Buscar

PROST, Antoine Doze lições sobre a história, 2008

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 40 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 40 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 40 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Continue navegando


Prévia do material em texto

PROST, Antoine. Doze lições sobre a história. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
--
[1. Introdução]
- “Se é verdade – aliás, este estudo tenta fazer tal demonstração – que a história depende da posição social e institucional de quem a escreve, não ficaria bem ocultar o contexto em que estas reflexões foram elaboradas [...]” (p.7)
- “[...] até o final da década de 1980, na França, a reflexão metodológica sobre a história foi considerada inútil. É verdade que alguns historiadores, tais como Ch.-O. Carbonell, F. Dosse, F. Hartog, O. Dumolin e ainda outros, chegaram a manifestar interesse pela história da história, mas eles deixaram a reflexão epistemológica nas mãos dos filósofos (R. Aron, P. Ricouer)” (p.7)
- “[...] Marc Bloch, com seu livro Apologia da história – infelizmente, inacabado – foi o único que se empenhou em explicar o ofício de historiador. [...] Para L. Febvre, “filosofar” constituía “o crime capital”; na aula inaugural no Collège de France, ele já havia observado que “os historiadores não possuem necessidades filosóficas”” (p.8)
- “[...] os historiadores franceses adotam, naturalmente, a postura de um modesto artesão: para a foto de família, eles posam em seu ateliê e exibem-se como homens de ofício que, após uma longa aprendizagem, dominam os recursos de sua arte. [...] Inúmeros são aqueles que, no começo de seu livro, se eximem de definir – tarefa considerada obrigatória pelos colegas alemães – os conceitos e os esquemas de interpretação utilizados. [...] Felizmente, essa atitude está em via de mudar” (p.9)
- “[...] o empreendimento unificador de Braudel e dos defensores de uma história total que fosse capaz de recapitular a contribuição de todas as outras ciências sociais redundou em uma crise de confiança: à força de servir-se de questões, conceitos e métodos que ela pede de empréstimo à economia, sociologia, etnologia e linguística, a história passa, hoje em dia, por uma crise de identidade que suscita a reflexão. Em poucas palavras, F. Dosse transformou, acertadamente, essa constatação em título de um livro: a história encontra-se, atualmente, “em migalhas”” (p.10)
[2. Cp.I: A história na sociedade francesa (séculos XIX e XX)]
(A história é o que fazem os historiadores)
- “Em vez de uma essência eterna, de uma ideia platônica, a disciplina chamada histórica é uma realidade, em si mesma, histórica, ou seja, situada no tempo e no espaço, assumida por homens que se dizem historiadores e que são reconhecidos como tais, além de ser aceita como história por diversos públicos” (p.13)
- “A opinião dos historiadores de determinada época ou escola sobre sua disciplina é suscetível de uma dupla leitura: a primeira, ao pé da letra, empenha-se na concepção da história definida por seus textos; e a outra, mais distanciada, atenta ao contexto da história, decifra sua exposição metodológica ao identificar as múltiplas implicações desses documentos” (p.14)
- “Como a história é, antes de ser uma prática científica, uma prática social ou, mais exatamente, como seu objetivo científico é, também, uma forma de tomar posição e adquirir sentido em determinada sociedade, a epistemologia da história é, por sua vez, em parte, uma história [...]” (p.14)
(A história na França: uma posição privilegiada)
- “No universo cultural e social dos franceses, a história ocupa uma posição eminente. Em parte alguma, ela está tão presente nos discursos políticos ou nos comentários dos jornalistas [...]” (p.14)
- “Em 1982, por ocasião de um Conselho de Ministros em que havia sido evocado o problema do ensino da história, o presidente Mitterand recebeu uma aprovação unânime ao declarar: “Um povo que não ensina sua história é um povo que perde sua identidade”. [...] De fato, a construção da identidade nacional pode servir-se de um grande número de outros expedientes, além da história. Inversamente, esta não consegue desenvolver, automaticamente, a identidade tão cobiçada: a independência da Argélia foi empreendida por homens que, durante a infância, haviam aprendido a história da França, repetindo “Nossos antepassados, os gauleses...”. Em decorrência exatamente dessa generalidade, a afirmação do ex-presidente da República é errônea. [...] Contudo, ela não deixa de ser bastante significativa por duas razões: em primeiro lugar, ninguém ousou apontar, nem mesmo de forma respeitosa, o erro do presidente. De fato, ele não havia manifestado uma opinião pessoal: limitara-se a exprimir o ponto de vista aceito, uma banalidade. [...] Nosso intuito, aqui, não é discutir tal convicção: ao passar por outras vias, a identidade nacional não exclui que, na França, ela esteja enraizada, efetivamente, em uma cultura histórica. [...] Em segundo lugar, ninguém se espantou que o chefe de Estado tivesse decidido exprimir sua opinião sobre o ensino da história [...] A França é, sem dúvida, o único país no mundo em que o ensino da história é uma questão de Estado, evocada como tal no Conselho de Ministros – por exemplo, em 31 de agosto; melhor ainda, é o único pais em que o primeiro-ministro acha que, no exercício de suas funções, não perde seu tempo ao pronunciar o discurso inaugural de um colóquio sobre o ensino da história” (p.16)
(A história no ensino médio)
- “A introdução precoce da história no ensino médio é tanto mais impressionante pelo fato de que tal operação o distinguia não só do ensino fundamental, mas também do ensino superior: a história foi ensinada nos liceus e colégios muito antes de ser incluída entre as matérias das faculdades” (p.18)
- “[...] do ponto de vista político esse ensino não foi neutro. [...] a história ensinava, por definição, que os regimes e as instituições eram mutáveis; tratava-se de um empreendimento de dessacralização política. [...] O lugar da história no ensino médio remetia explicitamente a uma função política e social: tratava-se de uma propedêutica da sociedade moderna, tal como ela procedia da Revolução e do Império” (p.22)
(Os historiadores no debate público)
- “[...] o ensino da história nas faculdades inexistia, praticamente, durante os 75 anos do século XIX; no entanto, nesse período, grandes historiadores acabaram suscitando o interesse do público, promovendo debates e conquistando notoriedade. [...] O grupo desses historiadores era impressionante. Ao lado de Guizot, Michelet, Quinet e, mais tarde, Renan e Taine, conviria contra com autores, tais como Augustin Thierry, Thiers ou Tocqueville; no debate intelectual de seu tempo, eles ocupavam um lugar central. A história que escreviam ainda não era a história erudita dos historiadores profissionais do final do século: em vez de um verdadeiro trabalho de erudição, ela baseava-se em crônicas e compilações; [...] tratava-se de uma história bastante literária, no estilo propositalmente oratório [...]” (p.23-24)
- “Seu objeto era mais amplo: tratava-se da história do povo francês, da civilização (Guizot) ou da França (Michelet). À luz das evoluções sociais, eles explicavam as transformações das instituições; em suma, tratava-se de uma história, simultaneamente, social e política” (p.24)
- “Pela história, a sociedade francesa representou-se a sim mesma, procurou sua própria compreensão e refletiu sobre si mesma; neste sentido, é profundamente exato que a história serve de fundamento à identidade nacional” (p.25)
- “No início do século XX, os programas do ensino médio, elaborados por Lavisse e Seignobos, confirmaram essa orientação que já havia sido encetada por Duruy. Ela foi explicitada por Seignobos (1984): “O ensino da história é uma parte da cultura geral por levar o aluno a compreender a sociedade em que ele viverá, tornando-o capaz de tomar parte na vida social”. A história era, neste caso, uma propedêutica do social, de sua diversidade, de suas estruturas e de sua evolução. Ela ensinava aos alunos que, por ser normal, a mudança não deveria causar receio; a história mostrava-lhes como os cidadãos podiam dar sua contribuição para tal efeito. Em uma perspectiva progressista e reformista, a meio caminho das revoluções e do imobilismo, tratava-se exatamentede transformar a história em “um instrumento de educação política”” (p.26)
(O século XX: uma história fragmentada)
(O ensino fundamental: uma história diferente)
- “No entanto, com a democracia, a política tornou-se o negócio de todos; neste caso, levantou-se a questão da história no ensino fundamental. [...] Neste ponto, as datas são eloquentes: em 1867, quando o 2º Império se liberalizava, a história tornou-se, em princípio, matéria obrigatória, no ensino fundamental” (p.26)
[3. Cp.II: A profissão de historiador]
- “A história está presente na nossa sociedade não apenas através de uma disciplina universitária, de livros e de algumas grandes figuras, mas também – como ficou demonstrado no decorrer dos debates de 1980 – por um grupo de pessoas que se afirmam historiadores com o acordo de seus colegas e do público. Esse grupo, por sua vez, diversificado, compreendendo essencialmente professores e pesquisadores, está unido por uma formação comum, uma rede de associações e de revistas, assim como pela consciência nítida da importância da história” (p.33)
(A organização de uma comunidade científica)
- “A profissão de historiador aparece na transição da década de 1880 quando as faculdades de letras propuseram um verdadeiro ensino da história. [...] A profissão do historiador construía-se na conjunção desse empreendimento de “cientificização” da história, que lhe conferia as normas metodológicas, com a política universitária dos republicanos ao garantir-lhe uma moldura institucional” (p.33-34)
- “A corporação adotou critérios de admissão e de exclusão. De uma forma bastante pragmática, ela também produziu métodos de trabalho: a partir de então, as fichas substituíram os cadernos para as anotações extraídas dos documentos; ao mesmo tempo, as bibliografias e as referências de rodapé se tornaram incontornáveis” (p.35)
(A escola dos Annales e a história-pesquisa)
(Uma revista de combate)
- “No universo acadêmico, a profissão de historiador se beneficiou, no final do século XIX, de uma dupla preeminência. Por um lado, como vimos mais acima, a função do social da história era eminente; pela história, a sociedade francesa refletia sobre si mesma. E, por outro, a história constituiu um modelo metodológico para outras disciplinas: a crítica literária tornou-se história literária e a filosofia, história da filosofia” (p.36-37)
