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1_parte__o_que_e_politica__wonfgang_leo_maar

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b:cssos tempos estao manados gala- 
presenca conskante da p..\litica em 
todas as dimensees da vida social: 
ouvimos falar em politica estudantil; 
politica econernica, politica da, 
Igreja... Sem contar as inCim 
vezes que nos referimos 
"politicos", a "nr liticagen e`4)*, 
 classificamos alg6-na decisao de urn 
amigo como uma decisao "politica". 
E preciso abrir uma clareira nesse 
omaranhado de sign.Licados. g-o- e-
faz Wolfgang Leo Maar, Anal , 
aspectos obintivos e subje ivos 
ligados ao teiino eie nos d um 
pain& elucidalvo da ativi 
politica na Historia dos gra 
romanos ao Estado :node no. 
Areas de interesse: oolitic : 
amesm 
COleca0 	 primeiros 
54 wets passos 
0 WE 
POLITICA 
15 edicao 1982 
115 edwao 
 
	 LEITURAS 
	 
Wolfgang Leo Maar 
 
 
 
Colecao Primeiros Passos 
• 0 que é Anarquismg— Caio Milo Costa 
• 0 que é Capitalismo — Afranio Mendes _Catani 
• 0 que a Comunismo — Arnaldo Spindei 
• 0 que é Constituinte — Marllia Garcia 
• 0 que sal) Ditaduras — Arnaldo Spindel 
• 0 que é Geopolitica — Demetrio Magnoli 
• 0 que 6 Greve — Marcia de•Paula Lelia 
• 0 que a Ideologia — Mar/lena Chaui 
• 0 que é Imperialism.— Afrenio Mendes Catani 
• 0 que é Marxismo Jose Paulo Netto 
• 0 que Parlamentarismo Ruben Keinert 
• 0 que é Participagao Politica — Dalmo de Abreu Dalian 
• 0 que a Poder — Gerard teErun 
• 0 que a Poder Legislativo — Nelson Saldanha 
• 0 que é Politica Cultural — Martin Cezar FS)" 
• 0 que a Politica Nuclear — Ricardo Amt 
• 0 que 6 Politica Social — Vicente P. Faleiros 
• 0 que é Propaganda IdeolOgica --Nelson Jahr Garcia 
• 0 que é Reforma Agraria — Jose Eli Veiga 
• 0 que a Revolucao — Florestan Fernandes 
• 0 que é Sindicalismo — Ricardo C. Antunes 
• 0 que a Socialismo — Arnaldo Spindel 
editora brasiliense 
1988 
Copyright r3MiNggintalalBtaITEC A C TR A T., 
Caricat 
Emit s
m. 0 Iwo 
Revis5o: 
Helocsa H. Lima 
ISBN: 85;11-01054-8 
INDICE 
— Apresentacao 	 7 
— Uma visgo hist6rica 	 28 
— Atividade politica, Estado e cotidiano 	 44 
— Politica, cultura e ideologia 	 80 
— Indicacoes para leitura 
	 108 
editora brasiliense s .a. 
rua da consolacao, 2697 
01416 - sao paulo - sp. 
fone 10111 2801222 
telex: 11 33271 DBLM BR 
• 111 
JO • jp 
APRESENTA00 
A politica é uma referencia - permanente em to- 
(
das as dimenthes do nosso cotidiano na medida em 
que este se desenvolve como vida em sociedade. 
Embora o termo "politica" seja muitas vezes utili-
zado de urn modo bastante vago, é possivel precisar 
seu significado a partir das experiencias hist6ricas 
em que aparece envolvido. 
Em 1984, alp& vinte anos de Presidentes impos-
tos pelos militares, milhoes foram as ruas em com (- 
dos por todo o pals na Memoravel "Campanha das 
diretas" para se manifestarem pela eleicalo direta, 
secreta e universal do Presidente da ReptIblica. 
Como se sabe, este acabaria por ser indicado por 
urn colegio eleitoral pela via indireta, porque a 
maioria dos congressistas eleitos foi contraria a elei-
cgo direta. Em 1985 este mesmo Congresso Nacio- 
A Maria Arnalia 
Wolfgang Leo A que é Politica 
nal rejeitaria a proposta de convocacao de uma 
Assembldia Nacional Constituinte livre e soberana d 
 desvinculada do Congresso Nacional, anulando as-
sim os esforcos populares para que os congressis-
tas nao agissem em beneficio proprio. No inicio de 
1986 o governo decretou o "piano cruzado" pro-
movendo uma reforma econornica em que se anun-
ciavam beneficios a populac5o majoritaria de baixa 
renda, corn o que conquistou amplo apoio nas elei-
coes de 15 de novembro. Encerrado o pleito, o 
governo decretou novas medides a lltamente impo-
pu lares, levando as centrals sindicais a convocar uma 
grave national de protesto contra a politica econO-
mica do governo. Em alguns lugares o exdrcito foi 
as ruas para "garantir a ordem a as instituicOes", a 
exemplo do que fez em 1964. 
