Buscar

A Psicologia como disciplina da norma nos escritos de Foucalt

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 14 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 14 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 14 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

ISSN 1981-1225 
Dossiê Foucault 
N. 3 – dezembro 2006/março 2007 
Organização: Margareth Rago & Adilton L. Martins 
 
 
 1 
 
A Psicologia como disciplina da norma nos 
escritos de M. Foucault* 
 
Psychology as discipline of the norm in the 
writings of M. Foucault 
 
 
Kleber Prado Filho 
Doutor em Sociologia – FFLCH/USP 
 Pós-doutorado em História – UNICAMP 
 Professor Associado do Departamento de Psicologia – UFSC 
Correio eletrônico: kprado@brturbo.com.br 
 
Sabrina Trisotto 
Psicóloga, Mestre em Educação – UFSC 
Correio eletrônico: satrisotto@bol.com.br 
 
 
Resumo: Este texto busca traçar uma cartografia das relações de Michel Foucault com 
o campo das psicologias, tanto em termos biográficos, acadêmicos e de formação, 
como bibliográficos, de interesses temáticos. Pretende ainda aplicar a sua crítica em 
torno dos problemas da verdade e do sujeito aos domínios do conhecimento 
psicológico, quebrando alguns mitos construídos pelos manuais de história da 
psicologia. Esta cartografia mostra um campo de saber diverso onde concorrem várias 
psicologias em conflito, que se constitui nas fronteiras com outros domínios, 
caracterizando-se mais por seu caráter disciplinar do que por sua cientificidade, 
tornando visíveis suas práticas normalizadoras, a ponto de ser definida criticamente 
como “Psicologia: disciplina da norma”. 
 
Palavras-chave: Foucault – psicologia – normalização. 
 
* Este texto resulta da transcrição da conferência de abertura proferida pelo autor no “Iº Encontro de 
Psicologia da Região Centro-Sul do Paraná, em Irati, em 06/06/06. 
 
Kleber Prado Filho & Sabrina Trisotto 
A Psicologia como disciplina da norma nos escritos de M. 
Foucault 
 
 
 2 
 
Abstract: This essay aims to trace a cartography of Michel Foucault’s relations with 
the field of psychologies, in biographic, academic and formative terms as well as 
bibliographic, of thematic interest. It also intends to apply his critics concerning the 
problems of the truth and the subject to the domains of psychological knowledge, 
breaking some myths built by manuals on the history of psychology. This cartography 
shows a diverse field of knowledge where many conflicting psychologies compete, that 
constitutes itself at the frontiers with other domains, being more characterized by its 
disciplinary aspects than its scientificity, making visible its normalizing practices to the 
point of being critically defined as “Psychology: discipline of the norm”. 
 
Key-words: Foucault – psychology – normalization. 
 
 
O tema que pretendo apresentar trata das relações de Michel Foucault 
com a psicologia e é parte de um trabalho que venho desenvolvendo 
junto ao Departamento de Psicologia da UFSC, ligado a um projeto de 
pesquisa que busca traçar uma arqueologia das Ciências Humanas 
conforme projeto formulado em As palavras e as coisas, partindo deste 
texto, porém não se restringindo a ele. Deste estudo um primeiro 
volume mapeando as relações de Foucault com as Ciências Humanas já 
está concluído, no ponto de ir para o prelo e neste momento estou 
trabalhando em outro volume, tratando das relações de Foucault com a 
psicologia, cujos resultados preliminares trago aqui em primeira mão. 
Esta é na verdade uma questão com a qual já havia me deparado a 
mais tempo, quando fazia meu doutorado na USP sobre a temática da 
subjetividade nos escritos de Foucault, e percebi que ele tem muito mais 
a ver com a Psicologia do que os próprios psicólogos conseguem 
perceber. Foi daí que surgiu a idéia de fazer uma leitura – uma 
 
ISSN 1981-1225 
Dossiê Foucault 
N. 3 – dezembro 2006/março 2007 
Organização: Margareth Rago & Adilton L. Martins 
 
 
 3 
cartografia – das relações de Foucault com o campo das psicologias, 
mostrando uma proximidade marcante, notável desde muito cedo em 
sua vida, tanto em termos biográficos, quanto acadêmicos, de 
formação, ou bibliográficos, de interesses temáticos. 
 
