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Para entender o bem-estar coletivo que um serviço de segurança pública pode proporcionar, é importante construir uma visão holística do seu funcionamento em determinado espaço geográfico, onde acontecem os fatos sociais. POR DlLSON ANTONIO ROSÁRIO DOS SANTOS- . A Constituição Federal de 1988 Àsegurança pública foi destinado capí- tulo próprio pelo legislador constituinte, que, no art.144,lista os órgãos responsá- veis por manter fora de perigo as pessoas e o patrimônio, público e particular. Com efeito, dispõe o art. 144 da Constituição de 1988, uerbis: "A segu- rança pública, dever do Estado, direito . e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do pa- trimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV- polícias civis; V-polícias militares e corpos de bombeiros militares". Segundo Iane Iacobs (2000, p. 32), porém, "C .. ) a ordem pública - a paz nas calçadas e nas ruas - é mantida fun- damentalmente pela rede intricada, quase inconsciente, de controles e pa- drões de comportamento espontâneos, presentes em meio ao próprio povo e por ele aplicado." o espaço geográfico É dever do poder público dar segu- rança às pessoas, quer seja o meio am- biente natural ou artificial, por consti- tuir-se um direito social previsto no art. 6° da Constituição Federal. 44 REVISTA JURiDICA CONSULEX - ANO X - N' 229 - 31 DE JULHO/2006 A disposição das vias públicas,as calçadas, as edificações, a iluminação e as funções dadas às formas existentes e criadas são elementos importantes para tornar o espaço mais seguro. Iacobs (2000, p. 29) afirma: "Quan- do as pessoas dizem que uma cidade, . ou parte dela, é perigosa ou selvagem, o que querem dizer é que não se sentem seguras nas calçadas". Vale rernemorar, a propósito, que o art. 182 da Carta Magna obriga os Muni- cípios com mais de 20 mil habitantes a elaborar um plano diretor. Todavia, pou- - cos contam C0I1111l11apolítica de desen- volvimento urbano que, em decorrência da evolução dos fatos sociais, preveja a expansão urbana, num determinado lapso temporal, com a definição de áreas residenciais, industriais, comer- ciais, zonas verdes etc. De fato, em muitas cidades impor- tantes do País, a Polícia Militar tem sua atuação prejudicada pela ausência de um /'11 I';f..~.~ plano diretor que possibilite a ela exercer atribuições a nível estratégico, tático e operacional, conferindo mais eficácia à fiscalização do espaço urbano.I Ora, como obter eficácia no policia- mento ostensivo quando não se tem co- nhecimento do espaço a ser policiado? pàra exemplificar a dificuldade, basta Iter em conta que, ao adentrar a casa de alguém pela primeira vez, ainda que pe- quena, não se sabe a localização exata dbs cômodos, ao contrário do que ocorre em nossa casa, onde somos capazes de percorrer seu interior às escuras, mesmo sJndo ela espaçosa. Isto prova a impres- cihdibilidade de mapeamento dos locais em que serão prestados os serviços des- tínados à preservação da ordem pública, ai! tecipando-se à ocorrência de crimes. Por outro lado, Iacobs (2000) afirma que a construção de um espaço físico s~guro depende da observância de três pontos principais: 1) nítida separação e$tre o espaço público e o privado; 2)\ os edifícios devem voltar-se para a I :t 'li" 1\ I!i !t !.'5:·· r • ••• 1 ~ Ir '~:~t; !t; I E: à~ :.