da nação - e política externa - referente aos negócios externos. 2.1 Outros significados No sentido mais simples, política representa a arte de guiar ou influenciar o modo de governo pela organização de um partido político, pela influência da opinião pública, pela aliciação de eleitores. 4 Para Hobbes, política consiste nos meios adequados à obtenção de qualquer vantagem. Já Rousseau, ensina que política é o conjunto dos meios que permitem alcançar os efeitos desejados. Enquanto que para Maquiavel, política é a arte de conquistar, manter e exercer o poder, o governo. Política pode ser ainda a orientação ou a atitude de um governo em relação a certos assuntos e problemas de interesse público: política financeira, política educacional, política social, política do café com leite. Dos diversos significados podemos inferir que política pode ser entendida como tudo aquilo que acontece nas relações sociais e que envolve poder. Sendo assim, os conceitos mais apropriados para o nosso curso são: 1) Política é a arte ou ciência da organização, direção e administração de nações e Estados; 2) Política é o conjunto de esforços feitos com vistas a participar ou influenciar a divisão do poder. Dessa forma, podemos relacionar a política e suas aplicações nos negócios privados (empresas) e reescrever: Política significa a arte ou ciência da organização, direção e administração de nações ou Estados e empresas. 2.2 Objeto da ciência política Em 1948 a UNESCO – Organização para a Educação, a Ciência, e a Cultura das Nações Unidas – promoveu um encontro entre cientistas políticos com o objetivo de estabelecer o objeto da disciplina Ciência Política. Duas posições se destacaram: 1) a que defendia que a ciência política tem como o objeto do estudo o poder; e. 2) a que defendia que o objeto de estudo da ciência política é o Estado. 5 Não havendo consenso, a UNESCO elaborou um rol de objetos de estudos. Estes objetivos foram divididos em quatro grandes áreas. Vejamos: Área I – Teoria política a) Teoria política b) História das idéias políticas Área II – Instituições políticas a) A constituição b) O governo central c) O governo regional e local d) A administração pública e) As funções econômicas e sociais do governo Área III – Partidos Grupos e Opinião Pública a) Os partidos políticos b) Os grupos e associações c) A participação do cidadão no governo e na administração d) A opinião pública Área IV – As relações internacionais a) A política internacional b) Os organismos internacionais c) O direito internacional Esta sugestão da UNESCO não esgota os objetos de estudo da ciência política, pois muitos autores apontam outros focos de observação. 3. Sistema político Um sistema político é definido por Robert Dahl, citado por Dias (2011), como qualquerpadrão permanente de relações humanas que implique de maneira significativa, em poder, governo ou autoridade. Este sistema tem as seguintes características: a) Controle desigual dos recursos políticos Recurso político é meio pelo qual uma pessoa consegue influenciar o comportamento de outras pessoas. Em geral os recursos políticos - 6 representados por dinheiro, informação, alimento, empregos, amizade, posição social, direito de elaborar leis ou votos - são distribuídos de maneira desigual. b) Busca de influência política A busca da influência política acontece quando um membro do sistema procura adquirir controle sobre as diretrizes, regras e decisões determinadas pelo governo. c) Distribuição desigual da influência política A distribuição desigual da influência política, em geral, está relacionada com o controle desigual ou o uso eficiente dos recursos políticos. d) Objetivos conflituosos Conflito e consenso são aspectos presentes e importantes de qualquer sistema político, pois os membros do sistema nem sempre tem os mesmo pensamentos. e) Aquisição de legitimidade A legitimidade é o meio pelo qual os líderes de um sistema político procuram transformar sua influência em autoridade. A legitimidade pode ser conseguida por meio da força, mas também por meio da convicção. f) Desenvolvimento de uma ideologia Ideologia é um conjunto de doutrinas (princípios). Nos sistemas políticos, normalmente os líderes procuram desenvolver ou adotar uma ideologia para legitimar sua liderança. g) Impacto de outros sistemas políticos O comportamento de um sistema político é, em geral, influenciado pela existência de outros sistemas políticos. h) Influência da mudança O comportamento de um sistema político é, em geral, influenciado pela existência de outros sistemas políticos. 4. As origens do pensamento político È consenso entre os estudiosos da ciência política que a Grécia é o berço do pensamento político. A política tinha uma importância muito grande para os gregos e é lá que surgem os primeiros mestres desta ciência. 7 4.1 Os sofistas Os primeiros mestres ou especialmente o primeiro grupo de pensadores políticos foram os sofistas. Sofística era originalmente o termo dado às técnicas ensinadas por um grupo altamente respeitado de professores retóricos na Grécia antiga. Protágoras, Górgias e Prodico foram os principais expoentes deste grupo de pensadores que defendia a ideia de que o homem é a medida de todas as coisas e que cada individuo podia definir, de acordo com suas crenças, o que era direito. Esta ideia expressa o sentido de que o ser humano não deve adequar-se aos padrões estabelecidos sem contestação, mas sim moldar-se segundo a sua liberdade. Os sofistas são considerados os primeiros advogados do mundo, pois cobravam de seus clientes (discípulos) para efetuar suas defesas, dada sua alta capacidade de argumentação. 4.2 Platão Platão é considerado um dos primeiros filósofos políticos. As idéias de Platão sugerem que as pessoas devem se sujeitar a um governo composto dos melhores indivíduos. Platão considerava que a política como a arte de tornar os homens mais justos e virtuosos. Sua obra mais importante é “A república” (Escreveu também “O político e As leis”.) onde defende que a autoridade governamental tem que estar associada à cultura e ao conhecimento mais amplo, e que o filosofo deve ser o homem de Estado. 4.3 Aristóteles Aristóteles foi discípulo de Platão. Entretanto, difere bastante do mestre no que diz respeito ao método e os pontos de vista sobre o sistema político. 8 Aristóteles defendeu a ideia de que a ciência política tem como principal objetivo a busca do bem estar comum. Neste sentido, o Estado é o meio adequado para satisfazer as necessidades intelectuais e morais dos homens. Somente através do Estado o homem poderia alcançar seus fins essenciais. Para ele o homem era um animal político (zoon politikón). Fora da vida social o homem seria considerado uma besta. Para Aristóteles cada individuo teria sua função no Estado segundo suas aptidões. Assim, os homens aptos para governar seriam aqueles dotados de altas condições espirituais. Os que tinham somente vigor físico e pouca cultura não poderiam governar. Desta forma a escravidão seria útil e benéfica para todos. Segundo Aristóteles há uma diferença clara entre Estado e governo. O Estado é representado pelo total dos cidadãos, enquanto o governo é o exercício daqueles que, ocupando os postos públicos e detendo o poder, ordenam e regulam a vida dos outros. 5. Maquiavel Além dos clássicos gregos muitos autores contribuíram para o desenvolvimento da ciência política. No entanto, cabe destacar os ensinamentos Nicolau Maquiavel. A partir de sua obra “O Príncipe” a política passa a ser entendida como um conjunto de técnicas, táticas e estratégias em função do poder. 6. Karl Marx Marx também dá uma importante contribuição à teoria política com sua visão materialista da história. Para Marx, os fatores econômicos determinam as mudanças na vida das pessoas. 7. Os contratualistas 9 Hobbes, Locke e Rousseau também são importantes fontes de estudo de política, principalmente no que se refere a constituição do Estado. 8. A igreja e a concepção do Estado Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino são os pensadores cristãos que mais se destacaram no estudo do poder político, em especial no estudo do poder político. Bibliografia Dias, Reinaldo. Ciência Política. São Paulo: Editora Atlas, 1ª ed. 2011. 