Vejamos 
 
A primeira parte da biografia de Foucault mais conhecida no Brasil, 
publicada originalmente em 1989 por Didier Eribon e sugestivamente 
intitulada A psicologia nos infernos, mostra claramente estas ligações: 
concomitantemente a um período de intensas crises pessoais, já na 
passagem dos anos 1940 aos 1950 o jovem Foucault, ainda como 
estudante e depois de 1948 como filósofo formado, voltava sua atenção 
para estudos na área das ciências “psi” – psicologia, psiquiatria e 
psicanálise – aprofundando sua leitura de Freud, antes mesmo da sua 
aproximação com o pensamento nietzschiano, tão fundamental em suas 
reflexões, que irá se efetivar somente a partir de 1953. 
Mas é na época do seu exame de “agrégation” que este movimento 
fica mais claro: após a sua aprovação ele decide licenciar-se também 
em psicologia, o que acontece em 1949, contemporaneamente ao seu 
ingresso em um curso no Institut de Psychologie de Paris. É quando ele, 
segundo Eribon, aproxima-se de Daniel Lagache, psicólogo que irá 
exercer forte influência sobre ele nesta época, em termos dos seus 
interesses relativos à psicologia. O curso no Institut de Psychologie 
concedeu-lhe uma habilitação em psicologia patológica, 
instrumentalizando seu interesse em torno da aplicação de métodos e 
técnicas psicológicas. 
 
Kleber Prado Filho & Sabrina Trisotto 
A Psicologia como disciplina da norma nos escritos de M. 
Foucault 
 
 
 4 
Neste momento ele está também se aproximando intelectualmente 
da “fenomenologia da percepção” de Merleau-Ponty e da “análise 
existencial” ou “psiquiatria fenomenológica” de Binswanger, além das 
idéias de Henry Ey, renomado psiquiatra à época, influências das quais 
virá a se afastar posteriormente. Acentua-se ainda neste período seu 
interesse prático por instituições fechadas, vindo ele a trabalhar como 
psicólogo no hospital Sainte-Anne, na condição de “estagiário”. 
A “Cronologia” publicada na abertura do I° volume da edição 
brasileira dos Ditos e escritos destaca as relações acadêmicas de 
Foucault com a Psicologia: sua licenciatura nesta disciplina em 1949, o 
diploma em psicopatologia em 1952 e o diploma em psicologia 
experimental em 1953, ambos obtidos no Institut da Psychologie de 
Paris, além de seus vínculos como professor auxiliar de psicologia na 
École Normale a partir de 1951 e como assistente de psicologia na 
Faculdade de Letras de Lille a partir de 1952, atividades que ele 
desenvolve até 1955, quando se retira da França. 
Também os interesses temáticos expressos na sua produção 
intelectual confirmam esta proximidade com a Psicologia e seus objetos. 
Não é acidental que seu primeiro livro, de 1954, tenha sido intitulado 
“Doença mental e Psicologia” e que três anos depois, em 1957, ele 
tenha publicado dois textos relativos à área: “A Psicologia de 1850 a 
1950” – disponível no volume I da edição brasileira dos “Ditos e 
escritos” – e “La recherche scientifique et la psychologie”, sem versão 
em português, disponível no original francês do Dit et écrits, volume I. 
E o debate com a Psicologia continua ao longo dos anos 1960, 1970 
e 1980: o ensaio de uma arqueologia da Psicologia em As palavras e as 
coisas, de 1966, a genealogia desta disciplina levada a efeito em Vigiar 
 
ISSN 1981-1225 
Dossiê Foucault 
N. 3 – dezembro 2006/março 2007 
Organização: Margareth Rago & Adilton L. Martins 
 