- “Esse duplo predomínio foi ameaçado pela emergência da sociologia com Durkheim e a revista Année sociologique, desde 1898. A sociologia pretendia propor uma teoria de conjunto da sociedade a partir de métodos mais rigorosos” (p.37)
- “Nesse contexto institucional de uma profissão em crise, convém incluir a fundação, por Marc Bloch e Lucien Febvre, em 1929, dos Annales d`histoire économique et sociale. A iniciativa deve ser analisada a um só tempo, como uma estratégia profissional e como uma estratégia profissional e como um novo paradigma da história. Esses dois aspectos são indissociáveis: a qualidade científica do paradigma condicionava o sucesso da estratégia; inversamente, a estratégia orientava o paradigma” (p.38-39)
- “A novidade dos Annales não está no método, mas nos objetos e nas questões. As normas da profissão foram integralmente respeitadas por L. Febvre e M. Bloch: o trabalho a partir dos documentos e a citação das fontes. Eles haviam apreendido o ofício na escola de Langlois e Seignobos, sem deixar de criticar a estreiteza das indagações e a fragmentação das pesquisas; rejeitavam a história política factual que, nessa época, era dominante em uma Sorbonne que, além de se isolar, estava corroída pelo imobilismo” (p.39)
- “Essa história “econômica e social” – para retomar o título da nova revista – pretendia acolher as outras disciplinas: sociologia, economia e geografia. História viva, ela se interessava diretamente pelos problemas contemporâneos. [...] Do ponto de vista científico, o paradigma dos Annales fornecia à história uma inteligibilidade bastante superior: a vontade de síntese, relacionando os diferentes fatores de uma situação ou de um problema, permitia compreender, a um só tempo, o todo e as partes. Tratava-se de uma história mais rica, mais viva e mais inteligente” (p.39)
- “[...] os Annales, empreendiam o combate em duas frentes: por um lado, ataque contra a concepção dominante da história, o que correspondia a uma disputa leal, uma vez que seus representantes se encontravam em competição com os partidários dessa história para obter a hegemonia no campo da disciplina; por outro, reivindicação para a história de uma posição privilegiada no campo das ciências sociais ainda em via de estruturação. Ao preconizar uma história aberta às outras ciências sociais, ao afirmar a unidade profunda de tais ciências e a necessidade de seu vínculo recíproco, eles defendiam a história como o próprio espaço desse vínculo. Conferiam-lhe, assim, uma espécie de preeminência: a história – a única capaz de fazer convergir as ciências sociais e de promover a ligação entre as respectivas contribuições – tornava-se a disciplina rainha, mater et magistra, tanto mais que ainda não havia uma rival suficientemente forte para contestar-lhe esse papel” (p.40)
(A institucionalização de uma escola)
- “Após a guerra, os Annales – cuja revista passou a ter título de Annales, Économies, Societès, Civilisations – perseguiram essa dupla estratégia em um contexto diferente” (p.40)
- “Esse desenvolvimento permitiu que, na década de 1960, a história enfrentasse o desafio lançado pela linguística, pela sociologia e pela etnologia que criticavam sua insuficiência teórica e seus objetos: o econômico e o social. Com certeza, os historiadores não poderiam defender-se contra essa ofensiva – empreendida, em particular, pelo estruturalismo – sem a existência de espaços dedicados à pesquisa [...]” (p.41)
- “Na década de 60, os Annales designavam claramente a história a ser rejeitada e a que deveria ser feita: por um lado, a recusa da história política, factual, do tempo curto e do período pré-construído. Por outro, a história-problema de longa duração e, naturalmente, serial: a região de Beauvaisis, de P. Goubert, ou La Méditerranée, de F. Braudel, uma história global, atenta às coerências que servem de liame aos aspectos econômico, social e cultural. [...] Para enfrentar o desafio da linguística e da etnologia, os historiadores – que se autoproclamam “novos” – privilegiaram novos objetos e novas abordagens” (p.41-42)
- “Simultaneamente, o aspecto político voltou com todo o vigor e, em sua companhia, o acontecimento: a implosão das democracias populares e o trabalho coletivo sobre a memória da guerra prestavam homenagem ao tempo curto e, com um vivo interesse, foi possível seguir Marc Ferro, ex-secretário da redação dos Annales, na série televisiva semanal, Histoire parallèle, ao revistar as atualidades da última guerra. [...] Desde então, tornou-se possível fazer todo o tipo de história: a extensão ilimitada das curiosidades históricas tratadas acarretou o fracionamento dos objetos e dos estilos de análise; esse é precisamente o tema da história “em migalhas” (Dosse, 1987)” (p.42)
- “A história em migalhas não é o fim dos polos de influência, mas apenas o de sua definição em termos científicos” (p.42)
(Polos de influência)
- “O controle da mídia e o acesso ao grande público detêm, atualmente, uma importância profissional: a reputação dos historiadores não surge apenas na intimidade das salas de aula das faculdades – de passagem, superlotadas –, tampouco na ambiência em surdina, erudita e alusiva dos júris de tese ou dos comitês de redação das revistas cultas, mas é suscitada também entre o grande público pela intervenção na mídia, televisão e revistas” (p.46)
(Um mercado desregulamentado)
- “[...] o mercado do grande público em que, em vez da novidade (é possível reescrever a mesma Jeanne d´Arc, de quinze em quinze anos) ou da originalidade metodológica – ainda que esses aspectos possam constituir um incentivo interessante –, as qualidades mais cobiçadas são aquelas que garantem o sucesso junto aos profanos,a saber: a amplitude e o interesse do assunto, uma apresentação sintética e elegante, sem o aparato crítico e, às vezes, a carga ideológica da obra, além da capacidade do autor – ou da assessoria de imprensa da sua editora – para suscitar comentários favoráveis. Nesse mercado, o veredicto do número é soberano: ele acarreta remuneração em termos de notoriedade, tiragens e direitos autorais” (p.46-47)
[4. Cp.III: Os fatos e a crítica histórica]
(Os fatos como provas)
- “Para Langlois e Seignobos, os fatos não estão prontos; pelo contrário, esses autores levaram muito tempo para explicar as regras a ser cumpridas para construí-los. Entretanto, na sua mente e de toda a escola metódica formalizada por eles, os fatos são construídos de uma forma definitiva” (p.54)
- “Os fatos são como as pedras utilizadas para a construção das paredes do edifício chamado “história”. [...] A importância atribuída ao trabalho de construção dos fatos explica-se por uma preocupação central: como fornecer um status de ciência ao texto do historiador? Como garantir que, em vez de uma sequência de opiniões subjetivas, cuja aceitação ou rejeição ficaria ao critério de cada um, a história é a expressão de uma verdade objetiva e que se impõe a todos?” (p.54)
- “Esse tipo de questionamento não pode ser incluído entre as indagações declaradas supérfluas inúteis ou ultrapassada atualmente, é impossível eliminá-lo sem graves consequências. Para nos convencermos disso, basta pensar no genocídio hitlerista. A afirmação de que a Alemanha nazista havia empreendido, durante vários anos, uma tentativa de extermínio sistemático dos judeus não é uma opinião subjetiva que, por simples opção pessoal, possa ser compartilhada ou rejeitada. Trata-se de uma verdade; no entanto, para obter esse status de objetividade, convém que ela esteja respaldada em fatos” (p.54)
- “[...] no discurso dos historiadores, os fatos constituem o elemento consistente, aquele que resiste à contestação. [...] O historiador não exige que as pessoas acreditem em sua palavra, sob o pretexto de ser um profissional conhecedor de seu ofício – embora esse seja o caso em geral –, mas fornece ao leitor a possibilidade de verificar suas afirmações [...] Da escola metódica à escola dos Annales [...], a opinião é unânime em relação a este ponto: trata-se realmente de uma regra comum da profissão” (p.55)
- “[...] para evitar os simplismos, existe aí uma base essencial para o ofício do historiador; toda afirmação deverá ser comprovada, ou seja, a história só é possível respaldada em fatos” (p.56)
(As técnicas da crítica)
- “Neste estágio da reflexão, deve-se questionar o estabelecimento dos fatos: como identificar sua veracidade? Qual procedimento adotar? [...] Langlois e Seignobos empenharam-se em tratá-lo da forma mais detalhada possível; na realidade, eles interessaram-se apenas pelos fatos construídos a partir de documentos escritos, em particular, textos de arquivos” (p.56)
- “Seja qual for seu objeto, a crítica não é um trabalho de principiante, como fica demonstrado pelas dificuldades dos estudantes às voltas com a interpretação de um texto. É necessário ser já historiador para criticar um documento porque, no essencial, trata-se da confrontá-lo com tudo o que já se sabe a respeito do assunto abordado, do lugar e do momento em questão; em determinado sentido, a crítica é a própria história e ela se afina à medida que história se aprofunda e se amplia” (p.57)
- “Eis o que é perfeitamente visível em cada etapa analisada pelos mestres do método crítico, Langlois e Seignobos, que estabelecem a distinção entre crítica externa e crítica interna. A primeira incide sobre os caracteres materiais do documento; seu papel, tinta, escrita e marcas particulares que o acompanham. Por sua vez, a crítica interna refere-se à coerência do texto, por exemplo, a compatibilidade entre sua data e os fatos mencionados” (p.57)
- “[...] a crítica externa pode discernir os documentos provavelmente autênticos em relação aos falsos àqueles que sofreram modificações [...]” (p.57)
- “Tendo sido resolvido este aspecto, o historiador tem de enfrentar outros obstáculos. A autenticidade, ou não, de um documento nada exprime sobre seu sentido. Apesar de não ser um documento nada exprime sobre seu sentido. Apesar de não ser um documento autêntico, a cópia do diploma merovíngio, elaborada três séculos após o original, não é necessariamente uma falsificação: pode ser uma reprodução fidedigna. A crítica interna analisa, então, a coerência do texto e questiona-se sobre sua compatibilidade com o que se conhece sobre documentos análogos” (p.58)
- “Todos os métodos críticos visam responder a questões simples: de onde vem o documento? Quem é seu autor? Como foi transmitido e conservado? O autor é sincero? Terá razões, conscientes ou não, para deformar seu testemunho? Diz a verdade? Sua posição permitir-lhe-ia dispor informações fidedignas? Ou implicaria o uso de algum expediente?” (p.59)