10 Textos para discussão Política e Gestão Empresarial Gutemberg B. de Macêdo - 29.10.2010 - http://www.oprincipiodasabedoria.com/?p=312 “Se você deseja uma descrição de nossa era, eis aqui uma: a civilização dos meios sem os fins; opulenta em meios para além de qualquer outra época, e quase para além das necessidades humanas, mas esbanjando-os e utilizando- os mal porque não possui nenhum ideal soberano; um vasto corpo com uma alma esquálida.” R. W. Livingston, 1880-1960 - Escritor inglês O conhecimento e a prática da ciência política nos dias atuais é imprescindível e insubstituível. Nenhum profissional deveria se abster, sob qualquer justificativa, de exercer os seus deveres de cidadãos em todos os instantes de sua vida. E, mais importante ainda, nenhum profissional, por mais preparado que seja, deveria assumir uma posição de liderança se não a conhecesse e a dominasse em profundidade. A ausência desse conhecimento e de sua prática no dia-a-dia de suas atividades é a responsável pelo avanço dos maus políticos e das políticas governamentais comprovadamente equivocadas. Eis alguns dos motivos: 1 - O homem é um ser eminentemente político. Portanto, o profissional que não se ocupa do estudo e da prática da ciência política, já tomou a decisão política de que gostaria de ter-se poupado: serve a classe política dominante e contribui para a proliferação e avanço de pseudos líderes – governantes despreparados, populistas e corruptos. 2 - A intervenção dos governantes em todos os campos das atividades humanas. Nesse caso, quando tremendos poderes se concentram nas mãos de alguns poucos políticos e nenhum profissional é capaz de compreender as conseqüências desastrosas dessa tendência, a sociedade está prestes à mergulhar num sistema ditatorial sem que ao menos percebam. [...] 3 - A maioria absoluta dos brasileiros jamais leu ou estudou a constituição de seu país. São cidadãos cegos efáceis de serem manipulados. Eles não sabem quais são os seus verdadeiros deveres e direitos constitucionais. E, por não saberem quais são eles, se tornam cidadãos de terceira categoria e sujeitos a serem influenciados e governados por políticos corruptos, despreparados, mentirosos e populistas. 4 - O Brasil está enterrando rápida e sorrateiramente todos os seus valores, se é que eles existiram algum dia ao longo de sua história republicana. A avaliação internacional do povo brasileiro, na questão de ser capaz de perceber a 11 corrupção, e de se insurgir contra ela, chega a ser constrangedora e vergonhosa para homens e mulheres com princípios éticos e morais. [...] 5 - É um erro muito comum entre os cidadãos de acreditar que aqueles que fazem mais barulho ao se lamentar a favor do público sejam os mais preocupados com o seu bem-estar. Na verdade, a maioria deles se vale da causa alheia para defender, proteger e manter os seus interesses pessoais e mesquinhos. R. Hooker, teólogo anglicano, 1554-1600, “Of the Laws of Ecclesiastical Polity”, I, 1, escreveu: “Quem tenta convencer uma multidão de que ela não está sendo tão bem governada como deveria, nunca deixará de ter ouvintes atentos e favoráveis.” 6 - Aqui, vale lembrar as sábias palavras do político alemão e o grande líder da resistência alemã ao nazismo, Konrad Adenauer, 1876-1967, “É muito importante que a tarefa da oposição seja exercida por um grande partido, fixado em bases democráticas”… Considero que uma boa oposição num parlamento seja uma necessidade absoluta; sem uma oposição realmente boa, cria-se acescência e esterilidade. Infelizmente, no Brasil não há oposição e, mais triste ainda, o Congresso Nacional se tornou um grande balcão de negócios e Brasília, um grande shopping center de barganhas políticas fétidas. À luz dessas considerações, qual o caminho proposto às empresas e aos seus profissionais? Primeiro – Colocar os holofotes sobre os reais problemas do país que são bem diferentes dos comumente propalados pelos governantes na televisão. Estamos muito mal colocados no ranking de desenvolvimento humano e qualidade de vida e assistimos passivamente a deterioração, obsolescência e desindustrialização do país, enquanto outros países estão se desenvolvendo rapidamente. Segundo – Promover a valorização da educação e do conhecimento em todos os níveis sociais como únicas fontes de emancipação da mente. Quem leu a entrevista dada pelo reitor da Universidade de São Paulo à revista Veja, 27 de outubro de 2010, deve ter ficado assombrado como algumas de suas afirmações: “Nossas universidades ainda são medievais perto das novas exigências;” “O ensino superior no Brasil está hoje em nível semelhante ao dos Estados Unidos um século atrás,” entre tantas outras. Terceiro – Empresários e executivos deveriam promover em suas empresas cursos sobre a ciência política, a fim de afastar de seu meio a ignorância, a influencia de líderes sindicais corruptos, autoritários, truculentos e sem nenhum compromisso com a democracia. Quarto – Empresários e executivos não deveriam ficar passivos diante dos discursos demagógicos de líderes políticos e sindicais que pregam um 12 socialismo barato e de fachada. E, além disso, atribuem todos os males da sociedade moderna ao capitalismo. É bom frisar, não existe desenvolvimento, progresso, inovação e sustentabilidade sem riqueza. [...] Quinto – Promover a competição entre todos os setores da economia é vital para o desenvolvimento do país. A sociedade não pode continuar pagando impostos para pagar salários e benefícios a uma classe de profissionais que pouco contribui para o aprimoramento das instituições públicas e dos serviços que prestam. Estão aparelhando o estado e inchando a máquina do governo e ela se apresenta cada vez mais ineficiente. Mas poucos falam contra esse desmando. Continuamos como nos dias do jurista Rui Barbosa a procurar os cargos para os homens e não os homens para os cargos. O melhor exemplo que encontrei na história foi dado pelo general Robert Wood Johnson, ex-Chief Executive Officer da Johnson & Johnson, que diante dos problemas que assolavam os Estados Unidos em seus dias, implementou em sua organização, na década de quarenta, um programa de consciência e preparo político para todos os seus colaboradores. A sua premissa era: “No man in business can be successful unless he has some knowledge of practical politics.” (Nenhum homem poder ser bem sucedido no mundo dos negócios a menos que tenha algum conhecimento prático de política) 13 O homem e a máquina Cristiane Mano - São Paulo – Revista Exame – Edição 1.005 – 30.11.2011. pág. 48 Mesmo para os padrões brasileiros, poucas vezes na história os políticos causaram tanta repulsa — mais do que justificada, diga-se — quanto agora. A sequência de escândalos de corrupção já derrubou cinco ministros da presidente Dilma Rousseff, o sexto está cada vez mais enrolado em suas próprias mentiras e, agora, a bolsa de apostas se sofisticou — especula-se não somente quais os próximos da lista mas também a ordem com que seguirão para o cadafalso. Brasília nunca mereceu tanto a alcunha de ilha da fantasia, um lugar onde uma minoria parece conspirar diariamente para sugar o dinheiro de quem trabalha. Tudo, lá, opera a favor do “malfeito”, para usar uma expressão cara à presidente. Temos quase 40 ministérios. Quase 1 milhão de pessoas trabalham para o governo federal, das quais 20 000 são apadrinhadas nos chamados “cargos de confiança”. O orçamento do governo federal é de invejáveis 2 trilhões de reais, o que faz do mandatário brasileiro uma das pessoas que mais movimentam recursos em todo o mundo. Essa montanha de dinheiro circulando num ambiente de pouca transparência, em meio a um sistema político sedento por recursos, só podia dar no que deu. O Brasil é o 69º país mais corrupto da atualidade, segundo um ranking elaborado pela ONG Transparência Internacional. Temos uma das maiores cargas tributárias do mundo — sem que isso se materialize em serviços públicos de padrão digno. No relatório mais recente do Banco Mundial, divulgado em julho, o Brasil aparece na posição 136 entre 142 nações analisadas no quesito de qualidade de gastos do governo. O orçamento trilionário do governo é incapaz de financiar uma infraestrutura compatível com o tamanho de nossa economia. A máquina pública brasileira suga muito e devolve pouco, dando um exemplo de improdutividade e ineficiência que extrapola os limites das repartições, impõe travas ao crescimento e não serve o cidadão. 