Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CidadaniaCidad U4 Objetivo do estudo Esta unidade tem como objetivo estudar a cidadania em suas diversas dimensões, particularmente a dimensão jurídica e política. Estudaremos as gerações de direitos, a partir dos estudos de Marshall e Bobbio, em seguida veremos como a expansão da cidadania se tornou instrumento para problemas sociais, como a exclusão e por fi m analisaremos os aspectos que defi nem a relação ente Estado sociedade e a cidadania. Dimensões jurídicas e políticas da cidadania raçaht tp : / /p rod .a t ten t ion-a - la -peinture.com/upload/produit/photo/delacroix-eugene-la-liberte-guidant-le-peuple.jpg 2 Dimensões jurídicas e políticas da cidadania Cidadania | UNISUAM 4 T1 Gerações de direito e cidadania a partir de Marshall e Bobbio.INTRODUÇÃO “O sistema da exclusão se assenta no caráter essencial da diferença... o grau extremo da exclusão é o extermínio; o grau extremo da desigualdade é a escravidão." (SANTOS, P. 282) De fato, o estudo dos direitos humanos conduz, necessariamente, à análise de sua relação com o próprio homem, seu destinatário. Dessa maneira, no plano histórico, busca-se a justifi cação dos valores naquilo que representam ao homem, que lhe possibilitem o desenvolvimento da personalidade, da convivência pacífi ca e da solidariedade social. No tocante à defi nição de direitos humanos, constata-se que isso vem sendo feito de modo vago e insatisfatório, ainda mais quando se busca um fundamento absoluto, único. Nesse sentido, cabe considerar as seguintes defi nições de Bobbio (1992): “O reconhecimento e a proteção dos direitos fundamentais do homem no mundo alcançaram seu estágio atual de forma lenta e gradual, passando por várias fases. Do ponto de vista teórico, sempre defendi - e continuo a defender, fortalecido por novos argumentos - que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. Estas etapas da evolução desses direitos são chamadas de gerações, pois foram construídas em diferentes momentos históricos. ” A expressão geração foi primeiro utilizada por Karel Vasak, em 1979, que buscou, “metaforicamente, demonstrar a evolução dos direitos humanos com base no lema da revolução francesa (liberdade, igualdade e fraternidade) ”. Ou seja, a expressão geração tem como conotação, tão somente, demonstrar uma evolução histórica dos direitos fundamentais, e que estes foram construídos em diferentes momentos históricos. (LIMA, 2003). Em virtude de representar uma evolução histórica e de a expressão geração dar a entender que há uma substituição gradativa dos direitos, o que na prática não ocorre, atualmente, tal termo tem sido rechaçado. Em sua oposição surgiu a terminologia dimensão, que passa a ideia de que os novos direitos são acrescidos aos demais, havendo um somatório de direitos fundamentais. Mesmo com toda discussão sobre a nomenclatura dos direitos humanos, foi Noberto Bobbio quem consagrou as gerações/dimensões, afi rmando que “desenvolvimento dos direitos do homem passou por três fases”, que são as três primeiras gerações/dimensões clássicas dos direitos fundamentais, entretanto, atualmente outras duas mais se desenvolveram. Vamos estudá-las? Eugène Delacroix - La liberté guidant le peuple 3 Dimensões jurídicas e políticas da cidadania Cidadania | UNISUAM Primeira geração ou dimensão Os direitos de primeira geração, assim defi nidos por Noberto Bobbio (1992), são aqueles que declaram os direitos de liberdade. Estes surgem no âmbito público, e resguardam liberades públicas quais sejam, as de caráter civil e político. A resistência ao poder opressivo do Estado é o foco dos direitos de primeira geração, que por isso são chamados de direitos de liberdades negativas. Essa expressão traduz a oposição à interferência do Estado nas liberdades individuais e coletivas. Os direitos de primeira geração surgem durante a Revolução Francesa, e tinham o propósito de limitar o poder monárquico e garantir a burguesia direitos mínimos para o exercício da sua atividade. Os indivíduos e grupos sociais são protegidos em suas liberdades, afastando e demarcando o Estado e o não-Estado. Os direitos de primeira geração/dimensão alcançam a todos, sendo direitos que atendem aos indivíduos, simplesmente pela sua condição de seres humanos, independentemente das condições pessoais, ou sociais etc. Para aplicação e proteção desses direitos, o indivíduo é fundamental. A Constituição Federal, traz em seu Artigo 5º, caput, as garantias dos direitos a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Segunda geração ou dimensão Esses são os direitos sociais, culturais e econômicos e surgem com a queda do Estado Liberal e o nascimento do Estado do Bem-Estar Social. O excesso de liberdade assegurado pelos direitos de primeira geração causou um desequilíbrio social. Em virtude desse fato, afi rmou Noberto Bobbio (1992) que esses são os chamados “direitos políticos, porque concebem a liberdade não apenas negativamente, (como não impedimento), mas positivamente, como autonomia”. Aqui, embora tenhamos direitos que têm como principal característica o fato de se estenderem a todos, se destacam por serem voltados para uma categoria ou um grupo específi co da sociedade e não ao indivíduo. Esses grupos sociais estariam amparados por esses direitos, por serem considerados mais fracos, ao se relacionarem socialmenmte com outros grupos. A exemplo temos: os direitos dos trabalhadores, dos inquilinos, dos consumidores, dos idosos. Observe que esses grupos pertencem a uma categoria social específi ca e que necessitam de amparo legal maior, em virtude da sua condição de vulnerabilidade nas suas relações. Para a defesa dos direitos sociais, o Estado assume papel preponderante, pois deverá garantir a igualdade entre os grupos sociais, seguindo a máxima utilizada por Aristóteles, que diz que devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade. Neste sentido, a Constituição Federal assume o princípio da igualdade em vários de seus artigos, a exemplo do Artigo 5º: “Art. 5o. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;” (BRASIL, 1988) 4 Dimensões jurídicas e políticas da cidadania Cidadania | UNISUAM Direitos sociais na Constituição Federal de 1988 A constituição Federal traz, em seu Art. 6º os direitos sociais, assim defi nidos: “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência social aos desamparados, na forma desta Constituição”. (BRASIL, 1988) Terceira geração ou dimensão São os direitos sociais, decorrentes da solidariedade ou de titularidade coletiva, ditos difusos, eles nascem a partir da generalidade e diversidade da raça humana. Deste modo, estão voltados para a proteção do coletivo social, e não dos indivíduos. Atendem, portanto aos interesses difusos e coletivos. Os direitos de terceira geração se dividem em: • o direito à paz; • o direito ao desenvolvimento; • direito ao patrimônio comum da humanidade • o direito à comunicação • o direito à autodeterminação dos povos • ao meio ambiente sadio ou ecologicamente equilibrado Direitos difusos e coletivos na constituição Federal de 1988 A Constituição Federal de1988 traz em seu artigo 225, um dos direitos difusos: Art. 225, caput: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988). Contraponto O Direto à Paz, também é considerado um direito de terceira geração, por se tratar de um direito difuso e coletivo. Através da garantia deste direito, garante-se à coletividade o direito a própria vida. Assim, no entendimento de alguns autores, seria um direito difuso, pela sua generalidade e porque envolve toda a raça humana. No entanto, a opiniões contrárias que afi rmam que o direito à paz é um direito fundamental de quinta geração, por possuir características específi cas, que os diferencia dos demais direitos de terceira geração. O direito à paz deve ser considerado mais que um direito coletivo, seria, então, um direito plural e a natureza dessa pluralidade, reside no fato de que todos os povos poderão reivindicá-lo. Quarta geração ou dimensão Além das três gerações/dimensões clássicas, descritas por Karel Vasak e por Noberto Bobbio, atualmente se estuda a existência de outras, decorrentes dos avanços sociais, genéticos e tecnológicos. Neste sentido, destaca a quarta geração dos direitos do homem surge para proteger direitos decorrentes desses avanços. São diretos que se refere à manipulação genética, à biotecnologia e à bioengenharia, têm forte cunho ético, pois tratam de discussões acerca da vida e da morte, Através dessa geração se determinam os alicerces jurídicos dos avanços tecnológicos e seus limites constitucionais. 5 Dimensões jurídicas e políticas da cidadania Cidadania | UNISUAM Como marco histórico dessa geração tem-se a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, da UNESCO, que reconhece logo no artigo 1 que o genoma humano é patrimônio da humanidade; no Artigo 2, que ninguém pode ser discriminado em virtude de suas características genéticas; e, no Artigo 4, que o genoma não pode ser objeto de negociação fi nanceira. O que se pretende com a garantia desse direito é preservação da individualidade humana e da diversidade do genoma, impondo-se limites ao seu uso, que compreende questões práticas, como a proibição para fi ns não humanísticos e questões éticas, como intervenção acerca do patrimônio genético do ser humano. “Artigo 1 O genoma humano constitui a base da unidade fundamental de todos os membros da família humana bem como de sua inerente dignidade e diversidade. Num sentido simbólico, é o patrimônio da humanidade. ” “Artigo 2 a) A todo indivíduo é devido respeito à sua dignidade e aos seus direitos, independentemente de suas características genéticas. b) Esta dignidade torna imperativa a não redução dos indivíduos às suas características genéticas e ao respeito à sua singularidade e diversidade. ” (UNESCO, 1997) Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos: h t t p : / / u n e s d o c . u n e s c o . o r g / images/0012/001229/122990por.pdf Saiba mais! Quinta geração ou dimensão O direito à paz, está colocado entre os direitos de quinta geração porque possui características próprias e independentes. Pela sua importância para a humanidade, esse direito tem sido tratado com destaque, ocupando espaço mais importante que os demais direitos fundamentais. O direito à paz surgiu primeiramente na Declaração das Nações Unidas, sendo que posteriormente, foi mencionado na Declaração da Conferência de Teerã sobre os Direitos Humanos, de 13 de maio de 1968, que reconheceu que a ausência de paz é prejudicial ao cumprimento dos direitos humanos. A Resolução 33/73, aprovada na 84ª Sessão Plenária da Assembleia da ONU, de 14 de dezembro de 1978, consagrou expressamente a paz como direito fundamental, ao tratar sobre a preparação das sociedades para viver em paz. Neste há o reconhecimento de que “la paz entre lasnaciones es el valor supremo de lahumanidad, que aprecian em elmás alto grado todos losprincipales movimientos políticos, sociales y religiosos”. (ONU, 1978) A paz é reconhecida assim como “condição indispensável ao progresso de todas as nações, grandes e pequenas, em todas as esferas”. Isso porque, logo no item 1, há a disposição de que diz: “CONSIDERANDO que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,” (ONU, 1948) proibição