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Roma christiana, Roma aeterna: a ascensão do cristianismo no Império Romano e a conversão de Constantino I segundo a historiografia

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UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO 
LICENCIATURA PLENA EM HISTÓRIA 
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO 
 
 
 
VICTOR HUGO RIBEIRO LEITE 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ROMA CHRISTIANA, ROMA AETERNA: A ASCENSÃO DO CRISTIANISMO NO 
IMPÉRIO ROMANO E A CONVERSÃO DE CONSTANTINO I SEGUNDO A 
HISTORIOGRAFIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SÃO PAULO 
2017 
 
 
VICTOR HUGO RIBEIRO LEITE 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ROMA CHRISTIANA, ROMA AETERNA: A ASCENSÃO DO CRISTIANISMO NO 
IMPÉRIO ROMANO E A CONVERSÃO DE CONSTANTINO I SEGUNDO A 
HISTORIOGRAFIA 
 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada como requisito parcial à 
obtenção do título de Licenciado em História pela 
Universidade Nove de Julho, sob orientação da 
Profª. Drª. Cristina de Toledo Romano. 
 
 
 
 
 
 
SÃO PAULO 
2017 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Leite, Victor Hugo Ribeiro 
 
Roma Christiana, Roma Aeterna: a ascensão do cristianismo no 
Império Romano e a conversão de Constantino I segundo a 
historiografia. / Victor Hugo Ribeiro Leite. 2017. 
 
60 f. 
 
Monografia (Graduação), Universidade Nove de Julho. 2017. 
 
Orientadora: Profª. Drª. Cristina de Toledo Romano. 
 
1. Cristianismo. 2. Império Romano. 
 
 
 
TERMO DE APROVAÇÃO 
 
 
 
 
 
VICTOR HUGO RIBEIRO LEITE 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ROMA CHRISTIANA, ROMA AETERNA: A ASCENSÃO DO CRISTIANISMO NO 
IMPÉRIO ROMANO E A CONVERSÃO DE CONSTANTINO I SEGUNDO A 
HISTORIOGRAFIA 
 
 
 
 
Monografia aprovada como requisito parcial à obtenção do título de Licenciado em História 
pela Universidade Nove de Julho pela seguinte banca examinadora: 
 
 
___________________________________ 
Profª. Cristina de Toledo Romano 
Orientadora – Departamento de Educação – Universidade Nove de Julho 
___________________________________ 
Prof. _____________________ 
Departamento de Educação 
___________________________________ 
Prof. _____________________ 
Departamento de Educação 
___________________________________ 
Prof. _____________________ 
Departamento de Educação 
 
 
 
São Paulo, ___ de dezembro 2017. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico este trabalho à Larissa Cabral, 
minha querida companheira e amiga que 
me torna, todos os dias, o homem mais feliz 
do mundo. 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Terminar a graduação em história escrevendo um trabalho como este é, com certeza, um 
grande esforço. Levando em conta a vida de trabalhador e educando, o término deste trabalho 
configura uma vitória que parecia, às vezes, inimaginável. A realização deste trabalho não seria 
possível sem as pessoas que participaram, de forma ou de outra, do processo de criação deste 
trabalho. Não me recordarei de todos, afinal, a cabeça de um professor e historiador recém-
formado transborda conteúdo e precisa de algum descanso. Mesmo assim, aos esquecidos, 
muito obrigado. 
Agradecerei primeiramente as pessoas que estiveram próximas de mim dentro da 
universidade, o que me faz agradecer, primeiramente, à minha querida professora, orientadora, 
mestra e amiga, Cristina de Toledo Romano. Professora Cris, muito obrigado pela confiança, 
crítica, segurança e a paciência que a senhora me deu durante o processo de criação deste 
trabalho. Obrigado por aceitar este tema que me é tão caro, pelo carinho e intimidade que ganhei 
e por tudo o que fez na minha formação. Do fundo do meu coração, muito obrigado. 
Ao professor Roberto Marcelo Caresia, por confiar dois anos suas monitorias ao meu 
desejo de lecionar, pela erudição imensa, pela grande amizade que temos e manteremos, pelo 
seu papel na minha formação, pelas aulas ricas em conteúdos diversos, pelas conversas sobre 
música, literatura e história, muito, muito, muito obrigado. Sua amizade e camaradagem foram 
fundamentais para que os anos de graduação fossem mais sensacionais do que já eram. Meu 
emocionado obrigado, freund! 
Ao professor Geraldo José Alves, por ser grande amigo, por todos os abraços antes e 
depois das aulas, por ser professor de erudição incrível, pelo incentivo à pesquisa, pelo seu 
humor, pelo espetáculo que são suas aulas, pelos momentos de paz e reflexão, apoio, conversas, 
pelo cuidado com a arte de ensinar história, pelo espetáculo que foram as aulas e a camaradagem 
durante toda a graduação, muito, muito, muito obrigado, Professor Gegê. 
Aos professores Savério Lavorato, Éber Lima, Lúcio Menezes, Enidelce Bertin, 
Margarida Marques, Alfredo Salun, Kátia Kenez, Gislene Lacerda e Juliano Sobrinho, muito 
obrigado. Sempre lembrarei de todos como meus mestres queridos. 
À minha querida tia, mestra, amiga, mecenas, parceira, inspiração e modelo a ser 
igualado (e superado), Carla de Meira Leite, muito obrigado. Sem você, Hanitante, não sei o 
que seria de mim. 
 