14 Mais de 15 anos atrás, o Brasil conseguiu vencer a instabilidade econômica, com as consequências que todos nós conhecemos. Agora, parece ser consenso que um novo salto do país só será possível se conseguirmos vencer o enorme desafio da melhoria da gestão pública. “O Brasil que estabilizou a moeda e voltou a crescer se vê obrigado, agora, a se tornar mais eficiente”, diz o cientista político Murillo de Aragão. Hoje, o rosto que melhor personifica essa busca é o do empresário Jorge Gerdau Johannpeter. Durante 56 anos de trabalho na iniciativa privada, Gerdau ajudou a construir o 12º maior grupo empresarial brasileiro, um conjunto de empresas ligadas à área siderúrgica espalhadas hoje por 14 países, com 45 000 funcionários e um faturamento global de 37 bilhões de reais. Sua trajetória e sua estatura como homem de negócios o colocaram na categoria de ministeriável. Recusou todos os convites. No último deles, porém, a conversa tomou um rumo diferente. O diálogo se deu em novembro do ano passado, num encontro a portas fechadas com Dilma, no escritóriodo governo de transição no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília. Durante a reunião, Gerdau rabiscou o esboço do modelo que poderia levá-lo à equipe da presidente. De acordo com o modelo, Gerdau seria parte de uma espécie de conselho consultivo para projetos de melhoria da gestão pública. “Anotei algumas ideias e ela pediu para ficar com o papel”, diz. Ali surgiu o embrião do que se tornou, em maio deste ano, a Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade. Presidida por Gerdau, a câmara é formada por representantes do governo e do setor privado. De um lado, estão quatro ministros — Gleisi Hoffmann, da Casa Civil, Guido Mantega, da Fazenda, Miriam Belchior, do Planejamento, e Fernando Pimentel, do Desenvolvimento. De outro, o ex-presidente da Petrobras Henri Philippe Reischtul, o presidente da Suzano Papel e Celulose, Antonio Maciel Neto, e o empresário Abilio Diniz, presidente do conselho de administração do Grupo Pão de Açúcar. Nenhum deles recebe remuneração pelo trabalho. 15 Há pouca coisa que une a rotina do Gerdau empresário à do Gerdau que circula por Brasília. À frente dos negócios, suas decisões significavam execução. No governo é diferente. À frente da câmara, Gerdau não tem autoridade para mudar o que bem entender. Não pode demitir quem se recusar a seguir os planos ou premiar os melhores desempenhos nem tem mandato para decidir livremente o escopo de atuação do grupo. O foco do trabalho da câmara foi definido por Dilma ainda em 2010 e se concentrou nos ministérios da Saúde e dos Transportes, na Infraero e nos Correios. Até agora, o grupo realizou sete reuniões oficiais no Palácio do Planalto — mas Jorge Gerdau já participou de quase uma centena de encontros com ministros e secretários de governo para discutir a importância e a necessidade de mudanças. Algumas medidas práticas, que contaram com o apoio de consultorias como McKinsey, Accenture e o INDG, do especialista em gestão Vicente Falconi, já começam a sair do papel. Uma das metas mais ambiciosas está nos Correios — entre aumento de receita e corte de custos, os ganhos previstos são de 1,5 bilhão de reais por ano. Os resultados, segundo os planos da câmara, começarão a aparecer em 18 meses. Outro projeto busca formas de reduzir a burocracia para licitação e execução de obras em rodovias e ferrovias. “É um modelo inédito de cooperação que nos permite perseguir metas objetivas”, diz a ministra Gleisi Hoffmann, uma das principais interlocutoras de Gerdau no governo. “A presidente Dilma tem acompanhado de perto os resultados.” Hoje, a câmara vale mais pelo simbolismo do que pelos resultados. Numa visão otimista, ela seria, antes de mais nada, o reconhecimento de que mudanças precisam ser feitas, o primeiro passo para a ação. Não é pouca coisa, mas também não é garantia de nada. “No Brasil, o governo federal é o reino da rigidez”, diz o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas. “Executar mudanças expressivas 16 nesse contexto é um trabalho heroico.” É evidente que Gerdau sabe disso. A máquina que ele quer ajudar a trabalhar tem, sim, funcionários comprometidos. Mas também está impregnada de gente que, por interesses pes-soais ou políticos, prefere que as coisas continuem exatamente como estão. E elas vão resistir. Gerdau sabe, ainda, que o sucesso de seu grupo depende da entrega de resultados nos próximos meses e anos — e do impacto que eles provocarão na opinião pública e, consequentemente, no meio político. “A burocracia é lenta. Exige paciência, insistência”, diz Gerdau. “Mas os resultados são tão grandes e tão fantásticos que vale a pena insistir. Esse movimento pode mudar o Brasil." Notas aos políticos Prestes a completar 75 anos de idade, Gerdau baseia sua confiança nas experiências que vem colecionando nos últimos anos com governos estaduais e municipais. Seu trabalho pela melhoria da gestão pública começou em mea-dos dos anos 2000 e se intensificou a partir de janeiro de 2007, quando transferiu a presidência executiva do grupo Gerdau a seu filho, André. Foi quando passou a buscar recursos e apoio de outros empresários para sustentar projetos de aumento de eficiência da máquina. O ceticismo, tanto de homens de negócios quanto de políticos, era enorme. “Muita gente não acreditava que pudesse dar certo”, diz Beto Sicupira, sócio da AB Inbev, o primeiro empresário a acompanhar Gerdau nas conversas com governadores. Os dois se conheceram por meio de um amigo em comum, o consultor Vicente Falconi, com quem ambos trabalhavam havia mais de duas décadas. As primeiras visitas a políticos interessados num choque de gestão, como Aécio Neves, então governador de Minas Gerais, e Eduardo Campos, de Pernambuco, sempre eram feitas pelo trio. Para escolher aqueles que mereciam uma segunda visita, Gerdau, Falconi e Sicupira criaram um sistema de notas que iam de zero a 100, de acordo com o interesse do político e as chances de sucesso. “Não voltávamos a conversar com quem recebia nota abaixo de 70”, diz Falconi. 17 Um dos governadores visitados ganhou nota zero após uma experiência que beirava o patético. “Fomos recebidos pela televisão local”, diz Falconi. “O governador pensou que o Gerdau tinha ido até lá para anunciar investimentos e não entendeu nada daquele discurso todo sobre gestão eficiente.” Hoje, Jorge Gerdau e seu grupo têm a seu favor os números. Mais precisamente 14 bilhões de reais em ganhos com aumento de receita e corte de despesas em programas de choque de gestão realizados em 11 governos estaduais e oito municípios. Trata-se de um retorno de quase 200 vezes o valor investido nos projetos de consultoria — boa parte dele financiada por mais de 200 empresários. “Em vez de insistir no embate puro e simples entre empresa e Estado, Gerdau construiu uma parceria em busca de soluções práticas numa proporção inédita”, diz Elcior Santana, responsável pela área de gestão pública do Banco Interamericano de Desenvolvimento, que estuda levar o modelo para outros países da América Latina. A aproximação com diversas esferas do poder, ao contrário do que pode parecer, é quase sempre um trabalho duro e sem glamour. Gerdau já chegou a visitar até quatro governadores num intervalo de dois dias. Recentemente, chegou às 8 da noite e saiu a 1 hora da manhã de um jantar em Londrina, no interior do Paraná, para arrecadar verbas para projetos de melhoria de efi-ciência na prefeitura. Um leiloeiro de gado foi chamado para animar os cerca de 400 convidados que fecharam uma cota de 2,6 milhões de reais, suficiente para cobrir todos os custos com o início do projeto. (Estima-se que, nos últimos cinco anos, o carioca Jorge Gerdau tenha colocado mais de 15 milhões de reais de seu próprio dinheiro em projetos de Porto Alegre, sua cidade por adoção.) Mesmo depois de assumir a dianteira da câmara de políticas de gestão do governo federal, ele faz questão de marcar o primeiro encontro pessoalmente com novos interessados em montar programas de choque de gestão. Em dezembro, tem previsto em sua agenda um encontro com o prefeito de Criciúma, em Santa Catarina. 18 “Em geral, a aproximação entre empresários e o setor público acontece muito mais para prestígio mútuo do que para a obtenção de resultados práticos”, diz Sicupira. “Com o Gerdau é diferente.” Boas ideias na gaveta Encarar o trabalho na administração federal é encarar o risco de frustração. Há anos, Gerdau tenta reproduzir em Brasília pelo menos parte do sucesso obtido em algumas cidades e estados do país. Em 2007, estudos para a reestruturação do sistema de Previdência Socialapontaram ganhos de até 50 bilhões de reais em quatro anos — num projeto que incluía um amplo esforço para acabar com as fraudes na área. A proposta esbarrou em alas mais resistentes do governo e nunca foi levada adiante. Um ano depois, outro projeto propôs a redução de 2 bilhões de reais de custos em diversos ministérios, numa ação coordenada pela pasta do Planejamento. A meta também nunca foi atingida. “Temos uma tradição de ministérios encastelados, que funcionam sob a lógica de um jogo de poder extremamente complexo”, diz Aragão. Tradução: para não perder apoio no Congresso, os presidentes costumam simplesmente deixar na gaveta os projetos que confrontem a base aliada, instalada em ministérios loteados. Dilma fugirá dessa armadilha? Uma conjunção de fatores, acredita Gerdau, pode tornar o momento atual mais favorável a mudanças. Um deles, que facilitou o avanço da conversa com a presidente no final do ano passado, é a proximidade entre os dois. Ambos se conheceram nos anos 80, quando Dilma ocupou a Secretaria Municipal da Fazenda de Porto Alegre, no governo de Alceu Collares. Mas foi entre 2003 e 2010, período em que ela presidiu o conselho de administração da Petrobras (do qual Gerdau faz parte desde 2001), que os dois encontraram afinidades. “Tivemos uma relação muito próxima. As reuniões eram mensais e duravam até 7 horas. Percebemos que tínhamos opiniões convergentes sobre temas de gestão”, diz Gerdau. 