N5o é preciso se estender mais. Este breve recor-
te de alguns momentos da historia recente do Bra-
sil elucida exemplarmentg, o significado da politica 
atraves dos movimentos_ que visam interferir na 
realidade social a partir da existencia de conflitos 
que n5o podem ser resoividos de nenhuma outra 
forma. 
A,politica surge junto com propria historia, 
com o dinamismo de uma realidade ern constante 
transformac5o que continuemente se revela insufi-
ciente e insatisfatoria e que n5o d fruto do acaso, 
mas resulta da atividade dos proprios homens vi-
vendo em sociedade. Homens que, portanto, tern 
todas as condicOes de interferir, desfiar e dominar 
o enredo da historia. Entre o voto e a force das ar-
mas esta uma gama variada de formas de acgo de- 
senvolvidas historicamente visando resolver confli- . 	 . 
tos de interesses, configurando assim a atividade 
politica em sua quest fundamental: sua relacao 
corn o poder. FirjalCiP91-1-tiCaiierme_para se atingir o po-
der? Ou entao sera a " olitica" simplesMente—a 
- ativida e exercida no arWe—PD
-de-r? 
 AreferCOes — ou erarmas — servem para con ir-
mar ou para transformar? Que referential usar para encaminhar estas ques-
foes? Parece que, de repente, a "politica" aparece — 
como naquela memoravel "Campanha das Dire-
tas" em 1984. Mas de fato ela n5o aparece "de 
repente": ja este la, multifacetada, sempre o p preo- 
sente em suss relacOes corn o Estado, com - 
der, corn a representatividade-e participac5o, com 
as ideologias, corn a violancia, seja nos sindica tos, 
nos tribunals, na escola, na igreja, na sala de 
tar ou 
ou na reuniao partidaria. E o que se vera a 
seguir. 
A politica e as politicas 
Apesar da multiPlicidade de facetas a que se apli-
ca a palavra "politica", uma delas goza de indis-
cutivel unanimidade: a referenda ao poder poli-
tico, a esfera da politica institutional. Um deputa-
do ou urn Org5o de administrac5o ptiblica s5o poll- 
we. 
10 
Wolfgang Leo Ap e e Politica 	 11 
ticos para a totalidade das pessoas. Todas as ativi-
dades associadas de algum modo a esfera institu-
cional politica, e o espapo onde se realizam, tarn-
barn sao politicas.( Um corn Icio 6 uma reuniao 
politica e urn partido 4 uma associacao politica, 
urn individuo que questiona a ordem
- institucional 
pode ser urn preso politico; as awes do governo, o 
discurso de urn vereador, o voto de urn eleitor sao 
politicos. 
Mas ha urn outro conjunto ern quit a mesma pa- 
lavra manifesta-se claramente de
-urn modo diverso. Quando se fala da politica da Igreja, isto nao se 
refere apenas as relapbes entre a Igreja e as institui-
cilies politicas, mas a existencia de uma politica que 
se expressa na Igreja, ern relapao a certas questoes 
como a miseria, a violencia, etc. [in mesmo modo, 
a politica dos sindicatos nao se refere unicamente 
politica sindical, desenvolvida pelo governo para os 
sindicatos, mas as questhes que dizem respeito 
propria atividade do sindicato em rale° aos seus 
filiados e ao restante da sociedade. A politica femi-
nista no se refere apenas ao Estado, mas aos ho-
mens e as mulheres em geral. As empresas tern poli-
ticas para realizarem determinadas; 
 metas no rela-
cionamento corn outras empresas; ou corn os seus 
empregados.4as pessoas, no seu relacionamento co-
tidiano, desenvolvem politicas pa
-ra alcancar seus 
objetivos nas relacties de trabalho, de amor ou de 
'llehlazer; dizer "Voce
- 
 precisa ser mais politico" 
completamente distinto de dizer "Voce precisa se 
politizar mais", isto 6, "precisa ocupar-se mais da 
esfera politica institucional". 
