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Texto 3 – Soluções ideais – notas de aula de fisquim II – prof. Ourides 1 Texto 3: Soluções ideais - Notas de fisquim II – prof. Ourides 1. A energia de Gibbs para gases e o potencial químico Para compreender o comportamento das soluções, vamos primeiro obter uma equação de energia de Gibbs que se aplica a gases puros ou a misturas de gases. Isto porque o comportamento das soluções será estudado com base na pressão de vapor de um solvente acima da solução. Este inclusive será o critério que vai diferenciar soluções ideais de soluções não ideais, que estudaremos mais à frente. Começaremos por equações que são, de fato, definições em termodinâmica, são elas 𝑈 = 𝑞 + 𝑤 = 𝑞 − 𝑝𝑉 (1a lei da termodinâmica) 𝑆 = 𝑞 𝑇 (2a lei da termodinâmica, definição de entropia) 𝐻 = 𝑈 + 𝑝𝑉 (definição de entalpia) 𝐺 = 𝐻 − 𝑇𝑆 (definição de energia de Gibbs) Combinando as três primeiras equações, temos 𝐺 = 𝑈 + 𝑝𝑉 − 𝑇𝑆 Vamos supor que um sistema qualquer passe por uma transformação e que haja mudança no valor de sua energia de Gibbs. Essa mudança pode ser provocada pela variação de uma, duas, ou até de todas as variáveis da equação acima. Sendo assim, podemos escrever, para variações infinitesimais, 𝑑𝐺 = 𝑑𝑈 + 𝑝𝑑𝑉 + 𝑉𝑑𝑝 − 𝑇𝑑𝑆 − 𝑆𝑑𝑇 (1) A equação acima explicita todas as transformações possíveis, mas vamos limitá-las um pouco. Consideremos que a única forma de trabalho que o sistema executa seja o de expansão. Podemos então admitir, pela primeira lei da termodinâmica, que 𝑑𝑈 = 𝑑𝑞 − 𝑝𝑑𝑉 (2) Para a variação de entropia temos, 𝑑𝑞 = 𝑇𝑑𝑆 (3) Substituindo as equações (2) e (3) na equação (1) 𝑑𝐺 = 𝑑𝑞 − 𝑝𝑑𝑉 + 𝑝𝑑𝑉 + 𝑉𝑑𝑝 − 𝑇𝑑𝑆 − 𝑆𝑑𝑇 𝑑𝐺 = 𝑇𝑑𝑆 − 𝑝𝑑𝑉 + 𝑝𝑑𝑉 + 𝑉𝑑𝑝 − 𝑇𝑑𝑆 − 𝑆𝑑𝑇 Finalmente, 𝑑𝐺 = 𝑉𝑑𝑝 − 𝑆𝑑𝑇 (4) A equação acima é muito importante para a Química. Ela contempla a primeira e a segunda lei da Termodinâmica e ainda correlaciona a variação da energia de Gibbs (que dá a espontaneidade dos processos) com duas propriedades que podem ser facilmente controladas em laboratório, a pressão (p) e a temperatura (T). Consideremos uma transformação num gás ideal à temperatura constante: Texto 3 – Soluções ideais – notas de aula de fisquim II – prof. Ourides 2 𝑑𝐺 = 𝑉𝑑𝑝 (5) Mas, para um gás ideal, 𝑉 = 𝑛𝑅𝑇 𝑃 , ou seja, 𝑑𝐺 = 𝑛𝑅𝑇 𝑝 𝑑𝑝 (6) Integrando a expressão acima desde as condições padrão (𝑝0 = 1 𝑎𝑡𝑚) até uma pressão qualquer, ∫ 𝑑𝐺 𝐺 𝐺∗ = ∫ 𝑛𝑅𝑇 𝑑𝑝 𝑝 𝑝 𝑝0 ∫ 𝑑𝐺 𝐺 𝐺0 = 𝑛𝑅𝑇 ∫ 𝑑𝑝 𝑝 𝑝 𝑝0 𝐺 − 𝐺0 = 𝑛𝑅𝑇𝑙𝑛 𝑝 𝑝0 𝐺 = 𝐺0 + 𝑛𝑅𝑇𝑙𝑛 𝑝 𝑝0 (7) A equação (7) tem aplicabilidade bastante ampla, como veremos. Na expressão acima, G = energia livre do gás à pressão p. G0 = energia livre do gás em condições padrão. p = pressão do gás. P0 = pressão padrão (1 atm). Definimos o potencial químico () de uma substância pura num sistema como sendo a variação da energia de Gibbs por mol de substância acrescentada ao sistema, 𝜇 = ( 𝜕𝐺 𝜕𝑛 ) 𝑇,𝑝 (9) Ou ainda, de modo simplificado 𝜇 = 𝐺 𝑛 (9a) Então, podemos escrever a equação (8) como, 𝜇 = 𝜇0 + 𝑅𝑇𝑙𝑛 𝑝 𝑝0 (10) Na equação acima, = potencial químico de um líquido à pressão de vapor p. 0 = potencial químico (padrão) do líquido à pressão de vapor padrão (1 atm). Texto 3 – Soluções ideais – notas de aula de fisquim II – prof. Ourides 3 Se tivermos uma mistura gasosa, a equação (10) será aplicável a cada um dos componentes da mistura, então, 𝜇𝑖 = 𝜇𝑖 0 + 𝑅𝑇𝑙𝑛 𝑝𝑖 𝑝0 (11) A adoção do potencial químico ou energia de Gibbs por mol de substância é importante por pelo menos duas razões: i) ele exprime uma característica intensiva do sistema; ii) permite que se trabalhe com sistemas em que há mudança de composição ou transporte de matéria, pois definimos um potencial químico para cada componente de uma mistura. Vejamos como isso se traduz. Uma substância i no estado inicial A tem potencial químico 𝜇𝑖 𝐴 . Se uma quantidade dni da substância sofrer uma