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10. Gatterer

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Johann Christoph Gatterer
Sobre a evidência na historiografia 1
Tradução: André de Melo Araújo (Dep. de História da UnB)
[...] [A academia prussiana de ciências] lançou em Berlim, há alguns anos, a
[seguinte] pergunta ao público: se as verdades metafísicas seriam capazes de uma evidência
tal como as matemáticas.2 E eu, que procuro empregar em prol da História tudo aquilo com
que me deparo sem deixar de observar a minha capacidade limitada, aproveitei a oportunidade
para me perguntar se as verdades históricas são capazes de uma evidência, e de que espécie a
evidência histórica teria que ser. [...]
Até agora só se perguntou, em geral, pela evidência no caso das coisas abstratas [...].
Mas dentre aqueles que entendem do assunto, ninguém irá negar que, para além dessa
evidência das coisas abstratas – que [por sua vez] também pode ser designada como evidência
científica – existe mais um gênero de evidência: a evidência das coisas individuais. E mais
ainda! A experiência ensina que as coisas individuais se deixam explicitar de modo ainda mais
evidente do que as coisas abstratas e que as verdades geométricas atingem, assim, um grau
mais alto de evidência do que as verdades metafísica, moral e mesmo do que muitas verdades
matemáticas, pois as coisas individuais podem, assim digamos, tornar-se particulares por
meio do uso de sinais reais e, consequentemente, ser apresentadas aos sentidos, enquanto que
nas coisas abstratas isso não ocorre. [...]
[É possível, portanto, admitir] dois gêneros principais de evidência: a evidência das
coisas abstratas e a evidência das coisas individuais. Não vou me ocupar, aqui, com o
primeiro gênero de evidência. Eu só quis lembrar o leitor desse gênero em função da
comparação que preciso fazer entre a evidência das coisas abstratas e os outros gêneros.
Agora, avanço.
1 Gatterer, Johann Christoph. “J. C. Gatterers Vorrede von der Evidenz in der Geschichtskunde”, in: Die
Allgemeine Welthistorie, die in England durch eine Gesellschaft von Gelehrten ausgefertiget worden. In einem
vollständigen und pragmatischen Auszuge. Mit einer Vorrede Joh. Christoph Gatterers. Herausgegeben von D.
Friedrich Eberhard Boysen. Alte Historie. Vol. 1. Halle: Johann Justinus Gebauer, 1767, p. 1-38.
2 Trata-se da pergunta formulada pela academia berlinense no ano de 1761 para o prêmio de 1763 sobre as
verdades metafísicas em geral; se elas, e em especial os primeiros princípios da teologia natural e da moral, são
capazes das mesmas evidências que as verdades matemáticas e, caso não o sejam, qual a natureza de suas
certezas, até que grau elas podem chegar, e se esse grau é suficiente para o convencimento. Envolvidos no debate
estiveram Moses Mendelssohn (1729-1786) e Immanuel Kant (1724-1804), tendo o texto de Mendelssohn obtido
o primeiro prêmio. [N.d.T.]
1
Já que há reconhecidamente três espécies de coisas individuais – presentes, passadas
e futuras –, pode-se pensar em três espécies particulares de evidências individuais. Na
acepção mais própria, a evidência corresponde apenas às coisas presentes. É possível
conhecê-la por meio dos sentidos; e ninguém duvida da evidência das coisas sensíveis, exceto
o cético, que priva os sentidos da certeza. Quando, dentre as coisas individuais, atribui-se a
mais alta evidência às coisas presentes por meio da percepção sensorial ou por meio de sua
presença efetiva e real (tal como, dentre as coisas abstratas, [tal evidência é atribuída] às
verdades matemáticas e, especialmente, às geométricas), cabe então o segundo grau de
evidência primeiro às coisas presentes e, só por analogia, às coisas passadas e futuras; ou seja,
quando nós representamos as coisas passadas e futuras tão vivamente, que a imaginação quase
produz o mesmo efeito da percepção imediata, ou, o que é o mesmo, que surge na alma uma
espécie de presença ideal das coisas passadas e futuras.