Da mesma maneira, urn music° que exclama: 
"eu sou urn artista, nao entendo de politica", po-
sicionando-se frente a arte engajada, refere-se -a po-
litica institucional. E pode muito bem, sem incor-, 
rer em nenhuma incoerencia, continuar: "mas tuder. 
 quetaco tern profundo sentido politico". Ele este 
fazendo uma distincao entre o valor politico ime-
diato de urn corn icio pelas eleicties diretas para Pre-
sidente da RepOblica, que pretende interferir na 
estrutura do Poder institucional, e o valor politico 
nao diretamente institucional do movimento sindi-
cal, das comunidades de base da igreja, de uma pas-
seata de estudantes, do movimento gay, de uma in-
vasao de terras, ou de urn manifesto cultural. 
•Nlgo resta cluvida, porem, de que este segundo 
significado 6 muito mais vago e impreciso do que o 
primeiro. A evolucao historica ern dire* ao gigan-
tismo das InstituicOes Political — o Estado onipre-
sente — e acornpanhada de uma politizacao geral da 
sociedade em seus m fnimos detalhes, por exigir urn 
posicionamento diario frente ao Poder. Mas ao 
mesmo tempo traz consigo a imposicao de normas 
corn que balizar a pr6pria aplicacao da palavra poli- 
tica; procurando determinar o que 6 e o que nao 6 
"politica". 
Desta forma, oculta-Se ao eleitor o seu ser politi-' 
co, atribuindo-se esta qualidade apenas ao eleitey 
Ou entao atribui-sea pessoa urn espaco e urn tern-
po determinado para que exerca uma atividade 
politica, na hora das eleic -Oes, quando esta na tri-
buna da Camara dos Deputados depois de ter sido 
eleita, quando senta no palacio para despachar corn) 
 
12 
Wolfgang Leo 4que é Politica 	 13 
seus secretarios mesmo sem ter sido eleita. A prO-
pria delimitacao r(gida da politica constitui, por-
tanto, urn produto da histOria; e este 6, sem dOvi-
da, o principal motivo pelo qual nao basta ater-se 
a urn 
significado geral da politica, que apagaria 
todas as figuras corn que se apresentou em sua 
genese. 
Esta delimitacao operada pelo nivel institucional 
traz consigo alteracoes profundas,na esfera de valo- 
res associados a politica. Unia Conjuntura institu- 
cional insatisfat6ria, pela corrupgao ou pela violen-
cia, jamais dissociadas, reflete-se numa desmoraliza-
cab da atividade politica — politicagem — que pode 
reverter ern apatia ou na propura de alternativas 
extra - institucionais como a luta armada. Ao mesmo 
tempo, processa-se uma inversao na valorizacao da 
atividade politica na pr6pria esfera institucional, 
em que ela deixa de serum direito, passando a ser 
apenas urn dever e uma responsabilidade. Em ou-
tran palavras, a Instituicuo passa despercebido que a 
sua é tambem uma politica, assentada na sociedade 
corn uma proposta de participacao, representacao e 
direcao. Por esta carancia de
-v_isgo de relatividade, 
instaura-se urn normativismo absoluto, ocultan-
do-se assim sua natureza hiat6rica. 
Interessa perceber que, apesar de haver urn signi- 
o ficado predominante, que se impbe em determi- 
nadas situac6es, e que aparede como sendo 
"a" politica, 
o que existe na verdade sao politicas. 
E apenas aparente a incoerancia de um I ider sin- 
dical afirmando que a acao do movimento social de 
inegavel expressao politica que representa "nab 
tem sentido politico". Ele resguarda seus flancos 
em relacao ao Estado que [he nega o direito de 
fazer politica fora dos espacos especificamente de-
limitados para tanto — os partidos oficiais e legais. 
Mas, simultaneamente, procura recuperar o signifi-
cado amplo de uma politica forte fora do ambito 
em que ela se desacreditou, por nao ser represen-
tativa, por nao permitir a participacao e nao ofere-
cer uma diregao socialmente valorizada. 
Naquele movimento social, sem drivida, pode-se 
nao fazer a pol itica, mas certamente se faz uma 
pol itica. 
De modo anatogo, a Igreja, mesmo naso sendo 
uma instituicao politica — prerrogativa do Estado 
secularizado 	 sempre sustenta a proposta de fazer 
politica, oferecendo urn nivel de atuacao em que 
procura traduzir anseios e interesses socials. Ela 
nao pretende o poder institucional — o governo 
mas urn poder politico. 