 
 5 
e punir, de 1975, a proposta de traçar uma arqueologia da psicanálise, 
apresentada em A vontade de saber, de 1976; sem contar certa 
preferência por temas tradicionais das ciências psi: normalidade e 
loucura – História da loucura, sua tese de doutorado, de1961 – a 
questão da sexualidade – História da sexualidade I (1976), II e III 
(1984) – e a temática da subjetividade, que é o próprio objeto das 
diversas psicologias. Quanto à problematização da subjetividade deve-se 
destacar que, apesar de não haver um texto exclusivamente dedicado 
ao tema, constitui um eixo central em suas análises, correlativamente a 
uma análise das relações saber/poder. 
No entanto, mesmo constituindo tema central em suas análises a 
questão da subjetividade não se apresenta de forma afirmativa, 
apontando para uma “teoria psicológica” ou para uma “teoria do sujeito” 
nos escritos de Foucault, longe disso, na tradição da desconstrução 
nietzschiana, trata-se de uma crítica radical às habituais 
problematizações do sujeito – sujeito da razão, da consciência, da 
cognição, dos jogos de significação e sentido, mas também, sujeito do 
desejo e do inconsciente – e às próprias teorias ou “escolas 
psicológicas”, apontando não tanto para mais uma psicologia – uma 
proposta, um projeto de psicologia – quanto para uma contra-psicologia. 
Então, esta aproximação de Foucault com as psicologias deve ser 
tomada em termos de um instrumento de crítica e não como proposta 
de mais uma corrente da psicologia, ou mais uma escola psicológica. 
Este é o valor e o vetor de uma incursão nos domínios das psicologias a 
partir da perspectiva de M. Foucault, cujos vestígios de ligações 
passaremos a percorrer em alguns dos textos anteriormente referidos, 
 
Kleber Prado Filho & Sabrina Trisotto 
A Psicologia como disciplina da norma nos escritos de M. 
Foucault 
 
 
 6 
nos quais ele trata diretamente do nascimento e da formação de um 
conhecimento de caráter psicológico na modernidade. 
 
Vestígios bibliográficos e temáticos dos anos 1950 
 
Inicialmente, em seu primeiro livro Doença mental e psicologia, de 
1954, ele defende a especificidade de abordagem de uma “medicina da 
mente” em relação a uma “medicina do corpo”, entendendo que estas 
disciplinas devem aplicar métodos distintos, assim como, submeter-se a 
diferentes critérios de cientificidade. Isto implica trabalhar com 
diferentes concepções – para além da problemática da saúde x doença e 
da conseqüente dicotomia normal x anormal – além de exigir o 
desenvolvimento de técnicas específicas para uma medicina da mente. 
Bem ao seu estilo, desmonta a noção naturalizante de “doença mental”, 
que centra suas causas no sujeito doente, na sua constituição, na sua 
história individual – doença mental como desvio da saúde, desvio da 
norma – remetendo este fenômeno às suas condições sociais de 
produção: à patologização (problematização histórica) das condutas 
desviantes. Posteriormente ele irá desenvolver estas idéias em seu 
doutorado – que resultará no livro História da Loucura – tratando da 
medicalização da loucura, entendendo que esta existe como problema 
social, muito antes da sua apropriação e aprisionamento pelo discurso 
psiquiátrico, quando passa a ser nomeada como “doença mental”. 
Em seu outro texto dos anos 1950 – “A psicologia de 1850 a 1950” 
(1957) – ele aborda a consolidação de algumas áreas: da medicina 
mental, da psicologia da educação, das organizações, dos grupos, ao 
longo da primeira metade do século passado, ressaltando que na sua 
 
ISSN 1981-1225 
Dossiê Foucault 
N. 3 – dezembro 2006/março 2007 
Organização: Margareth Rago & Adilton L. Martins 
 