Que as coisas que alguma vez sentimos, vimos, escutamos, etc. por meio dos
sentidos podem ser tão vivamente evocadas em nossa alma – tanto pelo nosso próprio esforço,
quanto por ocasiões externas – de tal forma que as sentimos novamente, quase como se elas
estivessem presentes na nossa frente, isso é algo conhecido e compreensível. Mas, a princípio,
parece ser difícil [de compreender] que também coisas que nunca sentimos podem ser
presentificadas, tanto por meio de descrições pictóricas, quanto por meio do esforço das
faculdades da nossa alma. Como me parece, pode-se notar em breve que, nesses casos, a alma
precisa se valer de duas faculdades para evocar uma presença ideal: a imaginação e a força
poética.3 A imaginação só pode trazer de volta à alma aquilo que já se sentiu realmente, tal
como se sentiu. De modo contrário, a força poética pode, a partir de objetos individuais da
imaginação que foram, até então, sentidos apenas individualmente, compor um todo que
nunca foi sentido em tais circunstâncias unificadas. A força poética também pode compor um
outro todo semelhante à forma de um todo já sentido. [...]
Eu quero, agora, aplicar o que foi dito até aqui à historiografia, cujo verdadeiro
objeto são, como se sabe, as coisas passadas ou, em uma palavra, os acontecimentos.
Considerando-se o que observei acima, é esclarecedor que a História, em vista de seu objeto,
seja capaz de uma espécie de evidência, a saber, aquela que é atribuída às coisas passadas. [...]
3 Em um dos mais importantes estudos de estética publicados na Alemanha ao longo da segunda metade do
século XVIII, Johann Georg Sulzer (1720-1799) define a força poética [Dichtungskraft] como a capacidade da
alma de evocar objetos perceptíveis aos sentidos; objetos estes que, por sua vez, nunca foram percebidos
empiricamente. Cf. Sulzer, Johann Georg. Allgemeine Theorie der schönen Künste. Leipzig: Weidemann und
Reich, 1771, Vol. 1, p. 259. [N.d.T.]
2
Na História propriamente dita – sobre a qual quero aqui discorrer excluindo-se suas
ciências auxiliares –, a narração dos acontecimentos (pois ainda quero, em seguida, discorrer
sobretudo sobre a evidência da demonstração histórica) pode se tornar evidente, a meu ver,
observando a essas duas regras:
1. Desenvolve-se o sistema ao qual um acontecimento pertence, ou, o que é o
mesmo, narra-se pragmaticamente.
2. Desperta-se no leitor a presença ideal dos acontecimentos ou, em outras palavras,
narra-se com tanta vivacidade e tão sensivelmente, que o leitor passa a ser praticamente [um]
espectador.
Um sistema de acontecimentos na História e um sistema conceitual em uma ciência
propriamente dita guardam grande semelhança entre si. O que no sistema conceitual são
princípios e premissas, no sistema de acontecimentos são ocasiões e causas. O
desenvolvimento de um conceito a partir de suas ideias fundamentais e o desenvolvimento de
um acontecimento a partir de suas ocasiões e causas são, ambos, uma atividade do espírito
filosófico; e, nos dois casos, só se pode alcançar a evidência quando se puder observar, com
habilidade e convencimento, [no caso do sistema conceitual,] das ideias fundamentais até o
conceito que delas se desenvolveu, e, [no caso do sistema de acontecimentos,] das ocasiões e
causas até o acontecimento que deles surgiu.
É claro que, uma vez que o mundo – tal como ele existia antes dos homens – privou-
nos das ocasiões e das causas de diferentes acontecimentos, nem todos os acontecimentos
podem ser levados à evidência, assim como o filósofo e [o] matemático também não podem
tornar evidentes todos os conceitos. [...]
Sobre [o procedimento] pragmático, que, como se vê, na História é justamente o que
nas ciências propriamenteditas se chama de sistemático, eu já discorri em outro lugar.4
[Aqui,] devo me deter com maior vagar sobre a arte de narrar sensivelmente e [sobre a arte]
de despertar no leitor a presença ideal dos acontecimentos, sobretudo por não conseguir me
lembrar de ter lido alguma coisa sobre esse assunto tão importante em qualquer escritor,
excetuando-se um único, [Henry] Home,5 que discorreu rapidamente sobre o tema.
