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Osmose – notas de fisquim II – Prof. Ourides 1 Texto 6 – Osmose – notas de Físico-Química II – prof. Ourides 1. A osmose e a equação de van’t Hoff Quando uma solução está separada de seu solvente puro por uma membrana permeável apenas ao solvente, há migração deste para a solução. Essa migração exerce uma pressão conhecida como pressão osmótica. Esse fenômeno ocorre devido à diferença entre os potenciais químicos do solvente puro (𝜇∗) e do solvente na solução (𝜇𝑠𝑜𝑙). Um esquema do que foi dito acima é apresentado na figura 1. Figura 1: esq.: a passagem de soluto por uma membrana aumenta a altura da coluna de solução e, por extensão, a pressão que atua sobre ela; dir: o processo, do ponto de vista prático. Inicialmente as duas soluções estão à mesma altura. Com o passar do tempo há migração do solvente pela membrana, aumentando o volume da solução e a coluna dessa solução exerce pressão extra que o solvente puro suporta na altura de seu menisco. Essa pressão extra é a pressão osmótica. Vejamos como esse efeito pode ser modelado pela termodinâmica. Consideremos que o sistema todo está à pressão atmosférica (p) e que após a migração do solvente para a solução, o solvente puro suporta a pressão (p+). No equilíbrio, podemos escrever, 𝜇∗(𝑝) = 𝜇𝑠𝑜𝑙(𝑝 + Π, 𝑥) (1) Como mostra a igualdade acima, o potencial químico do solvente na solução depende não só da pressão osmótica como da fração molar do solvente (e por extensão, da fração molar do soluto). 𝜇𝑠𝑜𝑙(𝑝 + Π, 𝑥) = 𝜇 ∗(𝑝 + Π) + 𝑅𝑇𝑙𝑛𝑥 (2) Perceba que a expressão acima já é conhecida, a menos de se referir à uma pressão maior do que a atmosférica. Osmose – notas de fisquim II – Prof. Ourides 2 Vimos na primeira aula que o potencial químico do solvente puro à uma pressão p+ qualquer pode ser calculado a partir do potencial químico à pressão atmosférica (padrão), pela expressão abaixo, que contém o volume molar do solvente (�̅�), 𝜇∗(𝑝 + Π) = 𝜇∗(𝑝) + ∫ �̅�𝑑𝑝 𝑝+Π 𝑝 (3) �̅�=volume molar do solvente. Substituindo (3) em (2) e em (1), 𝜇∗(𝑝) = 𝜇∗(𝑝) + ∫ �̅�𝑑𝑝 𝑝+Π 𝑝 + 𝑅𝑇𝑙𝑛𝑥 Ou seja, −𝑅𝑇𝑙𝑛𝑥 = ∫ �̅�𝑑𝑝 𝑝+Π 𝑝 (4) Consideremos agora que a variação de pressão tenha sido pequena o suficiente para que possamos considerar o volume molar do solvente como constante. Ele poderá ser retirado para fora da integral, tal que, −𝑅𝑇𝑙𝑛𝑥 = �̅� ∫ 𝑑𝑝 𝑝+Π 𝑝 (5) −𝑅𝑇𝑙𝑛𝑥 = �̅�Π Para soluções diluídas, 𝑙𝑛𝑥 = ln(1 − 𝑥2) ≈ −𝑥2, então, 𝑅𝑇𝑥2 = �̅�Π Por fim, no caso de soluções diluídas, podemos considerar que 𝑥2 = 𝑛2 𝑛+𝑛2 ≈ 𝑛2 𝑛 , no qual n=quantidade molar de solvente. Sendo assim, 𝑅𝑇 𝑛2 𝑛 = 𝑉 𝑛 Π Ou seja, ΠV = 𝑛2𝑅𝑇 (6) A equação acima é conhecida como equação de van’t Hoff. Ela mostra que, conhecida a massa de soluto (m2) e o volume de solvente, é possível calcular a massa molar do soluto (M2), uma vez que n2=m2/M2. Essa é uma técnica especialmente eficiente para se determinar massas de polímeros (proteínas, enzimas, polímeros sintéticos) em solução, pois a pressão osmótica pode ser medida com precisão muito elevada. 2. Analogia entre a equação de van’t Hoff e a equação dos gases ideais Há uma clara analogia entre a equação de van’t Hoff e a equação dos gases ideais. Na equação de van’t Hoff, n2 corresponde à quantidade de soluto, enquanto que nos gases ideais trata-se da quantidade de partículas do gás. As moléculas de soluto dispersas no solvente encontram-se em situação análoga à das moléculas de um gás dispersas no espaço vazio. Osmose – notas de fisquim II – Prof. Ourides 3 Na figura 2 abaixo a barreira pode se constituir tanto como um pistão móvel, que se desloca para a direita com a expansão do gás ou, no caso da osmose, o vácuo seria o ambiente de solvente puro que atravessa o pistão da direita para a esquerda, aumentando o volume da solução e deslocando o próprio pistão para a direita. Nos dois casos, se o volume dobrar, a diluição reduz a pressão osmótica a metade de seu valor original, enquanto que a pressão de um gás também cairia para a metade. Apesar da analogia, não devemos considerar a pressão osmótica como sendo uma pressão exercida pelo soluto (como no caso dos gases), mas decorrente da passagem do solvente para a solução, situação que não ocorre no gás. Figura 2: analogia entre a expansão de um gás no vácuo e a pressão osmótica. 