~~, H .:', ~,j,rr- '~~;"i~I rua, da qual são proprietários naturais; e 3) a calçada deve ser utilizada ininter- ruptamente pelos transeuntes, para au- mentar a vigilância do local. É evidente que não se deve interpretar tal afirmação no sentido de que em uma rua segura devem transitar pessoas vinte e quatro horas por dia, mas sim, que a Adminis- tração, ao revitalizar os espaços públicos, tem o dever de criar uma estrutura capaz de, paulatinamente, afastar a ocorrência de crimes no local. Segundo a autora (p, 37), "O requi- sito básico da vigilância é um número substancial de estabelecimentos e ou- tros locais públicos dispostos ao longo das calçadas e freqüentados durante a noite. Lojas, bares e restaurantes au- mentam a segurança das ruas. (...). Co- merciantes lojistas costumam incentivar a tranqüilidade e a ordem, pois detestam que seus clientes fiquem preocupados com a segurança. Se estiverem em bom número, serão ótimos vigilantes das ruas e guardiões das calçadas". E, citando Santos (1992) acerca dos elementos forma, função e estrutura, trago à colação o exemplo da Faculda- de da Cidade que, funcionando à noite na área do comércio em Salvador (BA), desde 2004, tornou aquele espaço mais movimentado e possibilitou a insta- lação de pequenos estabelecimentos (novas formas) ao redor, com venda de lanches (novas funções), numa inter- relação (nova estrutura) com o estabe- lecimento principal (faculdade). Aorga- nização desse espaço, antes propício ao crime e à violência, acabou por afastar dali a prostituição. o sistema carcerário brasileiro O cárcere é um espaço físico delimi- tado, onde são recolhidos aqueles que cometem crimes, causando insegurança à população. Todavia, há entre o meio ambiente interno (cárcere) e o meio arn- bie~l~ externo íntima relação, uma vez que, não sendo o indivíduo encarcerado devidamen te preparado para uma nova I> . REVISTA JURíDICA CONSULEX . ANO X - N° 229 - 31 DE JULHO/2006 ---:--i·~· .• :-:..- , -" '" 45 PORTAL JURíDICO Dilson Antonio Rosário dos Santos \ ,11 t ~ f ~-oli I J ~ ~ ~ ~ ~~ I)g- I ~ ~ ~ I', i li, il'n Li H H r 1 1" :1 t '1 ! ;1 i '1 ! i, lt ;:';, ; aperfeiçoamento técnico. Parágrafo único. Amulher condena- da terá ensino profissional adequado à sua condição. Art. 20. As atividades educacionais podem ser objeto de convênio com en- tidades públicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados. Art. 21. Em atendimento às condições locais, dotar-se-a cada estabelecimento de uma biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros J "r\ } pena, e do liberando, de modo a facilitar o seu retorno à liberdade; VI - providenciar a obtenção de do- cumentos, dos benefícios da Previdên- cia Social e do seguro por acidente no trabalho; VII - orientar e amparar, quando ne- cessário, a família do preso, do internado e da vítima." E, na forma do disposto no art. 27 da Lei nv 7.210/84, o sistema prisional deveria colaborar com o egresso na ob- tenção de trabalho. Na realidade, porém, depara ele com o abandono, que, muitas vezes, leva-o a unir-se a organizações cri- minosas em grave prejuízo da paz social. Afigura-se, portanto, erro grave pensar que a solução da segurança pú- blica está, por exemplo, no melhoramento das polícias, É, sim, necessário assistir o preso durante o cumpri- mento da pena, resgatan- do-o para novo convívio em sociedade. UÉ comum uma patrulha da Polícia Militar não ter como chegar ao local do crime, porque a construção da via, de responsabilidade do poder público mu- nicipal, não previu acessos que propiciem o pronto atendimento do caso." ft·,· ji'. i- ')f • l' .