para fins não humanísticos e questões éticas 6 Dimensões jurídicas e políticas da cidadania Cidadania | UNISUAM Declaração Universal dos Direitos do Homem: http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/ UDHR_Translations/por.pdf Saiba mais! Entre os deveres dos Estados expressos nos instrumentos de direitos humanos, merece particular destaque a proibição, por lei, de qualquer propaganda favorável à guerra e da apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitui incitamento à discriminação, hostilidade ou violência [...] Neste contexto, a era dos direitos percorre os antecedentes do principal marco de conscientização dos direitos humanos e difusos, que foi a Declaração Universal dos Direitos do Homem, assinada em Paris em 1948, depois do cataclisma da Segunda Grande Guerra. Logo na introdução, Bobbio (1992) nos assegura que os direitos sempre existiram, mesmo em regimes feudais, onde súditos, muito antes do advento dos cidadãos, já tinham direitos à segurança da nobreza. No capítulo sobre os fundamentos dos direitos do homem, Bobbio (1992), retorna a Kant quando defi ne a liberdade como o mais fundamental entre os direitos fundamentais da vida, da propriedade e da justiça, esta última a própria garantia da liberdade. Reafi rma também a precedência dos direitos civis e políticos diante dos direitos econômicos e sociais e acompanha Marshal na defi nição historiográfi ca obrigatória dos direitos de primeira (civis), segunda (políticos), terceira (econômicos e sociais) e quarta gerações (direitos difusos do meio- ambiente e da genética). Bobbio (1999), na defesa dos Direitos fundamentais, afi rma: “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justifi cá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não fi losófi co, mas político”. violência 7 Dimensões jurídicas e políticas da cidadania Cidadania | UNISUAM Se mesmo os direitos fundamentais são relativizados pela história, como a menor importância que se passou a dar ao direito da propriedade, desde o século XIX, em face da maior importância ao direito da vida, entendendo-se aí uma ameaça ao direito mais intrínseco à humanidade, que é a liberdade, como não arguir que a garantia fundamental de todos os direitos é a justiça e o estado de direito? Não serão estas as “verdades evidentes em si mesmas” a que se referia Jefferson na declaração de independência americana de 1776? pare e reflita 1ª Geração 2ª Geração 3ª Geração 4ª Geração Liberdade Igualdade Fraternidade Democracia (direta) Direitos negativos (não agir) Direitos a prestações Direitos civis e políticos: liberdade política, de expressão, religiosa, comercial Direitos sociais, econômicos e culturais Direito ao desenvolvimento, ao meio-ambiente sadio, direito à paz Direito à informação, à democracia direta e ao pluralismo Direitos individuais Direitos de uma coletividade Direitos de toda a Humanidade Estado Liberal Estado social e Estado democrático e social Leia mais: http://jus.com.br/artigos/4666/criticas-a-teoria-das-geracoes-ou-mesmo-dimensoes-dos-direitos- fundamentais#ixzz3a9ZmAhnO Pois bem, Bobbio (1992) novamente retorna a Kant que identifica a liberdade como autonomia; o direito natural do homem de obedecer apenas à lei de que ele mesmo é autor e, neste sentido, obrigar outros à esta mesma faculdade moral do homem, a este direito inato que lhe é transmitido pela sua própria natureza. A opção neste caso pela determinação do coletivo pelo individual é evidente, uma vez que a cada cidadão, um juízo e um voto, fundamento da própria democracia. Se nos estados despóticos, os indivíduos só têm deveres e quase nenhum direito e nos estados monárquicos os indivíduos só têm direitos privados, nos estados de direito os indivíduos vão dispor de direitos privados e também públicos, pois estes são estados de cidadãos. 8 Dimensões jurídicas e políticas da cidadania Cidadania | UNISUAM Cidadãos com plenos direitos garantidos pelo Estado e, entre os quais, o direito de questionar o próprio Estado, transformando-os desta forma em cidadãos do mundo. Se na Pax Perpetua, Kant afirma que se trata de um bem forçosamente universal, da mesma forma a plena cidadania é planetária e para além do próprio Estado. Antes de Kant, Locke já garantia a liberdade como igualdade diante da lei que, por sua vez, é a única forma de se garantir a segurança e a vida diante de poderes ilimitados do próprio Estado. Aqui, vale lembrar a citação de Milton Friedman, economista americano prêmio Nobel de 1976: “A sociedade que coloca a igualdade à frente da liberdade irá terminar sem igualdade e sem liberdade.” Só a partir da Declaração de Independência americana é que os direitos do homem prevalecem sobre os deveres diante do Estado. Até 1776, seguindo a tradição dos códigos morais de Hamurabi, da Torá e das Doze Tábuas, as regras codificadas são mais das obrigações do que dos direitos. Mesmo os artigos da Carta Magna, de 1215, e do Bill of Rights, de 1689, estabelecem direitos concedidos pelo soberano, o que é totalmente inverso do espírito da Declaração Americana que afirma uma democracia como soberania dos cidadãos, a partir da afirmação do princípio da maioria e da vontade/ voto individual. Se a concepção individualista da sociedade for eliminada, não será mais possível justificar a democracia como uma boa forma de governo. 