 
Ao Caio Cezar Ribeiro Leite, meu querido irmão que me ouvia falar empolgado sobre 
a pesquisa por inúmeras noites, pela amizade e interesse em me ouvir, obrigado. 
À minha querida vovó, Arlette Caputo, por me dar todo o suporte necessário durante a 
vida, incentivo, amor e doces, muito obrigado. 
À minha mãe, Estela Ribeiro, e ao meu pai, Cezar Augusto de Meira Leite, por tudo o 
que fizeram, obrigado. 
Aos amigos da graduação, Rafaela Carrion e Cristiano Righeto, pelas intermináveis 
risadas, amizade, paciência e camaradagem, muito obrigado. 
À Larissa Cabral, por todo o companheirismo, carinho, cuidado, paciência, parceria, 
confiança, amizade, unidade, pela felicidade de tê-la comigo e pela felicidade e prazer de te 
amar, por tudo o que faz por mim e por nós, muito obrigado. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“No domingo dos mortos eles ouviram, dos 
campos do senhor, essa melodia... E anjo 
algum desce à Terra”. 
 Till Lindemann 
 
 
LEITE, Victor Hugo Ribeiro. Roma Christiana, Roma Aeterna: a ascensão do cristianismo 
no Império Romano e a conversão de Constantino I segundo a historiografia. Monografia 
como trabalho de conclusão de curso. São Paulo: Universidade Nove de Julho, 2017. 
 
RESUMO 
 
Este trabalho pretende analisar a ascensão do cristianismo no Império Romano e a conversão 
do imperador Constantino I segundo uma historiografia que se dedicou à análise dos temas 
descritos. Levando em conta a ação do movimento zelota liderado por Jesus de Nazaré, a análise 
da historiografia consistiu, inicialmente, em buscar nas aproximações e divergências entre os 
autores selecionados como o movimento liderado por Cristo foi predisponente para as 
perseguições aos judeus-cristãos até o século IV da Era Comum e como a ação do Cristo não 
foi um evento isolado na história messiânica da Judeia. A partir destas premissas, a análise da 
historiografia que se debruçou sobre o tema das perseguições pretende elucidar como os autores 
selecionados concordam os discordam sobre a filosofia política das investidas persecutórias, as 
intenções, as leis republicanas às novas e ilícitas religiões e a conversão do imperador 
Constantino como fator para minar as investidas persecutórias. 
Palavras-chave:
Cristianismo. Império Romano. Historiografia. 
 
 
ABSTRACT 
 
This work intends to analyze the rise of Christianity in the Roman Empire and the conversion 
of emperor Constantine I according to a historiography that was dedicated to the analysis of the 
subjects described. Taking into consideration the action of the zealot movement led by Jesus of 
Nazareth, the analysis of historiography consisted initially of seeking in the approximations and 
divergences between the selected authors how the Christ-led movement was predisposing to 
the persecution of the Jewish Christians until the century IV of the Common Era and how the 
action of Christ was not an isolated event in the messianic history of Judea. On the basis of 
these premises, the analysis of the historiography that dealt with the subject of the persecutions 
intends to elucidate how the selected authors agree or disagree on the political philosophy of 
the persecuted invectives, the intentions, the republican laws to the new and illicit religions and 
the conversion of the emperor Constantine as a factor to undermine the persecutory onslaughts. 
Keywords: Christianity. Roman Empire. Historiography. 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 
 
1Co Primeira Epístola aos Coríntios 
2Co Segunda Epístola aos Coríntios 
At Atos dos Apóstolos 
Gl Epístola aos Gálatas 
Jo João 
Js Josué 
Is Isaías 
Lc Lucas 
Mt Mateus 
Mc Marcos 
NT Novo Testamento 
Rm Epístola aos Romanos 
Tg Epístola de São Tiago 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
INTRODUÇÃO 12 
1. MODELOS DE APREENSÃO HISTORIOGRÁFICOS DOS CONTEXTOS JUDAICO-MESSIÂNICO E 
ROMANO 14 
1.1. O REINO DE YAHWEH E SEUS REIS 14 
1.2. JESUS DE NAZARÉ, O ZELOTA 17 
1.3. JESUS DE NAZARÉ, REI DOS JUDEUS 20 
1.3.1. A INVESTIDA PERSECUTÓRIA CONTRA JESUS DE NAZARÉ: FUNDAMENTOS JURÍDICOS 22 
1.3.2. CRISTOLOGIA DA MORTE: MÁRTIR OU IGNORÂNCIA DE ROMA? 25 
2. MODELOS DE APREENSÃO HISTORIOGRÁFICOS DAS PERSEGUIÇÕES AOS CRISTÃOS ENTRE 
OS SÉCULOS I E IV 27 
2.1. FILOSOFIA POLÍTICA COMO FUNDAMENTO PARA AS PERSEGUIÇÕES 27 
2.2. A INTERPRETAÇÃO DAWSONIANA 29 
2.3. A INTERPRETAÇÃO THELAMONIANA 33 
2.3.1. AS PERSEGUIÇÕES INTERJUDAICAS 35 
2.4. A INTERPRETAÇÃO GIBBONIANA 36 
2.5. APROXIMAÇÕES E DIVERGÊNCIAS ENTRE OS MODELOS DE APREENSÃO HISTORIOGRÁFICOS 
DAS PERSEGUIÇÕES AOS CRISTÃOS ENTRE OS SÉCULOS I E IV 38 
3. MODELOS DE APREENSÃO HISTORIOGRÁFICOS SOBRE A CONVERSÃO DE 
CONSTANTINO 40 
3.1. A INTERPRETAÇÃO VEYNEANA 40 
3.1.1. CÁLCULO IDEOLÓGICO, BOA-FÉ OU CAPRICHO? 43 
3.2. A INTERPRETAÇÃO RUSSELLIANA E MARAVALIANA: BREVE DEDUÇÃO 45 
3.2.1. A INTEPRETAÇÃO MARAVALIANA 46 
3.3. APROXIMAÇÕES E DIVERGÊNCIAS ENTRE OS MODELOS DE APREENSÃO HISTORIOGRÁFICOS DA CONVERSÃO DE 
CONSTANTINO 48 
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 51 
REFERÊNCIAS 57
12 
 
