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ipea políticas sociais - acompanhamento e análise | 11 | ago. 2005 7 CONJUNTURA E POLÍTICAS SOCIAIS A presente edição de Políticas Sociais – acompanhamento e análise compreende o primeiro semestre de 2005. Entretanto, o acompanhamento e, sobretudo, a avaliação das políticas e dos programas sociais nos primeiros seis meses do ano tendem a ser preju- dicados, em virtude de a maior parte dos recursos financeiros a eles alocados ser exe- cutada somente no segundo semestre. Daí optou-se por destacar, nesta edição, os processos de formulação de políticas sociais, incluindo-se as tensões e polêmicas aí geradas, assim como as possíveis implicações das mudanças propostas para efeito da ampliação, ou mesmo da garantia, de direitos sociais constitucionalmente assegurados. A origem dessas tensões está associada, via de regra, a dois interesses aparente- mente contrários. De um lado, a crescente demanda por inclusão social, movida prin- cipalmente pelo fato de o sistema produtivo não ter sido capaz de absorver a oferta de mão-de-obra e, conseqüentemente, deixar à margem do consumo ampla parcela da população. De outro, o enxugamento do déficit público que, além de reduzir a capa- cidade de investimento produtivo do Estado, também tem implicado, senão a redu- ção nominal dos investimentos sociais, ao menos a sua diminuição relativa frente às crescentes demandas dos grupos sociais excluídos. Desse modo, foram empreendidos esforços, por intermédio das dez áreas setoriais que compõem este periódico, no sentido de identificar as principais tensões e resis- tências que as propostas governamentais em gestação têm suscitado. No capítulo que trata da Seguridade Social, fica clara a existência desse embate entre as crescentes demandas por proteção social e as tentativas de impor restrições fiscais a esse sistema, tendo em vista que estas colocam em risco até mesmo setores incluídos na salvaguarda dos direitos sociais. Tais posições antagônicas são evidenciadas a partir da análise de duas iniciativas: a aprovação, em segundo turno no Senado Federal, do Regime Especial de Inclusão Previdenciária (PEC-Paralela no 47/2005), que insti- tui um sistema especial de inclusão previdenciária voltado aos trabalhadores de baixa renda e aos sem renda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho no âmbi- to da própria residência, e a proposta de “Déficit Nominal Zero”, de autoria do deputado Delfim Netto, que visa eliminar gastos de custeio acima da inflação. Além disso, analisa-se a proposta de regulamentação da Previdência Rural, a qual vem sen- do discutida no seio dos movimentos sociais e no âmbito do governo federal. Por fim, e em continuidade às edições anteriores deste boletim, apresenta-se a execução do or- çamento da Seguridade Social no primeiro semestre do ano, conforme tipologia que compreende quatro grandes grupos de despesa e receita. O foco de análise da área de Previdência Social recai sobre duas classes de ques- tões: o financiamento dos direitos previdenciários e a gestão do sistema. Em relação ao primeiro, constata-se que a melhoria apreciável da arrecadação, nos últimos dezoi- to meses, tem permitido manter sob controle o fluxo de caixa da Previdência Social. Por sua vez, tensões próprias do processo de gestão têm apontado para a necessidade 8 políticas sociais - acompanhamento e análise | 11 | ago. 2005 ipea de reestruturação, a exemplo da arrecadação previdenciária (reorganizada), dos bene- fícios por incapacidade e dos benefícios em geral, submetidos ao reconhecimento de um novo recenseamento (parcial). Na seção que trata do Regime Geral de Previdência Social, investigam-se o finan- ciamento e o comportamento dos gastos do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) e, em especial, a evolução dos benefícios pagos por esse instituto. Também são apresentados os principais resultados da avaliação do Fator Previdenciário, realizada pelo Ipea, a pedido do Conselho Nacional de Previdência Social. Em relação à Previ- dência Complementar, destacam-se a extinção da Superintendência de Previdência Complementar e a nova tabela de incidência de Imposto de Renda dos planos de be- nefícios de previdência privada. Finalmente, e pela primeira vez neste periódico, analisa-se a situação fiscal dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) existentes nas 27 unidades federadas, o que tornou possível observar alguns efeitos práticos dos dispositivos introduzidos pela Emenda Constitucional no 41, a exemplo da unificação das regras de contribuição, que permitiu elevar o nível de arrecadação e, conseqüentemente, reduzir o desequilíbrio fis- cal desses regimes de