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Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 627.759 - MG (2004/0016326-4) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : EMPA S/A SERVIÇOS DE ENGENHARIA ADVOGADO : JOSÉ ANCHIETA DA SILVA E OUTROS RECORRIDO : PRESERVAR MADEIRA REFLORESTADA LTDA EMENTA Processual civil. Recurso especial. Cautelar de sustação de protesto. Efetivação do protesto. Suspensão dos seus efeitos. Possibilidade. Poder geral de cautela e fungibilidade entre as medidas cautelares e as antecipatórias dos efeitos da tutela. - O princípio da fungibilidade entre as medidas cautelares e as antecipatórias dos efeitos da tutela confere poder ao juiz para deferir providência de natureza cautelar, a título de antecipação dos efeitos da tutela. - Segundo o entendimento do STJ: (i) é possível a suspensão dos efeitos dos protestos quando há discussão judicial do débito; (ii) a decisão cautelar de sustação de protesto de título insere-se no poder geral de cautela, previsto no art. 798 do CPC; e (iii) a sustação de protesto se justifica quando as circunstâncias de fato recomendam a proteção do direito do devedor diante de possível dano irreparável, da presença da aparência do bom direito e quando houver a prestação de contra-cautela. - De acordo com o poder geral de cautela e o princípio da fungibilidade entre as medidas cautelares e as antecipatórias dos efeitos da tutela, o perigo de dano pode ser evitado com a substituição da sustação do protesto pela suspensão dos seus efeitos, se o protesto já tiver sido lavrado na pendência da discussão judicial do débito. Recurso especial provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Castro Filho, Humberto Gomes de Barros, Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra Relatora. Brasília (DF), 25 de abril de 2006(data do julgamento). MINISTRA NANCY ANDRIGHI Presidente e Relatora Documento: 623320 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 08/05/2006 Página 1 de 8 Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 627.759 - MG (2004/0016326-4) RECORRENTE : EMPA S/A SERVIÇOS DE ENGENHARIA ADVOGADO : JOSÉ ANCHIETA DA SILVA E OUTROS RECORRIDO : PRESERVAR MADEIRA REFLORESTADA LTDA RELATÓRIO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): Cuida-se do recurso especial interposto por EMPA S/A SERVIÇOS DE ENGENHARIA, fundamentado na alínea "a" do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais. Ação: medida cautelar de sustação de protesto, sob o fundamento de que os títulos levados a protesto eram inexigíveis eis que os produtos, cuja compra deu origem às duplicatas protestadas, apresentavam vícios, diferenças e defeitos de qualidade (fls. 3), razão pela qual as duplicatas tiveram seu aceite recusado pela ora recorrente, nos termos do art. 8.° da Lei n.° 5.474/68 (Lei de Duplicatas). O Juízo de 1.° grau indeferiu o pedido liminar, ante a ausência de fumus boni iuris , pois a recorrente não comprovou o alegado vício nos produtos cuja compra deu origem às duplicatas protestadas (fls. 19v). Contra essa decisão, a ora recorrente interpôs agravo de instrumento perante o TAMG (fls. 21). Todavia, antes do julgamento do recurso, o Juízo de 1.° grau sentenciou o feito, extinguindo o processo, sem julgamento de mérito, por indeferimento da petição inicial, pois “A autora tem legítimo interesse de pleitear a nulidade do título no processo de conhecimento e com base no artigo 273 do Código de Processo Civil pleitear a sustação do protesto ou mesmo o seu cancelamento até julgamento final, mas escolheu o processo errado, data venia , o cautelar que não serve à tutela de natureza satisfativa. ” (fls. 47v – grifos no original). Diante dessa decisão, a ora recorrente interpôs recurso de apelação (57/80). Acórdão: negou provimento à apelação, com a seguinte ementa: Documento: 623320 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 08/05/2006 Página 2 de 8 Superior Tribunal de Justiça “PROCESSUAL CIVIL - CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO - INDEFERIMENTO DA INICIAL - EFETIVAÇÃO DO PROTESTO - PERDA DO OBJETO - NATUREZA SATISFATIVA DA MEDIDA -VOTO VENCIDO. Verificado que o protesto foi lavrado ante o indeferimento da liminar e a extinção do processo em primeira instância, inviável se afigura o seu cancelamento, mesmo em fase recursal, devendo tal pretensão ser deduzida em ação própria de cognição. O processo cautelar perde a sua função, que era o resguardo acerca da irreparabilidade de um possível dano, com o aperfeiçoamento do protesto, não se prestando, a partir daí, a medida cautelar como instrumento adequado para que se possa alcançar o seu cancelamento. V.v.: No exercício do poder geral de cautela conferido ao Magistrado, é possível eventual suspensão dos efeitos de protesto já consumado no curso do processo cautelar até o julgamento definitivo da ação principal, não havendo que se falar em ausência de interesse processual da parte, ante a consumação do protesto, por ser inegável que os efeitos do protesto são nefastos para qualquer empresa, donde advém