INTRODUÇÃO 
A presente monografia tece uma comparação entre as obras de Allain Corbin (2009), 
Bertrand Russell (2014), Christopher Dawson (2014), Edward Gibbon (2005), Jonathan Hill 
(2015), Paul Veyne (2009) e Reza Aslan (2014) acerca dos temas da ascensão do cristianismo 
no Império Romano e a conversão do imperador Constantino. Com o intuito de buscar as 
estruturas, para além de um fato, que determinaram a eclosão de uma religiosidade e de uma 
religião de tal envergadura, tomo como objeto de reflexão uma historiografia que se dedicou a 
analisá-las no contexto da Antiguidade romana. 
Comumente o desenvolvimento do cristianismo é associado à conversão de Constantino 
para a ascensão do culto cristão no Império Romano e isso não pode ser negado, mas há de se 
levar em consideração o que permeava o Império Romano em declínio e o próprio César. A 
esfera espiritual romana estava cercada por outras religiões além do politeísmo romano, o 
Império Romano caminhava lentamente para queda, Constantino enfrentava problemas 
diversos e as invasões bárbaras aconteciam com frequência. O cristianismo surgiu neste meio 
como elemento estranho ao Sol Invictus e herdou de seu líder a característica de insurreto, 
clandestino e de reivindicação de nova identidade. Os seguidores de Jesus de Nazaré enalteciam 
o pobre e aparentemente não promoviam ou apreciavam a violência no império que foi 
justamente erguido e consolidado em bases morais violentas e segregatícias. Ser cristão no 
Império Romano após a morte de Jesus de Nazaré – até meados do século IV – era seguir e 
venerar um bandido1 que o Estado romano puniu pelos crimes de sedição, proibição de 
pagamento de impostos, blasfêmia e perversão da nação. Mesmo marcado pela violência na 
historicidade da sua formação, o cristianismo ascendeu lentamente na religiosidade romana até 
chegar aos sonhos de Constantino com a instrução In hoc signo vinces. 
Na noite de véspera da Batalha da Ponte Mílvia2 em 312, Constantino sonhou com Jesus 
Cristo lhe dizendo que “sob este sinal vencerás” (In hoc signo vinces) e no dia seguinte o 
imperador leva para os escudos, estandartes de suas tropas e no seu próprio capacete o 
 
1 O termo bandido é empregado no texto a partir da designação romana comum para qualquer sujeito rebelde ou 
insurreto discutida por Aslan (2013). 
2 A Batalha da Ponte Mílvia foi um confronto que ocorreu no ano 312, oriundo da série de conflitos nas primeiras 
décadas do século IV conhecidos como as Guerras Civis da Tetrarquia. Constantino e Maxêncio se enfrentaram 
na Ponte Mílvia, sobre o rio Tibre, em Roma. As hostilidades se iniciaram com a crise que o Império Romano 
enfrentou no século III e pela ambição de Maxêncio em tornar-se imperador. Maxêncio declarou-se imperador e 
declarou guerra à Constantino como vingança pela morte de seu pai, morto em 310 após a tentativa de depor 
Constantino executada por Maximiniano. No conflito da Ponte Mílvia, Constantino venceu Maxêncio e extinguiu 
a Tetrarquia, tornando-se o único governante do Império Romano. 
13 
 
cristograma com o nome de Jesus Cristo em grego (⳩). O que parecia ser mais um confronto 
maçante e padrão de retomada de poder acabou se tornando um marco na história, já que a 
vitória de Constantino sobre Maxêncio foi associada ao seu sonho. Assim, o cristianismo 
assumiu as rédeas da religião oficial do imperador e deixava sua condição de seita de vanguarda 
aos poucos. A partir deste momento, o curso da história humana foi mudado permanentemente 
pela figura de Jesus de Nazaré que já havia modificado a interpretação romana e judaica sobre 
o divino. O cristianismo e a Igreja se tornaram os maiores fenômenos culturais da humanidade, 
seja para o bem, seja para o mal. Cabe a busca por informações valiosas no que a historiografia 
selecionada oferece com a finalidade de desvendar as movimentações históricas no contexto 
selecionado. 
É clara a complexidade do tema e importância para a historiografia. Isso é evidenciado 
de maneira geral pela maioria dos autores consultados para a elaboração deste trabalho. No 
entanto, a dificuldade do tema é relacionada às fontes em virtude de restrições de acesso, 
disponibilidade em bibliotecas, escassez de obras digitalizadas e a distância temporal e física 
dos eventos estudados. Desta forma, a metodologia da Análise Bibliográfica constitui os 
fundamentos da pesquisa, apropriando-se dos pressupostos teóricos da Escola dos Annales. O 
trabalho também conta com os argumentos da diversidade teórica que são elementos essenciais 
para a concepção do tema. No que diz respeito à importância da pesquisa, a história do 
cristianismo possui muitos aspectos que foram negligenciados pela historiografia ocidental 
dada sua relevância ao número de publicações
sobre o tema em língua portuguesa. A análise 
sobre as mudanças das mentalidades e sobre a formação do pensamento escatológico, teológico 
e filosófico que o cristianismo infante criou foram deixadas de lado por uma historiografia que 
preferia analisar os eventos a partir das instituições em detrimento dos sujeitos, criando um 
número alto de publicações que generalizam e tornam superficial a história do cristianismo 
primitivo e da cristandade. A historiografia moderna só conseguiu superar o anacronismo de 
ignorar a mudança das mentalidades quando adquiriu fundamentos teóricos suficientes para 
estudar os processos e fatos analisando os sujeitos e não somente as instituições. 
 
