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Resenha Dos delitos e das Penas

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RESENHA: “DOS DELITOS E DAS PENAS”
Beccaria, C. Dos Delitos e Das Penas. Prefácio: René Ariel Dotti. Tradução e Notas: Alexis Augusto Couto de Brito. São Paulo: Quartier Latin (2005)
O período entre o fim do século XVII e decorrer do século XVIII foi compreendido como uma fase humanitária, onde diversos pensadores e filósofos se voltaram para as questões sociais, influenciados pela efervescente corrente iluminista. Havia um profundo questionamento sobre a ordem vigente, um impulso de mudança que levou a quebra de uma série de paradigmas nos mais diversos campos do saber humano. Naturalmente, o direito foi uma das áreas de maior polêmica, em especial o direito penal, que com sua faceta cruel e desumana, destoava da atmosfera de liberdade, igualdade e fraternidade. A chamada “Escola Clássica” compreende o pensamento jurídico-penal da época, caracterizada pela preocupação com o princípio da dignidade humana, sendo dividida em dois períodos: teórico-filosófico e ético-jurídico. Cabe aqui o destaque da primeira dessas correntes, que teve como notória figura Cesar Beccaria.
Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria, nasceu no ano de 1738, na cidade de Milão, na Itália. Devido a sua posição privilegiada, dedicou-se aos estudos, chegando a se forma em Direito na Universidade da Pavia, em 1758. Sua origem aristocrática não o impediu de sensibilizar-se com o descaso com que os criminosos eram tratados pelas autoridades e até mesma pela sociedade. Influenciado pelas ideias dos irmãos Pietro e Alessandro Verri, junto a outros jovens fundaram “L’Accademia dei Pugni”, espaço reservado para a discussão de obras filosóficas e literárias, sendo esse o berço de sua mais expressiva obra, estruturada em 42 capítulos: “Dos Delitos e das Penas”.
O opúsculo de Beccaria se mostrou grande por sua audácia ao expor severa crítica ao sistema jurídico vigente, condenando o trato para com aqueles tidos como criminosos: os castigos corporais e aflitivos utilizados como pena, os métodos de tortura empenhados na obtenção de uma confissão, a clara distinção entre as classes sociais, a ferocidade do Estado em punir, os abusos das autoridades judiciais, a desproporção das penas e a parcialidade dos magistrados. 
Dessa forma, Cesare sugere novos paradigmas para o Direito, como a necessidade da limitação da ação dos juízes, que deveriam apenas comprovar o ilícito, ao passo que a pena caberia ao que as leis, anteriormente expostas, estipulavam, delineando o Princípio da Reserva Legal, amplamente aderido nas codificações atuais. Tais leis seriam genéricas, tendo o seu conteúdo claro e acessível a toda população, e os julgamentos deveriam ser públicos, para que o indivíduo tivesse plena consciência daquilo que era acusado e sob quais justificativas. 
Deve haver uma proporcionalidade nas penas e seu fim deve ser utilitário, resguardando os princípios do Direito Natural, como o Princípio da Dignidade Humana e o direito à vida, condenando a pena de morte: “Para que uma pena alcance o seu efeito, é suficiente que o mal proveniente da pena supere o bem que nasce do delito; e nesse excesso de mal deve-se calcular a infalibilidade da pena e a perda do bem que o crime viria produzir. Tudo, além disso, é, portanto, supérfluo, e, ao mesmo tempo, tirânico.” [2: Beccaria, Cesare. Dos delitos e das penas, cap. XV, p. 179.]
Após a publicação de sua obra, Beccaria foi acusado de impiedade vinte e três vezes e sete vezes de sedição. A Igreja Católica sentiu-se ultrajada, ao passo que as autoridades consideraram tais ideias contrárias ao sentido comum, irrealizáveis. Ainda assim, “Dos delitos e das Penas” influenciou diversos autores, como Jeremy Bentham, e seus princípios foram incorporados no texto constitucional norte-americano e consagrados na Revolução Francesa, especificamente no texto da “Déclaration des Droits de l'Homme et du Citoyen”, de 1789. A cultura ocidental assistiu, desde então, o amadurecer de seu direito penal, abandonando progressivamente seus hábitos e caminhando para a concretização de uma justiça mais humana e acessível.
O autor da resenha, Gabriel Silveira Souza, é aluno do Segundo Período Noturno de Direito na Universidade do Estado de Minas Gerais, campus Passos.

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