19 O relacionamento evoluiu para um contato frequente — hoje, eles se falam pelo menos uma vez por semana, pessoalmente ou por telefone. “Ela quer saber o tempo todo como está o andamento dos projetos, quais são as dificuldades e está sempre pronta para resolver”, afirma Gerdau. Um dos exemplos mais recentes diz respeito à burocracia na contratação de consultorias envolvidas nos projetos — que quase sempre esbarram em lentos e ineficientes processos de licitação. Segundo Gerdau, ao perceber o problema, Dilma decidiu fechar os contratos de maneira centralizada na Presidência, num processo que exigiu um trâmite já aprovado na Procuradoria-Geral da União. “Há uma evolução cultural em torno do tema da gestão pública”, diz o empresário. “Noto que as portas estão abertas para avançar.” Para os políticos, as portas se abrem na medida em que os votos se multiplicam. E esse talvez seja o maior dos trunfos de Gerdau e seus companheiros. O choque de gestão promovido em Minas Gerais fez com que Aécio Neves fosse eleito por duas vezes governador do estado e ainda fizesse seu sucessor, Antonio Anastasia. Em Pernambuco, outro estado a perseguir metas de eficiência, Eduardo Campos reelegeu-se com mais de 80% dos votos válidos. É o que Jorge Gerdau chama de “contrato inteligente”. “Com resultados assim, alguns começam a ver esses projetos como oportunidade, não como ameaça”, diz o conselheiro Antonio Maciel Neto, presidente da Suzano. Confiança mútua é fundamental para a lógica de interação desenvolvida por Gerdau. Nos projetos estaduais e municipais, tornou-se praxe o acompanhamento dos resultados das mudanças — conduzido sempre por um grupo de empresários envolvidos em suas metas desde o início. É o que acontece há cerca de cinco anos em Pernambuco. As reuniões no estado ocorrem três vezes por ano e reúnem seis empresários, entre os quais o próprio Gerdau. “Prestamos contas dos resultados e aprendemos a acompanhar de perto o que acontece aqui dentro”, diz o governador Eduardo Campos, que conseguiu 20 dobrar a capacidade de investimento apenas com uma gestão mais eficiente. Na câmara, a função dos conselheiros é reproduzir a mesma cultura de acompanhamento. Os projetos pioneiros escolhidos por Dilma visam obter resultados rápidos, de modo a encorajar novas iniciativas. Além disso, também vão aliviar situações emergenciais. Um deles, conduzido com a ajuda da consultoria Accenture, busca reduzir o tempo de embarque e desembarque de passageiros no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. As medidas ainda estão sendo estudadas, mas deverão incluir alterações óbvias, como direcionar passageiros barrados pelo detector de metais para uma fila separada, em vez de fazê-los atrasar a passagem dos demais. Os primeiros resultados são esperados para dezembro. Juntamente com a consultoria McKinsey, a câmara vem trabalhando na criação de uma nova metodologia de acompanhamento de projetos do governo. A ideia é impor uma padronização das informações prestadas e uma regularidade de prestação de contas em cerca de dez projetos prioritários, como a execução de obras para a Copa do Mundo de 2014. O modelo é a delivery unit, criada pelo ex-premiê britânico Tony Blair no início dos anos 2000. Até 2002, entre 20% e 25% dos pacientes ingleses passavam mais de 4 horas nos prontos-socorros em hospitais e centros de saúde — um percentual considerado alto demais. Os projetos de definição de prioridades fizeram esse patamar baixar para apenas 4% em 2005. Os ganhos chegaram a 44 milhões de libras por ano. Nas mãos do novo primeiro-ministro, David Cameron, a unidade foi fechada no ano passado, o que evidencia outro desafio da gestão pública — a continuidade. O verdadeiro teste Quais as chances de Gerdau e seu time liderarem uma mudança cultural em Brasília? O lamentável histórico brasileiro no terreno da gestão pública sugere cautela. Gerdau estima que um trabalho abrangente realizado em todos 21 os ministérios possa trazer ganhos de até 80 bilhões de reais nos próximos anos, mas ele próprio admite que, por ora, seu escopo de trabalho é tímido. Para alguns analistas, a Câmara poderá ter bons resultados em projetos isolados, mas o teste definitivo só viria depois de enfrentar áreas mais pantanosas. É o caso do Ministério dos Transportes, em que as metas são diminuir em até 70% o tempo de execução das obras do governo federal e cortar o desperdício de recursos em 30% num prazo de 24 meses. Além da burocracia, a mudança nessa área deverá esbarrar em outros males arraigados. Boa parte da cúpula do ministério foi demitida em julho após denúncias de superfaturamento e recebimento de propina. Quem se dispuser a enfrentar os bandos que dominam feudos inteiros do governo terá de desmontar práticas consolidadas no país desde a redemocratização. Conseguirá Dilma trilhar um caminho diferente de seus antecessores na luta por apoio da classe política? O Brasil está pronto para virar uma página e dar um salto na administração do dinheiro público? Gerdau diz acreditar que sim — e a imensa maioria dos brasileiros espera que ele esteja certo. “Sabemos que vai demorar”, diz Gerdau. “Mas para persistir é preciso manter o idealismo.” Com reportagem de Alexa Salomão e Luiza Dalmazo. 22 CAPITULO II O que veremos neste capítulo: Evolução Histórica do Pensamento Político. Grécia e Roma. Maquiavel e a Administração. Maquiavel em resumo. Pensamento Político Contemporâneo. “Não há nada mais difícil do que planejar, mais duvidoso do que obter sucesso, nem mais perigoso de administrar que a criação de uma nova ordem das coisas... Uma vez que os inimigos tenham a ocasião de atacar o inovador, eles o farão com a paixão de um guerrilheiro, enquanto os outros o defenderão tão preguiçosamente, que o inovador e seus parceiros se tornarão vulneráveis”. Maquiavael 1. Introdução No capítulo 1 iniciamos nosso curso de Ciência política, conhecendo primeiramente a origem e o significado da palavra política. Embora no contexto atual, quando ouvimos esta palavra geralmente fazemos uma associação negativa,ela significa a arte da organização, direção e administração de nações, Estados e também das empresas. Desta forma, a sua ligação com o poder é indiscutivel. A ciência política por sua vez é o estudo da política e, consequentemente sobre o poder. Segundo Bonavides (2010), ciência política, em sentido amplo, é o estudo dos acontecimentos, das instituições e das ideias políticas tanto no passado, quanto no presente e possibilidades futuras. A evolução desta ciência que tem fortes vinculos com a filosofia, direito constitucional, história, psicologia, sociologia e, principalmente com a 23 economia, vem da Grécia Antiga, uma sociedade baseada na escravidão mas também um modelo de democracia. Platão, em sua obra “A República”, já fazia referências à especialização do trabalho e da produção. A ciência política atravessou diversas fases, passando de uma posição mais filosófica a outra mais materialista e naturalista. Esta última, fundamentada pelo positivismo, movimento com raízes historicas na Revolução Industrial. Mas foi na Grécia que surgiram os primeiros pensadores políticos, com destaque para Platão e Aristotóles. Além destes, não podemos esquecer o italiano Maquiavel, que ao rejeitar a tradição idealista de Platão e Aristoteles mostra outro sentido para a política e o poder. Vejamos a seguir um pouco mais sobre estes pensadores e a evolução do pensamento político. 2. A política na Grécia antiga. A vida política na Grécia antiga tinha como uma de suas principais características a realização das assembléias onde todos os membros da polis podiam participar. Entretanto, somente aqueles que estivessem habilitados a disputar o cargo de rei poderiam opinar. Estar habilitado significava possuir alguns recursos políticos tais como terras e o apoio de outros membros importantes da polis. Fato interessante era que, apesar de permitir a expressão das opiniões, a assembléia não decidia nada. Era um lugar de discussão, não de deliberação. Essa cabia unicamente ao rei decidir. Apesar disso, este procedimento mostra que os antigos gregos consideravam a participação dos cidadãos como fator fundamental de sustentação do poder político, e não no uso, ou ameaça do uso, da força estatal em si. Na verdade, a visão política dos gregos acerca da cidadania e da responsabilidade do indivíduo para com o Estado se apoiava, principalmente, 24 mas não exclusivamente, na noção da integração voluntária do cidadão ao processo de tomada de decisões políticas e na sua respectiva execução responsável por parte daqueles cidadãos encarregados da administração política da cidade-estado (a polis). O poder de coerção do Estado, ainda que reconhecido e aceito como algo necessário, ocupava um lugar de menor importância na escala de valores políticos da civilização grega. 