- “[...] Por sua vez, os depoimentos involuntários não têm o objetivo de fornecer informações; M. Bloch falava, de forma prazerosa, desses “indícios que, sem premeditação, o passado deixa cair ao longo de sua caminhada” [...] Uma correspondência privada, um diário verdadeiramente intimo, a contabilidade de empresas, as certidões de casamento, as declarações de sucessão, assim como objetos, imagens, os escaravelhos de ouro encontrados nos túmulos micênicos, os restos de argila lançados em grotas do século XIV ou os pedaços de metal encontrados nos buracos abertos pelos obuses são mais instrutivos do campo de batalha de Verdum, na Primeira Guerra Mundial, que o testemunho voluntário (fabricado e falsificado) da trincheira das baionetas” (p.59-60)
- “A crítica da sinceridade e da exatidão é muito mais exigente em relação aos depoimentos voluntários” (p.60)
- “Que o testemunho seja voluntário ou não, que o autor seja sincero e esteja bem informado ou não, convém, de qualquer modo, não se equivocar relativamente ao sentido do texto (crítica da interpretação). Neste aspecto, a atenção fica ligada ao sentido dos termos, ao seu uso distorcido ou irônico, às afirmações ditadas pela situação (o defunto é, forçosamente, bem considerado em seu elogia fúnebre). Já em seu tempo, M. Bloch achava restrita demais a lista das ciências auxiliares da história propostas aos estudantes, sugerindo que fosse acrescentada a linguística: “Por qual absurdo paralogismo, deixamos que homens que, boa parte do tempo, só conseguirão atingir os objetos de seus estudos através das palavras, [...] ignorem as noções fundamentais da linguística” (1960, p.28). Os conceitos têm mudado de tal modo de sentido que os mais traiçoeiros são precisamente aqueles que nos parecem mais transparentes; por exemplo, “burguês” não designa a mesma realidade social em um texto medieval, em uma manifesto romântica ou em Marx” (p.60)
- “De forma mais geral, qualquer texto serve-se do código de determinado sistema de representações que, por sua vez, utiliza determinado vocabulário” (p.61)
(O espírito crítico do historiador)
- “As regras da crítica e da erudição, a obrigação de fornecer suas referências, não são normas arbitrárias; certamente, elas instituem a diferença entre o historiador profissional e o amador ou o romancista. No entanto, sua função primordial consiste em educar o olhar do historiador em relação a suas fontes” (p.61)
- “Eis o que é bem visível quando se procede à comparação entre os trabalhos dos historiadores e os dos sociólogos ou economistas; em geral, os primeiros procuram responder a uma questão prévia sobre a origem dos documentos e dos fatos mencionados. Por exemplo, se o assunto tem a ver com a estatística das greves, o historiador não acredita levianamente nas cifras oficiais, mas irá questionar-se sobre a maneira como elas foram coletadas: por quem e segundo qual procedimento administrativo?” (p.61-62)
- “A essas advertências, que permanecem atuais, convém acrescentar novas observações que dizem respeito ao depoimento das testemunhas diretas e à imagem. Nossa época,ávida de história oral, habituada pela televisão e pelo rádio a “viver” – como se diz sem sorrir – os acontecimentos ao vivo, atribui um valor exagerado à palavra das testemunhas. [...] como se a memória das testemunhas diretas, meio século após o acontecimento, fosse mais fiável que as indicações materiais fornecidas pelo próprio documento” (p.63)
- “O mesmo ocorre com as imagens. A fotografia traz em seu bojo essa convicção: como seria possível que a película não tivesse fixado a verdade? A comparação meticulosa de duas fotografias da assinatura do pacto germano-soviético – a primeira, mostrando apenas Ribbentrop e Molotov, enquanto a outra apresenta essas duas personalidades em um cenário diferente já que, atrás deles, de pé, se encontram todos os altos funcionários da URSS, incluindo Stalin –, permite avaliar a amplitude eventual das trucagens. E quando sabemos que, em todos os filmes dos aliados sobre a Primeira Grande Guerra, existem apenas, e somente, duas sequências rodadas efetivamente nas frentes de combate, damo-nos conta de que uma crítica, em termos de representações coletivas, é essencial antes da eventual utilização desse tipo de documentos” (p.63-64)
- “Entretanto, observamos que a crítica dos depoimentos orais e a das fotografias ou filmes não diferem da crítica histórica clássica. Trata-se do mesmo método, aplicado a outra documentação que, às vezes, utiliza saberes específicos – por exemplo, um conhecimento preciso das condições de filmagem, em determinada época. Mas é, fundamentalmente, um modo de operar semelhante ao do medievalista diante de seus documentos. O método crítico é, conforme veremos mais adiante, o único apropriado à história” (p.64)
(Fundamentos e limites da crítica)
- “[...] por referir-se ao passado, a história é, por isso mesmo, conhecimento através de vestígios. [...] Não se pode definir a história como conhecimento do passado – de acordo com o que se diz, às vezes, de forma precipitada – porque o caráter passado é insuficiente para designar um fato ou um objeto de conhecimento. Todos os fatos do passado foram, antes de mais nada, fatos presentes; entre uns e outros, nenhuma diferença de natureza. Passado é um adjetivo, não um substantivo, e é abusivamente que se utiliza o termo para designar o conjunto, ilimitadamente que se utiliza o tempo para designar o conjunto, ilimitadamente aberto, dos objetos que podem apresentar esse caráter e receber essa determinação” (p.64)
- “Não há fatos históricos por natureza como existem fatos químicos ou demográficos. O termo história não pertence ao conjunto formado por termos, tais como biofísica, física nuclear, climatologia, nem mesmo etnologia. De acordo com a afirmação categórica de Seignobos, “os fatos históricos só existem por sua posição relativamente a um observador” (p.64-65)
- “Enquanto modo de conhecer, a história é um conhecimento por vestígios; de acordo com a elegante fórmula utilizado por J.-Cl. Passeron, trata-se de um “trabalho a partir de objetos perdidos”. Ela serve-se dos vestígios deixados pelo passado, de “informações residuais, concordantes, de contextos não diretamente observáveis” (Passeron, 1991, p.69). Na maior parte das vezes, trata-se de documentos escritos – arquivos, jornais, livros –, assim como de objetos materiais: por exemplo, uma moeda ou um utensílio de argila encontrados em uma sepultura ou, mais perto de nós, os estandartes de sindicatos, ferramentas, presentes oferecidos ao operário que se aposenta... Em todos os casos, o historiador efetua um trabalho a partir de vestígios para reconstituir os fatos. Esse trabalho é constitutivo da história; por conseguinte, as regras do método histórico que lhe servem de guia são, no sentido da palavra, fundamentais” (p.66-67)
- “Compreende-se melhor, então, o que afirmam os historiadores ao falarem dos fatos. Um fato nada mais é que o resultado de um raciocínio a partir de vestígios, segundo as regras da crítica. [...] trata-se de afirmações verdadeiras por serem o resultado de uma elaboração metódica, de uma reconstituição a partir de vestígios” (p.67)
(Não há fatos sem questionamentos)
- “A apresentação clássica do método histórico, ao situar a crítica como fundamento lógico do edifício, exige que o pesquisador empenhado em criticar um documento dotado de tal número de competências que essa tarefa aparece como impossível para quem já não seja historiador. Convém insistir sobre este ponto: a crítica procede por comparações; neste caso, é impossível descobrirmos a falsidade de um documento se ignoramos a maneira como deveria apresentar-se o documento verdadeiro. Já afirmamos a necessidade de decodificar os textos a partir das representações coletivas subjacentes à sua construção” (p.70)
- “Com efeito, a história não pode proceder a partir dos fatos: não há fatos sem questões, nem hipóteses prévias. Ocorre que o questionamento é implícito; mas, sem ele, o historiador ficaria desorientado por desconhecer o objeto e o lugar de suas buscas. Além disso, apesar de sua imprecisão inicial, o questionamento deverá tornar-se bem definido; caso contrário, a pesquisa aborta. A história não é uma pesca com rede; o historiador não lança seu barco ao acaso na tentativa de apanhar alguns peixes, sejam eles quais forem. É impossível encontrar resposta para questões que não chegaram a ser formuladas” (p.71)
- “A história baseia-se em fatos e qualquer historiador tem obrigação de produzi-los para confirmar suas afirmações. A solidez do texto histórico, ou seja, sua admissibilidade científica, dependerá do esmero que tiver sido aplicado na construção dos fatos; portanto, o aprendizado do ofício incide, simultaneamente, sobre o método crítico, o conhecimento das fontes e a prática do questionamento” (p.73)
- “Daí, a importância – nos cursos de história, tais como estão organizados na França – das “explicações de documentos”, textos, imagens, tabelas estatísticas, etc.; daí, a importância atribuída, na avaliação dos pesquisadores, ao trabalho de primeira mão, à indicação das fontes, das referências, em breve, a tudo o que, de maneira apropriada, é designado como “aparato crítico”. Para sua grandeza ou subserviência, a história não suporta as imprecisões. Uma data ou uma referência são verdadeiras ou falsas; não se trata de uma questão de opinião. E, para contestar determinada leitura da história, é necessário produzir outros fatos, outras datas e referências” (p.73)
[5. Cp.IV: As questões do historiador]
- “Não existem fatos, nem história, sem um questionamento; nesse caso, na construção da história, as questões ocupam uma posição decisiva. [...] Com efeito, a história não pode definir-se por seu objeto, nem por documentos. Como vimos, não existem fatos históricos por natureza; além disso, o campo dos objetos, potencialmente históricos, é ilimitado. É possível fazer – e faz-se – história de tudo: clima, vida material, técnicas, economia, classes sociais, rituais, festas, arte, instituições, vida política, partidos políticos, armamento, guerras, religiões, sentimentos (o amor), emoções (o medo), sensibilidade, percepções (os odores), mares, desertos, etc. Pela questão é que se constrói o objeto histórico, ao proceder a um recorte original no universo ilimitado dos fatos e documento possíveis” (p.75)
- “Em certo sentido, o valor da história depende do valor de sua questão. Daí, a importância e a necessidade de colocar a questão da questão” (p.75)
(O que é uma questão histórica?)