transformação para um estado B, seu novo potencial será 𝜇𝑖 𝐵 . Essa transformação implica numa variação de energia de Gibbs (dG) dada por 𝑑𝐺 = 𝐺𝐵 − 𝐺 𝐴 Pela definição de potencial químico dada em (9) 𝑑𝐺 = 𝜇𝑖 𝐵𝑑𝑛𝑖 − 𝜇𝑖 𝐴𝑑𝑛𝑖 𝑑𝐺 = (𝜇𝑖 𝐵 − 𝜇𝑖 𝐴)𝑑𝑛𝑖 (12) Podemos agora fazer a seguinte análise: se 𝜇𝑖 𝐵 < 𝜇𝑖 𝐴, então 𝑑𝐺 < 0 e a transformação de A para B será espontânea. Por outro lado, se 𝜇𝑖 𝐵 > 𝜇𝑖 𝐴, então 𝑑𝐺 > 0 e a transformação de B para A será espontânea. Em qualquer dos casos, quando 𝜇𝑖 𝐵 = 𝜇𝑖 𝐴 então 𝑑𝐺 = 0 e o sistema entrou em equilíbrio. A “transformação” a que nos referimos acima pode ser de qualquer natureza, por exemplo, transporte de matéria por difusão, evaporação, sublimação, condensação, fusão, solidificação, cristalização, formação de solução ou reação química. No entanto, ela sempre será espontânea quando o sistema partir de um potencial químico maior para um potencial químico menor. Em mecânica, a direção de mudança espontânea sempre leva o sistema de um potencial mais alto para um potencial mais baixo. Em termodinâmica a situação não é tão simples pois existem dois fatores envolvidos na mudança do potencial químico: a entropia e a entalpia. Apesar disso sabemos que, à temperatura e pressão constantes, uma mudança espontânea se dá sempre no sentido da diminuição do potencial químico, semelhantemente ao que é visto em mecânica. Texto 3 – Soluções ideais – notas de aula de fisquim II – prof. Ourides 4 2. Soluções ideais Soluções são misturas homogêneas de espécies químicas dispersas em escala molecular. Por definição, são sistemas monofásicos que podem ser sólidos, líquidos ou gasosos. Uma solução ideal é definida com base na lei de Raoult, que é uma lei limite, tal qual a lei dos gases ideais. Consideremos uma solução formada por um solvente volátil e um soluto não volátil e não iônico. O que queremos aqui é examinar a pressão de vapor do solvente na solução e comparar com a pressão de vapor do solvente em estado puro. Se um líquido puro é colocado em um recipiente fechado sob vácuo (fig. 1a), parte dele se evapora até alcançar uma pressão p*. Mantendo a temperatura constante, essa pressão será a pressão de vapor do líquido puro. Ao se acrescentar um soluto não volátil e não iônico no solvente, observa-se uma redução na pressão de vapor do soluto (fig. 1b). Vale salientar que, como o soluto não é volátil, o vapor é constituído somente pelo solvente. Fig. 1: a) pressão de vapor de um líquido (solvente) puro (p*); b) pressão de vapor do solvente em solução (p). Perceba que p<p*. Há uma diferença de notação entre a legenda e a figura. O acréscimo de soluto reduz a pressão de vapor do solvente. Quanto mais soluto for acrescentado, maior será a redução nessa pressão. Um gráfico esquemático da variação da pressão de vapor do solvente com o aumento da concentração de soluto é dado na figura 2. A diferença entre a pressão de vapor do solvente puro (p*) para a pressão de vapor do solvente na solução (p) é diretamente proporcional à fração molar do soluto (x2), ou seja, 𝑝∗ − 𝑝 = 𝑥2. 𝑝 ∗ Texto 3 – Soluções ideais – notas de aula de fisquim II – prof. Ourides 5 𝑝 = 𝑝∗ − 𝑥2. 𝑝 ∗ 𝑝 = 𝑝∗(1 − 𝑥2) (13) Ou seja, 𝑝 = 𝑥. 𝑝∗ (14) Figura 2: Esq: pressão de vapor do solvente em função de x2 (solução real); Dir: solução que obedece a lei de Raoult. Na figura 2, x e x2 são as frações molares do solventee do soluto, respectivamente, lembrando que 𝑥 + 𝑥2 = 1. Estude os valores das pressões de vapor para os casos limites de solvente puro e soluto puro. A reta da figura 2 à direita corresponde à equação (13), conhecida como lei de Raoult. Ela mostra que a pressão de vapor do solvente puro na solução é proporcional à fração molar do solvente, de modo que quanto maior a fração molar deste (mais diluída for a solução), mais a sua pressão de vapor se aproxima do valor da pressão de vapor do solvente puro. O gráfico à esquerda mostra que, em condições muito diluídas, as soluções reais obedecem à lei de Raoult. Uma solução ideal é aquela que obedece a lei de Raoult em todas as concentrações, isto é, obedece à reta dada na figura 2 à direita. 