9 Dimensões jurídicas e políticas da cidadania Cidadania | UNISUAM ht tp: / /2 .bp.b logspot .com/-FbYbanykS6s/VFdiYv0wGQI/ AAAAAAAANtA/UXX435oyVXg/s1600/Gera%C3%A7%C3%B5es %2BDos%2BDireitos%2BHumanos.jpg 10 Dimensões jurídicas e políticas da cidadania Cidadania | UNISUAM T2 O acesso a participação política É possível uma cidadania política dentro dos limites da sociedade capitalista? Para Marshall, a cidadania política na sociedade industrial moderna ou contemporânea designa a participação do povo. Essa participação concretiza-se, segundo Marshall, como exercício efetivo, por parte do povo, do direito de escolher os seus governantes. E o exercício efetivo desse direito implica, de um lado, a existência de um processo eleitoral autêntico, supervisionado por instituições judiciárias independentes, que garantam a correspondência entre os resultados das eleições e a vontade eleitoral da maioria social; de outro lado, a existência de governantes que de fato governem, o que supõe a presença de um Parlamento forte, efetivamente participante na tomada das grandes decisões nacionais. Contraponto Podemos colocar em discussão a visão de Marshall, tendo em vista que a "participação do Povo no exercício do poder político" é, mais que uma realidade ou uma possibilidade. A participação do povo nas decisões e no poder político deve garantir a reivindicação e defesa dos direitos políticos. Tais direitos consistem na liberdade de ir e vir e de manifestar livremente a sua vontade, bem como na capacidade de se apropriar de bens ou de si mesmo e de fazer valer contra terceiros essa capacidade. http://noticias.terra.com.br/brasil/protesto- tarifa/ Saiba mAIS REPORTAGENS SOBRE AS MANIFESTAÇÕES NO BRASIL Veja um exemplo da manifestação da vontade popular. 17 de Junho, Brasília Manifestantes ocupam a Esplanada dos Ministérios Manifestantes e policiais militares entraram em confronto durante a tarde em Brasília depois que um grupo tentou subir a rampa do Congresso Nacional. A Polícia Militar usou spray de pimenta e armas taser (não letal) para conter alguns protestantes, que entraram no espelho d'água. Dois manifestantes foram presos. À noite, um grupo conseguiu furar o bloqueio e subiu no prédio do Congresso Nacional pela lateral do edifício. A PM respondeu com bombas, mas os manifestantes retornaram em maior número e ocuparam o local onde fi cam as abóbadas invertidas. Eles gritavam frases como "aha-uhu, o Congresso é nosso". Do lado de baixo, no gramado, manifestantes cantavam o hino nacional segurando os celulares acesos. 17 de Junho, Rio de Janeiro Manifestantes e polícia entram em confronto em frente à Alerj Depois de um começo de manifestação pacífi co, a polícia e os manifestantes entraram em confronto durante os protestos contra o aumento da passagem no Rio de Janeiro. O enfrentamento aconteceu em frente à Assembleia do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), que recebeu forte policiamento para evitar pichações. Os manifestantes fi zeram fogueiras nas imediações do prédio e atearam fogo em dois carros, um no estacionamento e outro atrás da Alerj. No fi m da noite, um grupo de manifestantes conseguiu invadir o prédio, quebrou janelas, ateou fogo na porta e tirou cadeiras de dentro do edifício. a existência de um processo eleitoral autêntico 11 Dimensões jurídicas e políticas da cidadania Cidadania | UNISUAM Fonte das reportagens acima: http://noticias. terra.com.br/brasil/protesto-tarifa/ Saiba mAIS 17 de Junho, São Paulo Em São Paulo mais de 65 mil pessoas, de acordo com estimativa do Datafolha, participaram do maior protesto até agora contra o aumento das tarifas do transporte público. Os manifestantes se reuniram no largo da Batata e, de lá, partiram em marcha pela rua Brigadeiro Faria Lima. O protesto terminou na avenida Paulista. Um grupo de cerca de 10 policiais militares acompanharam ativistas e se sentaram na avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini. Eles foram aplaudidos por integrantes do protesto. 17 de Junho, Recife Munidas de cartazes, centenas de pessoas foram às ruas em Recife (PE) na noite de 17 de junho para protestar contra a tarifa do transporte público e a corrupção, além de reivindicar melhorias, o passe livre estudantil e a meia passagem intermunicipal. O movimento teve o apoio da União dos Estudantes Secundaristas de Pernambuco (Uespe). O protesto começou no Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e seguiu pela avenida Conde da Boa Vista até a praça do Derby. Não houve tumulto ou confronto. Cidadania x Política De forma elementar podemos dizer que o direito político diz respeito ao direito de participar do poder político, como eleito ou eleitor. Esses direitos são praticados institucionalmente através do Parlamento e os Conselhos de Governo. Segundo Marshall, o século XIX foi o período formativo dos direitos políticos. Os direitos políticos só surgiram a partir do momento que os direitos civis, principalmente aqueles ligados à liberdade se consolidaram. Evolução dos Direitos Políticos Observando a evolução histórica dos direitos políticos, vemos que no século XVIII, esses direitos encontravam-se ainda defi cientes em sua distribuição para os padrões da cidadania democrática. O direito de voto era ainda restrito a determinados grupos. Marshall (2002), afi rma que nesse momento não se conferia um direito, mas reconhecia uma capacidade. “Nenhum cidadão respeitador da lei era impedido, devido ao status pessoal, de votar. Era livre para receber remuneração, adquirir propriedade de alugaruma casa e para gozar quaisquer direitos políticos que estivessem associados a esses feitos econômicos” (Marshall, 2002) Já no século XX, abandona-se essa posição de atrelamento dos direitos políticos aos civis e se associa direito político à cidadania propriamente dita, não sendo o último apenas complemento do primeiro. Um exemplo disso é que o direito ao voto deixa de estar associado a condição econômica e passa a considerar