 
 7 
segunda metade as preocupações da psicologia estariam voltadas para 
os seus fundamentos, ou, para aquilo que funda e dá suporte aos seus 
conceitos e suas práticas. Considera que em seu nascimento o 
conhecimento psicológico encontra-se preso aos imperativos objetivistas 
da ciência clássica positivista, vindo a se firmar ao longo do século XX 
como “psicologia do normal e do adaptativo”, construindo toda uma 
tradição de familiaridade com práticas de normalização social. Neste 
momento ele já desnaturaliza a subjetividade, deslocando a sua 
constituição, de bases neurofisiológicas, para remetê-la às práticas 
discursivas, sociais e políticas, argumentando ainda que a psicologia 
precisa se afastar deste “preconceito da natureza” que contamina o 
pensamento moderno. No entanto, suas análises históricas quanto a 
estes discursos não mostram ainda a aplicação do olhar arqueológico 
que irá definir o tom metodológico de seus estudos ao longo dos anos 
1960. 
Mas é particularmente a partir de dois textos, de diferentes 
momentos – As palavras e as coisas, de 1966, e Vigiar e punir, de 1975 
– que emerge esta figura de saber caracterizada aqui como “Psicologia: 
disciplina da norma”. 
Em As palavras e as coisas, ele busca traçar uma história do 
nascimento da psicologia como disciplina do saber, centrando foco na 
disciplinarização da psicologia como ciência, sua transformação em 
saber disciplinado, sua disciplinarização e sujeição à forma ciência, 
apontando para o projeto de uma arqueologia da psicologia. Esta 
questão das “disciplinas” tal como se apresenta nos estudos de Foucault 
merece atenção: ela ganha destaque em Vigiar e punir, onde tem 
tratamento genealógico como técnica minuciosa de poder, mas já está 
 
Kleber Prado Filho & Sabrina Trisotto 
A Psicologia como disciplina da norma nos escritos de M. 
Foucault 
 
 
 8 
presente em As palavras e as coisas, onde recebe tratamento 
arqueológico, como prática discursiva de demarcação de domínios de 
saber. Se na genealogia as disciplinas tomam como objetos e produzem 
os corpos dos indivíduos, na arqueologia elas produzem corpos de 
conhecimento. 
Desta perspectiva – arqueológica – a psicologia surge presa aos 
imperativos epistemológicos positivistas, como saber de fronteira, sem 
território próprio, formando-se nos interstícios da biologia com as 
ciências humanas e sociais, tomando métodos emprestados de outras 
ciências. É também caracterizada como saber que gira em torno do par 
“função x norma”, reafirmando sua vocação como “psicologia do 
normal”, que lida com “problemas de ajustamento”. Este conceito de 
“ajustamento” também merece atenção: ausente, hoje, do vocabulário 
psi, deve-se lembrar que durante muitos anos ao longo da primeira 
metade do século passado ele reinou soberano nos discursos 
psicológicos – basta ler um texto de psicologia clínica, do 
desenvolvimento ou da personalidade dos anos 1940, 1950, para notar 
que esta questão encontra-se não apenas presente, como constitui 
problema central nas relações do sujeito com os outros e dele consigo 
mesmo. Por tudo isso é saber duvidoso, com dificuldades para afirmar 
suas verdades, e saber perigoso, visto que pode contaminar de 
“psicologismo” um conhecimento ou um conceito, como resultado de 
uma exacerbação de perspectiva em termos de individualismo, 
isolamento do social e introspectivismo. É ainda perigoso, tendo em 
conta suas articulações com práticas sutis de poder. 
Em Vigiar e punir, entre outros projetos, ele busca traçar uma 
genealogia da psicologia, remetendo o nascimento das práticas 
 
ISSN 1981-1225 
Dossiê Foucault 
N. 3 – dezembro 2006/março 2007 
Organização: Margareth Rago & Adilton L. Martins 
 
 
 9 
psicológicas não aos assépticos laboratórios de Wundt e James, mas às 
concretas relações de poder que têm lugar nos manicômios e prisões, 
organizações totais, de visibilidade e vigilância totais sobre as condutas 
dos sujeitos ali confinados, excluídos da sociabilidade “normal”. A figura 
do panóptico ocupa lugar de destaque nesta genealogia: conforme 
Foucault, este dispositivo arquitetônico, que materializa o ideal de 
vigilância do final do século XVIII, vale como laboratório de psicologia à 
medida que expõe o sujeito, o interno,a uma visibilidade exaustiva, 
induzindo nele a certeza de estar sendo vigiado – automatização e 
autonomização da vigilância no sujeito – produzindo efeitos de 
subjetividade e tornando possível a produção de um saber sobre os 
sujeitos, fundado na observação e no registro sistemáticos das suas 
condutas e comportamentos cotidianos. É quase desnecessário apontar 
a ligação de tais práticas com as reconhecidas técnicas psicológicas de 
observação e registro. 
Esta genealogia da psicologia trata centralmente da produção dos 
corpos e da subjetividade dos indivíduos pelas disciplinas e pela norma. 
A questão das disciplinas liga-se ao problema da “norma”, que merece 
atenção por suas implicações políticas. Etimologicamente o termo 
sugere a figura do “esquadro” – aquilo que não se inclina nem para a 
direita, nem para a esquerda, que se conserva no centro, a meio termo 
– derivando daí dois sentidos: designando o que é conforme aquilo que 
deve ser, e representando a moda e a média de uma amostragem. 
Modernamente o conceito ganha importância no campo da biologia 
e por conseqüência, nas ciências e práticas médicas, sendo importado 
para os domínios das Ciências Humanas no século XIX. Esta passagem 
da noção de norma do campo das ciências naturais para o território das 
 