(Questões e documentos)
- “Portanto, não há questão sem documento. O historiador nunca se limita a formular uma “simples questão” – até mesmo quando se trata de uma questão simples – porque, em seu bojo, traz uma ideia das fontes documentais e dos possíveis procedimentos de pesquisa” (p.76)
- “Tampouco existe documento sem ter sido questionado. Por sua questão, o historiador estabelece os vestígios deixados pelo passado como fontes e como documentos; antes de serem submetidos a questionamento, eles nem chegam a ser percebidos como vestígios possíveis, seja qual for o objeto” (p.76)
- “O primadoda questão sobre o documento acarreta duas consequências: em primeiro lugar, a impossibilidade de leitura definitiva de determinado documento. O historiador nunca consegue exaurir completamente seus documentos; pode sempre questioná-los, de novo, com outras questões ou levá-los a se exprimir com outros métodos” (p.77)
(A legitimidade das questões)
- “Entre as várias maneiras de fazer “avançar” a história, a mais simples consiste em preencher as lacunas de nossos conhecimentos. Mas o que é uma lacuna? [...] Em vez de um objeto suplementar cuja história não tenha sido escrita, a verdadeira lacuna é constituída pelas questões ainda sem resposta para os historiadores. E como as questões se renovam, ocorre que determinadas lacunas desaparecem sem terem sido preenchidas” (p.80)
(O enraizamento social das questões históricas)
(Historicidade das questões históricas)
- “Qualquer questão histórica é, de fato, formulada hic et nunc por um homem situado em uma sociedade. Mesmo que pretenda voltar-lhe as costas e atribuir à história uma função de puro conhecimento desinteressado, ele não consegue abstrair-se de seu tempo. Todas as questões são formuladas a partir de determinado lugar. Como foi mostrado por R. Koselleck, a consciência da historicidade dos pontos de vista do historiador, e da necessidade que lhe é inerente de reescrever periodicamente a história, é um dos traços característicos da própria constituição, no final do século XVIII, do pensamento histórico moderno. Neste momento, contentemo-nos em citar Goethe: “O contemporâneo de um tempo que avança é levado a percepções a partir das quais o passado deixa de apreender e julgar de novo maneira” (KOSELLECK, 1990, p.281). Cada época acaba impondo, assim, seus pontos de vista à escrita da história” (p.85)
- “Os próprios historiadores da escola metódica – que pretendiam escrever uma história puramente científica, desligada, sem tumultos, das contingências sociais – formularam a questão relativa à nação e às instituições, ou seja, as questões políticas mais relevantes da época” (p.85)
(O enraizamento pessoal das questões sociais)
(O peso dos compromissos)
- “Do mesmo modo, os historiadores do catolicismo ou do protestantismo são, quase sempre, católicos ou protestantes convictos; entre eles, a exemplo do que ocorre entre os historiadores do comunismo, é possível encontrar trânsfugas, ou seja, padres em conflito com a Igreja que solicitaram a redução ao estado laical, assim como profissionais fiéis, cujas competências ou reputação são utilizadas pela Igreja” (p.87)
- “[...] M. Bloch, apesar de seus 55 anos, envolveu-se no movimento de Resistência à ocupação da França; tendo sido capturado, foi fuzilado pelos nazistas. Na obra de M. Bloch, L. Febvre ou F. Braudel – para citar apenas historiadores já falecidos –, é imperceptível o tipo de compromisso social que alimentava a pesquisa: isso deve-se, também, ao fato de que o engajamento, se é que se trata de uma experiência social, em certos aspectos, insubstituível – voltaremos ao assunto –, está longe de constituir o único modo de implicação do historiador, como pessoa, nas questões abordadas no exercício de sua profissão” (p.88)
(O peso da personalidade)
- “Qualquer ofício “intelectual” implica diretamente a própria pessoa. O estudo cotidiano, durante anos a fio, da filosofia, da literatura ou da história, acaba assumindo uma significação pessoal. Não creio que seja possível ser um bom historiador sem um pouco de paixão, sinal de relevantes desafios pessoais” (p.88)
- “Neste aspecto, os psicanalistas teriam algo a dizer; o inconsciente desbrava seu caminho, certamente, na obra dos historiadores” (p.88)
- “O público traduz, em geral, essa dificuldade ao afirmar que esses historiadores carecem de “recuo”; de forma alguma, conviria esperar certo distanciamento em relação aos acontecimentos para fazer história; trata-se de uma visão sumária. O bicentenário da Revolução Francesa mostrou-nos que o período de dois séculos é insuficiente para esfriar as paixões. Em seus trabalhos sobre a Antiguidade, os historiadores fazer referência, às vezes, a questões bastante contemporâneas [...]” (p.89)
- “A história tem necessidade, certamente, de “recuo” que, entretanto, não provêm automaticamente do afastamento no tempo; além disso, não basta esperar para que se concretize tal distanciamento. Convêm fazer a história do tempo presente como profissional, a partir de documentos e não de lembranças, para deixá-lo a uma distância adequada. Neste sentido, de acordo com a afirmação de Robert Frank (1994, p.164), a história do tempo presente não poderia ser uma história imediata: convêm quebrar a imediatidade da atualidade e, para isso, o historiador deve reservar o tempo para construir mediações entre o tempo presente e a história que escreve sobre esse tema; isso supõe, em particular, que ele esclareça suas implicações pessoais” (p.90)
- “O recuo não é a distância no tempo exigida como condição prévia para fazer história; pelo contrária, a história é que cria ao recuo” (p.90)
- “Essa análise da questão, enquanto fundamento da seriedade da história, permite trazer um primeiro esclarecimento à questão recorrente da objetividade ao fazer da história que não pode provir do ponto de vista adotado pelo historiador porque ele está necessariamente situado e é necessariamente subjetivo. Na história, é impossível opinar de forma superficial e à distância: quem pretendesse defender tal postura seria uma tresloucado e estaria confessando simplesmente sua incorrigível ingenuidade. Em vez de objetividade, seria preferível falar de imparcialidade e de verdade, as quais só podem ser conquistadas ao termo do intenso labor desenvolvido pelo historiador. Elas encontram-se, não no começo, mas no termo de seu trabalho; tal constatação fortalece a importância das regras do método” (p.93)
[6. Cp.V: Tempo da história]
- “Poderíamos ter escrito, provavelmente, as páginas precedentes, sem introduzir qualquer modificação, se nosso tema tivesse saído a sociologia: bastaria ter substituído as palavras história, historiador e histórico por sociologia, sociólogo e sociológico, respectivamente. Com efeito, todas as disciplinas interessadas, de perto ou de longe, pelos homens que vivem em sociedade formularam às fontes – a partir de um grupo profissional e de determinada sociedade – questões que têm também um sentido pessoal para seu formulador. O que distingue a questão do historiador, situando-a à parte, da questão formulada pelo sociólogo ou pelo etnólogo é um aspecto que ainda não abordamos: sua dimensão diacrônica” (p.95)
- “A questão do historiador é formulada do presente em relação ao passado, incidindo sobre as origens, evolução e itinerários no tempo, identificados através de datas. A história faz-se a partir do tempo: um tempo complexo, construído e multifacetado” (p.96)
(A história do tempo)
(Um tempo social)
- “Primeira característica que não será motivo de surpresa: o tempo da história é, precisamente, o das coletividades, sociedades, Estados e civilizações. Trata-se de um tempo que serve de referência comum aos membros de um grupo. [...] A observação é tão banal que, para compreender seu alcance, convém identificar o que ela exclui. O tempo da história não é o tempo físico, nem o tempo psicológico; tampouco é o dos astros ou dos relógios de quartzo, divisível ilimitadamente, em unidades rigorosamente idênticas” (p.96)
- “O tempo da história não é uma unidade de medida: o historiador não se serve do tempo para medir os reinados e compará-los entre si – essa operação não teria qualquer sentido. O tempo da história está incorporado, de alguma forma, às questões, aos documentos e aos fatos; é a própria substância da história” (p.96)
- “Aliás, é lógico que o tempo da história esteja em harmonia com o próprio objeto da disciplina. Ao estudar os homens que vivem em sociedade – e voltaremos ao assunto –, a história se serve de um tempo social, ou seja, de referências temporais que são comuns aos membros da mesma sociedade. No entanto, o tempo não é o mesmopara todas as sociedades: para os historiadores atuais, é o de nossa sociedade ocidental contemporânea” (p.97)
(A unificação do tempo: a era cristã)
- “O tempo de nossa história está ordenado, ou seja, tem uma origem e um sentido. Neste aspecto, ele desempenha uma primeira função essencial, de colocar em ordem, permitindo classificar os fatos e os acontecimentos de maneira coerente e comum” (p.97)
- “Será necessário esperar o século XI para que a era cristã, portanto, datada a partir do nascimento do Cristo se torne predominante na cristandade [...] A generalização da era cristã implicou o abandono de uma concepção circular do tempo que estava extremamente disseminada, inclusive, na China e no Japão, regiões em que a datação se fazia por anos do reinado do Imperador: a data origem é o início do reino” (p.97-98)
- “O tempo moderno é portador, pelo contrário, de diferenças irreversíveis; ele torna o “depois” irredutível ao “antes”. Trata-se de um tempo fecundo, prenhe de novidade, que nunca se repete e cujos momentos são únicos; ele supõe uma espécie de revolução mental que se fez lentamente” (p.101)