Quem quiser narrar sensivelmente os acontecimentos deve ter tamanho gênio
histórico que se deve conseguir pensar sensivelmente o que se quer narrar. Por meio da
4 Aqui, Gatterer se refere ao texto “Sobre o plano histórico e sobre a composição das narrativas baseada nesse
plano”, cuja tradução parcial segue nas próximas páginas. [N.d.T.]
5 Home’s Grundsätze der Critik Th. I. S. 123-150. [Cf. Home, Henry. Elements of Criticism. Vol. 1.
Edinburgh/London: A. Millar/A. Kincaid & J. Bell, 1762].
3
presença ideal dos acontecimentos, deve-se ter sido primeiramente espectador e somente
então se pode esperar, caso se trate de uma pessoa hábil, poder narrar sensivelmente aquilo
que já se percebeu sensivelmente e colocar o seu leitor na situação de espectador. [...]
Delibera-se sobre guerra e paz, ocorrem negociações, sitiam-se cidades, batalhas
acontecem, conquistam-se terras, aperfeiçoa-se a agricultura, erguem-se manufaturas e
fábricas, desenvolvem-se as artes e as ciências, ocorrem trocas [...] entre o velho e o novo
mundo. Tudo isso são acontecimentos importantes. O historiador deve narrá-los. Se ele o faz
de modo muito direto, sei apenas aproximadamente o que aconteceu. [Mas] eu quero mais: eu
quero ser sensibilizado, emocionado; eu quero ser convencido até [chegar] à evidência. [...]
É preciso tentar afastar do leitor, de todo modo, a ideia do passado, ou, o que é o
mesmo, é preciso fazer do passado, em toda parte possível, algo presente, para que o leitor
venha tomar parte da coisa e, dessa forma, divertir-se, além de também, frequentemente, ser
sensibilizado, emocionado.
Algo já contribui para esse objetivo quando o historiador fala no tempo presente (in
Praesenti). Melhor ainda funciona a arte – que os antigos dominaram tão bem – [...] de fazer
os agentes [da História] falar e, desse modo, dar-lhes vida novamente. [...]
Daqui segue a regra: o historiador deve se esconder, tanto quanto for possível, do seu
leitor. Todos os papéis devem ser encenados como que na frente dos olhos do leitor, e o
historiador deve aparecer, em geral, como um dos circunstantes, ou como espectador, e, de
vez em quando, se for o caso, apenas como um nomenclator.6 [...]
Para eximir de qualquer equívoco ou aborrecimento aqueles que querem [apenas]
passar [os olhos] rapidamente no que até então foi dito, ainda sublinho que as minhas
propostas, com o intuito de evocar o conhecimento sensível nos livros de História, não
procuram fazer do historiador um poeta, ou exaltar uma prosa poética para a forma de escrita
da História. Algo assim nunca me veio à mente. Eu defendo [...] que o historiador tem que ser
simplesmente um homem honesto, que não pode se ver impedido de dizer a seu leitor a mais
pura verdade por nada no mundo, nem pela religião, nem pela pátria, nem pela família e [pela]
amizade, nem pelos afetos; em uma palavra, por nada. Tenho como intenção, de fato,
proporcionar a inserção e o acolhimento na nossa nova historiografia das boas qualidades de
que tanto gostamos na narrativa dos melhores historiadores da Antiguidade. [...]
[A] evidência da narrativa histórica [...], como vimos, consiste no desenvolvimento
pragmático dos acontecimentos e no despertar da presença ideal. A despeito do fato de que
6 No mundo antigo, o nomenclator tinha a tarefa de anunciar o nome daqueles que deveriam ser
cumprimentados pelo senhor. [N.d.T.]