2.1 O pensamento platônico As idéias de Platão não se limitavam ao campo da política. Como filosofo ele escreveu sobre o amor, conhecimento, política e sobre o homem e alma. No que se refere ao conhecimento, Platão defendia a ideia de que o filosófico, contido na alma, representava o verdadeiro conhecimento, embora admitisse a existência do conhecimento técnico. Platão certa vez escreveu: “Os males não cessarão para os humanos antes que a raça dos puros e autênticos filósofos chegue ao poder, ou antes, que os chefes das cidades, por uma divina graça, ponham-se a filosofar verdadeiramente.” (Platão, Carta Sétima, 326b). Sobre o poder político, o homem e sua alma, Platão acreditava que as virtudes humanas, em número de três, estavam baseadas na alma. Acreditava também que o homem era dividido em duas partes: I) O corpo – a matéria – que mudava ao longo da vida; e II) A alma – a parte imaterial e divina – que não sofria alteração durante a vida. Para Platão a alma é divida em 3 partes: I – Racional (Que se baseia no raciocínio): cabeça; esta tem que controlar as outras duas partes. Sua virtude é a sabedoria ou prudência. II – Irascível (Que se irrita facilmente): tórax; parte da impetuosidade, dos sentimentos. Sua virtude é a coragem. 25 III – Concupiscente (desejo forte): baixo ventre; apetite, desejo carnal (sexual), ligado à libido. Sua virtude é a moderação ou temperança. A interação entre virtude, corpo e alma determinava a posição que o cidadão ocuparia na hierarquia da pólis, como evidenciado a seguir. Platão acreditava que a alma depois da morte reencarnava em outro corpo, mas a alma que se ocupava com a filosofia e com o Bem, esta era privilegiada com a morte do corpo. A ela era concedida o privilégio de passar o resto de seus tempos em companhia dos deuses. Por meio da relação de sua alma com a Alma do Mundo, o homem tem acesso ao mundo das Idéias e aspira ao conhecimento e às idéias do Bem e da Justiça. A partir da contemplação do mundo das Idéias, o Demiurgo (divindade responsável pela criação do universo), tal como Platão descreveu, organizou o mundo sensível. Não se trata de uma criação ex nihilo, isto é, do nada, como no caso do Deus judaico-cristão, pois o Demiurgo não criou a matéria nem é a fonte da racionalidade das Idéias por ele contempladas. A ação do homem se restringe ao mundo material; no mundo das Idéias o homem não pode transformar nada. Pois, se é perfeito, não pode ser mais perfeito. 2.2 Aristóteles Aristóteles, discipulo de Platão, preocupou-se mais em analisar as diferentes formas de estado (monarquia, aristocracia, governo constitucional, Virtude Tipo de alma Orientação Parte do corpo Posição na polis Sabedoria Ouro Razão Cabeça Governante Coragem Prata Vontade Tórax Soldado Moderação Bronze Desejo Baixo ventre Trabalhador A alma e as virtudes segundo Platão 26 tirania, oligarquia, democracia). Esta posição contrastava com a do seu mestre que defendia, como vimos, a ideia de uma classe dominante de "reis filósofos". Analisadas sob a ótica do pensamento econômico, as posições defendidas pelos dois mostram que, enquanto Platão tinha desenhado um modelo de sociedade com base na propriedade comum de recursos, Aristóteles via este modelo como um anátema (maldição). Para ele um modelo baseado na propriedade privada seria mais apropriado, mas o dinheiro serviria somente como um meio de troca, nada mais do que isto. Aristóteles escreveu certa vez: "É claramente melhor que a propriedade seja privada, mas o uso dela em comum deve ser incentivada pelo legislador". Ele desaprovava a usura e o lucro através do monopólio. 3. O pensamento político em Roma Os romanos assimilaram muitos aspectos da cultura dos povos vencidos, principalmente dos gregos. Dotados de notável senso prático, souberam reelaborar essas influências, nas quais introduziram inovações que levaram à formação de uma cultura original. Com isso, acabaram por legar às gerações futuras várias contribuições nas mais diversas áreas. No que se refere ao pensamento político, Cícero foi o nome de maior destaque. Como escritor, foi ele quem apresentou aos Romanos as escolas da filosofia grega. Além de escritor talentoso foi um ardoroso defensor da república como forma de governo, colocando-se inclusive contra o império. 4. Maquiavel É reconhecido como fundador do pensamento e da ciência política moderna, pelo fato de haver escrito sobre o Estado e o governo como realmente são e não como deveriam ser. Platão imaginava a sociaedade ideal como sendo aquele em que a proriedade fosse comum a todos. De forma diferente, Aristóterles acreditavana sociedade baseada na propriedade privada. 27 Os pensadores que o precederam eram idealistas, orientados por crenças religiosas medievais. Maquiavel inverteu estas lógicas. Para ele, não havia meios que os fins não justificassem nem códigos morais que não pudessem ser transgredidos, nem princípios religiosos que reprimissem o governante. Surge então o termo razão de Estado, que tem o seguinte significado: O governante deve se valer de qualquer meio, independente de tal estratégia ser moralmente aceita ou não para garantir a integridade do Estado. De outra forma, caso o Estado não seja capaz de impor suas ordens de modo irresistível, é impossível garantir a ordem pública e qualquer progresso moral, econômico ou civil. Vem daí as famosas palavras de Maquiavel: “os fins justificam os meios”. Maquiavel entrou para a política aos 29 anos de idade no cargo de Secretário da Segunda Chancelaria. Nesse cargo, ele observou o comportamento de grandes nomes da época e os adicionou aos conceitos da antiguidade clássica que estudou para fundamentar suas ideias. O Príncipe, publicado em 1532, é sua obra mais conhecida. Nela, defendeu a centralização do poder político, mas não propriamente o absolutismo, já que acreditava na república como forma de governo. Suas ideias foram desenvolvidas em uma época em que a Itália estava dividida em diversos pequenos Estados, entre repúblicas, reinos, ducados, além dos Estados da Igreja. Esta divisão levava a constantes disputas de poder entre esses territórios, a ponto de os governantes contratarem os serviços de mercenários com o intuito de obter conquistas territoriais. É neste cenário, que Maquiavel defende a unificação como forma de acabar ou minimizar os conflitos. Entretanto, uma leitura apressada das suas obras pode levar- nos a entendê-lo como um defensor da falta de ética na política, em que os fins justificam os meios e não como uma estrategista. É o que nos revela alguns estudos recentes sobre sua obra, que admitem a interpretação errônea do seu 28 pensamento ao vincular o adjetivo maquiavélico, criado a partir do seu nome, aos conceitos de esperteza, astúcia e até maldade. Em o Príncipe, ele apresenta os tipos de principados existentes e expõe as características de cada um deles. A partir daí, defende a necessidade do príncipe formar seus exércitos próprios e após tratar do governo propriamente dito e dos motivos por trás da fraqueza dos Estados italianos, conclui dizendo que um novo príncipe conquiste e liberte a Itália. Suas considerações e recomendações aos governantes sobre a melhor maneira de administrar o governo caracterizam a obra como uma teoria do Estado moderno. É importante repetir que a obra de Maquiavel não deve ser analisada sem se considerar o contexto em que foi produzida. O método utilizado por ele de romper com a tradição vigente (medieval), e fundamentar-se no empirismo e na análise dos fatos recorrendo a experiência passadas - especialmente da Roma antiga – é um marco na forma de análise e estratégia. Além disso, ele foi o primeiro a propor uma ética para a política diferente da ética religiosa, ou seja, a finalidade da política seria a manutenção do Estado. Entre os conceitos mais importantes criados ou defendidos por Maquiavel estão os de virtù e o de fortuna. Estes conceitos são empregados várias vezes por Maquiavel em suas obras. Para ele, a virtù seria a capacidade de adaptação aos acontecimentos políticos que levaria à permanência no poder. A virtù seria como uma barragem que deteria os desígnios do destino. Mas segundo o autor, em geral, os seres humanos tendem a manter a mesma conduta quando esta frutifica e assim acabam perdendo o poder quando a situação muda. 29 Já a fortuna2 representa as coisas inevitáveis que acontecem aos seres humanos (sorte ou falta de sorte). Para Maquiavel, o governante que possuisse a virtú consquistaria também a fortuna. Outro ponto importante das ideias de Maquiavel é a referência a natureza humana. Para ele, a natureza humana seria essencialmente má e os seres humanos desejam sempre obter os máximos ganhos a partir do menor esforço, apenas fazendo o bem quando forçados a isso. A natureza humana também não se alteraria ao longo da história fazendo com que seus contemporâneos agissem da mesma maneira que os antigos romanos e que a história dessa e de outras civilizações servissem de exemplo. Assim, o governante não deveria esperar o melhor dos homens ou que estes fizessem o que se espera deles. 