 
 
 
14 
 
1. MODELOS DE APREENSÃO HISTORIOGRÁFICOS DOS CONTEXTOS 
JUDAICO-MESSIÂNICO E ROMANO 
 
“Então se alguém vos disser: ‘O Cristo está aqui’ ou ‘acolá’, 
não acrediteis. Porque se levantarão falsos cristos e falsos 
profetas que farão grandes sinais e prodígios para enganar, se 
possível, os próprios eleitos. Vede, eu vos preveni.” 
(Mt. XXIV, 23 - 25) 
 
Para compreender o que aconteceu entre a morte de Jesus de Nazaré e o Édito de Milão, período 
que o cristianismo ascendeu no Império Romano, se faz necessária a análise braudeliana do 
contexto da vida de Jesus de Nazaré, do messianismo apocalíptico e o judaísmo relativamente 
radical exercido pela comunidade da Judeia. 
1.1. O Reino de Yahweh e seus reis 
Os pregadores vagantes que de cidade em cidade falavam sobre o fim do mundo e eram 
sempre seguidos por populares não eram incomuns na época de Jesus de Nazaré. Era comum 
homens que se afirmassem como o messias. Desde o começo do mundo, inúmeras e 
ininterruptas predições anunciaram e preparavam todos para a vinda de um messias (GIBBON, 
2005, p. 239). O século I foi tempo de aspirações messiânicas e apocalípticas entre os judeus 
da Palestina, lugar onde alguns supostos profetas pregavam a palavra de Deus e de seu 
julgamento. Mesmo com a falta de registro e documentos além do conteúdo escrito pelos 
primeiros cristãos, algumas supostas histórias de sujeitos com aspirações messiânicas são 
mencionadas no Novo Testamento e a história do profeta Teudas é uma delas. Segundo Lucas, 
o Evangelista, antes de ter a cabeça cortada pelos soldados romanos, Teudas, o milagreiro 
possuía um grande número de seguidores que o tinham como um grande homem.3 Outro sujeito 
conhecido pelo gentílico “Egípcio” criou um movimento insurreto e também foi morto pelas 
forças policiais romanas que não se intimidaram com o grande número de seguidores, conforme 
Lucas descreve no livro bíblico Atos dos Apóstolos.4 Observando a descrição dos messias 
 
3 At. V, 36: “Porque há algum tempo apareceu um certo Teudas, que se considerava grande homem. A ele se 
juntaram cerca de quatrocentos homens. Ele foi morto, e todos os que o seguiam foram dispersos e reduzidos a 
nada.” 
4 Saulo de Tarso – Paulo, o autointitulado apóstolo após converter-se a fé em Cristo – foi confundido com este 
homem insurreto e é questionando por um tribuno militar se ele é o homem conhecido como “Egípicio”, conforme 
15 
 
citados a partir dos textos bíblicos, a própria questão da quantidade de messias e o messianismo, 
o interesse sobre a análise do contexto em que viviam este homens se torna maior a fim de 
entender o que significou a ação de homens com aspirações messiânicas e sua finalidade. 
Porém, a investigação historiográfica sobre contexto que Jesus Cristo viveu e a questão do Jesus 
histórico – que também se autodeclarou messias – é relativamente nova nas investigações 
historiográficas e carece de fontes disponíveis para a execução desta tarefa, o que dificulta um 
pouco o trabalho de análise do contexto, levando em conta fontes cristãs e não-cristãs para 
desenvolver um parâmetro sobre como o movimento do Nazareno e sua mensagem escatológica 
foram predisponentes para a hostilidades que os judeus-cristãos sofreram após a sua morte, da 
mesma forma que há dificuldade para a compreensão do Jesus histórico como sujeito político-
revolucionário levando em conta a escassez de fontes. Para Aslan (2013, p. 13), 
 
“O problema de situar o Jesus histórico é que, fora do Novo Testamento, não há 
quase nenhum vestígio do homem que iria alterar de modo permanente o curso 
da história humana. A referência não bíblica mais antiga e mais confiável de 
Jesus é do historiador judeu Flávio Josefo, do século I (morto em 100 d.C.). Em 
uma breve passagem na sua obra Antiguidades, Josefo escreve sobre um 
diabólico sumo sacerdote judeu chamado Ananus que, após a morte do 
governador romano Festo, condenou ilegalmente um certo ‘Tiago, irmão de 
Jesus, o que eles chamam de messias’ a apedrejamento por transgressão da lei. 
A passagem continua relatando o que aconteceu com Ananus após o novo 
governador, Albino, finalmente chegar a Jerusalém”. 
 