- “Após o trágico século XX, sabemos que o futuro poderá ser pior, pelo menos provisoriamente; portanto, não podemos compartilhar o otimismo do século XIX que não deixa de subsistir, implicitamente, nas representações de nossos contemporâneos ao sentirem dificuldade para conceber que o progresso possa interromper-se, que o nível de vida cesse de aumentar e que os Direitos Humanos continuem sendo ignorados por um grande número de governos. O tempo no qual se move nossa sociedade é um tempo ascendente; aliás, convidados a utilizar uma reta para representá-lo, os alunos nunca desenham uma linha achatada ou descendente. Apesar dos desmentidos concretos e da ausência de necessidade lógica, permanecemos fiéis ao tempo do progresso, aquele que deve conduzir necessariamente para algo de melhor; para que se convencer disso, basta observar o uso dos termos “regressão” ou “marcha à ré” para designar tudo o que desmente essa norma. [...] Assim, nossa sociedade move-se nesse tempo ascendente, criador de novidades e surpresas; no entanto, para ser utilizado, é submetido pelo historiador a algumas transformações” (p.102-103)
(A construção do tempo pela história)
(Tempo, história e memória)
- “O tempo da história e a temporalidade moderna constituem, por sua vez, um produto da história” (p.103)
- “Essa comparação entre o passado e o presente supõe que o tempo da história seja objetivado. Visto do presente, é um tempo já decorrido, dotado consequentemente de certa estabilidade e que pode ser percorrido ao sabor da investigação. O historiador remonta o tempo e faz o movimento inverso: pode acompanhá-lo, mentalmente, nos dois sentidos, embora saiba muitíssimo bem que ele se escoa apenas em um sentido. No livro já citado, P. Ariès observa com emoção o momento – na segunda metade do século XVIII – em que um historiador de Joana d`Arc, hesitante em relação ao maravilhoso, escreveu sem prestar a devida atenção: Voltemos, durante algum tempo, ao século XV [sublinhemos essa frase que anuncia um sentido novo e moderno da história]: “Em vez de falar do que pensamos de Joana d`Arc, trata-se de conhecer a opinião de nossos antepassados a seu respeito, com efeito, essa opinião é que produziu a surpreendente revolução que iremos relatar (1986, p.155)”. [...] O vaivém permanente, entre passado e presente, assim como entre os diferentes momentos do passado, é a operação peculiar da história” (p.104)
- “Esse tempo objetivado apresenta duas características complementares: em primeiro lugar, ele exclui a perspectiva teleológica que, no “depois”, procura a razão do “antes”; ora, o que se passa “depois” não pode ser causa do que se produziu “antes”” (p.104)
- “O tempo da memória, o da lembrança, nunca pode ser inteiramente objetivado, colocado à distância, e esse aspecto fornece-lhe sua força: ele revive com uma inevitável carga afetiva. É inexoravelmente flexionado, modificado, remanejado em função das experiências ulteriores que o investiram de novas significações” (p.106)
- “O tempo da história constrói-se contra o da memória. Contrariamente ao que se escreve, frequentemente, a história não é uma memória. O ex-combatente que volta às praias do Desembarque, em junho de 1944, tem uma memória dos lugares, das datas e da experiência vivida – foi aí, em tal dia; em cinquenta anos mais tarde, ainda está submerso pela lembrança. Ele evoca os colegas mortos ou feridos; em seguida, faz uma visita ao Memorial e passa da memória para a história, compreende a amplitude dessa operação, avalia o número de pessoas envolvidas, o material, os desafios estratégicos e políticos. O registro frio e sereno da razão toma o lugar do registro, mais caloroso e tumultuado, das emoções; em vez de reviver, trata-se de compreender” (p.106)
- “Tal constatação não significa que se deva evitar a memória para fazer história ou que o tempo da história seja o da morte das lembranças, mas, antes, que esses dois aspectos dependem de registros diferentes. Em vez de ser um relato de lembranças ou uma tentativa da imaginação para atenuar a ausência de lembranças, fazer história é construir um objeto científico, historicizá-lo – de acordo com a palavra utilizada por nossos colegas alemães; ora, acima de tudo, historicizá-lo consiste em construir sua estrutura temporal, espaçada, manipulável, uma vez que, entre as ciências sociais, a dimensão diacrônica é o próprio da história” (p.106)
- “O mesmo é dizer que o tempo não é dado ao historiador tal como ele se apresenta nesse preciso momento, preexistente à sua pesquisa, mas é construído por um trabalho próprio ao ofício de historiador” (p.106)
(O trabalho sobre o tempo. A periodização)
- “A primeira tarefa do historiador refere-se à cronologia: antes de mais nada, trata-se de classificar os acontecimentos na ordem do tempo. [...] a história não pode evitar a periodização. Apesar disso, na profissão, os períodos gozam de má reputação [...]” (p.107-108)
- “A ação de periodizar é unanimemente legítima e nenhum historiador poderá evitá-la; no entanto, o resultado parece, no mínimo, suspeito. O período assume o aspecto de uma moldura arbitrária e restritiva, de um empecilho que deforma a realidade; de fato, tendo sido construído o objeto histórico “período”, ele funciona inevitavelmente de maneira autônoma” (p.108)
(A pluralidade do tempo)
- “Nesse espírito, se situou a tentativa de F. Braudel que obteve o sucesso, sobejamente conhecido, com a obra La Méditerranée. Sua distinção de três tempos tornou-se clássica ao ponto de ter sido submetida aos avatares descritos mais acima, da criação à concreção” (p.112)
- “Ele dedica a primeira parte ao quadro geográfico e material, a segunda à economia e a terceira aos acontecimentos políticos. Esses três objetos, relativamente convergentes e relativamente independentes, correspondem a três temporalidades escalonadas: um tempo longo, o das estruturas geográficas e materiais; um tempo intermédio, o dos ciclos econômicos, da conjuntura; e o tempo curto do político, o do acontecimento. F. Braudel não se deixa ludibriar; de fato, melhor do que ninguém, ele conhecia a pluralidade ilimitada dos tempos históricos” (p.112)
- “O tempo da história não é uma reta, nem uma linha quebrada feita por uma sucessão de períodos, nem mesmo um plano: as linhas entrecruzadas por ele compõem um relevo. Ele tem espessura e profundidade” (p.114)
[7. Cp.VI: Os conceitos]
(Conceitos empíricos)
(Dois tipos de conceitos)
- “Em geral, é possível encontrar conceitos adequados na linguagem da época, para designar as realidades do passado. No entanto, ocorre também que o historiador venha a recorrer a conceitos estrangeiros à época por lhe parecerem mais bem adaptados. É conhecida a discussão em torno da sociedade do Antigo Regime: sociedade de estamentos ou de classes? Convém pensá-la de acordo com conceitos utilizados pela própria sociedade, os quais já não correspondiam exatamente às realidades do século XVIII, ou segundoconceitos elaborados no século seguinte, durante a Revolução Francesa ou, ainda, mais tarde?” (p.117)
- “Ao pensar o passado com conceitos contemporâneos, corre-se o risco de anacronismo; o perigo é particularmente grave no domínio da história das ideias ou das mentalidades” (p.117)
- “É extremamente raro que os contemporâneos de uma época tenham tido consciência da originalidade do período em que eles viviam ao ponto de atribuir-lhe um nome naquele mesmo momento. Para falar da Belle Époque, foi necessário ter passado pela Guerra de 1914 e ter vivido em um tempo de inflação” (p.117-118)
(Da descrição resumida ao tipo ideal)
- “Os conceitos da história não dependem deste tipo ideal, mas são construídos por uma série de generalizações sucessivas e definidos pela enumeração de certo número de traços pertinentes que têm a ver com a generalidade empírica, e não com a necessidade lógica” (p.119)
- “[...] ele atinge certa forma de generalidade por ser o resumo de várias observações que registraram similitudes e identificaram fenômenos recorrentes. Tendo estudado a história dos conceitos, R. Koselleck (1990, p.190) afirma com toda a razão: “Sob um conceito, a multiplicidade da experiência histórica, assim como uma soma de relações teóricas e práticas, são subsumidas em um único conjunto que, como tal, é dado e objeto de experiência somente por meio desse conceito”. [...] A crise econômica do Antigo Regime resume perfeitamente um conjunto de relações teóricas e práticas entre as safras, a produção industrial, a demografia, etc., ora, a verdade é que esse conjunto só existe como tal pelo uso do conceito” (p.120)
- “No primeiro nível, o conceito é uma facilidade de linguagem que permite uma economia de descrição e análise” (p.120)
- “O processo de construção de conceitos que acabamos de descrever não esclarece plenamente esse aspecto. De fato, ele baseia-se mais na similitude que na diferença: ora, se o conceito é construído pelo agrupamento dos traços comuns ao mesmo fenômeno, a diferença reside na ausência de determinados traços ou a presença de traços suplementares no fenômeno estudado e seu sentido não é relevante. Na realidade, os conceitos históricos têm um alcance maior: eles incorporam uma argumentação e referem-se a uma teoria. São o que Max Weber designa como tipos ideais” (p.121)