4.1 Maquiavel e a Administração Os autores Luiz Roberto Antonik e Aderbal Nicolas Muller em sua obra “O Príncipe revisitado: Maquiavel e o mundo empresarial”, mostram que os ensinamentos de Maquiavel estão bem atuais e no mundo dos negócios - ao contrário do que ensinam certos teóricos da administração - a prática e o conhecimento nos ensinam que um pouco de maldade, estresse e desafio são indispensáveis para o bom resultado, e isso apenas se obtêm com pessoas certas. Embora O Príncipe tenha sido escrito para descrever as maneiras de se conduzir os negócios públicos internos e externos e, fundamentalmente, como conquistar e manter um principado, seus ensinamentos são facilmente aplicáveis também aos negócios privados. 2 A idéia de fortuna em Maquiavel vem da deusa romana da sorte e representa as coisas inevitáveis que acontecem aos seres humanos. Não se pode saber a quem ela vai fazer bens ou males e ela pode tanto levar alguém ao poder como tirá-lo de lá, embora não se manifeste apenas na política. http://pt.wikipedia.org/wiki/Nicolau_Maquiavel 30 Como observador do comportamento humano, Maquiavel foi um renovador de costumes, um agente de mudanças, um estrategista. Suas observações de Maquiavel podem ser comparadas a postura de gestores, sejam eles chamados de líderes, gerentes, coordenadores ou governantes. 4.2 Maquiavel em resumo 4.2.1 Pensamentos sobre a Sociedade - Processo de ascensão do capitalismo: mercantilismo. - Desenvolvimento do Estado Nacional: soberanos locais são absorvidos pelo fortalecimento das monarquias e pela crescente centralização das instituições políticas (cortes de justiça, burocracias e exércitos) . - Estado absoluto: preserva a ordem de privilégios aristocráticos (mantendo sob controle as populações rurais), incorpora a burguesia e subordina o proletariado incipiente. 4.2.2 Pensamentos sobre a natureza humana - Racionalidade instrumental: busca o êxito, sem se importar com valores éticos. - Cálculo de custo/benefício: teme o castigo. - Homem possui capacidades: força, astúcia e coragem. - Homem é vil, mas é capaz de atos de virtude. - Mas não se trata da virtude cristã. - O homem não muda. 4.2.3 Pensamentos sobre a Política - Política: é mostrada como esfera autônoma da vida social. - Não é pensada a partir da ética, nem da religião e nem da filosofia: rompe com os antigos e com os cristãos. passa a ser campo de estudo independente. - A vida política tem regras e dinâmica independentes de considerações privadas, morais, filosóficas ou religiosas. 31 - Política é a esfera do poder por excelência. - Política é a atividade constitutiva da existência coletiva: tem prioridade sobre todas as demais esferas. - Política é a forma de conciliar a natureza humana com a marcha inevitável da história: envolve fortuna e virtu. - Fortuna: contingência própria das coisas políticas: não é manifestação de Deus ou Providência Divina. - Virtu: qualidades como aforça de caráter, a coragem militar, a habilidade no cálculo, a astúcia, a inflexibilidade no trato dos adversários. Pode desafiar e mudar a fortuna: papel do homem na história 4.2.4 Pensamentos sobre o Estado - O Estado: está além do bem e do mal: o Estado é. - Estado: regulariza as relações entre os homens, utilizando o que eles têm de bom e evitando o que eles têm de mal. - Tanto na política interna quanto nas relações externas, o Estado é o fim: e os fins justificam os meios. Daí a idéia de “razão de Estado”: existem motivos mais elevados que se sobrepõem a quaisquer outras considerações, inclusive à própria lei. - A tirania é uma resposta prática a um problema prático. 5. Pensamento político contemporâneo Diversos autores contribuiram para formatar o pensamento político contemporâneo. John Locke com sua teoria do contrato social em que defendeu a ideia de que as pessoas contratavam com a sociedade (Estado) e que portanto, seus direitos de propriedade deveriam ser defendidos, foi um deles. Outro autor muito importante foi Karl Marx. A teoria marxista é uma crítica radical das sociedades capitalistas, notadamente as ideis de Adam Smith. 32 O marxismo constitui-se como a concepção materialista da história, significando dizer que os fatos econômicos e que determinam a história. Karl Marx compreende o trabalho como atividade fundamental da humanidade. E o trabalho, sendo a centralidade da atividade humana, se desenvolve socialmente, sendo o homem um ser social. Sendo os homens seres sociais, a história, isto é, suas relações de produção e suas relações sociais fundam todo processo de formação da humanidade. Esta compreensão e concepção do homem são radicalmente revolucionárias em todos os sentidos, pois é a partir dela que Marx irá identificar a alienação do trabalho como a alienação fundante das demais. Bibliografia Dias, Reinaldo. Ciência Política. São Paulo: Editora Atlas, 1ª ed. 2011. Bonavides, Paulo. Ciência política. São Paulo: Editora Malheiros, 17ª. ed. 2010. Weffort, Francisco C. Os clássicos da política. São Paulo. Editora Ática. 2006. http://search.babylon.com/?q=fortuna+e+virt%C3%BA+wikipedia&s=web&as=0&babsrc=home http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_do_pensamento_econ%C3%B3mico 33 TEXTOS PARA DISCUSSÃO Fortuna e Virtù na Trajetória de Lula Por Lúcio Flávio Vasconcelos as 20:33 h http://www.wscom.com.br/blog/lucioflavio/post/post/Fortuna+e+Virt%C3%B9+na+Trajet %C3%B3ria+de+Lula-761 As reflexões sobre a política não foram as mesmas depois dos escritos de Nicolau Maquiavel (1469-1527). Nascido em Florença, cidade italiana que vivia a plena efervescência do Humanismo renascentista, Maquiavel foi um homem dedicado ao exercício da administração pública, com o objetivo maior de fortalecimento do papel do Estado na condução da sociedade. Durante toda sua vida, o pensador florentino, acertadamente considerado o fundador da Ciência Política, foi um homem prático, que analisava a política com racionalidade. Nos seus escritos, desnudou as intenções políticas dos homens em sua crueza, com toda sua grandiosidade e mesquinhez. Em 1512, a república que servia com tanto zelo foi derrubada e os Médici retornaram ao poder. O dedicado servidor público Maquiavel foi preso e torturado, acusado de traição pela família Médici. Sem o cargo público que tanto prezava, Maquiavel recolheu-se a uma pequena fazenda de sua propriedade, em San Casciano, e dedicou-se com afinco ao seu segundo maior prazer: escrever. Nos catorze anos seguintes, Maquiavel vai produzir uma significativa obra, que engloba escrito históricos e obras literárias. Mas é com o livro seminal O Príncipe que ele encontrará a imortalidade. Na sua obra O Príncipe, Maquiavel tem a preocupação de aconselhar os governantes não só em obter o poder mas, principalmente, em como mantê-lo. Para tanto, lança mão de dois conceitos principais: Fortuna e Virtù. 34 Para Maquiavel, a Fortuna seria o conjunto dos acontecimentos, os fatos que ocorriam no contexto social em que o governante vivia. Já a Virtù representa a série de qualidades pessoais do príncipe que possibilita o discernimento necessário para conquistar e manter o poder. Após essa rápida análise dos conceitos maquiavelianos, vamos nos debruçar nos últimos acontecimentos que assolam a nossa república. Desde o final dos anos 70 que se processa no Brasil uma mudança significativa na política nacional. Há o surgimento de um novo sindicalismo, que teve como base o ABC paulista. Também houve um profundo envolvimento da Igreja Católica nas questões sociais, culminando na articulação do Movimento dos Sem Terra (MST). A expansão do ensino universitário possibilitou a difusão de um conhecimento científico uniforme em todo o país. Surgiram no Brasil milhares de núcleos urbanos que passaram a abrigar setores de classe média sedentos por mudanças sociais e políticas. Foi dentro desse processo de alteração do cenário nacional que se deu a Fortuna de Lula. Aproveitando as profundas modificações ocorridas nos últimos 25 anos, Lula soube, como nenhum outro líder político brasileiro do século XX, capitalizar as transformações e ser o seu principal representante. Eis a sua Virtù! O líder operário de baixa escolaridade fundou um partido que se distanciou da prática política do Partido Comunista, sensibilizou setores intelectualizados da classe média com seu socialismo moderado, mobilizou segmentos dos trabalhadores com o seu sindicalismo de resultados e galvanizou setores desorganizados da sociedade com sua retórica salvacionista. Na sua trajetória política, Lula percebeu como poucos a oportunidade de chegar ao poder sem provocar a ira dos setores mais conservadores. Ao ganhar as eleições em 2002, apresentou-se como um moderado que iria minimizar o sofrimento dos excluídos sem causar rupturas. Durante o seu mandato, o modelo econômico tão criticado por setores radicais do PT permaneceu no mesmo itinerário traçado pelo antecessor Fernando Henrique Cardoso. 