O professor e teólogo Rudolf Bultmann concluiu que a busca pelo Jesus histórico é 
inacessível uma vez que as elaborações das primeiras comunidades cristãs encobriram o homem 
de Nazaré e destacaram o Cristo.5 Em 1985, um evento de pesquisa sobre o Nazareno chamado 
The Jesus Seminar, fundado por Robert Funk, buscou analisar Jesus a partir do ponto de vista 
histórico. O objetivo dos seminários consistia em isolar qual teria sido o núcleo básico dos ditos 
e feitos de Jesus, diferenciando-os das interpolações anteriores (SCHIAVO, 2009, p. 30). 
Levando em conta as discussões do Jesus Seminar, na avaliação de Schweitzer (BATALIOTO, 
 
descrito em At. XXI, 38: “Por acaso não és o egípcio que há dias promoveu uma revolução, que levou quatro mil 
guerrilheiros para o deserto?” 
5 Bultmann concluiu que essa busca é inacessível levando em conta as análises de Albert Schweitzer sobre a 
construção de Jesus de Nazaré como mito religioso. Cf. KONINGS, Johan. A Questão do Jesus “Histórico”. 
Horizonte, Belo Horizonte, v. 1., n. 1, pp. 55-58, 1º sem. 1997. 
16 
 
2010, p. 19), a teologia liberal quis inserir Jesus no âmbito da racionalidade universal e fez dele 
um mestre moral, filósofo humanista, uma criação da burguesia liberal ocidental e buscou 
esconder o homem revolucionário. Conforme descrito por Batalioto (2010, p. 19), para 
Schweitzer, na análise de Walter Kasper (BATALIOTO, 2010, p. 19 apud KASPER, 1978), 
“(...) o Jesus de Nazaré que apareceu como messias, que 
anunciou a moral do reino de Deus, que fundou na terra o reino 
dos céus e morreu para consagrar sua obra, esse Jesus não 
existiu jamais. Se trata de uma figura esboçada pelo 
racionalismo, animada pelo liberalismo e adornada com 
roupagem histórica pela teologia moderna.” 
Portanto, este trabalho tomará como objeto de estudo para a discussão Jesus de Nazaré, 
o Jesus histórico. A partir disso, a discussão se dá interpretando que a ação de Jesus de Nazaré 
como líder messiânico não foi um evento isolado no contexto em que ele estava inserido. 
Próximo do ano IV a.C., data que a maioria dos estudiosos acredita que Jesus de Nazaré nasceu6 
alguns sujeitos foram executados por suas aspirações messiânicas. Estes homens de natureza 
similar à de Jesus são citados nos textos cristãos, como Simão da Pereia e Judas, o Galileu7, 
ambos mortos por suas aspirações messiânicas. A importância do messias é grande para os 
judeus, embora houvesse uma divergência sobre quem era ou o que é um messias neste 
contexto. Segundo Aslan (2013, p. 36), o messias é o descendente do rei Davi e ele vem para 
restaurar Israel, para libertar os judeus do jugo da ocupação e estabelecer o poder de Deus em 
Jerusalém. Alguns pensavam que o messias era uma figura
que traria de volta a posição de 
glória e poder perdida pelos judeus. Em grupos mais radicais, o messias era de caráter mais 
apocalíptico e faria um novo mundo sobre as ruínas. Os essênios era um destes grupos mais 
radicais e esperava dois messias distintos – um rei, outro sacerdote – embora a maioria dos 
judeus achasse que o messias seria uma combinação de ambas as características de rei e 
sacerdote. Isaac (2002, p. 230) infere sobre o conceito de messias afirmando que para todo 
judeu, discípulo ou não de Jesus, o messias não podia ser senão um vencedor. Além da 
responsabilidade de ser o redentor de um povo, assumir-se como messias não era uma simples 
 
6 Segundo Dunn (2003), Jesus de Nazaré nasceu próximo ao ano 4 antes da Era Comum, algum tempo antes da 
morte de Herodes, o Grande, conforme descrito em Lc. III, 23: “Ao iniciar o ministério, Jesus tinha uns trinta 
anos”. O ministério de Jesus aconteceu no décimo quinto ano da administração do imperador Tibério, estimado no 
ano 27 ou 28 da Era Comum. 
7 At. V, 37: “Depois dele apareceu Judas, o Galileu, nos dias do recenseamento, e arrastou o povo consigo. Mas 
também ele morreu, e todos os que o seguiam se dispersaram.” 
17 
 