3. A determinação da massa molar de proteínas por osmometria Proteínas usualmente têm massa molar de vários milhares de gramas por mol. Determinar massas molares dessa ordem não é nada fácil, mas pode-se apelar para a pressão osmótica de suas soluções. O uso das demais propriedades coligativas é impraticável. No caso do abaixamento da pressão de vapor de soluções aquosas diluídas, a principal objeção provém do fato de que, mesmo proteínas exaustivamente purificadas ainda têm contaminações de sais inorgânicos em quantidade suficientemente altas para alterar significativamente o valor da pressão de vapor final. O mesmo efeito se propaga no caso de medidas de abaixamento crioscópico e de elevação ebulioscópica, com o agravante de que, nesta última técnica, a alta temperatura pode promover a desnaturação da proteína. Não obstante ainda se possa obter as massas molares por outras técnicas, tais como centrifugação, filtração em gel e espalhamento de luz, medidas de pressão osmótica fornecem valores bastante confiáveis, à temperatura ambiente, e ainda com eliminação dos efeitos dos contaminantes. Um procedimento comum é o seguinte: dissolve-se uma proteína em seu pH isoelétrico em solução salina (por exemplo, 0,2 mol/L de NaCl). A solução é separada, Gás ideal (solução) Vácuo (solvente puro) Migração do solvente Osmose – notas de fisquim II – Prof. Ourides 4 por membrana semipermeável, de uma solução salina de idêntica concentração de sal. No pH isoelétrico, a proteína se comporta como uma partícula sem cargas elétricas residuais. O sistema demora a entrar em equilíbrio (dias), o que pode redundar em desnaturação ou infecção microbiana. Para evitar essas consequências, não se mede a pressão osmótica final, mas a velocidade com que a solução salina migra para a solução contendo a proteína, quando esta última é submetida a várias pressões diferentes. Quando se representa num gráfico os valores de velocidade de fluxo de água em função da pressão externa aplicada, a pressão osmótica é dada pela intersecção da reta gerada com o eixo das pressões a velocidade de fluxo zero. A pressão osmótica da solução ideal (diluição infinita) é calculada a partir das pressões osmóticas de soluções com diferentes concentrações de proteína. Vejamos um exemplo com dados obtidos conforme explicado acima. Os dados de pressão osmótica que seguem foram obtidos para uma proteína dissolvida em seu ponto isoelétrico em tampão 0,1 mol/L a T=278 K. Calcular a massa molar da proteína. Conc. (g/L) 15,0 32,5 50,0 65,0 80,0 Press. Osm./kPa 0,557 1,277 2,076 2,856 3,697 A partir da equação de van’t Hoff, podemos escrever 𝜋𝑉 = 𝑚2 𝑀2 𝑅𝑇 Rearranjando, 1 𝑀2 = 𝑉𝜋 𝑚2𝑅𝑇 = 𝜋 𝑐2𝑅𝑇 (7) Representando-se agora os dados de 𝜋/𝑐2𝑅𝑇 em função da concentração, o gráfico obtido fornece uma reta cujo coeficiente linear dá o valor de 1/M2, nas quais c2 = concentração da proteína (em g/m3) e M2=massa molar da proteína (veja abaixo). O coeficiente linear corresponde a uma extrapolação para concentração zero. Figura 3: gráfico de valores de pressão osmótica sobre concentração, em função da concentração de uma proteínaem solução aquosa. y = 0,0061x + 1,5069 1,4 1,5 1,6 1,7 1,8 1,9 2 2,1 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 (1 0e 5) P/ CR TT (m ol /g ) Conc (g/m3) Calculo da massa molar de proteína Osmose – notas de fisquim II – Prof. Ourides 5 No gráfico acima, o intercepto da abcissa vale 1,5069x10-5 (atenção ao valor da escala no eixo). Sendo assim, 1 𝑀2 = 1,5069𝑥10−5; 𝑀2 = 66.361 𝑔. 𝑚𝑜𝑙 −1 4. Tonicidade A pressão osmótica de uma solução ideal de não-eletrólitos é diretamente proporcional à soma das concentrações (em mol/L) de todos os seus solutos. Deduz-se, portanto, que soluções ideais de igual concentração são isosmóticas. O comportamento osmótico de uma solução só se manifesta completamente quando a solução está separada de seu solvente puro por uma membrana perfeitamente permeável somente ao solvente, isto é, que permite a passagem somente do solvente e de nenhum tipo de soluto. Se a membrana for permeável de forma seletiva, permitindo livre passagem do solvente e de alguns solutos enquanto restringe a passagem de outros, a solução vai exibir somente uma pressão osmótica parcial, justamente aquela devido aos solutos aos quais a membrana não é permeável. Esta fração de pressão osmótica é conhecida como a tonicidade da solução. Fica claro que a tonicidade é uma propriedade que não depende somente da concentração total dos diferentes solutos presentes na solução (como é o caso da pressão osmótica), mas também da permeabilidade da