4
uma narrativa histórica em si não pode ser levada para além da verdade do romance, se assim
posso dizer, já se ganha o leitor, parcialmente, em consequência do convencimento, pois todos
desejam que as coisas por meio das quais fomos sensibilizados e emocionados e na quais,
consequentemente, tomamos parte, não devam ser meramente fictícias, mas ter realmente
acontecido. [...]
Para os leitores sensíveis, a narrativa evidente já é convincente. Somente os leitores
críticos precisam ser satisfeitos com demonstrações, com provas.
Queremos, pois, ver se a demonstração histórica é capaz de evidência, e em que
medida. Nas ciências propriamente ditas, demonstrar significa nada mais do que mostrar que
um conceito pertencente a uma [determinada] ciência está contido em seus conceitos centrais.
Na historiografia não se demonstra [nada] dessa forma. Aqui não se pode considerar
nenhuma ideia fundamental na qual os objetos da História – os acontecimentos – estivessem
contidos. [Esse procedimento é válido] apenas para a demonstração das coisas abstratas. [...]
No entanto, ocorre algo na História que, por analogia, merece o nome de
demonstração. Pode-se chamar realmente de demonstração, ou como se queira. Baseando-se
em princípios, pode-se mostrar na História que acontecimentos ocorreram tal como eles são
narrados, ou ao menos que as pessoas contemporâneas [aos acontecimentos] neles, assim,
acreditaram. Em suma: acontecimentos são demonstrados quando se pode comprovar,
baseando-se em princípios, sua ocorrência no passado ou a crença pretérita na sua existência.
Para aquilo que designo por princípios, outros se valem, geralmente, de um termo ainda mais
indireto: fontes. Eu prefiro usar, aqui, o primeiro termo, pois assim espero poder mostrar a
semelhança entre a demonstração histórica e a demonstração científica.
Quais são, ora, os princípios da demonstração histórica? Na minha opinião, pode-se
considerar, para tanto, as seguintes proposições:
1. É verdadeiro aquilo que os documentos autênticos e originais dizem.
2. É verdadeiro aquilo que os monumentos autênticos e originais (por exemplo:
inscrições, moedas, estátuas e semelhantes) dizem.
3. É verdadeiro aquilo que os protagonistas [Urheber] (isto é, os historiadores de suas
próprias ações) e as testemunhas oculares imparciais dizem.
4. É verdadeiro aquilo que os escritores, baseados em fontes, dizem. O que designo,
no entanto, por escritores baseados em fontes refere-se àqueles que compuseram seu texto a
partir de documentos ou monumentos autênticos e originais, ou a partir de depoimentos
imparciais de agentes históricos e testemunhas oculares, ou a partir de muitos, ou de todos
esses gêneros de fontes.
5
5. O que a tradição [Ueberlieferungen] diz tem apenas um pequeno grau de verdade,
às vezes até apenas a aparência de verdade, muito embora seja correto [o fato de] que toda
tradição resulta de acontecimentos verdadeiros.
Mesmo se na História há verdades, e mesmo se essas verdades podem ser
demonstradas – ou são demonstradas –, ainda assim elas não são imediatamente evidentes.
Para se chegar à evidência são necessárias, como vimos acima, não apenas verdade e certeza,
mas também inteligibilidade, ou seja, a habilidade de compreender rapidamente a conexão
entre a coisa mesma e os princípios nos quais a demonstração da coisa mesma se baseia.
Quando, portanto, surge a pergunta se é possível chegar à evidência na demonstração
histórica, então isso é o mesmo que se perguntar se é possível conduzir as demonstrações dos
acontecimentos de tal forma que se possa [...] compreender fácil e rapidamente a relação entre
os princípios e os acontecimentos que neles se baseiam.