Existem, portanto, em urn mesmo instante, 
I varias politicas, ou ao menos %/arias "propostas 
politicas" na sociedade. Em decorrencia, ha uma 
situacado dinamica em que as diversas propostas 
relacionam-se entre si e corn a trama social a que 
proCuram conferir uma expresso politica. 
Situacao dinamica essa que implica dois tipos 
de questhes basicas. Em primeiro lugar, a focali-
zacao do movimento historico de inter-relaciona-
mento das diversas pol iticas, em que se determina a 
preponderancia de uma delas — a chamada "poli-
tica hegernonica" — ou a situacao delicada — que 
e o que se denomina de "crise politica" — em que 
14 ue Politica Wolfgang Leo int! 
15 
do debate parlamentar, ou da disputa pelo gover- 
no institucional, urn partido esta no terreno da 
politics. 
A questato é complexa. No resta a menor 
porenn, de que na esquina da vertente institu-
cional com a vertente social encontra-se talvez 
o major dos desafios politicos. Dois exemplos 
poder5o servir para situar o problema. 
Como explicar — e isto vale sobretudo para os 
oases chamados capitalistas — que nas sociedades 
contemporaneas mais estaveis e portanto n5o 
ameacadas em sua institucionalizacao politica, 
em seu governo, nEo se eliminem os bols5es de 
pobreza apesar de ha muito se ter atingido urn 
nivel de riqueza que objetivamente permitiria 
faze-lo? Rompem-se desta forma os compromis-
sos das instituicaes com a representac5o social, a 
cujos interesses n5o atendem, embora pudessem 
faze-lo. 
Como explicar — e isto vale sobretudo para os 
parses chamados de socialistas — que em lugar 
algum onde se tenham firmado politicas de cunho 
social — educac5o, emprego, satide, alimentac5o, 
transporte para todos — tenha sido possfvel insti-
tucionalizar formas de governo que n5o se sintam 
sempre ameacadas, e que por isso mesmo lirnitem 
a participack social? Se os interesses sociais sato 
atendidos, por que temer a mais ampla partici-
pac5o nas instituicoes que deveriam representar a 
sociedade? 
nenhuma consegue impor-se. Ou ent5o em qUe uma 
ja perdeu a sua sustentacao, mas nenhuma outra 
possui fundamentos suficientes para se tornar 
uma alternativa. Em segundo lugar, cabe dedicar-se 
I corn especial carinho a propria conjuntura em que 
/ se desenvolve uma politica como expressOo de 
certas situac5es em sociedade. Em outras palavras
, 
como algo que nao tern, passa a ter significado 
politico. 
Estas duas questhes se encontram. Basta exami-
nar estes agentes politicos por excelancia da socie-
dade moderna que sato os partidos. E certo que 
fazem parte do nivel pol ftico institucional, e como 
tais se inserem na disputa pela primazia no contro-
le do governo e na ocupacato do aparelho estatal. 
Porem, tambem s5o partidos de alguma coisa, de 
determinados interesses em relacOo aos quais tam 
compromissos. S5o esses compromissos jusfamente 
que Ihes conferem signifidado, e em relac5o a estes 
devem traduzir uma importancia no jogo parla-
mentanA politica dos partidos, portanto, tem 
duas faces: uma em relacgo a sociedade e seus in-
teresses; outra como politica de disputa do go-
verno.t. 
As palavras inglesas policy e politics, embora 
n5o traduzam precisamente os dois nfveis em ques-
t5o, sato elucidativas. Um partido a testa do gover-
no executa uma policy nas relacties com os outros 
parses, ou no que diz respeito a saide, aos trans-
portes, a educacab; a palavra tern mais a ver corn 
a adnninistrac5o dos negocios publicos, corn realiza-
c5o de interesses sociais. Enquanto participa do 
16 Wolfgang Leo flit qua e Politica 17 
0 poeta e o libertador 
Ainda uma pequena digress5o. Que seja apenas 
pela tradicab das proprias analises do terra, as 
questhes pol (teas tern sido quase sempre enfocadas 
num prisma que privilegia unicamente o coletivo 
social. N5o ha por que divergir da concepc5o se-
gundo a qual o homem 6 urn ser social — raid() 
de ser, alias, da prOpria atividade politica — e que 
a existenciaindividual apresenta-se como conse-
quencia desta especificidade dos homens. 