membrana. Suponhamos duas soluções em contato, a primeira contendo sacarose 0,5 mol/L e ureia 0,5 mol/L, em contato, por uma membrana, com outra solução, contendo sacarose 1,0 mol/L. As duas soluções são isosmóticas, pois, manifestarão a mesma pressão osmótica diante de uma membrana permeável somente à agua. Suponhamos agora que a membrana seja permeável à agua e à ureia, mas perfeitamente impermeável à sacarose. A solução que contém os dois solutos apresenta tonicidade menor do que a que apresenta somente sacarose, uma vez que a tonicidade está determinada somente pela sacarose (a ureia passa livremente pela membrana). Uma vez que a solução com ureia é hipotônica com relação à que contém somente sacarose, ela vai perder água, por osmose, para esta. Vejamos agora mais um exemplo, conforme ilustrado abaixo, no qual a membrana é permeável à ureia mas impermeável à sacarose. Osmose – notas de fisquim II – Prof. Ourides 6 Figura 4: dois conjuntos de soluções, separadas por membrana seletiva impermeável à sacarose e permeável à ureia e à água. À esquerda, a solução A é isosmótica com relação a B e hipotônica com relação a B. No lado direito, a solução C é hiperosmótica com respeito a D e isotônica com relação a D. Muitos exemplos do fenômeno da pressão osmótica são encontrados em sistemas químicos e biológicos, e é fundamental distinguir entre o potencial osmótico e a tonicidade, em particular no caso de células vivas. Em seu ambiente, elas contêm diversos solventes em seu interior e no exterior, o que torna crítico o controle da tonicidade celular. Membranas celulares são permeáveis de modo bastante seletivo, sendo impermeáveis ao conteúdo de seu interior. Assim, a tonicidade do ambiente celular pode ser bastante grande (por exemplo, para algumas bactérias pode chegar a 0,8 MPa a 1,2 MPa (8 a 12 atmosferas!) a temperatura ambiente. Em ambiente hipotônico, a membrana celular se rompe rapidamente. É o caso das células vermelhas do sangue. Para estudar o conteúdo de células vermelhas do sangue, emprega-se uma técnica chamada de hemólise. As hemácias são colocadas em solução hipotônica, o que causa migração da água para dentro da célula. Elas incham até estourar, liberando hemoglobina e moléculas de proteínas. Por outro lado, numa solução hipertônica, a água celular tende a abandonar seu ambiente, causando o encolhimento das células. A figura 5 mostra uma hemácia nos três ambientes descritos acima. Figura 5: hemácia em solução isotônica (esq), hipotônica (centro) e hipertônica (dir). Imagem obtida por microscopia eletrônica de varredura (SEM). As cores são artificiais. Osmose – notas de fisquim II – Prof. Ourides 7 Células vegetais e muitos micro-organismos são protegidos por uma parede celular muito rígida e de grande resistência mecânica, que envolve a membrana celular. A parede atua como uma espécie de escudo, conferindo-lhes forma definida e capacitando-as para resistir a pressões consideráveis. Caso se impeça a formação da parede, por exemplo, pelo uso de penicilinas ou cefalosporinas, ou ainda pela ação de enzimas específicas, como lisozima e celulase, estes organismos se rompem em meios hipotônicos. Céulas como os glóbulos vermelhos não possuem parede celular, de modo que devem ser mantidas em ambientes isotônicos. No reino animal esse controle é feito por diversos mecanismos osmorreguladores, que operam controlando a tonicidade dos fluidos extracelulares, ou provocando a expulsão do excesso de água do interior da célula. Contudo, em que pese os efeitos osmóticos e reguladores destacados acima, não se deve supor que o controle de entrada e saída de água e de solutos no interior das células se regula somente por eles. As membranas celulares estão muito longe de terem comportamento passivo, como no caso das membranas utilizadas em osmometria. Elas são estruturas altamente complexas, capazes de utilizar energia metabólica para transportar materiais específicos entre o protoplasma e o meio extracelular, por complexos mecanismos regulatórios não osmóticos. Por fim, a indústria lança mão da técnica de osmose reversa. Neste caso, uma pressão elevada (tipicamente entre 55 atm e 85 atm) é utilizada para executar o processo inverso, isto é, o solvente (água) é forçado a migrar de uma solução mais concentrada para uma solução mais diluída. Trata-se de uma técnica consagrada na dessalinização da água do mar.
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