Quando ponderamos como é preciso conhecer bem as ciências, as línguas, os
costumes e hábitos etc. para saber,em cada caso particular, que documentos e monumentos
são [de fato] autênticos e originais, que os agentes históricos e as testemunhas oculares são
imparciais, que escritores baseiam-se em fontes, então iremos encontrar muitas dificuldades,
tanto do lado dos historiadores, quanto dos leitores; dificuldades que fazem com que não se
possa chegar, frequentemente, à evidência nas demonstrações históricas. Todos concordarão
comigo que é relativamente pequeno o número de historiadores que conhece bem [tanto] a
diplomática, [quanto] a ciência que se dedica ao estudo dos monumentos, e que [ainda] possui
conhecimento crítico suficiente sobre os homens, em geral, e, principalmente, sobre os
escritores; conhecimento este necessário não apenas para conduzir como se deve as
demonstrações históricas, mas também para poder compreender, com habilidade e
convencimento, desde os primeiros princípios históricos até os acontecimentos, cuja verdade
se baseia nas demonstrações históricas. Menor ainda deve ser, naturalmente, o número de
leitores dotados de conhecimento a tal ponto que eles não tenham simplesmente que acreditar
na palavra do historiador, mas que [ainda] possam emitir juízo próprio sobre a verdade de
uma narrativa; que eles não tenham que admitir, por crédito a um outro – que [por sua vez]
pode enganar a si mesmo e a [tantos] outros – o valor dos documentos e dos monumentos, a
credibilidade dos protagonistas [Urheber] e das testemunhas oculares [e] a reputação dos
escritores quanto ao uso de fontes, mas que sejam eles mesmos capazes de determinar [tudo
isso]. É claro que essas dificuldades, por maior que elas por vezes pareçam, não são, em si,
incontornáveis. Em uma palavra: vê-se disso que é possível chegar à evidência nas
demonstrações históricas, mas que é relativamente pequeno tanto o número de historiadores,
6
quanto [o número] de leitores que podem atingir esse patamar elevado do conhecimento
histórico. [...]
Os escritores da Antiguidade que coletaram o material para a História não apenas dos
livros, como normalmente fazemos, mas com frequência também de suas próprias viagens,
esses escritores devem ser apreciados em um grau mais elevado do que aqueles que se
baseiam em fontes usuais, já que eles merecem, nas coisas que eles mesmos observaram em
suas viagens, o respeito que se confere às testemunhas oculares. Consequentemente, o
caminho para se chegar à evidência, no caso desses historiadores, é significativamente mais
curto. [...]
Eu quero, aqui, resumir tudo o que disse até agora tanto sobre a evidência na
narrativa, quanto na demonstração histórica. Aqueles que conseguem deduzir os
acontecimentos dos princípios históricos de modo tão sensível que os acontecimentos passam
a ser mais vistos do que lidos, [ou seja,] que o leitor, por assim dizer, passa a ser espectador da
coisa, esses têm o mérito de pertencer à [uma] classe de historiadores que está acima da classe
dos historiadores pragmáticos. Em uma palavra: [eles têm o mérito de pertencer à] mais alta
classe dos historiadores, cuja elevada fama consiste [em chegar à] evidência histórica.
Duvida-se praticamente tão pouco daquilo que um historiador que chega à evidência diz,
quanto naquilo que se vê com os próprios olhos. A narrativa evidente demonstra que os
acontecimentos se enquadram perfeitamente no contexto, na relação das coisas no mundo; e a
demonstração derivada das fontes ensina que tais acontecimentos se enquadram no contexto,
na relação das coisas da época à qual eles pertencem. Ou, o que é o mesmo: a narrativa
evidente de um acontecimento mostra que é possível pensar, sem grande esforço, na sua
existência, e a demonstração derivada das fontes ensina que os contemporâneos [ao
acontecimento] pensaram-no realmente de tal modo, isto é, que os acontecimentos ocorreram
realmente na forma como são narrados ou, no mínimo, assim neles se acreditou. O primeiro
[aspecto], a saber, que é possível pensar, sem grande esforço, a existência de um
acontecimento, corresponde à verdade do romance. Caso se queira passar [da verdade do
romance] à verdade histórica, então é preciso mostrar que os contemporâneos pensaram o
acontecimento na forma como ele é narrado. E esse é o objetivo da demonstração histórica,
que, [por um lado,] faz de um livro de História algo duplamente estimável se ela pode ser, ao
mesmo tempo, evidente e, [por outro,] confere a ele um valor extraordinário para o romance e
para outras espécies de narrativas ficcionais. O leitor que leu uma história narrada de forma
evidente percebe com prazer, quando retorna da ilusão, que leu mais do que um mero
romance, em função das demonstrações apostas à narrativa. Ele mesmo eleva a narrativa da
7
verdade do romance à dignidade da História verdadeira, e se considera ligado ao historiador
duplamente. Primeiramente [pelo fato de] que ele o entreteve e, em seguida, [pelo fato de] que
ele o entreteve com verdades reais. [...]