0 que n5o basta, porern, para explicar a fre-
quente sensacao de camisa-de-forca corn que a 
politica 6 encarada pelas pessoas em suas ativi-
dades individuals, quer na vida do artista, do 
profissional competente ou do apaixonado no 
banco de jardim, quer na do proprio sindicalista 
ou na do "politico", que encerram seu expediente 
diario como se se despissern de urn pesado fardo. 
A atividade politica passa a ser uma especie de 
mal necessario, uma atividade social transforma-
dora pela qual se visa a realizar certos fins utili-
zando-se de determinados -rheios. Enfim, um 
instrumento de que ha preeis5o na vida em socie-
dade. 
Isto me parece correto, embora parcial. Trans-
pira urn certo objetivismo de realizac5o de metas 
maiores, relativas a interesses socials. Estes podem 
it do bem-estar comum a capacidade de oferecer 
seguranea externa e conc6rdia interna a sociedade, 
associadas a organizac5o e controle das atividades 
do conjunto da vida social, como fungi -Oes atribu f-
das comumente ao Estado e a vida politica, para 
justificar e explicar a sua existencia. Ou ent5o a 
perspectiva de operar mudancas atraves do assalto 
ao poder politico seria um fim que justificaria 
qualquer meio, submetendq hierarquicamente to-
das as atividades envolvidas a nobreza da sua fina- 
lidade. 
Por oposicao a esta "objetividade" das tarefas 
politicas, sugere-se a existencia de instancias e 
valores "subjetivos" devidamente enclausurados 
parte e subordinados a politica, cuja satisfacao 
deve aguardar a realizacao da utopia, ante o risco 
que significa o abandono das prioridades sociais 
qfetivas. 
IA atividade politica caberia privilegiar o estudo 
e a transformac5o das condic6es objetivas na socie-
dade que permitissem renova-la estruturalmente, 
corn novas relacoes sociais e pol (fleas, de modo 
a permitir ent5o a plenitude da vida individual.k 
Mas, corn a agua com que se pretende lavar os 
interesses sublimes das suas - impurezas profanas, 
jogs-se a crianca. A esta, por mera referencia a 
pretens5o da objetividade, acima assinalada, pode-
-se chamar de condieoes subjetivas. Como realizar 
urn sentido social-pol itico, se ha urn fosso a separa-
-lo do sentido individual-humano, cuja travessia 
requer esforcos nem sempre radicados na vida real 
no seu desenrolar cotidiano? 
Como conciliar, diria alguern, as minhas escoihas 
individuals corn as minhas escolhes politicas? E isto 
n5o vale so papa a relacao entre os amigos e os corn- 
fr-- 
7 
--( 
km , 
e 
0 alienado: inconsciente do fato de ser ele mesmo, homem, 
que produz as coisas; as relacOes entre os homens, que 
produz a si mesmo. 
19 18 	 Wolfgang Leo MIlue 
 0 politica 
panheiros de militancia; serve tambdrn para o traba-
Ihador que quer melhorar o seu salario e precisa 
ser mobilizado para uma luta politica mais ampla, 
cujas metas muitas vezes pouco significam ao seu 
dia-a-dia. Como assentar as possibilidades da luta 
de classes nas necessidades efetivas dos homens? 
)tComo casar a necessidade de canalizar esforcos em 
conjunto, corn a diversidade das possibilidades 
individuaisk 
Em nome de que sustentar uma- vontade que 
pode implicar no sacrificio do . ciesejo? Talvez 
mostrando a falsidade deste desejo, e acenando 
corn a realizacgo futura ern major profundidade. 
Corn o que claramente neo se consegue apagar o 
esforco consciente que faz do engajamento na 
atividade politica uma opcgo volunteria, acompa-
nhada do abandono de uma faceta substantiva da 
individual idade. 
Certamente as condickes objetivas determinam 
as condicties subjetivas. Merx mostra como o modo 
de producgo capitalista submete de urn modo tgo 
universal a sociedade, que as proprias relaceies entre 
os homens surgem como relaciies "coisificadas" 
entre o capital e a forca de trabalho. Em vez de 
as "coisas" servirem as pesscias, estas acabam 
achando que servem as coisas. 0 homem distancia-
-se, alheia-se em relaggo ao significado, ao valor que 
as coisas, os outros homens e ele proprio tern para 
si mesmo'! Sua prOpria vontade e seu desejo sub-
metem-se ao mecanismo inexorevel da reproducgo 
capitalistat3 Tornando-se um homem "alienado", 
inconsciente do fato de ser ele mesmo, homem, 
as
st
it
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il
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i 21 20 Wolfgang LeoAf QNeaPolitica 
que produz as coisas e as relacees entre os homens, 
que produz a si mesmo. Oculta-se o seu papal de 
elemento dinamico principal, de produtor da his-
tOria. A prOpria atividade politica aparece como 
relac5o entre eleitor e eleito, entre Estado e cida-
dao, e seu aspecto proprio de relac5o humana set 
perde. Embora o sujeito da politica seja o homem,1 
a politica 6 a politica da luta de classes. A moral! 