apenas o status pessoal de cidadão. direito político 12 Dimensões jurídicas e políticas da cidadania Cidadania | UNISUAM “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” http://noticias.terra.com.br/brasil/protesto-tarifa/ Saiba mAIS Aspectos jurídicos da Cidadania e dos Direitos Políticos “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” O artigo 1º, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988, apresenta o conceito de cidadania representativa, que se processa através do voto, sendo, portanto, considerada indireta. Já a cidadania participativa, que tem suas formas também descritas no texto da Constituição Federal é considerada direta e se processa através de instrumentos como: • Iniciativa popular, referendo e plebiscito (art. 14, I, II e III); • Participação de trabalhadores e empregadores na administração (art. 10); • Participação na administração da justiça pela ação popular, participação na fi scalização fi nanceira municipal (art. 31, §3º); • Participação da comunidade na seguridade social (art. 194, VII); • Participação na administração do ensino (art. 206, VI). 13 Dimensões jurídicas e políticas da cidadania Cidadania | UNISUAM Direitos Políticos O Direito político consistente no conjunto de normas que disciplinam os meios necessários ao exercício da soberania popular. Os direitos políticos, ao contrário dos direitos do indivíduo, não se opõem ao Estado, são direitos que tratam de prerrogativas que conferem ao indivíduo a liberdade de participar da vida política do Estado. Em regra, só têm acesso aos direitos políticos os nacionais, pois a nacionalidade é um dos pressupostos do exercício da cidadania. Obs. Não se confunde nacionalidade e cidadania: Nacionalidade é o vínculo jurídico-político de direito público interno, que liga um indivíduo a determinado Estado. Cidadania é atributo político que decorre do direito de participar no governo e de ser ouvido pela representação política. Juridicamente cidadão é o indivíduo com capacidade eleitoral ativa e passiva, isto é, titular do direito de votar e ser votado. Os direitos de cidadania adquirem-se mediante alistamento eleitoral. Em suma, a cidadania se adquire com a qualidade de eleitor e se manifesta documentalmente pela posse do título de eleitor. Divisão dos Direitos Políticos Direitos Políticos Positivos Os Direitos Políticos Positivos são aqueles que irão garantir a participação do povo no poder mediante o sufrágio. Determinam como os indivíduos adquirem a cidadania, e a maneira de exercê-la. O seu núcleo é o direito ao sufrágio, que é a expressão de duas capacidades: a) Capacidade eleitoral ativa – participação do povo no processo eleitoral. É o direito de votar, que pressupõe o preenchimento de alguns requisitos, para a alistabilidade. b) Capacidade eleitoral passiva – é o direito de ser votado. Decorre do atributo da elegibilidade. Para que alguém seja elegível, necessário que tenha capacidade eleitoral ativa – só será eleito se for eleitor. 14 Dimensões jurídicas e políticas da cidadania Cidadania | UNISUAM Direitos Políticos Negativos No caso dos Direitos Políticos Negativos, a lei apresenta regras que privam o cidadão de votar e de ser votado, pela perda defi nitiva ou temporária (suspensão) dos direitos políticos, e, ainda, determinam restrições à elegibilidade do cidadão, considerando certas circunstâncias. Prevalece o princípio da plenitude do gozo dos direitos políticos, devendo qualquer interpretação em sentido contrário ser restritiva. Duas são as espécies de direitos políticos negativos: a) Privação dos direitos políticos. b) Inelegibilidade. políticos, e, ainda, determinam restrições à elegibilidade do políticos, e, ainda, determinam restrições à elegibilidade do cidadão, considerando certas circunstâncias. cidadão, considerando certas circunstâncias. Prevalece o princípio da plenitude do gozo dos direitos Prevalece o princípio da plenitude do gozo dos direitos políticos, devendo qualquer interpretação em sentido políticos, devendo qualquer interpretação em sentido contrário ser restritiva. Duas são as espécies de direitos contrário ser restritiva. Duas são as espécies de direitos https://www.youtube.com/watch?v=FfWxe-8iI94 aprofundando T3 A expansão efetiva da cidadania O exercício efetivo da cidadania pode ser um instrumento de combate à exclusão? Vejamos como a expansão cidadania tem contribuído para enfrentar a questão social mais importante nos nossos dias: A exclusão Os caminhos da exclusão: A exclusão se refere a não incorporação de uma parte da população à comunidade social e política, negando seus direitos de cidadania - envolvendo a igualdade de tratamento ante a lei e as instituições públicas - e impedindo seu acesso à riqueza produzida no país. De uma forma mais profunda, a exclusão implica a construção de uma normatividade que separa os indivíduos, impedindo sua participação na esfera pública. Trata-se de um processo relacional e cultural que regula a diferença como condição de não inclusão, apresentando também uma manifestação territorial, seja como gueto ou favela. Esta fratura socio-política, que se manifesta na convivência em uma mesma sociedade de uma dupla institucionalidade, impede a constituição das dimensões nacional, republicana e democrática, retirando legitimidade ao exercício do poder e restringindo a esfera pública (Fleury, 2002). Grande parte dos estudos econômicos e políticos tem se dedicado à questão da pobreza, tratando-a como uma questão de desigualdade, sem distingui-la analiticamente da exclusão. No entanto, Santos (2006) sublinha a diferença entre desigualdade e exclusão: “Se a desigualdade é um fenômeno