Göttingen, 28 de março de 1767.
Sobre o plano histórico e sobre a composição das narrativas baseada nesse
plano7
Johann Christoph Gatterer
Tradução: André de Melo Araújo
[...] Quando o historiador tiver feito uma obra a partir da trabalhosa coleção da
matéria histórica e tiver selecionado, desse caos, o que há de extraordinário (já que coisas
dispensáveis e que ainda podem ser descartadas sempre serão encontradas); quando se
imagina já ter sido [suficientemente] atento, na coleção do material, apenas às coisas
importantes e dignas da memória dos homens; quando, portanto, a coleção e a seleção do
material já estiverem prontas, então é o momento se de pensar no plano segundo o qual todas
as partes a partir das quais o edifício deve ser executado – [sejam elas] pequenas [ou] grandes
– podem ser adequadamente ordenadas. [E ordenadas] de tal modo que, após a conclusão da
obra, seja possível compreender, sem esforço, por que uma parte do material foi colocada
exatamente em um determinado lugar, e não em um outro. Após a coleção e a seleção do
material, essa é a primeira tarefa do historiador, que pode ser chamada de determinação do
lugar, disposição ou ainda estrutura das narrativas.
[Quando] então o historiador já tiver traçado a disposição das narrativas de modo
compreensível e inteiramente confortável para o leitor, então ele ainda precisa pensar como
poderia surgir uma totalidade, um todo único e conectado, [tanto] a partir de todo esse
material já colocado em ordem, [quanto a partir de outras] tantas totalidades independentes e
isoladas. [...]
Não se faz mal quando, em obras particulares – [inclusive] autorizado pelo prestígio
e pelo exemplo dos antigos –, descreve-se os variados destinos das religiões, a alternância
entre obstáculos e evoluções do conhecimento humano nas ciências e nas artes, as dádivas e
7 Gatterer, Johann Christoph. “J. C. Gatterer vom historischen Plan, und der darauf sich gründenden
Zusammenfügung der Erzählungen”, in: Allgemeine historische Bibliothek von Mitgliedern des königlichen
Instituts der historischen Wissenschaften zu Göttingen. Herausgegeben von Johann Christoph Gatterer. Vol. 1.
Halle: Johann Justinus Gebauer, 1767, p. 15-89.
8
mudanças da natureza sob todos os climas para se poder descrever [cada uma dessas coisas]
da forma mais cautelosa possível. Sente-se, assim, tão bem, que se espera por uma notícia
pormenorizada – e cujas partes individuais foram averiguadas por meio de investigações
próprias – sobre todas essas coisas (e não sobre a vida e sobre os conhecimentos de um único
autor), assim como ainda seacredita poder encontrar, dentro dos limites de uma única obra, os
acontecimentos extraordinários de todo o solo [terrestre] e de todas as nações que nele
habitam.
Mas dificilmente um conhecedor da coisa fará isso para justificar [o fato de] que
quase sempre se observou essas partes extraídas da História geral dos povos, e trabalhadas
com notável afinco, como se elas pudessem ser opostas a uma História própria dos povos ou
dos Estados [Staatsgeschichte]. Pois o que resta ao autor de uma História dos Estados se ele
não pode dizer nada sobre as coisas da religião, nada sobre o lugar, sobre as qualidades
naturais e produtos de cada Estado e sobre a diligência, os feitos e o poder das nações, que
[por sua vez] podem ser avaliados em função de todos esses [aspectos]? [Pois o que resta ao
autor se ele não pode dizer] nada finalmente sobre as artes e ciências das nações? [...]