Kleber Prado Filho & Sabrina Trisotto 
A Psicologia como disciplina da norma nos escritos de M. 
Foucault 
 
 
 10 
ciências humanas, no entanto é problemática, uma vez que naturaliza e 
ancora no biológico uma questão que é na verdade uma construção 
histórica, da ordem dos juízos, dos enunciados e dos dispositivos. 
Nos domínios das ciências humanas o problema da norma sugere 
uma idéia reguladora, mais moral que científica, poder sutil de 
comparação entre indivíduos, legitimado em procedimentos 
supostamente científicos, que não apenas inclui ou exclui numa faixa de 
normalidade construída, marcando os desvios, como ainda reconduz ao 
centro os desviantes. 
Também esta figura do “indivíduo” merece atenção pelo problema 
histórico que contempla, tendo em conta que não somos “naturalmente” 
indivíduos, mas somos constituídos como tais – indivíduos do discurso 
liberal – e que a individualidade é uma forma histórica de existência, um 
modo de ser que não existia antes do moderno estatuto do indivíduo. O 
indivíduo é exatamente aquilo que está sendo produzido nos discursos 
modernos, em correlação com práticas de separação e normalização 
social. Também a racionalidade e a humanidade do sujeito moderno, 
mais que “atributos inerentes à natureza humana”, são construções 
históricas, figuras correlativas dos discursos racionalistas, humanistas, e 
das modernas cartas de direito. Aplica-se a mesma lógica às figuras do 
“cidadão” e da “cidadania”, correlativas da política do Estado de direito, 
e também à figura do “sujeito psicológico” ou, da própria “instância 
psicológica” – objeto da psicologia e campo de experiências do sujeito – 
que devem ser objeto de estranhamento, deixando como produções dos 
discursos e práticas de um tempo. 
Nossas modernas sociedades desenvolveram uma poderosa 
tecnologia política de produção de indivíduos, que aplica procedimentos 
 
ISSN 1981-1225 
Dossiê Foucault 
N. 3 – dezembro 2006/março 2007 
Organização: Margareth Rago & Adilton L. Martins 
 
 
 11 
disciplinares, separando, individualizando, marcando e identificando os 
sujeitos, comparando-os e classificando-os entre si, remetendo-os a 
uma média construída para o seu grupo, demarcando limites e 
fronteiras, incluindo, excluindo, marcando e corrigindo os desvios, 
reconduzindo, ainda, à norma, procedendo assim uma “ortopedia da 
subjetividade”. Tal tecnologia encontra-se no cruzamento ou na 
articulação de dispositivos de identificação, sexualização e normalização 
social, que produzem indivíduos identificados como normais ou anormais 
tendo em conta preferências e elementos ligados às suas práticas 
sexuais. 
 
E o que as psicologias têm a ver com tudo isto? 
 
Têm tudo a ver, porque este é exatamente o universo das 
problematizações “psi”, em termos teóricos e práticos. A genealogia da 
psicologia proposta por Foucault denuncia imediatas decorrências das 
técnicas psi como práticas sutis de poder, com forte suporte científico, 
apoiadas num argumento de cientificidade. Basta um passeio pelos 
domínios da psicometria, com seus recursos à estatística, disciplina 
comparativa, com suas amostragens e “curvas normais” (seria 
coincidência?) – esta “matemática política”, conforme Foucault – para 
que a psicologia mostre-se como saber ao mesmo tempo normatizante e 
normalizador. 
Como ciência, ou como conjunto de saberes e práticas sobre o 
sujeito, ela tem o poder socialmente reconhecido de enunciar a 
subjetividade, dizer quem são os indivíduos, quem somos nós; no 
entanto, ela sempre nos enuncia como sujeitos da norma, remetidos a 
 