socio-econômico, a exclusão é, sobretudo, um fenômeno cultural e social, um fenômeno de civilização. Trata-se de um processo histórico através do qual uma cultura, por via de um discurso de verdade, cria a interdição e a rechaça” “O sistema da desigualdade se assenta, paradóxicamente, no caráter essencial da igualdade; o sistema da exclusão se assenta no caráter essencial da diferença... o grau extremo da exclusão é o extermínio; o grau extremo da desigualdade é a escravidão.” Para Hannah Arendt (1993) os fundamentos da condição humana encontram-se na relação entre o discurso e a ação, pois aí encontramos o lugar do sujeito. Por conseguinte, se a apropriação discursiva é o fundamento da condição humana, é a proibição do discurso o que despoja aos indivíduos de sua condição de atores, da possibilidade de inclusão em uma ordem simbólica relacional, constituída por uma trama de atos e palavras. A constituição de sujeitos de ação, sua possibilidade de inserção, passa, necessariamente, pelo resgate de sua possibilidade discursiva. 15 Dimensões jurídicas e políticas da cidadania Cidadania | UNISUAM h t t p s : / / w w w . y o u t u b e . c o m / watch?v=llzhh9AnpxQ Saiba mAIS Dessa forma, a exclusão é um processo cultural que implica o estabelecimento de uma norma que proíbe a inclusão de indivíduos, grupos ou populações em uma comunidade sócio-política. Os grupos excluídos estão, em geral, impossibilitados de participar das relações econômicas predominantes -- no mercado, como produtores e/ou consumidores--e das relações políticas vigentes, os direitos de cidadania. No entanto, a coexistência, em um mesmo grupo populacional, de situações de pobreza, ausência de direitos sociais ou de condições de exercê-los, e sua exclusão da comunidade sócio-política, não nos deve confundir e levar-nos a pensar que se trata de um fenômeno simples, subordinado à dimensão econômica, o que implicaria em uma estratégia técnico- redistributiva de enfrentamento desta complexa condição. Em países como os latino-americanos em que a exclusão tem um forte conteúdo econômico, não é possível combater a exclusão sem a redistribuição da riqueza. No entanto, o combate à exclusão não se reduz à esta dimensão econômica, já que a esta, apesar de ser a dimensão fundamental, não existe isolada do contexto sócio-cultural que a legitima e reproduz. Em outros termos, a concentração da riqueza é um fenômeno político, que impede a constituição de sujeitos políticos capazes de reivindicar sua inserção na esfera pública. Não há como negar a associação entre exclusão e violência, tema que tem sido amplamente omitido no debate atual, ainda sendo a violência a manifestação mais evidente da questão social. A emergência de uma questão social requer e reivindica seu enquadramento por meio de políticas e instituições específi cas, em geral, as chamadas políticas sociais. Por suposto, uma mesma questão será respondida de diferentes maneiras em contextos políticos, culturais e institucionais distintos, gerando diversos padrões de proteção social. Neste ponto nos deparamos com uma forte contradição, pois mesmo com um grande desenvolvimento das ciências sociais se ocupando da mensuração da pobreza e da defi nição de estratégias individualizadas de focalização e reformas dos sistemas de política social, de outro modo assistimos ao crescente “cercamento” dos espaços públicos e privados, como estratégia de defesa patrimonial contra os pobres coletivizados como classes perigosas. Não podemos desprezar o papel da “mídia” na reprodução sistemática de normas de exclusão e na reificação de identidades sociais polarizadas. A difusão de valores individualistas e de consumo, prevalecendo sobre normas solidárias, mina as possibilidades de construção de vínculos sociais que transitem e superem a fratura urbana, que no Brasil foi denominada como “cidade partida”. “rolézinho” 16 Dimensões jurídicas e políticas da cidadania Cidadania | UNISUAM No ponto central da política está sempre a preocupação com o mundo T4 Implicações entre Estado, sociedade e mercado para a cidadania Sem democracia, sem direitos humanos? Para que tipo de Estado está se encaminhando a sociedade de massas da era informacional, a sociedade de risco, e qual o papel da Constituição e do cidadão neste contexto? Os direitos humanos e a democracia são elementos fundamentais para o sucesso do regime socialista-liberal defendido por Bobbio (1992). O desenvolvimento dos direitos humanos nas últimas décadas representou uma importante expressão na transformação do pensamento jurídico em um número crescente de países. Nesse contexto, na fi losofi a bobbiana, direitos humanos e democracia são elementos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para o desenvolvimento do socialismo-liberal. O Estado liberal é tido como limitado tanto com respeito aos seus poderes quanto às suas funções. O primeiro é o Estado de direito e o segundo é o Estado mínimo. Contudo, é possível que um Estado de direito não seja mínimo, como também um Estado mínimo que não seja um Estado de direito. O Estado de direito se opõe ao Estado absoluto; o Estado mínimo se contrapõe ao Estado máximo. O cidadão, o Estado e a cidadania Para a Hannah Arendt a constituição do sujeito é política, decorrente da pluralidade humana. Ser e Aparecer coincidem, pois é no mundo que o sujeito se revela, sendo que os atos e as palavras expressam a liberdade humana. Da interação dos cidadãos no espaço político surge o autêntico poder que legitima as instituições políticas e o direito positivado. “No ponto central da política está sempre a preocupação com o mundo”,... e o sentido da política é a