a necessidade e utilidade do provimento jurisdicional requerido. ”(fls. 89). Embargos de declaração: não foram opostos. Recurso especial: alega a recorrente ofensa aos arts. 798 e 805 do CPC, por entender, em síntese, que, o poder geral de cautela e o princípio da fungibilidade das medidas cautelares autorizam a suspensão dos efeitos do protesto, mesmo após a efetivação deste, razão pela qual a medida cautelar não perdeu seu objeto, eis que foi deduzido pedido alternativo de declaração de ineficácia dos efeitos dos protestos no caso destes “já se encontrarem consumados ” (fls. 6). Prévio juízo de admissibilidade: sem contra-razões, foi o recurso especial admitido na origem. É o relatório. Documento: 623320 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 08/05/2006 Página 3 de 8 Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 627.759 - MG (2004/0016326-4) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : EMPA S/A SERVIÇOS DE ENGENHARIA ADVOGADO : JOSÉ ANCHIETA DA SILVA E OUTROS RECORRIDO : PRESERVAR MADEIRA REFLORESTADA LTDA VOTO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): A controvérsia consiste em saber se o poder geral de cautela e o princípio da fungibilidade das medidas cautelares, previstos respectivamente nos arts. 798 e 805 do Código de Processo Civil, autorizam o magistrado a adequar a pretensão cautelar de sustação de protesto à medida cabível no caso do protesto já ter sido lavrado. A matéria jurídica encontra-se devidamente prequestionada, com perfeita viabilização do acesso à instância especial. Todavia, a resposta à questão posta em discussão requer o estabelecimento de algumas premissas para a sua correta solução. “Esta Corte tem decidido, reiteradamente, que a discussão judicial do débito impede o apontamento de informações restritivas quanto ao devedor junto aos órgãos de proteção ao crédito, bem como pela possibilidade da suspensão dos efeitos dos protestos nessa hipótese .” (MC n.° 5.265/SP, Rel. Min. Castro Filho, DJ 07.10.2002). Da mesma forma, conforme já decidido no REsp n.° 100.511/RS, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito (DJ 15.12.1997), a decisão cautelar de sustação de protesto de título insere-se “no poder geral cautelar do Magistrado, para preservar o cenário jurídico no curso do processo principal ”, por força do art. 798 do CPC. Portanto, extrai-seaté aqui que esta Corte tem o seguinte entendimento: (i) que é possível a suspensão dos efeitos dos protestos quando há discussão judicial do débito; e que (ii) a decisão cautelar de sustação de protesto de título insere-se no Documento: 623320 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 08/05/2006 Página 4 de 8 Superior Tribunal de Justiça poder geral de cautela, previsto no art. 798 do Código de Processo Civil. Por sua vez, o § 7.º, do artigo 273, do Código de Processo Civil dispõe que: "Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado ." O referido dispositivo tornou praticamente irrelevante a distinção acadêmica entre medidas antecipatórias e cautelares. Cabe o provimento provisório, quer se trate de antecipar os efeitos do provimento definitivo, quer se trate apenas de assegurar-se sua eficácia prática. Por isso, a doutrina mais moderna é a que, a respeito do problema, recomenda a solução flexibilizante do procedimento cautelar ou antecipatório, e se justifica com o irrespondível argumento de que "Questões meramente formais não podem obstar à realização de valores constitucionalmente garantidos ", como é o caso da garantia de efetividade da tutela jurisdicional.(cfr. José Roberto dos Santos Bedaque, Tutela cautelar e Tutela antecipada: Tutelas sumárias e de urgência: tentativa de sistematização, São Paulo, Malheiros, 2003, p. 307) Com efeito, até então, a distinção, teoricamente correta, produziu, na prática, efeitos indesejáveis, em face de controvérsias sobre a exata natureza jurídica de determinadas medidas, como ocorrido neste processo, onde o Juízo de 1.° grau indeferiu a medida cautelar de sustação de protesto, sob o fundamento de que tal providência tratava-se de medida antecipatória, impondo-se a propositura, portanto, da ação ordinária com pedido de antecipação de tutela. Hoje, todavia, não se pode perder de vista que a exegese do Código de Processo Civil deve ser feita com temperamento, deixando-se de lado o excessivo formalismo ou tecnicismo puramente acadêmico, para, assim, buscar-se a efetividade do processo. O Direito enquanto sistema, deve ter no processo um instrumento de realização da justiça, tendente à pacificação dos conflitos sociais. Assim, deve o magistrado aplicar o direito processual, antes de tudo, buscando a realização de justiça Documento: 623320 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 08/05/2006 Página 5 de 8 Superior Tribunal de Justiça e pacificação social. Daí a preciosa lição de Araken de Assis, segundo a qual: "A toda evidência, o equívoco da parte em pleitear sob forma autônoma providência satisfativa, ou vice-versa, não importa inadequação procedimental, nem o reconhecimento