-0" [t L ?., ro; j.i' n '~'i , -~''7J~f!r instrutivos, recreativos e didáticos." Em relação à assistência social, veri- fica-se, de igual modo, desrespeito aos direitos assegurados pela LEP. "Art. 23. Incumbe ao serviço de assis- tência social: I - conhecer os resultados dos diag- nósticos ou exames; II - relatar, por escrito, ao diretor do estabelecimento, os problemas e as difi- ctildades enfrentadas pelo assistido; III - acompanhar o resultado das permissões de saídas e das saídas tem- porárias; IV- promover, no estabelecimento, pelos meios disponíveis,a recreação; V - promover a orientação do assis- tido, na fase final do cumprimento da REVISTA JURíDICA CONSULEX - ANO X - Nº 229 - 31 DE JULHO/2006 --.---.------:-----:-7"---;~- .~. Segurança pública em rede Como se percebe, a se- gurança pública deve inte- ragir com outras áreas da Administração, valendo-se da tecnologia da informa- ção. Esse é o entendimento de Castells (1999, p. 498): "A inclusão / exclusão em redes e a arquitetura das relações entre redes, possibilitadas por tecnologias da infor- mação que operam à velocidade dà luz, configuram os processos e funções pre- dominantes em nossas sociedades", Visando tornar clara a questão, é im- prescindível pontuar os tipos de rede, segundo Mance (2003), para que a segu- rança pública possa alcançarresultados satisfatórios. 1. Rede Inexistente - Não há in- ter ligação entre os órgãos. É o caso de uma patrulha da Polícia Militar que, ao ser avisada sobre a.ocorrência de crime do outro lado da via, tem de percorrer três quilômetros até chegar ao local. De igual modo, se a constru- ção da via, de responsabilidade do ptrder público municipal, não previu acessos que facilitem a prestação de II " I, I socorro pelo Corpo de Bombeiros, em casos de sinistro. I 2. Rede Centralizada - A informação parte de um órgão qualquer em direção a uma central e, a partir daí, é distribuí- dd aos demais, a exemplo da Secretaria, d~ Segurança Pública da Bahia, que re- cebe informações da Polícia Militar e as!transfere à Polícia Civil. Embora esta ação se comporte como uma rede cen- tralizada, se acaso unidades médicas, sanatorios, asilos etc. dela fizessem par-tej a eficácia na preservação da ordem pu blica seria maior. \3. Rede Descentralizada - Cite-se, a propósito, os comandos regionais dai Polícia Militar da Bahia e o depar- tamento da Polícia Civil localizados no inferior do Estado, que passariam a ter autonomia para a tomada de decisão nas regiões sob sua jurisdição. Todavia, os bons frutos para a população depen- deríam dá integração destes órgãos com os municipais e da não- ingerência política em suas ações. ! 4. Rede Distribuída - A conexão se faria entre os diversos órgãos de segu- rança pública. Por exemplo, os dados acerca de ocorrências policiais, mesmo as que se perpetuam no tempo, seriam disponibilizados na rede, ao contrário do ' que acontece hoje, com a relutâncíadas secretarias estaduais em compartilhar suas informações com os outros órgãos que compõem o sistema. Está claro, portanto, que uma segu- rança pública eficaz depende da atu- ação em rede de órgãos federais, esta- duais e municipais, e até da sociedade civil organizada, sem o que estará ela fadada ao fracasso. Ademais, não é possível afetar a preservação da segurança pública a um -reduzido número de órgãos (Polícia Mi- litar' Polícia Civil, Departamento de Po- líciaTécnica e de Trânsito) , como ocorre atualmente em muitos Estados brasi- leiros. Outros deveriam atuar em rede, como o Ministério da Justiça, através da Secretaria Nacional de Segurança Públi- ca (SENASP); a Polícia Federal; o Corpo de Bombeiros; as Forças Armadas; o Mi- nistério Público; o Iuizado da Infância e da Juventude; os órgãos responsáveis pela engenharia e fiscalização do trân- sito nas vias federais, estaduais e muni- cipais; as secretarias do meio ambiente e da saúde; as prefeituras municipais; a OAB, por meio de suas