que rege a vida individual acaba submetendo-se aot 
capital — 6 preciso ganhar mais — ou- as regras do 
governo — isto 6 censurado, aquilo 6proibido. 
Para restaurar a verdade seria preciso uma tran0 
forma* pratica, uma analise cientifica que revele. 
estes fatos como conseqOancias de determinadasi 
politico que tambarn servem ao capital e n5o ao9 
homens. Se o problema 6 politico; a politicapode t. 
 
muds-lo. 
Mas as condicoes subjetivas nao sao apenas 
determinadas pelas condicees objetivas. Elas tem, 
urn componente real, que hao desaparece simples-! 
mente ao joga-lo mais adiante. E, por este seu 
componente real, influenciam ,tamb6m as prOprias 
situacees "objetivas", que deste modo passam 
tambarn a ter uma existancia apenas relativa. A ! 
social-democracia, corn o seu sindicalismo apenas 
reivindicativo, realizava interesses efetivamente 
existentes, cuja satisfac5o delegaria a urn segundo 
piano o mundo das promessas. 0 liberalismo capi-
talista satisfaz de fato a muitas aspiracees indivi-
duals, que nth) sk apenas enganos ou desejos 
impossiveis. Qualquer proposta politica transfor-
madora que negasse a valorizacao do sentido 
humano da existancia individual, ou a submetesse 
a uma valorizack exclusiva do coletivo, que 
significasse um fardo para o indiv(duo, s6 conse-
guiria como adeptos os fanaticos., Para estes a 
leitura dos manuais substituiria a felicidade real. 
A soluck politica deve associar-se necessaria-
mente uma soluc5o civilizatOria voltada a realiza-
ck de interesses humanos. 
Seria isto utOpico? Qu haveria a possibilidade 
de associar os meios politicos — coletivos — a obje-
tivos que valorizem no homem a sua individua-
lidade e a sua especificidade? Para Marcuse, na 
relacgo dos meios corn os fins 6 poss(vel encon-
trar uma nova etica, em que os valores no s5o 
descartados apenas como meros habitos impostos 
por urn modo de produck e sua politica, nem 
submetem o individuo ao isolamento das quali-
dades meramente pessoais. 
Plata°, no Banquete, pee na boca de S6crates 
a realizack do futuro eterno no amor presente 
pela paternidade. Sartre lembra que, para a bur-
guesia do seculo XVIII, o_sentido da vida estava 
em legar urn capital a seus filhos. para Sartre, o 
sentido estaria em saber_queas_causas pelas quaffs 
lutava continuariam a motivar os homens, que 
valorizariam o seu papal como contribuic5o. Servir 
para nada no futuro tornaria sem sentido huma-
no o presente. 
Deve tambem haver realizacees ja no cotidiano 
imperfeito do presente, em uma politica voltada 
a realizac5o do para(so futuro. Ha uma mediack 
entre o privilegio ora atribu(do a experiancia da 
22 Wolfgang Leo M ue a Polltica 	 23 
 
PS 	 raz5o — que diz: n5o 6 possivel —, ora a imagine* 
PO. 	
do desejo — que diz: 6 possivel. "Sonhar 6 precise, 
desde que reatizemos o sonho meticulosamente e o 
0100 	 confrontemos passo a passo corn a realidade", 
disse Lenin. Para Max Weber "a politica consiste 
POO 	 num esforpo tenaz e energico de furar tabuas duras 
000 	 de madeira.Este esforpo exige simultaneamente 
paixao e precisao... nao se poderia jamais esperar 
S. 	 o possivel se no mundo n5o houvesse sempre a 
lie 	 esperanpa no impossivel... 6 precise Prue as pessoas 
se armem sempre da force da alma que Ihes permi- 
ts. 	 tira ultrapassar todos os naufragios das esperanpas, 
a 	
mas que o facam desde o presente, sen5o nao sera° 
capazes de fazer o que 6 `possivel ser feito hoje. 