do erro, a cessação da medida porventura concedida. E isso, porque existem casos em que a natureza da medida é duvidosa, sugerindo ao órgão judiciário extrema prudência ao aplicar distinções doutrinárias, fundamentalmente corretas, mas desprovidas de efeitos tão rígidos ." (Fungibilidade das Medidas inominadas cautelares e satisfativas , in Revista de Processo, v. 25, n. 100, out./dez. 2000, p. 52) Por isso, atualmente nada impede que o juiz conceda medida antecipatória em processo preparatório, dito cautelar, para a obtenção de sentença provisória, com reserva da propositura da ação principal no prazo de trinta dias. De fato, conforme esclarecem Nelson Nery Jr. e Rosa M. A. Nery, o princípio da fungibilidade autoriza tal providência. (Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, 7.ª edição, rev. e ampl., São Paulo: RT, 2003, pág. 653, nota 46 ao art. 273). Isso tudo é corroborado e ganha ainda mais justificativa pois a recorrente deduziu pedido alternativo de declaração de ineficácia dos efeitos dos protestos no caso destes “já se encontrarem consumados ” (fls. 6). Assim, a meu ver, portanto, de acordo com o poder geral de cautela e o princípio da fungibilidade, o perigo de dano pode ser evitado com a substituição da sustação do protesto pela suspensão dos seus efeitos, no caso do protesto já ter sido lavrado na pendência da discussão judicial do débito. Opinião semelhante tem José Roberto dos Santos Bedaque, para quem o pedido de sustação de protesto, embora tenha “nítido caráter antecipatório de efeitos do futuro provimento sobre a invalidade da cambial, pode ser pleiteado de forma autônima, pois muitas vezes a parte interessada ainda não possui todos os elementos necessários para a propositura da demanda principal. ”(ibidem ) Documento: 623320 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 08/05/2006 Página 6 de 8 Superior Tribunal de Justiça De fato, a jurisprudência do STJ firmou a respeito do tema o entendimento de que, (i) a suspensão dos efeitos dos protestos é possível quando há discussão judicial do débito; (ii) a decisão cautelar de sustação de protesto de título insere-se no poder geral de cautela, previsto no art. 798 do CPC; e (iii) a sustação de protesto se justifica quando as circunstâncias de fato recomendam a proteção do direito do devedor diante de possível dano irreparável, da presença da aparência do bom direito e quando houver a prestação de contra-cautela. No caso em concreto, depreende-se da conjugação do delineamento fático traçado pelo acórdão recorrido, com a jurisprudência do STJ e com a atual concepção flexibilizante do procedimento cautelar ou antecipatório que a suspensão dos efeitos dos protestos já lavrados pode e deve ser deferida. Todavia, até mesmo por questão de equidade e de acordo com a orientação das Turmas que compõem a Segunda Seção (cfr. AgRg na MC n.° 3.660/SP, de minha relatoria, DJ 11.06.2001), indispensável para o deferimento de tal medida a caução em dinheiro ou carta de fiança bancária, a fim de se evitar qualquer irreparabilidade futura ao credor, como a perda, destruição ou desvalorização do bem móvel oferecido em caução pela recorrente. Forte em tais razões, CONHEÇO do recurso especial e DOU-LHE PROVIMENTO, para, reformando o acórdão recorrido, determinar a suspensão dos efeitos dos protestos das duplicatas de fls. 9 a 14, condicionada (i) ao oferecimento, no prazo improrrogável de 72 (setenta e duas) horas, de caução em dinheiro ou carta de fiança bancária, em montante correspondente à soma dos valores dos títulos, devidamente corrigidos e acrescidos de juros legais, desde a data dos respectivos vencimentos; e (ii) à propositura da ação principal no prazo legal. Determino, outrossim, a remessa dos autos à Vara de origem, para que o processo prossiga na esteira do devido processo legal. É o voto. Documento: 623320 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 08/05/2006 Página 7 de 8 Superior Tribunal de Justiça CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA Número Registro: 2004/0016326-4 REsp 627759 / MG Números Origem: 20027513167 3976498 PAUTA: 09/08/2005 JULGADO: 25/04/2006 Relatora Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI Presidenta da Sessão Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. PEDRO HENRIQUE TÁVORA NIESS Secretária Bela. SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO AUTUAÇÃO RECORRENTE : EMPA S/A SERVIÇOS DE ENGENHARIA ADVOGADO : JOSÉ ANCHIETA DA SILVA E OUTROS RECORRIDO : PRESERVAR MADEIRA REFLORESTADA LTDA ASSUNTO: Comercial - Títulos de Crédito - Protesto - Sustação CERTIDÃO Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e deu-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Castro Filho, Humberto Gomes de Barros, Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra Relatora. Brasília, 25 de abril de 2006 SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO Secretária Documento: 623320 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 08/05/2006 Página 8 de 8
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