Não se encontrará nenhum modelo dentre os Antigos de uma tal História dos Estados
oposta à História da religião, à História literária, à História da natureza e à História da arte
[...]. A bem da verdade existe apenas uma História: a História dos povos; e ela pode dizer
respeito a todas as nações conhecidas, ou a algumas delas, ou ainda mesmo a umas poucas,
somente. Vista apenas por esse lado, a História se deixa classificar em geral, particular e
extremamente particular. Quando se fica restrito, nessas três espécies principais de História
dos povos, ora apenas a um determinado período de tempo, ora a uma determinada classe de
acontecimentos extraordinários, daí surgem então diversas partes especiais da História geral,
particular e extremamente particular, como, por exemplo, a História geral de um ou mais
séculos, a História particular da Europa, ou da Ásia, da África, da América, a História
contemporânea da Alemanha; uma História geral, particular ou extremamente particular da
religião, das letras, da arte, do comércio ou da guerra. A verdadeira e propriamente dita
História universal é uma História geral dos povos que, pelo contrário, estende-se para todas as
espécies de acontecimentos extraordinários de todas as nações conhecidas, e que vai da
criação do mundo até os nosso dias. [Trata-se de] uma obra que ainda não foi escrita, mesmo
que eu acredite que a conhecida obra dos ingleses se aproxima à envergadura de uma tal
História geral do mundo em algumas [de suas] partes individuais. [...]
No que diz respeito especialmente à História universal, acho que ela foi até agora
concebida entre nós sobretudo de duas formas para principiantes, visto que o plano segundo
9
as 4 monarquias ficou – louvado seja Deus – um tanto quanto fora de moda. Já há algum
tempo faz-se o plano geralmente segundo determinadas épocas, ou segundo as nações.
Aqueles que seguem o primeiro desses métodos estipulam determinado marco temporal e
narram cronologicamente o que aconteceu ao longo do tempo nos reinos e Estados mais
famosos. [...] O plano mais fácil e natural de uma História universal para principiantes parece
ser aquele segundo as nações, ou seja, algo ordenado de tal forma, que as Histórias das nações
são narradas individualmente, uma após a outra, e, além disso, observa-se a ordem
cronológica [dos acontecimentos] em cada História nacional. [...] Percebe-se facilmente que
também é possível apresentar ainda muitas objeções ao plano desses livros. Eles expõem a
História de cada nação sem dividi-la em partes, mas ao mesmo tempo negligenciam,
completamente, as regras da simultaneidade. [...] Ao escrever o meu [próprio] manual [de
História universal], refleti longamente sobre o método segundo o qual se pode determinar a
disposição das nações, e acredito, por fim, ter escolhido o [método] mais conveniente [...].
Visto que o estudo da História das nações individuais deve [mesmo] começar pela
História universal, acredito [...] ter feito o suficiente com relação à regra da simultaneidade ao
lembrar que quando se aprende ou se lê a História das nações individualmente, uma após a
outra, [cada leitor deve ser capaz de] estabelecer a simultaneidade das mesmas por meio do
uso de tabelas sincrônicas. [...]
Já que a História universal é o gênero mais perfeito da historiografia, então vou [...]
me deter mais longamente sobre ela, uma vez que o plano de uma História universal pode ser
visto, com pequenas modificações, como me parece, como um modelo para todas as demais
partes especiais da História. [...]
Apenas [quando] se reflete com atenção sobre a finalidade de se escrever uma
História universal, percebe-se logo que, em contraposição às Histórias especiais, ela precisa
cumprir na História [o mesmo papel] que o mapa do globo [terrestre] desempenha na
Geografia. A História universal deve, portanto, ser breve; ela deve se ocupar apenas com as
principais revoluções [e] não apenas narrar, mas sobretudo retratar e apresentar [vormalen]
em uma imagem reduzida e condensada o contexto geral dos acontecimentos extraordinários
nas Histórias especiais e a simultaneidade de todas as grandes mudanças no solo [da Terra],
nos Estados, na religião, nas artes e [nas] ciências, no comércio e [na] navegação etc. [...]