35 A onda de crescimento econômico que atingiu a América Latina, deu margem para que políticas públicas favoráveis aos setores populares fossem implantadas. Salário mínimo de R$ 350,00 é o maior em poder aquisitivo desde 1979. Mesmo após meses de bombardeio de seu governo, com a conseqüente perda de principais auxiliares na construção da sua trajetória, Lula demonstra uma força política inigualável. Os partidos de oposição, principalmente PSDB e PFL, não têm demonstrado Virtù suficiente para desbancar o prestígio que permeia o candidato Lula. Talvez isso se dê porque ainda está muito vivo na memória da maioria da população os oito anos do governo FHC. O desafio para Lula é enorme. Nem Nicolau Maquiavel arriscaria prever se o Governo Lula propiciará, até outubro próximo, a Fortuna tão necessária para que o candidato Lula continue exercendo a sua Virtù. Lúcio Flávio Vasconcelos é Graduado em História pela UFPB, tem Mestrado e Doutorado em História pela Universidade de São Paulo (USP). É professor do Departamento de História da UFPB e também Professor Orientador do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS), do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFPB. Publicou os livros História Política do Sendero Luminoso (1998), Guardiões da Ordem (2001) e América Latina: Entre a Civilização e Barbárie (2005), todos lançados pela UFPB. Atualmente é debatedor no programa Conexão Master. 36 Fortuna e virtù CláudiaVassallo - Revista Exame | 18/11/2010 Maquiavel e as lições do príncipe: só sorte não basta Em seu magistral o príncipe, o pensador Florentino Nicolau Maquiavel defende que o líder precisa de dois atributos para triunfar: fortuna e virtù - sorte (algo fora do controle dos mortais) e competência. Fortuna é algo que aparentemente não faltará à presidente eleita, Dilma Rousseff, que a partir de 1o de janeiro assume a liderança do país. O Brasil vive hoje um momento que, se não é perfeito como alguns gostam de propagar, traz enormes oportunidades de construção do futuro. O momento histórico nos favorece de diversas maneiras. Mas talvez nada nos abra uma janela tão grande para o crescimento e o desenvolvimento quanto a transformação demográfica pela qual passaremos nos próximos 20 anos - um processo que começa agora e que envolverá o amadurecimento em massa e o ápice da capacidade produtiva da maioria da população brasileira. O chamado "bônus demográfico" chegará a seu pico em 2022, quando se estima que haverá quatro cidadãos inativos - crianças e velhos, sobretudo para cada dez economicamente ativos. Viveremos, então, um período de carga máxima de nossa capacidade de produção e de consumo. As conseqüências e as oportunidades geradas por essa transformação para o país e para quem faz negócios são brutais. E é sobre elas que se debruça a reportagem de capa desta edição, assinada pelo repórter Nicholas Vital. Um estudo assinado pelos professores Cássio Turra e Bemardo Queiroz, da Universidade Federal de Minas Gerais, mostra que apenas o fenômeno demográfico gera um potencial de crescimento do PIB brasileiro de 2,5% anuais até 2030. Trata-se de um cenário, esperamos improvável. Pressupõe que, num espaço de duas décadas, nada seja feito para modernizar o país e tomar sua economia mais dinâmica e mais pujante. O que os professores Queiroz e Turra estão dizendo é que, ainda que tudo dê absolutamente errado, seguiremos em frente. Por pura sorte. Agora é torcer para que a presidente Dilma e seus sucessores emprestem altas doses de sua própria virtù à enorme e efêmera fortuna derramada sobre o Brasil dos próximos 20 anos. 37 Vinte anos para o Brasil ficar rico Nicholas Vital, da EXAME - 17/11/2010 16:16 Está em curso um fenômeno novo para o país: o amadurecimento em massa da população. Mas é preciso correr, pois a janela de oportunidades tem data para fechar Ronaldos e Giseles à parte, a maioria dos mortais segue um roteiro de vida semelhante. Primeiro experimentamos as delícias da infância e da adolescência. Depois, chega a hora de começar a trabalhar, um momento marcado por muito esforço e pouco dinheiro. Com o tempo, as oportunidades vão surgindo e o desafio é conseguir garantir um descanso tranquilo no período final. E assim passamos de geração em geração. Também os países seguem uma trajetória semelhante, com graus diferentes de sucesso. Numa fase inicial, nações jovens têm uma fatia grande da população abaixo da idade de trabalho. Com o tempo, as crianças crescem e começam a trabalhar. É um período ideal para aproveitar o impulso e crescer. Depois vem a fase do envelhecimento, em que o ímpeto econômico se esvaece. Se tudo der certo nesse caminho, haverá, então, riqueza suficiente para financiar o sossego dos idosos. O Brasil já foi uma nação jovem. E seremos, no futuro, um país velho. A boa notícia é que estamos — agora — no auge do período produtivo. Encontra- se em curso um fenômeno demográfico e social novo para o país: o amadurecimento em massa da população. O crescimento populacional vertiginoso ficou para trás. Após crescer geometricamente por dois séculos, o número de brasileiros aumenta cada vez menos e não deve ultrapassar a marca de 220 milhões. Ao mesmo tempo, com expectativa de vida de 73 anos, o país tem hoje dois terços da população entre 15 e 64 anos — a faixa etária considerada economicamente mais produtiva. A proporção dos que estão em idade de produzir vai continuar a crescer até 2022, quando atingirá um pico de 71%. A previsão é que nessa data o número de brasileiros em idade ativa passe dos atuais 130 milhões para 147 milhões. As chances de negócios abertas por essa transformação silenciosa são enormes. “Se em dez anos não abrirmos 100 milhões de novas contas, é porque algo deu errado”, diz Luiz Carlos Trabuco 38 Cappi, presidente do Bradesco. Segundo estimativa da Federação Brasileira de Bancos, o número de agências bancárias no país deve crescer 50% na próxima década, o que significa a criação de cerca de 150 000 postos de trabalho. O crescimento no setor bancário é apenas um exemplo do salto esperado em inúmeros mercados na próxima década. “Essa é uma chance única na história de qualquer país”, disse a EXAME Ronald Lee, diretor do departamento de demografia e economia da Universidade de Berkeley e membro da Comissão Americana para Estudos do Envelhecimento. A chance a que Lee se refere é batizada pelos especialistas de bônus demográfico — a fase com o máximo possível de gente trabalhando. Uma projeção realizada pelos professores Cássio Turra e Bernardo Queiroz, da Universidade Federal de Minas Gerais, mostra que o Brasil tem um potencial de crescimento de 2,5% ao ano gerado exclusivamente pelo bônus demográfico. Outra conta, feita por Marcelo Neri, pesquisador do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas, sugere um aumento de até 2,7% ao ano na renda média dos brasileiros em função do bônus e do aumento da escolaridade, iniciado nos anos 90. No cenário elaborado por Turra e Queiroz, o Brasil, se crescer apenas à média anual de 2,5% propiciada pelo bônus demográfico, chegará a 2030 com um produto interno bruto de 3,3 trilhões de dólares, 50% maior que o atual. Mas o país tem crescido mais que isso — e os economistas avaliam que será possível manter um ritmo de 4,5%. Isso elevaria, no mesmo prazo, o PIB para 4,8 trilhões de dólares, o suficiente para alcançar um padrão de renda equivalente ao que Portugal tem atualmente. Numa hipótese mais otimista, de o bônus ser aproveitado para impulsionar reformas mais profundas, em duas décadas o Brasil atingiria o nível de renda per capita atual da Espanha e teria um PIB de 7 trilhões de dólares. “Os brasileiros estão diante de uma oportunidade de ouro, mas ela é temporária. Após duas décadas, o envelhecimento da população inverterá a curva e fará a proporção de inativos subir. Por isso, para tirar o máximo proveito até lá, o Brasil deve investir fortemente nas novas gerações, em especial