previdência. Na área de Assistência Social e Segurança Alimentar, o primeiro semestre de 2005 foi marcado por importantes mudanças na regulação de todas as políticas sob responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Tanto a política nacional de assistência social como as políticas de combate à fome e de transferência de renda, capitaneadas pelo Programa Bolsa Família, foram alteradas a partir da defi- nição de novos marcos legais, com impactos em sua implementação. A nova Norma Operacional Básica (NOB), que regula a implementação da Política Nacional da Assistência Social, aprovada no segundo semestre de 2004, introduz mudanças no processo de financiamento e gestão dessa política. Também foi alterada substancialmente a implantação da política de transferência de renda, mediante o reconhecimento da participação dos municípios na sua gestão. Os esforços de regulamentação da área de Segurança Alimentar e Nutricional fi- cam evidenciados com a elaboração, pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), de proposta de Lei Orgânica. Destaca-se, ainda, em relação a essa política, o início de um movimento de padronização, via portarias específicas, da sistemática de fi- nanciamento de projetos locais com a aplicação de indicadores socioeconômicos rele- vantes – prática também adotada pela política de assistência social. O campo das regulamentações institucionais representou, desse modo, o princi- pal avanço na área de Assistência Social e Segurança Alimentar, tendo em vista que os progressos na cobertura dos programas ainda se mostram bastante desiguais. Na área de Saúde, verifica-se que, apesar das mudanças na direção ministerial, não tem havido solução de continuidade no que se refere a essa política setorial. A preservação dos principais programas do Ministério da Saúde, nos últimos dez anos, pode ser explicada, em parte, pela existência de um forte movimento social que deu margem à criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Em face do exposto, optou-se por examinar, ainda que de forma panorâmica, nesta edição do boletim, a saúde da população e o sistema de atenção à saúde no Brasil, salientando características e tendências gerais de maior relevância para a conformação ipea políticas sociais - acompanhamento e análise | 11 | ago. 2005 9 das futuras políticas desta área social. Tal como defendem muitos sanitaristas, reco- nhece-se que os principais problemas de saúde da população brasileira serão crescen- temente influenciados, nas próximas duas décadas, por dois processos distintos, mas associados entre si: a transição demográfica, evidenciada pelo aumento da proporção de pessoas idosas no total da população; e a transição epidemiológica, caracterizada pela maior participação das doenças não infecciosas na estrutura de morbidade e mor- talidade. Essas duas mudanças exigirão que o Estado redefina objetivos e estratégias de implementação das ações de assistência, reabilitação e promoção da saúde ora em curso no país. Outro tipo de análise de conjunto é realizado quanto às características do sistema de saúde, buscando dimensionar seus diversos componentes, em termos de capacidade insta- lada, cobertura e produção de serviços.São distinguidos os subsistemas de natureza jurí- dica pública e privada que integram o SUS e o segmento privado de planos e seguros de saúde. Para uma compreensão inicial dos desafios colocados por esses aspectos estruturais das condições de saúde e do sistema de saúde no Brasil, são avaliados especialmente os padrões vigentes de financiamento público e de gasto privado. A área de Educação elegeu, para esta edição do boletim, a inclusão educacional como tema central de análise. Nesse sentido, destaca-se o encaminhamento de duas importantes medidas de política que incidem sobre essa questão: a instituição do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que altera o sistema de financiamento da educação básica pública, e a Reforma da Educação Superior que, entre outras mudanças, acena com a possibilidade de ampliação do orçamento das instituições federais e amplia os requisitos e mecanismos de controle sobre a rede privada de ensino superior. A primeira, em estágio mais avançado, foi enviada ao Congresso Nacional como Proposta de Emenda Constitucional (PEC no 415), enquanto a Reforma da Educação Superior foi consolidada sob a forma de anteprojeto de lei, encaminhado pelo Ministério da Educação (MEC) à Presidência da República, em fins de julho. Além dessas duas iniciativas que afetam a educação como um todo, também são ressaltadas as novas ações do MEC no âmbito da edu- cação profissional: o Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja) e o Projeto Escola