- “Os conceitos são, assim abstrações utilizadas pelos historiadores para compará-las com a realidade; nem sempre tal procedimento é explicitado. De fato, eles orientam a reflexão a partir de diferença entre os modelos conceituais e as realizações concretas. Eis por que os conceitos introduzem uma dimensão comparativa, mais ou menos explícita, em toda a história, pela aplicação do mesmo modelo tipo ideal aos diferentes casos estudados. A abstração do tipo ideal transforma a diversidade empírica em diferenças e similitudes, dotadas de sentido; ela faz sobressair, ao mesmo tempo, o específico e o geral” (p.123)
(Os conceitos formam rede)
- “Por serem abstratos e fazerem referência a uma teoria, os conceitos formam rede: eis o que ficou demonstrado com o exemplo da crise do Antigo Regime. Por sua vez, o exemplo do fascismo, que tem a ver com um domínio completamente diferente, é uma demonstração, talvez, ainda mais esclarecedora. [...] O conceito de fascismo, como um tipo ideal, sobressai nitidamente de seu uso pelos historiadores, que lhe atribuem um determinante – e falam de fascismo hitlerista ou italiano, o que implica a inexistência do fascismo, propriamente dito (caso contrário, bastaria citar a palavra fascismo para saber precisamente o país e a época em questão) – ou, então, o utilizam para elaborar perguntas, por exemplo: “O governo de Vichy teria sido fascista?”. Neste caso, em vez de uma resposta simplesmente afirmativa ou negativa, a questão faz apelo a um “inventário das diferenças”, para retomar a expressão de P. Veyne, ou mais exatamente, a uma série de comparações entre o tipo ideal do fascismo e a realidade histórica concreta do regime de Vichy” (p.124)
- “Nesse confronto entre a realidade histórica e o tipo ideal, o historiador encontra necessariamente outros conceitos, opostos ou concordantes: em primeiro lugar, fascismo opõe-se a democracia, liberdades públicas ou direitos humanos; e, nessa oposição, aproxima-se de ditadura que, na prática, implica a arbitrariedade policial, a ausência das liberdades fundamentais da imprensa ou de reunião e a submissão do poder judicial ao executivo. Entretanto, o fascismo é mais que uma ditadura, na medida em que se caracteriza por uma forma de mobilização coletiva e de leadership, além de uma vontade totalitária de controle da sociedade; ele supõe um líder carismático, formas paroxísticas de adesão entre seus partidários e, ao mesmo tempo, instituições que tutelam completamente a vida civil pelo corporativismo, movimento único de juventude, sindicato e partido únicos. Tais características permitem estabelecer a diferença entre os regimes hitlerista e mussoliniano, por um lado, e, por outro, as ditaduras sul-americanas. Mas não do regime soviético: para empreender essa operação, convém fazer intervir elementos de ordem ideológica, opor a ideologia da classe à ideologia da nação e encontrar o conceito de totalitarismo” (p.124)
- “Como se vê, o conceito de fascismo só adquire sentido em uma rede conceitual que compreende conceitos tais como democracia, liberdades, direitos humanos, totalitarismo, ditadura, classe, nação, racismo, etc.” (p.124)
(A conceitualização da história)
(Os conceitos pedidos de empréstimo)
- “A história não cessa de pedir de empréstimo os conceitos das disciplinas afins: ela passa o tempo chocando ovos alheios” (p.126)
- “Esses múltiplos empréstimos tornaram-se possíveis pelo uso propriamente histórico do determinante. Ao transmitirem de sua disciplina de origem para a história, os conceitos sofrem uma flexibilização decisiva: perdem seu rigor, cessam de ser utilizado sob sua forma absoluta para receberem imediatamente uma especificação” (p.127)
(As entidades societais)
- “A sociedade, a França, a burguesia, a classe operária, os intelectuais, a opinião pública, o país, o povo: outros tantos conceitos com a particularidade de subsumir um conjunto de indivíduos concretos e de figurar no discurso do historiador como singulares plurais, atores coletivos. Eles são utilizados como sujeitos de verbos de ação ou de volição, às vezes, até mesmo, sob a forma pronominal: a burguesia pretende que, pensa que, sente-se em segurança ou ameaçada, etc., enquanto a classe operária está descontente, revolta-se” (p.127)
- “Mas teremos o direito de atribuir os traços da psicologia individual a entidades coletivas? Tal transferência será legítima? [...] O nós dos atores serve de fundamento implícito à entidade coletiva utilizada pelo historiador. Para legitimar essa transferência da psicologia individual para as entidades coletivas, P. Ricouer propõe a noção de “pertencimento participativo”: os grupos em questão são constituídos por indivíduos que os integram e que têm uma consciência mais ou menos confusa desse pertencimento. Essa referência, oblíqua e implícita, permite tratar o grupo como um ator coletivo” (p.127-128)
(Historicizar os conceitos da história)
- “O historiador tem o direito de utilizar todos os conceitos disponíveis na linguagem, mas não de usá-los de forma ingênua. Sua máxima consiste em recusar-se a tratar os conceitos como coisas” (p.128)
- “A afirmação de que convém “historicizar” os conceitos da história e reposicioná-los em uma perspectiva, por sua vez, histórica, comporta vários sentidos. O primeiro visa a diferença entre a realidade e o conceito sob o qual ela é subsumida; o conceito não é a coisa, mas o nome pelo qual ela é manifestada, ou seja, sua representação” (p.129)
- “[...] o historiador leva em consideração a profundidade diacrônica – a história – dos conceitos. A permanência de uma palavra não é a de suas significações e a mudança de suas significações não coincide com a alteração das realidades que ela designa” (p.129)
- “A historicidadedos conceitos da história permite, ao circunscrever a relação entre conceito e realidade, pensar situações dadas, simultaneamente, de maneira sincrônica e diacrônica, segundo o eixo das questões e, ao mesmo tempo, dos períodos, como estrutura e como evolução” (p.129)
- “Os conceitos da história resultam, assim, de lutas raramente aparentes pelas quais os atores tentam prevalecer as representações do social que lhes são próprias: definição e delimitação dos grupos sociais, hierarquias de prestígio e de direitos, etc.” (p.130)
- “[...] os conceitos não são coisas; em certos aspectos, são armas. De qualquer modo, são instrumentos com os quais os contemporâneos, assim como os historiadores, procuram consolidar a organização da realidade, além de levar o passado a exprimir sua especificidade e suas significações. [...] Eles refletem a realidade e, ao mesmo tempo, dão lhe forma ao nomeá-la” (p.131)
[8. Cp.VII: A história como compreensão]
(Os homens, objetos da história)
- “Os historiadores são relativamente unânimes em relação ao objeto de sua disciplina, apesar das diferenças de formulação; aliás, eles despendem um enorme talento para justificá-la” (p.135)
- “Três traços caracterizam o objeto da história. Ele é humano, o que significa que inclusive os historiadores aparentemente indiferentes aos homens são levados até eles por vias transversas: a história da vida material ou do clima interessa-se pelas consequências de suas evoluções para os grupos humanos. Ele é coletivo: “Não o homem, insisto, nunca o homem, mas as sociedades humanas, os grupos organizados”, dizia L. Febvre (apud Bloch, 1960, p.110). Para que um homem, isoladamente, suscite o interesse da história é necessário que ele seja, como se diz, representativo, isto é representativo de um grande número de outros homens; ou, então, que tenha exercido uma verdadeira influência sobre a vida e o destino dos outros; ou, ainda, tenha chamado a atenção, por sua própria singularidade, para as normas e os hábitos de um grupo em determinada época. Por último, o objeto da história é concreto; os historiadores têm desconfiança em relação aos termos abstratos; eles desejam ver, ouvir e sentir. Há algo de carnal na história” (p.136)
- [Marc Bloch: O historiador, como o bicho papão da lenda... o objeto da história é, por natureza, o homem. Melhor dizendo: os homens. Em vez do singular, favorável à abstração, o plural – ou seja, o modo gramatical da relatividade – convém a uma ciência da diversidade. Por trás dos vestígios sensíveis da paisagem, dos utensílios ou das máquinas, por trás dos escritos, aparentemente, mais inertes e das instituições, na aparência, mais totalmente desligadas daqueles que as estabeleceram, a história pretende captar os homens. [...] o bom historiador assemelha-se ao bicho-papão da lenda: ao farejar carne humana, ele reconhece que ali está sua caça (Bloch, 1960, p.4)”
- “Dizer que o objeto da história é concreto significa que ele está situado no espaço e no tempo, que tem uma dimensão diacrônica. “Ciência dos homens” é uma expressão imprecisa demais para M. Bloch que acrescenta: “dos homens no tempo”” (p.136)
- “A sociedade só é concreta se estiver localizada no tempo e no espaço” (p.137)
(Explicação e compreensão)
- “As condutas humanas tornam-se inteligíveis por serem racionais ou, no mínimo, intencionais. A ação humana é escolha de um meio em função de um fim: é impossível explicá-la por causas e leis, mas pode ser compreendida. Esse é o modo de inteligibilidade da história” (p.138)
(Compreensão e ordem do sentido)
- “A noção de compreensão assume, neste aspecto, um valor polêmico; ela visa conferir às ciências humanas uma “respeitabilidade científica” e uma legitimidade semelhantes às das ciências propriamente ditas. [...] Entre a ciência e a simples opinião, entre um saber e um “palpite”, existem modos rigorosos de conhecimento que pretendem alcanças a verdade. Esse é o sentido da noção de compreensão: propor um modelo de inteligibilidade próprio a essa ordem de fenômenos” (p.141)
(Experiência vivida e raciocínio por analogia)