liberdade.” (Arendt) Arendt identifi ca a liberdade com o poder de começar a ação política conjunta capaz de interferir nos processos desencadeados pela interação humana. A liberdade está presente no âmbito da política, pois o homem, ao participar da “teia” de relações humanas, ao agir, tem o dom de romper o processo de causa e efeito de que a toda ação corresponde uma re-ação, e pode fazer surgir o inédito. São verdadeiros milagres, no sentido de algo novo desencadeado pela vontade humana, que ocasionam interrupções a uma série qualquer de acontecimentos. O voto é a única expressão de democracia? A democracia não se restringe apenas no direito de voto. Numa sociedade aberta, ela se desenvolve também por meio de formas refi nadas de mediação do processo público e pluralista da política e da prática cotidiana, especialmente mediante a realização dos Direitos Fundamentais. Nessa perspectiva, o “povo” deixa de ser apenas um referencial quantitativo que se manifesta no dia da eleição e que, enquanto tal, confere legitimidade democrática ao processo de decisão. 17 Dimensões jurídicas e políticas da cidadania Cidadania | UNISUAM Notas sobre uma “nova cidadania” A chamada “nova cidadania”, ou cidadania ampliada começou a ser formulada pelos movimentos sociais que, a partir do fi nal dos anos setenta e ao longo dos anos oitenta, se organizaram no Brasil em torno de demandas de acesso aos equipamentos urbanos como moradia, água, luz, transporte, educação, saúde, etc. e de questões como gênero, raça, etnia, etc. Inspirada na sua origem pela luta pelos direitos humanos (e contribuindo para a progressiva ampliação do seu signifi cado) como parte da resistência contra a ditadura, essa concepção buscava implementar um projeto de construção democrática, de transformação social, que impõe um laço constitutivo entre cultura e política. Incorporando características de sociedades contemporâneas, tais como o papel das subjetividades, o surgimento de sujeitos sociais de um novo tipo e de direitos também de novo tipo, bem como a ampliação do espaço da política, esse projeto reconhece e enfatiza o caráter intrínseco da transformação cultural com respeito à construção da democracia. Nesse sentido, a nova cidadania inclui construções culturais, como as subjacentes ao autoritarismo social como alvos políticos fundamentais da democratização. (DAGNINO, 2004) A redefi nição da noção de cidadania formulada pelos movimentos sociais, expressa não somente uma estratégia política, mas também uma política cultural. O primeiro elemento marcante desta concepção determina que a nova cidadania assume uma redefi nição da ideia de direitos, cujo ponto de partida é a concepção de um direito a ter direitos. Essa concepção não se limita a provisões legais, ao acesso a direitos defi nidos previamente ou à efetiva implementação de direitos formais abstratos. Ela inclui a criação de novos direitos, que surgem de lutas específi cas e de suas práticas concretas. Direitos novos: • Direito à autonomia sobre o próprio corpo; • Direito à proteção do meio ambiente; • Direito à moradia; • Direito à igualdade e principalmente o direito à diferença, aprofunda e amplia o direito à igualdade. - Direitos das minorias (homossexuais, negros etc); - Liberdade religiosa; Segundo elemento, fundamental, que implica o direito a ter direitos, é que a nova cidadania, não está vinculada a uma estratégia das classes dominantes e do Estado de incorporação política gradual dos setores excluídos, com o objetivo de uma maior integração social ou como uma condiçãolegal e política necessária para a instalação do capitalismo. A nova cidadania requer a constituição de sujeitos sociais ativos, defi nindo o que consideram ser seus direitos e lutando para seu reconhecimento enquanto tais. Essa, seria uma estratégia dos não-cidadãos, dos excluídos, que buscam construir uma cidadania “desde baixo”. Um terceiro ponto é a ideia de que a nova cidadania ultrapassa uma referência central no conceito liberal, que é a reivindicação ao acesso, inclusão, participação e pertencimento a um sistema político já dado. um direito a ter direitos 18 Dimensões jurídicas e políticas da cidadania Cidadania | UNISUAM O reconhecimento dos direitos de cidadania, tal como é defi nido por aqueles que são excluídos dela no, Brasil de hoje, aponta para transformações radicais em nossa sociedade e em sua estrutura de relações de poder. Daí a importância que essa noção adquiriu na emergência de experiências participativas como os Orçamentos Participativos e outras. Aqui, setores populares e suas organizações lutam para abrir espaço para o controle democrático do Estado mediante a participação efetiva dos cidadãos no poder. Então, a cidadania não está mais confi nada dentro dos limites das relações com o Estado, ou entre Estado e indivíduo, mas deve ser estabelecida no interior da própria sociedade, como parâmetro das relações sociais que nela se travam. Cidadania e mercado A disseminação de uma concepção de cidadania como um processo de aprendizagem social, de construção de novos tipos de relações sociais, que implicam, a constituição de cidadãos como sujeitos sociais ativos impôs, também a sociedade aprender a viver em termos diferentes com esses cidadãos emergentes que se recusam a permanecer nos lugares defi nidos social e culturalmente para eles. Essa concepção orientou não só as práticas políticas de movimentos sociais de vários tipos, mas também mudanças institucionais, como as incluídas na Constituição de 1988, conhecida como a “Constituição Cidadã”. Além disso, a propagação dessa nova concepção de cidadania foi determinante para que, no