de Fábrica. Em seqüência à apresentação e discussão dessas iniciativas governamentais, inves- tiga-se o acesso à educação escolar no período 1995-2003, segundo os níveis de ensi- no, a faixa etária, sexo, localização do domicílio, cor/raça e renda, com o objetivo de identificar situações em que persistam iniqüidades de acesso à educação escolar, segundo os diversos cortes adotados. O capítulo que versa sobre a Cultura trata de desafios não superados nos três primeiros anos do Governo Lula, tais como a reestruturação dos mecanismos de fi- nanciamento; o Plano Nacional de Cultura (PNC), cuja PEC no 57/2003 foi aprova- da em segundo turno no Senado em 1o de junho; e a consolidação do Sistema Nacional de Cultura. Nesse sentido, destacam-se a assinatura de protocolos de intenções com estados e municípios – que contemplam o compromisso de criação de conselhos e fundos municipais e estaduais de Cultura – e o Decreto no 5.520, de agosto de 2005, que instituiu o Sistema Federal de Cultura (SFC) e o Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC), onde funcionam as Câmaras Setoriais. Também são 10 políticas sociais - acompanhamento e análise | 11 | ago. 2005 ipea apresentadas novas modalidades de financiamento e linhas de crédito especiais, a exemplo daquelas criadas pelo BNDES para investimentos em livrarias e, na área do cinema, para construção de salas. Além disso, buscou-se mostrar como tais desafios implicam a necessidade de su- perar alguns dilemas que envolvem a formulação de uma política cultural de enverga- dura nacional, a estruturação de um sistema nacional de financiamento e a democratização cultural, na medida em que a sua concretização encontra obstáculos tanto no campo das prioridades macroeconômicas, como no desenho e nas capacida- des institucionais. A área de Trabalho e Renda analisa a conjuntura recente do mercado de trabalho a partir da evolução de alguns indicadores clássicos. Enfatiza que, apesar do menor ritmo de crescimento econômico em 2005 relativamente a 2004, a taxa de desemprego aberto continuou em queda, enquanto os rendimentos reais médios e a massa salarial mantive- ram-se em recuperação frente a 2003. Também são apresentadas algumas considerações sobre as recentes mudanças na Lei da Aprendizagem, ligadas ao Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego (PNPE). A mudança facilita a ação do programa, pois permite que seus executores utilizem a aprendizagem como forma de inserção dos jo- vens recém-qualificados com 18 anos ou mais no mercado de trabalho. Contudo, em- bora desejável que esse contrato sirva como experiência prévia à incorporação definitiva no quadro da empresa, os critérios da Lei abrem espaço para a seleção de jovens com requisitos de escolaridade superiores aos do PNPE, ou que já tenham experiência pro- fissional, podendo frustrar a intenção original das mudanças. Por fim, o texto aborda os programas de trabalho e renda que atuam pelo lado da demanda por mão-de-obra. Os instrumentos aqui discutidos enfatizam a necessidade, de um lado, de maior racio- nalização no uso do FAT como provedor de recursos aos programas de geração de em- prego e renda, e de outro, de maior democratização no acesso ao crédito e a outros serviços financeiros como mecanismo de inclusão social. Esse quadro coloca para o Estado um desafio que vai além do aspecto regulatório na promoção da inclusão fi- nanceira. Sua atuação abarcaria também a criação de mercados institucionais, nos quais o redistributivismo e o solidarismo assumiriam papel relevante. A área de Direitos Humanos, Justiça e Cidadania enfatiza que a estruturação de uma política pública para abarcar esse conjunto de políticas enfrenta vários desafios. Em primeiro lugar, é importante perceber que, estando os direitos humanos em cons- tante transformação, um desafio importante diz respeito à necessidade de se criarem continuamente novos instrumentos (legais, políticos, jurisdicionais etc.) capazes de garantir e proteger os direitos que vão sendo agregados ao núcleo já constituído. Outro aspecto importante está relacionado com a necessidade de elaboração de políticas universais cujo desenho contemple o respeito à diferença e possibilite a promoção dos direitos específicos dos chamados grupos vulneráveis, tais como crianças, idosos, mulheres, indígenas e afrodescendentes. Há que se considerar, ainda, a inviabilidade de se conceber uma política que vise a promover, proteger e reparar direitos – tidos como indivisíveis, indissociáveis e interdependentes – como mais uma política setorial específica. Ao contrário, é preciso ter claro que a concretização do conjunto ético de idéias que dá corpo aos direitos humanos, especialmente