ill 	 Aquele que este convencido disto, (...) possui a 
vecapao da politica!". a 	 4 A propria atividade politica, longe de ser apenas 
1000 	 voltada a uma transformapao do "mundo objetivo" 
com vistas ao futuro, significa, tambern, o exerci- 
Pa 	 cio de uma atividade transformadora da conscien- 
a 	
cia e das suas relapoes com .o mundoiAssim as pre- 
pries propostas polfticas s5o repensadas em cima 
a 	 do que etas tern a oferecer ja, aqui e agora. Em 
Ole 	 termos que Ihes conferem urn significado huma- 
no imediato real, sem que lot° signifique o aban- 
ille 	 dono de perspectives mediatas- para o futuro 
iiile 	 como metas necessaries. "A politica do corpo", per exemplo, ao exigir a valorizap5o de algo tao 
Ole 	 individual como o corpo humano enquanto fonte 
Se 	 e condip5o de bem-estar e prazer, puxa para o 
cotidiano finalidades frequentemente jogadas ao 
.0111 	 elem. Para ser feliz nab 6 preciso antes construir o 
socialismo.I A meta por enquanto irrealizavel ja 
tern componentes possiveis, que devem ser condi-
paes, e nao resultados. A medida corn que estas 
"pequenas coisas" s5o praticaveis, nao deve mais 
ser estranha aos criterios de walla* de politicas 
menos imediatistas. 
ManifestapOes como as de maio de 1968 em Pa-
ris — que ocorreram tambem em praticamente todo 
o mundo — tinham como razEo de ser n5o a oposi-
plo pura a determinadas instituipoes, nem a realize-
* de projetos alternativos futuros. Expressando o 
descontentamento profundo e a imobilidade geral 
a que a maioria dos homens foi condenada em 
face das amarras de urn determinado tipo de par-
ticipap5o politica institucionalizada, os manifes-
tantes procuravam urn papel, no presente, que No 
limitasse apenas ao futuro distante qualquer reali-
ze* de significados humanos, ja t5o espoliados 
pelas imposip5es do esforpo exigido pelas "condi-
poes objetivas". Que pode alguem fazer hoje, e 
como pode reatizar algum significado humano na 
sua atividade, num pals onde os politicos se reve-
zam num poder aparentemente imovel e inacessf-
vel, onde o tweed° emprego, quando acontece 
consegui-lo, significa uma amarra para toda a vide, 
onde a ciencia apenas banaliza e castra a imagine-
* criativa e transformadora, onde os valores 
morals submetem-se a uma etica consumista, alie-
nando as relapoes humanas em seu conteodo mais 
profundo? 
Por into, nos movimentos sociais emergentes no 
Brasil, muitas vezes nao se Procure so canalizar 
esforcos comuns para obter objetivos ainda nao exis-
tentes — por exemplo: alteracoes na politica traba-
lhista do governo atravos do movimento sindical., 
Na pratica cotidiana, a atividade politica assumer 
a perspectiva de realizar dimensees humanas mais 
corn profundas no relacionamento pessoal, co o res- - 
 peito a diversidade individual e a critica a formas 
predeterminadas de conduta. Sem isto, desvincula-
-se a realidade do dia-a-dia do espaco -de atuaceof 
politica. if t- 
A democracia, longe de se esgotar nos fins, je 
precisa se apresentar nos meios. A tab difundida 
ideia de que ha necessidade de juntar esforcos, 
apagando diferentes, para realizar metas em que 
a diversidade possa, enfim, se destraldar, no res-
peito aos interesses da individualidade, adquire 
uma nova conformacab. A reunik num coletivo 
de individualidades diferentes precisa assentar 
no respeito a diversidade dos interesses isolados. 
Cria-se assim uma nova dimensao social, em que a 
diversidade apresenta-se numa pratica politica 
que relativiza as arestas mais esperas do confronto 
de interesses, na medida em que as consciencias 
se transformam, e corn elas os proprios objetivos : 
individuals. A democracia passe a se interiorizarl 
como uma conduta pessoal, 'de modo que as 
escolhas pessoais possam encontrar-se corn as' 
escolhas politicas. 