declaração. Era, na verdade, um ato de traição. Na Palestina do século I, simplesmente dizer as 
palavras “este é o messias” ou “eu sou o messias” em voz alta e em público poderia ser um 
crime, punível por crucificação. Jesus de Nazaré, além de apontado como messias, se afirmou 
como o último messias.8 
1.2. Jesus de Nazaré, o zelota 
Tradicionalmente entendido como líder zelota, inserir Jesus de Nazaré em qualquer 
movimento político-revolucionário da época é uma tarefa difícil, mas o que pode ser afirmado 
a partir do prisma historiográfico é que Jesus de Nazaré foi um homem político-revolucionário, 
que seu ministério ocorreu por motivos político-ideológicos e que ele foi morto por sua ousadia. 
Aslan (2009) afirma que Jesus integrou o movimento zelota durante seu ministério e que sua 
história aconteceu da forma que é conhecida por que ele fez parte deste movimento. Os zelotes 
eram os homens judeus que zelavam pelo nome de Yahweh, uma “célula revolucionária” dos 
fariseus, partidários do movimento político judaico que tinha como premissa a ideia de que o 
povo hebreu deveria rebelar-se contra ocupação romana na Judeia lutando, se possível, armado. 
Mesmo depois da morte do Nazareno, o movimento zelota não caiu em desuso. Muito pelo 
contrário, estes movimentos insurretos levaram, por exemplo, à Primeira Guerra Judaico-
Romana iniciada em 66 d.C., mesmo ano da morte de Paulo. 
Imaginar a ação de Jesus de Nazaré, o homem revolucionário zelota infeliz com a 
ocupação romana, ansioso pela efetivação do Reino de Deus e associá-lo à uma imagem de 
líder espiritual carismático, pacífico e terno é completamente dubitável. Não há possibilidade 
de pensar em um líder revolucionário que lutou pelas vias da diplomacia neste contexto, mesmo 
que o ministério de Jesus fosse aparentemente pacífico. As qualidades humanas e os 
sofrimentos humanos de Jesus desempenham um papel singularmente reduzido na apologética 
deste período (DODDS, 1965, p. 136) e o que é importante para a compreensão do líder 
revolucionário não leva em conta o líder religioso e legitimador da grandeza da crença. A 
concepção de Jesus como líder zelota é fundamentada, por exemplo, pelas descrições contidas 
no Novo Testamento, a partir de falas aparentemente xenofóbicas9 e de promoção de 
 
8 Segundo Rancé (2008, p. 127), quando Jesus de Nazaré leu o rolo de Isaías, conscientemente foi escolhida por 
ele uma passagem profética para anunciar que ele era o messias, conforme Is. LXI, 1-3 (também citado em Lc. IV, 
17-19): “O espírito do Senhor DEUS repousa sobre mim, porque ele me ungiu. Enviou-me para levar uma boa-
nova aos pobres, medicar os corações despedaçados, proclamar aos cativos a libertação e aos prisioneiros a 
abertura do cárcere, para proclamar o ano da graça do SENHOR e o dia da vingança do nosso Deus...” 
9 Mt. XV, 24: “Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel.” 
 
18 
 
violência.10 Jesus integrou parte de um movimento que a autoridade romana, relativamente 
simpática às lideranças judaicas, não pôde ignorar. Quando Jesus de Nazaré viveu existiam 
quatro partidos na região da Palestina: os fariseus, os saduceus, os essênios e os zelotas. Os 
essênios viviam marginalizados no território de jurisdição romana e esperavam que um dia o 
Império Romano caísse em ruínas. Os fariseus também seguiam essa linha de pensamento, mas 
ora ou outra pareciam aderir ao modelo romano de governo a fim de manter as boas aparências 
na relação com o poder imperial. Os saduceus esperavam pelo messias que iria salvar a Palestina 
do jugo romano, e enquanto isso não acontecia, participavam do governo romano na região. Os 
zelotas eram a força de oposição ao jugo romano e sua origem explica a ideologia nacionalista 
dos seus partidários. Para os zelotas, a Palestina não era de Roma. A Palestina era do Deus de 
Israel e dos judeus. 
A origem do zelotismo remonta ao ano 63 a.C., data em que Roma dominou Jerusalém. 
A entrada do poder romano em Jerusalém aconteceu quando Pompeu Magno, cercado por suas 
legiões conquistadoras sitiou o Templo de Deus, local mais santo das montanhas da Judeia. O 
momento que Jerusalém vivia era próspero, seu povo tinha remodelado o reino e o período era 
de relativa paz, depois da cidade passar por episódios violentos meio milênio antes com a 
destruição do Templo de Deus em 586 a.C. promovida pelos babilônios. Na época da invasão 
romana, Jerusalém possuía 100 mil habitantes e era um ponto no mapa do Império Romano de 
pouco interesse para a autoridade imperial, muito embora a região da fronteira11 e a fluidez dos 
poderes religiosos e políticos de Jerusalém fossem observadas pela autoridade romana com 
estreita vigilância, preferencialmente sobre o sumo sacerdote da região (ASLAN, 2013, p. 59). 
A religião é um elemento de força que fornece um fundamento transcendente de poder 
(VEYNE, 2009, p. 136) e a autoridade romana sabia que o chefe do Sinédrio tinha um prestígio 
político e religioso muito alto. A jurisdição do Sumo Sacerdote estava no âmbito de se fazer o 
cumprimento da lei de Deus e até mesmo a prisão de populares. 
Os romanos entenderam que se quisessem tomar a região completamente, precisavam 
subtrair e controlar o Templo. Assim executado, o poder romano passou a nomear e destituir o 
 
10 A promoção de violência é notável no discurso do Nazareno, conforme descrito em Jo. XV, 6: “Se alguém 
estiver em mim, será lançado fora, como a vara, e secará; e os colhem e lançam no fogo, e ardem”. Quando Jesus 
de Nazaré instrui seus apóstolos para a pregação, o discurso de violência também é aparente, conforme descrito 
em Mt. X, 34: “Não penseis que eu vim trazer paz sobre a terra. Eu não vim trazer paz, mas a espada.” 
 