- “Se o objetivo da compreensão consiste em encontrar a verdade de situações ou de fatos dotados de sentido pelos homens, resta ainda por elucidar as diligências que ela adotará para alcançá-la” (p.142)
- “O caráter próprio da compreensão consiste em enraizar-se na vivência do sujeito; deste modo, é possível esclarecer os depoimentos, à primeira vista, surpreendentes, dos historiadores sobre o homem a vida” (p.142)
- “Concretamente, como procede o historiador que pretende compreender – ou explicar no sentido corrente, não científico, do termo – um fenômeno histórico? Em geral, ele esforça-se por reduzir o fenômeno a fenômenos mais gerais ou encontrar suas causas profundas ou acidentais” (p.143)
- “O movimento de vaivém entre presente e passado, analisando mais acima, revela-se, aqui, fundamentalmente. Por outro lado, ele baseia-se no postulado de uma continuidade profunda entre os homens através dos séculos; por último, faz apelo a uma experiência prévia da ação e da vida dos homens em sociedade. Aspecto em que se encontra, de novo, o vínculo entre a compreensão e a experiência vivida” (p.145)
(A história como aventura pessoal)
(História e práticas sociais)
- “O conselho pelo qual L. Febvre incentivava os estudantes da ENS na rue d´Ulm a “viver”, encontra aqui, sua justificação e importância: para quem não viveu em sociedade, é impossível compreender a história. Robison Crusoé, deixado em uma ilha por três anos, seria incapaz de fazer história” (p.145)
- “Tínhamos observado que os antigos – ou atuais – comunistas que têm escrito a história do Partido Comunista expõem-se, pela íntima ligação com seu tema, a riscos evidentes de exprimirem opiniões preconcebidas; de fato, o historiador compreende as situações históricas a partir da experiência adquirida das diversas práticas sociais” (p.145)
- “No entanto, o historiador tem apenas uma vida; além disso, ele passa longos períodos em bibliotecas e arquivos. É impossível ser, sucessivamente, ministro, monge, cavaleiro, bancário, camponês, prostituta; é impossível conhecer, sucessivamente, a guerra, a fome, a revolução, a crise, os descobrimentos. Portanto, ele é obrigado a se basear na experiência dos outros. Essa experiência social indireta – de algum modo, por procuração – transmite-se através de relatos de amigos, de pessoas conhecidas e de testemunhas. [...] O interesse dos livros de memórias dos políticos deve-se não só ao que eles explicitam a respeito do funcionamento das instituições da relação de forças, nas também ao que dizem sua ação própria. [...] O historiador tem necessidade de guias que o introduzam na compreensão dos universos que ele ignora” (p.146)
- “Inversamente, quanto mais imbuído de seu ofício estiver o historiador, mais enriquecedora será para ele a atualidade porque a transferência pode funcionar nos dois sentidos: do presente para o passado, assim como do passado para o presente. A explicação do passado baseia-se nas analogias com o presente, mas, por sua vez, ela alimenta a explicação do presente. Essa é a justificação – teremos a oportunidade de voltar ao assunto – para o ensino da história às crianças e aos adolescentes” (p.146)
(A história como amizade)
- “O historiador não pode manter-se indiferente, sob pena de fazer uma história morta, incapaz de compreender seja lá o que for e de suscitar o interesse de quem quer que seja. No termo de um longo convívio com os homens – objeto de seu estudo –, ele não pode deixar de manifestar-lhes simpatia ou afeição, mesmo que se trate, às vezes, de um afeto desiludido. Por ser viva, nossa história comporta uma parte irredutível de afetividade” (p.148)
- “[...] questão dos limites morais da compreensão no âmbito da história. Por maior força da razão, quando se trata de episódios tão monstruosos e criminosos, quanto as práticas vigentes nos campos de extermínio. Na esteira de Primo Levi, não concebo a possibilidade de compreender Hitler: “Talvez, o que se passou não possa ser compreendido e,até mesmo, não deva ser compreendido, na medida em que compreender é quase justificar. De fato, “compreender” a decisão ou a conduta de alguém significa (e esse é o sentido etimológico do termo) incorporá-las, incorporar seu responsável, colocar-se em seu lugar, identificar-se com ele. Pois bem, nenhum homem normal poderá, um dia, identificar-se com Hitler, Himmler, Goebblels, Eichmann, nem com um grande número de outros indivíduos [...] talvez seja desejável que suas afirmações – sem falar do que fizeram – nunca se tornem compreensíveis para nós. Trata-se de palavras e de ações não humanas ou, melhor ainda, anti-humanas, sem precedentes históricos” (Levi, 1995, p.261). [...] Nesse sentido, e a não ser que seja escrita de outro modo, sem tentar compreendê-la, é impossível fazer a história do nazismo porque, de certa maneira, tal atitude levaria o historiador a colocar-se no lugar de Hitler, identificar-se com ele; ora, ninguém vai, absolutamente, vislumbrar tal situação...” (p.148-149)
- “O segundo problema é o da objetividade ou, melhor dizendo, da imparcialidade. [...] o dever de lucidez do historiador que inclui o dever de compreender, o mais profundamente possível, o conjunto das partes e situações que são objeto de sua análise: os populares partidários da Revolução Francesa e os emigrantes; os soldados da frente de combate, os estados-maiores e a retaguarda. [...] O último problema é, sem dúvida, mais difícil: o da legitimidade da transposição. Colocar-se no lugar de quem está sendo objeto de estudo é uma boa iniciativa, mas como ter a garantia de que a operação será bem sucedida? [...] tendo a convicção de levar os homens do passado a se exprimir, o historiador limita-se a fala de si mesmo. Mas, tal procedimento será mesmo um risco ou componente essencial de toda a história” (p.149-150)
(A história como história de si mesmo)
- “Apesar de todos os esforços que vier a despender para se colocar, pelo pensamento, no lugar de outros, o historiador não deixará de ser ele mesmo; nunca chegará a tornar-se outro, seja qual for o esforço de compreensão que possa fazer” (p.150)
- “Para ele [Collingwood], a história é conhecimento tanto do passado, quanto do presente: ela é “conhecimento do passado no presente, o conhecimento pessoal adquirido pelo historiador de sua própria mente, enquanto ele renova e revive no presente uma experiência do passado” (1946, p.175). Neste sentido, só existe história de coisas pensadas, no presente, pelo historiador. [...] Neste sentido, pode-se dizer que toda a história é autoconhecimento: self-knowledge. O conhecimento do passado é, também, a mediação pela qual o historiador prossegue a busca de si mesmo” (p.150-151)
[9. Cp.VIII: Imaginação e atribuição causal]
- “A compreensão reconhece à imaginação uma posição essencial na construção da história: transferir esquemas explicativos, experimentados no presente, para uma situação histórica e colocar-se no lugar de quem é objeto de estudo, consiste em imaginar as situações e os homens” (p.153)
(A experiência imaginária)
(Escrever a história a partir de suposições)
- “A história não escreve a partir de suposições, eis o que se repete frequentemente. Ora, justamente, a história faz-se assim! [...] É inútil, à primeira vista, imaginar a possibilidade de que a Revolução não tivesse ocorrido ou de que a França não tivesse sido derrotada em 1940, de que não tivesse sido inventada a estrada de ferro ou de que as videis não tivessem sido executadas no Império Romano. A lembrança de que a história não se escreve a partir de suposições é uma forma de reconduzir à realidade todo àquele que fosse tentado a evadir-se dela” (p.158)
- “Será possível compreender por que as coisas aconteceram dessa forma, sem nos perguntar se elas poderiam ter ocorrido de outro modo? Na verdade, imaginar uma outra história é o único meio de encontrar as causas da história real” (p.158)
- “Os historiadores franceses permaneceram, em geral, reticentes diante desse procedimento; em seu entender, as construções contrafactuais são arriscadas” (p.159)
(A experiência imaginária)
- “De fato, toda a história é contrafactual. Aliás, não existe outro recurso para identificar as causalidades: transportar-se em imaginação ao passado e questionar se, por hipótese, o desenrolar dos acontecimentos teria sido semelhante no caso em que determinado fator, considerado isoladamente, tivesse sido diferente” (p.160)
(Fundamentos e implicações da atribuição causal)
(Passado, presente e futuro do passado)
- “Em primeiro lugar, a experiência baseia-se em uma manipulação do tempo. A construção de evoluções irreais para encontrar as causas das evoluções reais implica um distanciamento e uma reconstrução do tempo. Analisamos, detalhadamente, a forma de temporalidade própria à história, ao sublinhar o fato de que esse tempo do passado que chega até o presente é percorrido pelo historiador nos dois sentidos, de montante a jusante e vice-versa. Afinal, por esse vaivém contínuo entre presente e passado, assim como entre os diversos momentos do passado, é que a história se constrói; a busca das causas consiste em percorrer o tempo pela imaginação” (p.162)