Brasil, a expressão “cidadania” deixasse de designar, apenas, o conjunto da população, e passou a ter um signifi cado político claro, que passa a ser alvo das concepções neoliberais de cidadania. Concepções neoliberais de cidadania O primeiro ponto devemos destacar sobre as concepções neoliberais de cidadania, é que elas antes de tudo, reduzem o signifi cado coletivo de cidadania anteriormente empreendido pelos movimentos sociais, trazendo um entendimento estritamente individualista. No segundo ponto em que se baseiam as concepções neoliberais de cidadania, se estabelece uma conexão entre cidadania e mercado. Na visão neoliberal, tornar-se cidadão passa a signifi car a integração individual ao mercado, como consumidor e como produtor. Essa é, portanto, a base para o surgimento de diversos programas para ajudar as pessoas a “adquirir cidadania”, isto é, aprender como iniciar microempresas e/ou, tornar-se qualifi cado para os poucos empregos ainda disponíveis. Esse contexto criado pela concepção de cidadania neoliberal, isenta o Estado de seu papel de garantidor de direitos, ao mesmo tempo em que coloca o mercado como uma instância substituta para a cidadania. Constituição Cidadã 19 Dimensões jurídicas e políticas da cidadania Cidadania | UNISUAM E como consequências... Essa inversão de papéis acima observada, no caso específi co do Brasil, trouxe sérias consequências paras as classes trabalhadoras: Os direitos trabalhistas estão sendo eliminados em nome da livre negociação entre patrões e empregados, da “fl exibilidade” do trabalho, etc., Os direitos sociais garantidos pela Constituição Brasileira desde os anos quarenta eliminados sob a lógica de que eles constituem obstáculos ao livre funcionamento do mercado, restringindo assim o desenvolvimento e a modernização. Os cidadãos/portadores de direitos são inimigos das reformas desenhadas para encolher as responsabilidades do Estado. O reconhecimento de direitos, considerado no passado recente como indicador de modernidade, torna-se símbolo de “atraso”. O que se pretende com essa concepção, é legitimar o Mercado como instância alternativa de cidadania, isso se processa quando o mercado passa a representar único caminho para a inclusão social. Texto base: DAGNINO, Evelina (2004) “¿Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos falando?” En Daniel Mato (coord.), Políticas de ciudadanía y sociedad civil en tiempos de globalización . Caracas: FACES, Universidad Central de Venezuela, pp. 95-110. in: http://www. plataformademocratica.org/Publicacoes/3909.pdf - acesso em 23/03/2015 Constituição Cidadã 20 Dimensões jurídicas e políticas da cidadania Cidadania | UNISUAM REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http:// www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_05.10.1988/CON1988.shtm, . Acesso em 15/12/2014 ARENDT, Hannah A727o O que é política? / Hannah Arendt; [editoria, Ursula Ludz]; 3" ed. tradução de Reinaldo Guarany. - 3 ' e d . - Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. 240 p. Tradução de: Was ist politik? Inclui apêndice ISBN 85 – 286 – 0640 – 6 1. Ciência política. 1. Ludz, Ursula. II. Título. disponível em: http://www.controversia.com.br/antigo/uploaded/ pdf/17180_arendt-hannah-o-que-e-politica.pdf - acesso em: 15/2/2015 BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. 8ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. DA GNINO, Evelina (2004) “¿Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos falando?” En Daniel Mato (coord.), Políticas de ciudadanía y sociedad civil en tiempos de globalización . Caracas: FACES, Universidad Central de Venezuela, pp. 95-110. in: http:// www.plataformademocratica.org/Publicacoes/3909.pdf - acesso em 23/03/2015 Genro, Tarso - "O Novo Espaço Público - 21 Teses para a Criação de uma Política Democrática e Socialista", Folha de São Paulo, 9/6/96. LIMA, George Marmelstein. Críticas à teoria das gerações (ou mesmo dimensões) dos direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 173, 26 dez. 2003. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/4666 . Acesso em: 13 maio 2015. MARSHALL, Thomas H. (2002). Cidadania e classe social. Volume I. Brasília: Senado Federal, Centro de Estudos Estratégicos, Ministério da Ciência e Tecnologia. In Revista de Psicologia Política http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_serial&pid=1519- 549X&lng=pt&nrm=iso OLIVEIRA, Samuel de - Rev. Filos., v. 19, n. 25, p. 361-372, jul./dez. 2007 SANTOS, Boaventura de Sousa. A Gramática do Tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. Sites da WEB DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS – Disponível em: http://www. brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2009/11/declaracao-universal-dos-direitos-humanos- garante-igualdade-social acesso em 15/2/2015 http://publicacoes.unigranrio.edu.br/index.php/rdugr/article/viewFile/188/187, acesso em 19/12/2014 http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/brasilia/11_717.pdf, acesso em 19/12/2014 http://library.fes.de/pdf-fi les/bueros/brasilien/05634.pdf#page=89, acesso em 19/12/2014 http://servicos.damasio.com.br/cursoapostilado/pdf/EAD_400_eleitoral.pdf, acesso em 19/12/2014 http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142001000200021&script=sci_arttext, acesso em, 10/01/2015 http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_33/rbcs33_01.htm - Acesso em 23/03/2015 http://www.enap.gov.br/downloads/ec43ea4fMariaLucia1.pdf - Acesso em 23/03/2015https://xadrezverbal.fi les. wordpress.com/2013/10/ constituic3a7c3a3o.jpg 21 Dimensões jurídicas e políticas da cidadania Cidadania | UNISUAM
Compartilhar