11 A Judeia era uma província imperial localizada próxima às fronteiras do Império Romano com o Império Persa, 
grande inimigo dos romanos. As hostilidades eram tão intensas que as guerras romano-persas se iniciaram em 92 
a.C. e terminaram em 628 d.C., encerradas pelas guerras bizantino-árabes. Manter uma província na região da 
fronteira auxiliava na observação de investidas contra Roma. 
19 
 
líder local, fazendo o exercício da função de chefe do Sinédrio parte das funções públicas 
romanas. Mesmo sob o julgo romano, a comunidade judaica estava em melhor situação do que 
outras comunidades que também eram dominadas pelo Império de Roma. De forma
geral, a 
autoridade imperial não tinha grandes problemas com os judeus. O poder romano permitia o 
livre exercício dos rituais e tudo o que dizia respeito à prática do culto judaico. O culto ao 
imperador, lei para todo povo dominado por Roma e para todos os romanos foi dispensado para 
os judeus. O que Roma pedia de Jerusalém era que duas vezes por dia houvesse sacrifício de 
um touro e dois cordeiros em nome do César e pelo zelo a sua saúde (ASLAN, 2013, p. 40). 
Mas os judeus possuíam um complexo de superioridade que Roma nunca conseguiu 
compreender e que foi um dos motivos da violência das perseguições que os judeus-cristãos 
sofreram no Império Romano após a morte de Jesus de Nazaré. Para os romanos comuns, o 
tratamento que a comunidade judaica recebia era, no mínimo, incompreensível. César não 
representava nada para os judeus, não era imortal e não era divino: César era humano, o líder 
imposto a ser suportado. A comunidade judaica imaginava o líder – o seu líder hebreu – como 
um desígnio divino, pensamento que é notável nos discursos messiânicos da época. Segundo 
Veyne (2009, p. 80), é com o cristianismo (e com a conversão de Constantino que inaugura a 
entrada sistemática da fé nas questões de poder) que começa o problema milenar das relações 
do trono e do altar. As relações de poder e religião, normalmente muito confusas no mundo 
moderno, não faziam parte da lógica imperial de exercício de poder. A autoridade imperial 
romana mantinha uma relação com o povo judeu relativamente boa, mesmo que eventualmente 
algum conflito e hostilidade ocorresse entre ambas as partes. 
De forma geral, a relação entre judeus e gentios era pacífica, o que é notável levando 
em conta a história e a violência do domínio romano. Para Gibbon (2005, p. 237), a harmonia 
religiosa do mundo antigo pode explicar essa tolerância, geralmente exercida pela maioria dos 
povos que respeitavam e até mesmo exerciam o culto religioso dos outros povos vizinhos. O 
erro judaico foi ser o único povo que se recusou a partilhar o intercâmbio cultural religioso. A 
Judeia estava ocupada, mas a sensação de excepcionalidade e o tratamento de César não tinham 
nada de especial: este tratamento foi ordenado pelo Deus de Israel que olhava por todo e 
qualquer judeu. O tratamento que o Império proporcionava a comunidade era exercido como o 
Deus que combatia por Israel havia ordenado12 para seu povo na Terra. Mas Yahweh não pôde 
 
12 Js. X, 42: “Josué tomou todos estes reis e suas terras de uma só vez, porque o Senhor Deus de Israel combatia 
em favor de Israel”. 
20 
 
interferir no ato da ocupação romana e as lideranças judaicas locais que tomaram a Terra 
Prometida para seu povo há mil anos atrás tinham que aturar o jugo romano mil anos depois. 
Aslan argumenta que (2013, p. 29) 
“(...) no entanto, mil anos mais tarde, essa mesma tribo que tinha derramado tanto 
sangue para purificar a Terra Prometida de todo elemento estrangeiro, de modo a 
governá-la em nome de seu Deus, agora se encontrava sofrendo sob a bota de um poder 
imperial pagão, forçada a compartilhar a Cidade Santa com gauleses, espanhóis, 
romanos, gregos e sírios – todos eles estrangeiros, todos eles pagãos, obrigada por lei a 
fazer sacrifícios no próprio Templo de Deus em nome de um idólatra romano que vivia 
a mais de mil quilômetros de distância.” 
Essa movimentação dos romanos na Terra Sagrada não foi aceita em silêncio pelos 
judeus. A dominação pagã era uma afronta ao território sagrado, dado aos judeus por desígnio 
divino, única e exclusivamente para aquele povo escolhido entre tantos outros. Dessa forma, a 
violência se tornaria institucionalizada a fim de devolver para as terras sagradas à ordem divina 
que fora posta de lado com a ocupação romana na Palestina (ASLAN, 2013, p. 29). 
1.3. Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus 
Jesus de Nazaré, um entre milhares de simples judeus, atravessou a Galileia realizando 
supostos milagres13, convidando pessoas a se tornarem seus seguidores para consolidar o que 
ele chamava de “Reino de Deus”. Jesus de Nazaré lançou um movimento tão nocivo à ordem 
imperial que foi perseguido, capturado, zombado, torturado e morto como criminoso de Estado. 
A autoridade imperial romana não poderia ignorar este homem tão notável e perigoso à 
manutenção do poder imperial, mesmo que fosse impensável enfrentar a força policial romana 
sozinho. A violência do conflito entre o movimento de Jesus e Roma tinha como fundamento a 
premissa de que as relações de poder estabelecidas não deveriam ser modificadas. Jesus de 
Nazaré resistiu à relação de poder fundamentada pela legitimidade do César, e partindo do 
pressuposto de pensar na resistência política levando em conta o que está contido nos textos do 
Novo Testamento, a investigação historiográfica e sociológica sobre o contexto messiânico em 
que ele estava inserido, o Nazareno foi vencido, enfim, por uma relação de poder 
inexoravelmente sólida que não sofreria nenhum tipo de alteração pela ação de qualquer grupo 
 