- “Ao percorrer o tempo, o historiador situa-se em um momento em que o futuro era antecipado para o presente pelos homens do passado à luz de seu próprio passado; pela imaginação, ele reconstrói um momento passado como um presente fictício em relação ao qual ele redefine um passado e um futuro. Seu passado é um tempo com três dimensões. [...] No entanto, o passado e o futuro desse passado não tem a mesma textura. Com a ajuda de dois conceitos não concordantes, ou seja, campo da experiência e horizonte da expectativa, R. Koselleck (1979, p.309-327). O campo da experiência dos homens do passado é a presença, para eles, de seu passado, ou seja, a maneira como este era atual para eles: a um só tempo, racional e irracional, individual e interindividual. Ele transpõe a cronologia e pula lanços inteiros do tempo porque os homens do passado, à semelhança do que ocorre conosco, apagavam determinados elementos de seu passado para valorizar outros. Por sua vez, o horizonte da expectativa é a presença, para eles, do futuro. Trata-se de um horizonte que nunca se descobre em seu conjunto, como pode ser visto atualmente pelo historiador, mas que se deixa apreender concretamente por elementos sucessivos: os homens do passado deverão esperar para descobri-lo. Esse futuro passado é feito de antecipações, de alternativas possíveis, de esperanças e de receios. [...] Essa manipulação do tempo comporta uma grande vantagem e um grande risco. A grande vantagem é que o historiador chega depois do acontecimento ou da situação, objeto de seu estudo. Portanto, ele já conhece sua evolução real; precisamente, esse conhecimento da evolução ulterior (em relação ao passado estudado) é que fornece o caráter histórico aos fatos” (p.163)
- “O historiador está, de alguma forma, “adiantado” em relação ao tempo que estuda: ele pode diagnosticar, com toda a clareza, o que vai produzir-se já que o fato já ocorreu” (p.164)
- “A derrota [França, 1940] foi um acontecimento tão rápido e tão maciço que os historiadores, impressionados pelas imagens da debandada – e, talvez, também traumatizado pelo desmoronamento da França – tiveram tendência a escrever a história das cinco semanas decorridas entre a ofensiva dos tanques alemães no departamento das Ardenas e a demanda do armistício como uma tragédia antiga, cujo desfecho era inelutável” (p.164)
- “Vale dizer até que ponto é importante que o historiador evite exercer uma autocensura abusiva ou reduzir suas hipóteses às evoluções que já fazem parte do acervo de seus conhecimentos por ter chegado após o acontecimento” (p.165)
(Possibilidades objetivas, probabilidades, fatalidade)
- “Neste momento, encontramo-nos no âmago do ofício de historiador, no seu aspecto mais sensível. Essa construção imaginária probabilista é, de fato, o que permite à história conciliar a liberdade dos atores e a imprevisibilidade do futuro com a enfatização ea hierarquização das causas que condicionam a ação desses atores” (p.165)
- “A imaginação solicitada, aqui, não é a divagação; apesar de serem ficções, suas construções irreais são totalmente diferentes do delírio ou do sonho por estarem ancoradas resolutamente no real e se inscreverem nos fatos reconstituídos pelo historiador” (p.166)
- “Ancorada na realidade, a construção das evoluções irreais leva em consideração – além de tudo o que o historiador por saber a respeito das regularidades sociais, ou seja, do que M. Weber designava por “regras da experiência” – o habito adquirido pelos homens para reagir a determinadas situações [...] Assim, ancorada na realidade e equipada com um saber social, a experiência imaginária conduz o historiador a identificar, no passado, determinadas possibilidades que, apesar de serem objetivas, não chegaram a concretizar-se; portanto, não eram necessárias, mas apenas prováveis” (p.167)
[10. Cp.IX: O modelo sociológico]
- “Se alguém adotar uma concepção exigente da verdade, não irá reduzi-la, certamente, a uma compreensão inefável e a uma atribuição causal que se baseia na imaginação” (p.169)
(O método sociológico)
(A rejeição do subjetivismo)
- “Para os sociólogos positivistas, a ciência social procede como todas as ciências; portanto, são obrigados a rejeitar Seignobos” (p.170)
(O exemplo do suicídio)
- “Ora, há um século, o prestígio granjeado na nossa sociedade pela ciência levou os historiadores – e, em sua companhia, os sociólogos e os antropólogos – a tornar seus métodos mais exigentes e a reivindicar procedimentos mais rigorosos” (p.169)
- “A audácia do projeto é evidente: haverá ato mais individual e mais psicológico que o suicídio? Ora, precisamente, Durkheim construiu esse ato como fato social. [...] Seu primeiro trabalho consistiu em defini-lo; de fato, o cientista não pode utilizar, sem elaboração, as palavras da linguagem usual. Em vez do suicídio como ato individual, ele se interessa pelo conjunto de suicídios, que constitui um fato sui generis. [...] cada sociedade está predisposta a registrar determinado contingente de mortes voluntárias. Como explicar essas diferenças? [...] A análise vai examinar meticulosamente todos os fatores suscetíveis de justificar as diferenças registradas” (p.173)
- “Durkheim volta-se, então, para os fatores sociais. Em primeiro lugar, a religião, cujo efeito é sensível: o número de suicídios entre os protestantes é mais elevado que entre os católicos; por sua vez, estes se suicidam em maior número que os judeus. Em seguida, a situação familiar: o suicídio é mais frequente entre os celibatários que entre as pessoas casadas. Ele avança, assim, inexoravelmente para a conclusão de que o suicídio se tornou possível pelo esfacelamento dos vínculos sociais, pela anomia social” (p.173-174)
(As regras do método)
- “A preocupação central, enquanto linha diretriz do método, era a vontade de apresentar provas. Uma ciência não é constituída por afirmações verossímeis, nem mesmo verdadeiras, mas verificadas, comprovadas, irrefutáveis” (p.174)
- “Durkheim enunciou a célebre regra: “Os fatos sociais devem ser tratados como coisas”. Tal assertiva não significa que eles sejam coisas. Aliás, seria uma provocação criticá-lo por ignorar o aspecto moral ou psicológica das coisas: ele conhecia perfeitamente esse aspecto. Simplesmente, ele optou por afastá-lo porque essa era a única maneira de construir fatos sociais que se prestassem à comparação: “Uma explicação puramente psicológica dos fatos sociais deixará escapar, forçosamente, tudo o que eles têm específico, ou seja, de social” [...] O fato social deve ser extraído de dados – data, diriam os anglo-saxões – que se impõe à observação. Tais dados são exteriores aos indivíduos, se impõem a eles de fora, o que significa que são coletivos ou se impõem a uma coletividade” (p.175)
- “Para serem comparáveis, esses fatos sociais devem ser construídos a partir de bases que permitam a comparação: nenhuma conclusão poderá ser tirada a partir de uma taxa de suicídios masculinos na Alemanha e uma taxa de suicídios femininos na Áustria. A comparação sistemática supõe uma construção prévia e adquire o valor da validade dessa construção” (p.175)
(O método sociológico aplicado à história)
(Da tipologia às estatísticas)
 - “Em um plano mais elaborado, a história procura comparações mais sistemáticas, no tempo e no espaço. [...] Em um plano ainda mais elaborado, o historiador não se contenta com comparações sistemáticas entre fenômenos previamente quantificados (os preços do trigo, a mortalidade e a natalidade); ele pretende avaliar a co-variação e saber se ela é realmente consistente ou apenas suficientemente forte” (p.177)
(Os limites do método sociológico)
(Os limites epistemológicos)
- “Nesse aspecto, precisamente, é que se situa o limite epistemológico do fato social. [...] Longe de mim a ideia de desvalorizar a quantificação ao fazer história ou, de forma geral, o modo de raciocínio durkheimiano: creio que esses dois aspectos são indispensáveis, mas não constituem uma panacéia. Em meu entender, sua limitação deve-se a dois motivos. [...] O primeiro é de ordem epistemológica. Durante muito tempo, acreditei que o historiador era um “diletante” que se empenhava em juntar narrativas à maneira de Tucídides com trechos genuínos de “verdadeira” ciência social à maneira de Durkheim; além disso, eu tinha dificuldade em atribuir um status epistemológico a essa colcha de retalhos diversificados por sua matéria e textura. Com efeito, eu superestimava o procedimento durkheimiano, considerando-o mais científico que ele é realmente; [...] Certamente, elas possuem mairo consistência que outras, mas não podem reivindicar o status de leis universais; de fato, como mostra J.-Cl. Passeron, é impossível extrair, de qualquer contexto histórico, todas as realidades que lhes dizem respeito” (p.183)
- “O recurso ao procedimento durkheimiano não permite que o historiador escapa à história na diversidade das situações concretas que são seu objeto de estudo” (p.184)
(Os domínios privilegiados)
- “Em segundo lugar, a argumentação sociológica não é utilizável na história dos acontecimentos propriamente ditos. Certamente, ela pode, às vezes, confirmar ou não a atribuição causal: se alguém defende que a miséria é a causa das greves, pode quantificar os níveis de salários e de desemprego, por um lado, e, por outro, a frequência das greves, para analisar se existe alguma correlação entre esses dados. Mas, neste caso, trata-se de uma causa material. Por sua vez, as causas finais escapam inteiramente à quantificação: a estatística jamais poderá nos dizer se foi, ou não, a decisão de Bismarck que desencadeou a Guerra de 1866” (p.184)
- “Determinadas formas de história privilegiam a narrativa; a análise dos encadeamentos constitui sua dimensão fundamental, como se vê perfeitamente no ensino. A história política, a das guerras ou revoluções – do que, para nossos contemporâneos, continua sendo os “grandes” acontecimentos –, organiza-se principalmente segundo uma série de atribuições causais” (p.185)
[11. Cp.X: História social]
- “A história social constitui um bom exemplo para compreender o modo como se faz a união, em um procedimento concreto, entre a estrutura e o acontecimento, assim como entre a análise das coerências e a busca das causas” (p.189)