Um autor da História universal considera todas as Histórias especiais bem escritas –
ou seja, muitas disciplinas [cujo trabalho já foi realizado e] completado – a partir das quais ele
obtém sua matéria. [Mas] ele não deve tomar para si tudo que nelas encontra: isso seria um
roubo que [apenas] deteria o seu passo rápido. [Deve-se considerar] apenas aquilo que retrata
10
uma nação e um Estado; o que é próprio [à História universal] da descrição da Terra e da
História natural, não a descrição da Terra e da História natural elas mesmas; os
acontecimentos extraordinários da constituição de uma nação, apenas as revoluções, não as
Histórias particulares dos reis e regentes, nem mesmo todos os seus nomes – apenas a breve
História daqueles que promoveram uma revolução por meio de conquistas que ampliaram o
território, e assim por diante. Esses são os objetos de uma História universal. [...]
Já disse acima que considero a História Mundial Inglesa, depois das melhoras que a
obra já recebeu na tradução alemã e [das melhoras que ela] ainda espera [receber], como uma
das obras mais importantes e valiosas do nosso século. Agora dou a essa obra o nome que seu
autor deveria ter dado. A História Mundial Inglesa é [...] muito mais do que uma História
universal; [trata-se de] um arquivo histórico geral, [de] um Corpus historicum que pode ser
útil não apenas como leitura, mas sobretudo para consulta. Ao se considerar essa vasta obra
por esse lado, sua enorme abrangência passa, então, a ser uma virtude, e o plano segundo o
qual as nações são ordenadas sequencialmente passa a ser uma propriedade necessária; e tudo
serve tanto à utilidade, quanto à conveniência daqueles que querem utilizá-la. [...]
A partir da experiência cotidiana, presumo que alguns acontecimentos encontram-se
em relação com outros, [enquanto que] outros não. E se os acontecimentos que se encontram
em relação uns com os outros, a sequência de causas e efeitos [e] de meios e intenções fossem
designados por meio de uma expressão que já julguei acima como adequada [...] [; e se tudo
isso] fosse chamado, em poucas palavras, por um sistema de acontecimentos? Eu não farei
nenhum uso mau intencionado dessa expressão. É mesmo muito difícil dispor acontecimentos
simultâneos, assim como nações simultâneas, na narrativa. Tal como se dispõe as nações
simultâneas da forma mais natural e compreensível [possível] quando elas são ordenadas
sistematicamente, também se pode ordenar com mais facilidade os acontecimentossimultâneos quando eles são dispostos sistematicamente. A primeira regra, que disso deriva,
consiste no seguinte: Não se deve separar na narrativa os acontecimentos que perfazem um
sistema, ainda que a reação contrária venha a ser tão forte por conta das diferenças de época e
lugar, e da espécie de acontecimento. Não se deve, portanto, fazer o plano para a narrativa dos
acontecimentos segundo uma ordem geográfica, nem mesmo segundo anos isolados, e menos
ainda segundo determinadas classes de acontecimentos; deve-se, sim, ordenar segundo
sistemas. As causas avançam, os efeitos seguem, e o historiador que procede desse modo é
pragmático. [...]
O mais alto grau do pragmatismo na História seria a apresentação do nexo, da
relação geral das coisas no mundo (Nexus rerum universalis), já que nenhum acontecimento
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no mundo é, por assim dizer, insular. Tudo se relaciona, impulsiona e induz uns aos outros,
gera uns aos outros; é impulsionado e induzido, é gerado, e impulsiona, induz e gera
novamente. Os acontecimentos dos nobres e dos humildes, dos homens individuais e de todos
juntos, da vida privada e do vasto mundo; sim, mesmo [os acontecimentos] das criaturas
irracionais e sem vida e [aqueles] dos homens, todos [esses acontecimentos] se encontram
enredados uns nos outros, conectados uns aos outros.
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	Johann Christoph Gatterer
	Sobre a evidência na historiografia
	Sobre o plano histórico e sobre a composição das narrativas baseada nesse plano

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