Kleber Prado Filho & Sabrina Trisotto 
A Psicologia como disciplina da norma nos escritos de M. 
Foucault 
 
 
 12 
ela, comparativamente a outros sujeitos como nós, marcando e 
nomeando os desvios em termos de médias, curvas, condutas 
adequadas ou não, sancionadas ou não, quando não, patologizadas. 
Esta é a visibilidade social da psicologia, por exemplo, quanto emite 
laudos e pareceres atestando características, capacidades, 
responsabilidades e a própria normalidade dos sujeitos, técnica e 
documentação que serve de suporte a decisões familiares, médicas, 
escolares, de escolha e exercício profissional, servindo até mesmo de 
base para decisões jurídicas envolvendo a vida dos sujeitos. 
É neste sentido politicamente forte: psicologia, disciplina (de 
aplicação) da norma, o que sugere bem mais que as habituais críticas 
quanto ao lugar político da psicologia como instrumento auxiliar “do 
poder”, comprometido com a manutenção do status-quo. 
O que ganha visibilidade nesta crítica são suas práticas disciplinares 
e disciplinarizantes, suas ligações com o problema político da 
normalização (para além de qualquer laudo ou parecer “técnico”), e 
suas relações com os jogos dos dispositivos, para os quais oferece 
suporte de saber a práticas de separação, marcação, comparação, 
classificação e identificação dos indivíduos. E tais dispositivos de poder 
operam não apenas objetivações, como também produzem 
subjetivações, apontando para uma psicologização das relações de 
poder, à medida que desloca seu ponto de aplicação do corpo para a 
subjetividade, quando estas relações se tornam mais finas, mais 
subjetivantes e mais subjetivadas, o que coloca os saberes psi no centro 
da problemática política contemporânea. 
A respeito disto, esta passagem do texto de Foucault – “O sujeito e 
o poder” – originalmente publicado nos Estados Unidos por Dreyfus & 
 
ISSN 1981-1225 
Dossiê Foucault 
N. 3 – dezembro 2006/março 2007 
Organização: Margareth Rago & Adilton L. Martins 
 
 
 13 
Rabinow, aponta para um certo jogo de resistência contra as atuais 
estratégias de governo – ao mesmo tempo totalizantes e 
individualizantes – que literalmente mantêm o indivíduo preso à sua 
identidade: 
 
Talvez o objetivo hoje em dia não seja descobrir o que somos, mas 
recusar o que somos. Temos que imaginar e construir o que 
poderíamos ser para nos livrarmos deste “duplo constrangimento” 
político, que é a simultânea individualização e totalização própria às 
estruturas do poder moderno. 
A conclusão seria que o problema político, ético, social e filosófico de 
nossos dias não consiste em tentar liberar o indivíduo do Estado nem 
das instituições do Estado, porém nos liberarmos tanto do Estado 
quanto do tipo de individualização que a ela se liga. Temos quepromover novas formas de subjetividade através da recusa deste tipo 
de individualidade que nos foi imposto há vários séculos (Foucault, 
1995, p.239). 
 
Com esta citação – que fala por si mesma – encerro esta reflexão! 
 
Bibliografia 
 
FOUCAULT, M. As palavras e as coisas. 1987(1). São Paulo, Martins 
Fontes. 
__________. Doença mental e psicologia. 1984. Rio de Janeiro, Tempo 
brasileiro. 
__________. “A psicologia de 1850 a 1950”. In: Coleção Ditos e 
escritos. Vol. I 1999. Manoel de Barros Motta (org.). Rio de Janeiro, 
Forense Universitária. 
__________. Vigiar e punir. 1987 (2). Petrópolis, Vozes. 
 
Kleber Prado Filho & Sabrina Trisotto 
A Psicologia como disciplina da norma nos escritos de M. 
Foucault 
 
 
 14 
__________. O sujeito e o poder. In: DREYFUS, H. & RABINOW, P. M. 
Foucault: uma trajetória filosófica. 1995. Rio de Janeiro, Forense 
Universitária. 
 
Recebido em dezembro/2006. 
Aprovado em fevereiro/2007.

Outros materiais