2.1. O potencial químico das soluções ideais Se uma solução está em equilíbrio com seu vapor (constituído somente pelo solvente), a segunda lei da termodinâmica estabelece que o potencial químico do solvente tem o mesmo valor tanto no líquido quanto no vapor, como estabelecido pela eq. (12) Texto 3 – Soluções ideais – notas de aula de fisquim II – prof. Ourides 6 𝜇𝑠,𝑙 = 𝜇𝑠,𝑣 (15) Na equação acima, s,l =potencial químico do solvente na fase líquida da solução e s,v =potencial químico do solvente na fase de vapor. Vamos agora comparar os potenciais-padrão do solvente puro e do solvente em solução, adotando a seguinte notação: o superescrito (*) vale para o composto puro e o superescrito (0) vale para o composto em condições-padrão. Potencial padrão do solvente puro, 𝜇∗ = 𝜇0 + 𝑅𝑇𝑙𝑛𝑝∗ (16) Potencial padrão do solvente na solução, 𝜇 = 𝜇0 + 𝑅𝑇𝑙𝑛𝑝 (17) A diferença entre os dois potenciais químicos acima dá a variação de potencial (ou de energia de Gibbs) de preparo da solução, então, subtraindo (16) de (17), 𝜇 − 𝜇∗ = 𝑅𝑇𝑙𝑛𝑝 − 𝑅𝑇𝑙𝑛𝑝∗ 𝜇 = 𝜇∗ + 𝑅𝑇𝑙𝑛 𝑝 𝑝∗ Pela equação (14) 𝜇 = 𝜇∗ + 𝑅𝑇𝑙𝑛𝑥 A equação acima estabelece que o potencial químico do solvente na solução (𝜇) é dado pelo potencial químico do solvente puro (𝜇∗) mais um termo que considera a fração molar do solvente (x) na solução. Vale a pena interpretar como muda o potencial químico do solvente em função de sua fração molar na solução. 2.2. Interpretação molecular das soluções ideais Para entender o que acontece numa solução ideal, vamos relembrar algumas características de um gás ideal: um gás ideal é constituído por partículas sem estrutura (o que garante ausência de interações intermoleculares) movimentando-se livremente no vácuo. As partículas executam colisões elásticas e o fato de não haver forças de interação, garante que o comportamento de uma partícula seja independente da presença de outras. Assim, um gás ideal pode ser tratado pela mecânica estatística. Por outro lado, num líquido puro ou numa solução líquida existem interações intermoleculares (forças de coesão) que mantêm as partículas unidas na fase líquida. O que acontece numa solução ideal é que todas as interações intermoleculares são idênticas. Isso subentende que todas as moléculas (de soluto e de solvente) interagem de maneira igual, garantindo o mesmo ambiente químico para todas elas. Assim, as propriedades macroscópicas da solução dependem apenas da quantidade de moléculas de soluto Texto 3 – Soluções ideais – notas de aula de fisquim II – prof. Ourides 7 presentes, e não de sua estrutura química. Essa característica está no fundamento do estudo das propriedades coligativas, que veremos mais à frente. Vejamos uma consequência importante da idealidade. Quando se prepara uma solução de um soluto num solvente, as etapas químicas que têm que ser cumpridas são: a) rompimento das ligações soluto-soluto (processo endotérmico); b) rompimento das ligações solvente-solvente, para formação da cavidade que vai receber a molécula de soluto (processo endotérmico) e, por fim, c) formação de ligações soluto-solvente (solvatação, que pode ser endotérmico ou exotérmico). Cada uma destas etapas envolve uma variação de entalpia. Numa solução ideal, todas as forças de interação reportadas acima são idênticas, de tal modo que a soma total das entalpias resulta em ∆𝑠𝑜𝑙𝐻 = 0. Por fim, a equação (4) permite prever como variam diversas propriedades do solvente em função do acréscimo de solutos não voláteis, como veremos no próximo texto.
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