subcomissões; a defesa civil; as ONGs etc. _'m"~~" A sociedade Como visto, têm as polícias a missão de preservar a ordem pública ou restabe- lecê-Ia, quando afetada. Na expressão criada por Da Silva (2003). uma "sociedade segura" é o que todos buscamos. Nela, o papel repres- sivo da polícia daria lugar a ações posi- tivas, como, por exemplo, a de relações públicas do Estado. De outro modo, a questão da se- gurança pública não se resolve com a edição de leis. Segundo Santos (1996), o acompanhamento "técnico-científico- inforrnacional" dos métodos utilizados pelo poder público deve modificar-se na mesma velocidade com que mudam as técnicas daqueles que abalam a seguran- ça da sociedade. '~ insegurança urbana tem sobrecarregado a atividade policial. Isto porque outros setores ou não são bem articulados ou não têm cumprido suas obrigações." Da Silva (2003, p.35) afirma que uma política de segurança pública, para ser eficaz, deve levar em consideração: a) A democratização do sistema car- cerário, mediante revisão das leis penais, com o intuito de pôr fim aos privilégios concedidos a criminosos de classe social mais favorecida; b) A inutilidade da tradicional distin- ção feita pelo sistema policial- penal en- tre pessoas e comunidades "perigosas" e "não-perigosas", em função dos crimes convencionais simplesmente; crA conjuntura do momento em que o crime fora praticado; d) A necessidade de conciliação da demanda por mais repressão com o res- peito devido aos direitos humanos; e) O prejuízo causado ao setor pelas polarizações ideológicas e pelo sistema político-eleitoral; f) A consciência que o contingente populacional da periferia passou a ter dos direitos assegurados pela Constitui- ção de 1988. Conclusão A insegurança urbana tem sobrecar- regado a atividade policial. Isto porque outros setores ou não são bem articulados ou não têm cumprido suas obrigações. Para Iacobs (2000, p. 36), "É inútil tentar esquivar-se da questão da inse- gurança urbana tentando tornar mais seguros outros elementos da localida- de, como pátios internos ou áreas de recreação cercadas". A mesma autora reforça: "Além do mais, nenhuma pes- soa normal pode passar a vida numa re- doma, e aí se incluem as crianças. Todos precisam usar as ruas". Assim, deve a segurança pública diri- gir-se.àconstruçãodeumambientesegu- ro, visando o bem -estar do corpo social. 11 •a:::.Ij.L:i::.Ij'::.Llt':'I.:;i~·Z.y.il.~aU'.".,;~~J1kl1~~#ij~~')Fil_ •.••• _ .• __ 'A_'·':.5i-tb?~~~.t"M-)~~-+t· "'.>~'1ffi Brasil. Congresso Nacional. Constitui- ção da República Federativa do Bra- sil, Brasília, Empresa Gráfica do Se- . ,'nado, 1988, ___ o Lei n= 7.210, de 11 de julho de 1984. Lei de Execução Penal. Cadernos Fiem, 5. Economia Solidária: Desafios para um Novo Tempo. Fun- dação Luís Eduardo Magalhães. 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DllSON ANTONIO ROSÁRIO OOSSANTOS i graduado em Segurança Pública (APM/BA) e Ciências Contábeis (fVCIBA); Especialisla MBA em Gestão Ambiental (UNCIBA) eGestão de Se- gurança Pública (UNEB/BA-APM/BA); mestrau- do em Análise Regional (UNlfACS/BA); mem- bro colaborador da Subcomissão de Defesa e Proteção ao Meio Ambiente da OAB-BA; inte- grante do Grupo de Pesquisa Segurança, Vio- lência e Cidade (UNIFACSl, com registro no CNPQ; Professor da pós-graduação da Facul- dade.de.Engenharia de Agrimensura, da Escola de Engenharia Eletro-Mecânica da Bahia e da Academia de Polícia Militar da Bahia. REVISTA JURíDICA CONSULEX - ANO X - NQ229 - 31 DE JULHO/2006 47 -t- ~:= :::: .: 1. ,I I' !' i I·, I': ! - .. -:., ... : .... ::
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