provendo boa educação básica”, diz Lee. O recado é claro: temos mais 20 anos para fazer a lição de casa, 39 modernizando a economia e melhorando a qualidade da educação, e, assim, nos tornar uma nação rica. Caso contrário, estaremos no pior dos mundos. Corremos o risco de envelhecer sem ter conseguido integrar o clube dos desenvolvidos — e aí será muito mais difícil chegar lá. O bônus tem como origem uma guinada no comportamento das famílias brasileiras. Desde meados dos anos 60, tem havido uma queda progressiva no tamanho das famílias. A média de filhos por mulher, que era de seis há meio século, caiu até chegar a menos de dois hoje. A presidente eleita Dilma Rousseff — de quem se espera um conjunto de políticas para aproveitar ao máximo o bônus demográfico — é um exemplo da nova mulher brasileira. Teve apenas uma filha, a qual, por sua vez, recentemente lhe deu o primeiro neto. A idade média da população, antes inferior a 20 anos, atualmente está próxima de 29 — e vai continuar a crescer. A pirâmide demográfica mudou de forma e agora é uma figura cada vez mais arredondada. No ponto atual, a maioriados que eram jovens nas décadas anteriores ainda não chegou à terceira idade e constitui uma inédita geração de brasileiros mais maduros e que estão no auge de sua carreira profissional. O resultado é que a proporção entre pessoas que não trabalham e as que são ocupadas caiu de mais de sete inativos (seja criança, seja idoso) para cada grupo de dez trabalhadores, há 20 anos, para menos de cinco para dez. No auge do bônus, em 2022, essa proporção será de quatro para dez. Quando há menos gente que precisa ser sustentada, a abundância de população em idade ativa dinamiza a economia e gera recursos adicionais que podem ser revertidos em poupança e investimento. Isso reforça o crescimento econômico e gera oportunidades em inúmeros mercados. A mudança do perfil demográfico da população brasileira deve fazer com que alguns setores da economia experimentem um ritmo de crescimento acelerado na próxima década, o que pode colocar o Brasil entre os líderes globais em vários segmentos. Os cosméticos são um bom exemplo. Hoje, o Brasil é o terceiro maior mercado de produtos de perfumaria e beleza do mundo, atrás de Estados Unidos e Japão. Caso a estimativa de crescimento do setor se confirme — 9,6% ao ano, de acordo com uma estimativa feita pela consultoria 40 Euromonitor a pedido de EXAME —, o mercado brasileiro de cosméticos deverá chegar a 108 bilhões de dólares em 2020, quase o dobro do observado atualmente nos Estados Unidos. “Nossos consumidores, em sua maioria, são maduros”, diz José Vicente Marino, vice-presidente de negócios da Natura, a maior empresa de cosméticos do país. “Boa parte de nosso crescimento nos últimos anos já pode ser atribuída ao bônus.” O envelhecimento da população também deve impulsionar o segmento de serviços médicos, que inclui gastos com consultas, exames e hospitais. Hoje, os brasileiros gastam pouco mais de 56 bilhões de dólares, montante que deve alcançar 112 bilhões em 2020, mais do que o gasto atual da Alemanha, em torno de 90 bilhões de dólares. O gasto com educação, segundo as projeções da Euromonitor, também deve dobrar na próxima década, de 91 bilhões de dólares para 182 bilhões. Para as empresas, um dado central é o perfil do brasileiro médio daqui a uma década, quando o bônus demográfico estiver empurrando o país com força máxima. Muito provavelmente, será próximo ao de Ana Rita Mazza Menani. Aos 33 anos de idade, casada, com dois filhos, formada em comunicação social, ela e o marido, Rogério, têm uma pequena gráfica em Monte Alto, no interior paulista. Juntos eles dispõem de uma renda em torno de 8 000 reais por mês. Moram numa casa confortável e, na garagem, têm dois carros e duas motos. Dentro de casa, não faltam eletrodomésticos, móveis e computador. Os filhos, de 7 e 13 anos, estudam em escola particular, fazem aulas de inglês, artes, música e esportes. “Investimos cerca de 25% da renda familiar na educação deles”, diz Ana Rita. “Se tivéssemos mais filhos, seria difícil manter o padrão. As pessoas da minha geração não têm condições de ter mais que um ou dois filhos.” Embora muito tenha se falado sobre o crescimento na base da pirâmide, o exemplo de Ana Rita ilustra que a ascensão econômica em curso no país legará uma estrutura social com preponderância das classes média e alta. Nessa nova sociedade, algumas tendências comportamentais começam a ser detectadas. A importância crescente dada à educação dos filhos é uma delas. O desenvolvimento esperado para as próximas décadas está atrelado a fortes investimentos em educação e formação de mão de obra qualificada — uma das 41 consequências diretas do bônus. “Saímos da baixíssima escolaridade para um nível menos ruim, e isso já está jogando a favor do desenvolvimento há um tempo”, afirma Neri, da FGV. “Nosso retrato provavelmente seria bem pior se não fosse isso. O que precisamos fazer é avançar com mais ambição no setor de educação, para não desperdiçar o bônus.” Essa necessidade faz com que as escolas constituam um mercado que evidentemente está entre os que mais proliferam atualmente no Brasil. De acordo com a Euromonitor, esse setor deve crescer quase 10% ao ano no Brasil até 2020, quando alcançará 400 bilhões de reais. A expansão tem atraído investidores estrangeiros principalmente para atuar no ensino superior. O grupo americano DeVry chegou ao país há três anos. Instalou-se na Região Nordeste e já conta com 14 000 alunos em suas quatro unidades. “Enxergamos uma grande oportunidade no mercado brasileiro de educação”, diz Carlos Filgueiras, presidente do braço local do DeVry. “O potencial de crescimento é muito grande. Hoje, apenas 30% dos jovens brasileiros entre 18 e 22 anos estão na faculdade. Na Grécia, o índice é de mais de 90%.” De acordo com ele, o efeito do bônus já é perceptível, mas poderá ser mais intenso porque as classes C e D estão começando a ter acesso às universidades. “Isso deve impulsionar o setor nos próximos anos”, diz. Potencial a ser descoberto Curiosamente, muitas empresas ainda não atentaram para o potencial de mercado aberto pela mudança na demografia brasileira. Recentemente, ao promover por seis meses um estudo com seus 100 executivos de nível mais alto para identificar tendências e planejar os próximos dez anos, o grupo de engenharia Promon descobriu o bônus. “O tema da demografia causou frisson nas nossas reuniões”, diz Luiz Fernando Rudge, presidente da Promon. “As pessoas não percebem seu efeito no dia a dia, mas vimos que, ao longo das décadas, o impacto é dramático.” A Promon identifica áreas de negócios que serão particularmente atraentes num cenário de amadurecimento da população, como as de saúde e bem-estar. “Podemos investir na construção e na operação de hospitais e condomínios para pessoas mais idosas”, afirma Rudge. Além 42 disso, com a perspectiva de um crescimento econômico mais consistente, diversos setores de infraestrutura em que a Promon atua, de energia a telecomunicações e tecnologia da informação, também deverão ser positivamente afetados. De acordo com um estudo da consultoria Ernst & Young, a mudança do perfil demográfico da população brasileira deve dar ainda mais fôlego ao setor de construção civil. Estima-se que, todos os anos, cerca de 1,7 milhão de novas famílias sejam formadas no país. Até 2030, serão pelo menos 35 milhões de novas famílias, principalmente da emergente classe C, que precisarão de um lugar para morar. Trata-se de outra tendência que começa a ser detectada: o surgimento de famílias pequenas e em franca ascensão social. As construtoras já perceberam o fenômeno e vêm adequando seus produtos aos novos consumidores. “As famílias estão ficando cada vez menores. Consequentemente, os apartamentos também devem ficar mais compactos”, diz Antonio Carlos Ferreira, diretor de incorporações da Gafisa, uma das maiores construtoras do país. Em 2007, as famílias tinham, em média, 3,1 pessoas. Em 2030, prevê-se que haverá apenas 2,4 pessoas por residência. O operador logístico mineiro Lando Tavares, de 34 anos, comprou seu primeiro apartamento há aproximadamente um mês. Casado há quatro anos e pai de uma menina de 2 anos, ele aproveitou um aumento salarial e a oferta abundante de crédito para financiar em 25 anos um imóvel avaliado em 100 000 reais. Os Tavares representam a nova família brasileira — pequena e mais preocupada com a qualidade de vida. Uma população mais velha traz também mudanças em termos de objetos de desejo. Um segmento crescente é o formado por homens e mulheres maduros e com dinheiro para gastar. O envelhecimento costuma tornar os consumidores mais exigentes. Para as montadoras de automóveis, isso
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