no campo dos direitos eco- nômicos, sociais e culturais, perpassa as demais políticas sociais. ipea políticas sociais - acompanhamento e análise | 11 | ago. 2005 11 A política de direitos humanos executada em nível federal vem lidando com esses desafios há algum tempo e, é importante afirmar, muitos avanços já foram registrados na área. No entanto, o primeiro semestre de 2005 viu esses avanços serem colocados em xeque, basicamente pela mudança no status institucional da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), que deixou de ser equivalente a um ministério e passou a estar vinculada à Secretaria Geral da Presidência da República. Embora a instabili- dade institucional fosse uma constante na área, desde que um órgão dedicado ao tema surgiu em 1997, a recente reforma ministerial destituiu a SEDH de sua condição de igualdade frente aos ministérios setoriais e às demais secretarias especiais, dificultando em muito a articulação e parceria de seus agentes com outros órgãos do poder público. Somado aos outros problemas que vinham marcando sua trajetória – relacionados à exigüidade dos recursos financeiros alocados à área, aos freqüentes contingenciamentos do orçamento, à falta de capacidade de gestão e de estrutura, em termos tanto humanos quanto materiais –, o rebaixamento da SEDH na estrutura do Executivo federal ape- nas evidenciou a fragilidade institucional da área. No que se refere à temática da Igualdade Racial, merece menção a realização, no início de julho, da I Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Cona- pir), convocadapela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e pelo Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR). Tal encontro teve por objetivo central definir as diretrizes do Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial, o qual está previsto para ser anunciado em 20 de novembro de 2005, Dia Nacional da Consciência Negra. Esta edição dedica especial atenção às desigualdades raciais no mundo do trabalho. Inicialmente, apresenta-se um diagnóstico das condições de inserção dos negros no mercado laboral. A seguir, faz-se um balanço de programas e ações empreendidos por órgãos da esfera federal, em período recente, para combater as inaceitáveis distâncias que ainda separam negros e brancos neste espaço da sociedade. Para enfrentar essa situação específica de iniqüidade, o Ministério do Trabalho e Emprego vem pondo em marcha iniciativas que, no geral, têm contribuído para inserir a questão racial na agenda política governamental. Contudo, a cobertura ainda reduzida das ações destinadas ao trabalhador negro, a ausência de metas raciais nos principais programas públicos de emprego, trabalho e renda, quer na cidade quer no campo, le- vam a crer que, no curto prazo, não se observarão mudanças expressivas nas relações ra- ciais no mundo do trabalho. Por fim, destaca-se iniciativa inédita do Ministério Público do Trabalho (MPT), mediante a instituição do Programa de Promoção de Igualdade de Oportunidade para Todos, por meio do qual busca-se combater as discriminações racial e de gênero, objetivando a inserção isonômica desses grupos de trabalhadores no mercado de trabalho. Os programas especificamente direcionados para o mundo rural tiveram, no primeiro semestre de 2005, implementação aquém do programado. O número de as- sentamentos da reforma agrária ficou muito abaixo das metas estabelecidas, o que permite supor que, assim como ocorreu em anos anteriores, a maior parte dos assen- tamentos deverá ser feita durante o segundo semestre do ano. No que se refere ao Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf), evi- denciou-se melhor desempenho, com a ampliação do número de contratos e dos 12 políticas sociais - acompanhamento e análise | 11 | ago. 2005 ipea montantes aplicados, em especial os destinados para investimentos. Este programa também vem obtendo melhor locação regional, fazendo-se presente em áreas das regiões Norte e Nordeste até então pouco atendidas. Por sua vez, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), considerado estraté- gico pelo governo para a condução da política agrícola, ainda atua de forma pontual, com escassos recursos nele alocados e sob certa indefinição institucional. Finalmente, mereceram destaque na área outros dois fenômenos. Em primeiro lugar, a continuidade dos conflitos agrários, que têm vitimado sobretudo lideranças dos movimentos sociais rurais. Em segundo lugar, e em boa medida contribuindo para realimentar a violência no campo, as ainda insuficientes medidas com vistas à regula- rização fundiária e à vigilância do cumprimento da legislação ambiental.
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