 
Isto pode parecer urn novo ardil do Estado., 
A experiencia do poder totalitario de propostas j 
politicas assentadas na mobilizapab popular tarn-
born sugere a necessidade de uma transformapeo 
das consciancias individuals. Sob o nazismo, Hitler 
facilmente conseguia apoio majoritario, porque 
agrescentava a sua proposta politica uma proposta 
cultural em que se interiorizay.am na propria cons-
ciencia individual os moldes autoritarios. Por 
outro lado, sabe-se que muitas alternativas demo-
craticas nao se firmaram — e muitas ainda tern 
dificuldade em se firmar transformando-se em 
apandices de instituicoes coercitivas, por nao con-
seguirem revelar o encontro de seu significado 
politico com o seu sentido humano. As garantias 
politicas coletivas nab se expressam corn igual 
abrangencia no cotidiano em que se desenvolvem 
os interesses pessoais. 
Isto revela o encontro profundo existente entre 
propostas politicas e propostas culturais, para que 
se possa reunir a historia das transformacoes no 
"mundo objetivo" corn a historia das transforma-
caes da consciencia. Uma cultura pode tornar-se 
predominante, institucionalizando-se e refluindo 
sobre a sociedade corn as viseiras impostas pelo 
poder que se considera legal. Mas pode, tambem, 
enpontrar-se na sociedade, expressando seus signi-
ficados humanos, para condicionar as alternativas 
politicas. Aqui o papel dos intelectuais é de grande 
relevancia: em suas mem pode adquirir forca poli-
tica de dire* para a sociedade o complexo con-
junto de manifestacOes culturais. 
Preso as determinacaes do aparelho ins;itucional 
politico, ou porta-voz das manifestapoes culturais 
sociais, cabe a figura do intelectual a importante 
tarefa de ser mediador entre interesses individuals 
 
 
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Wolfgang Leo ue e Politica 
 
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26 	 Wolfgang Leo Maar 
e coletivos. Ele pode formular propostas que per-
mitam, ja, a confluencia de uma politica vo/tada a 
objetivos culturais no futuro e de uma cultura que 
confira urn sentidq human atual a esta politica. 
Os intelectuais scib personagens a urn termo poli-
ticos a culturais, conferindo representaeao cultural 
a politica, e direcao politica a cultura. Talvez, 
como sugeriu Gramsci muitas vezes, fagam no 
futuro urn papel semelhante ao desempenhado 
pelos Partidos Politicos, os agentes da mediagffo 
entre a expresso politica e a sua demanda social. 
Falando sobre a critica literthria e seus critarios, 
Gramsci formula corn precise.° este esparto de 
atuacao: 
"0 politico que pressiona para que a arte con-
temporanea expresse explicitamente o mundo 
cultural, realize atividade politica, nffo de crftica 
artistica; se a sociedade cultural pela qual se luta 
é algo latente e necessario, sua expansao sera 
irresistivel e encontrara seus proprios artistas . 
por outro lado, é necessario nab esquecer que . 
o literato deve necessariamente ter perspectivas 
menos precisas e definidas do que o politico, 
deve ser menos ssectarioc e ser mesmo 'contrario' 
disso. Para o polftico, toda imagem 'fixada' a priori 
reacionaria, pois considera todo movimento em 
seu devenir. 0 artista, em troca, deve ter imagens 
'fixas' e situadas de forma definitive. 0 politico 
considera o homem como é em seu momento e 
como deve ser para alcangar determinado fim. 
Seu trabalho consiste em fazer os homens mar-
charem em frente para sair da sua existancia atual 
0 que e Politica 
e porem-se em condi* de alcangar coletivamente 
os fins propostos; ou seja, 'adaptarem-se' a estes 
fins. 0 artista representa necessaria e realistica-
mente 'o que existe' de individual,nab confor-
mista, etc., em certo momento. Por into, do seu 
ponto de vista, o politico sempre achara o artis-
te ... a merce dos tempos, anacrenico, superado 
pelo devenir real". 
Gramsci interroga no homem, a urn só tempo 
libertador e poeta, a ambigUidade profunda com 
que se defronta em seu cotidiano. Sem propor 
uma conciliagffo, formal e abstrata, provoca o tema 
gerado por uma fragmentacab concreta e real. 
Como encarar nosso "tempo de partidos, tempo 
de homens partidos", nas palavras de Carlos 
Drummond? 
A histOria oferece algumas pistas que enrique-
cem o presente. Portas abertas que nffo precisam 
mais ser arrombadas. Cada leito trilhado a uma 
razgo a mais para desafiar a imaginagab, como um 
novo leque de possibilidades abertas que, se nab 
conduz a linha a ser tragada, ao menos lhe ilumina 
o pano de fundo. 
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