13 O termo “suposto” é utilizado a partir das conclusões obtidas pelo Jesus Seminar. Segundo Schiavo (2009, p. 
11), Jesus de Nazaré praticou supostas curas milagrosas sem realizar os procedimentos tradicionais da medicina. 
O que ele fez foi aliviar sofrimentos que hoje são conhecidos como psicossomáticos. Cf. SCHIAVO, Luiggi. A 
Busca pelas palavras e atos de Jesus: o Jesus Seminar. Caminhos, Goiânia, v. 7, n. 1, p. 29-53, jan./jun. 2009. 
21 
 
e qualquer homem até o surgimento do Nazareno como líder político-revolucionário: Jesus de 
Nazaré foi morto por motivos político-ideológicos. 
As acusações que deram embasamento a sua condenação foram os crimes de sedição, 
blasfêmia14 declarada ao Sumo Sacerdote, perversão da nação e a proibição do pagamento de 
tributos a Roma. A resposta que Jesus deu à pergunta feita pelas autoridades do Templo de 
Deus sobre o pagamento de tributos15 depois da quebraria promovida no pátio do Templo16 é 
parte fundamental da ideia de que Jesus foi perseguido por motivos políticos-ideológicos, 
levando em conta sua resposta17 que foi interpretada pela força policial do Sinédrio como típica 
ideologia zelota. Segundo Aslan (2013, p. 101), a explicação é que de acordo com Jesus, César 
tem direito a “receber de volta” a moeda de denário não porque ele mereça o tributo, mas porque 
é a sua moeda: seu nome e imagem estão estampados nela e ela circula por todo o território que 
ele administra. O Deus de Israel não tem nada a ver com isso. A jurisdição divina não tinha 
nenhuma relação com isso, afinal, o Deus de Israel não exercia seu poder e autoridade sobre os 
gentios. Deus tem o direito de “receber de volta” a terra que os romanos tomaram para si, porque 
é a terra dele. “A terra é minha”, diz o Senhor18 e César não tem nada a ver com isso. A pergunta 
não é simples, mas as forças policiais romanas entenderam a resposta como algo similar a 
“Então, dê a César a propriedade de César, que não inclui a terra e devolvei a Deus o que é dele, 
a terra que vocês ocupam ilegalmente”. O que pertence a Deus é a terra que não pertence à 
Roma. Em uma resposta aparentemente simples, Jesus se denunciou como zelota e caiu na 
armadilha da pergunta utilizada para descobrir homens que não concordavam com o pagamento 
de impostos à Roma, argumento suficiente para acusá-lo de ser um zelota, já que a negação ao 
pagamento de tributo era um crime entendido pela autoridade romana como ação tipicamente 
zelota. 
 
14 Mt. XVI, 63-68: “O sumo sacerdote lhe disse: Conjuro-te pelo Deus vivo: dize-nos se tu és o Cristo,
o Filho de 
Deus. Jesus respondeu-lhe: Tu o disseste. Entretanto vos digo: Um dia vereis o Filho do homem sentado à direita 
do Todo-poderoso, vindo sobre as nuvens do céu. Então o sumo sacerdote rasgou as vestes e disse: Blasfemou! 
Que necessidade temos de mais testemunhas? Acabais de ouvir a blasfêmia. O que vos parece? Eles responderam: 
É réu de morte. Então começaram a cuspir-lhe no rosto e a dar-lhe bofetadas, e outros a ferir-lhe o rosto, e diziam: 
Advinha, ó Cristo, quem foi que te bateu?” 
15 Mt. XXII, 17: “Dize-nos, pois, o que te parece: É justo pagar imposto a César ou não?” 
16 Mc. XI, 11-17: “Chegaram a Jerusalém. Entrando no Templo, Jesus começou a expulsar os que ali vendiam e 
compravam. Derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos vendedores de pombas. Não permitia que ninguém 
transportasse objetos pelo Templo. E ensinava, dizendo-lhes: Não está escrito: A minha casa será chamada casa 
de oração para todas as nações? Vós, porém, fizestes dela um covil de ladrões!” 
17 Mt. XXII, 21: “Pois dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. 
18 Lv. XXV, 25. 
22 
 
Na criação do mito de Jesus, episódios como a pergunta sobre tributação ser devida ou 
não são destaque para a compreensão do incômodo e notabilidade que ele causou às autoridades 
romanas. Sua vida a partir do exercício do seu ministério foi tão notável que sua morte deveria 
ser notável como sua existência. No fim da sua vida, segundo a literatura cristã, Cristo sentiu o 
medo da morte no jardim dos Montes das Oliveiras – o Getsêmani – e como já havia 
supostamente previsto, foi traído por Judas e negado por Pedro três vezes. Logo após foi 
condenado pelo Sumo Sacerdote, mesmo que houvesse dificuldade em achar algum testemunho 
para acusá-lo formalmente19 e condená-lo. Mas Jesus se denunciou com sua fala blasfema (na 
resposta sobre se ele é ou não o Cristo) e o seu zelotismo (a negação de pagar impostos a Roma 
e sua vontade em consolidar o Reino de Deus a partir da ideia de que ele seria o rei dos judeus). 
Em poucos instantes estavam fundamentadas as acusações contra Jesus que o levariam a morte 
na cruz no Gólgota. Depois de capturado, Cristo foi vestido com um manto de cor púrpura e 
com uma coroa de espinhos. Para os soldados romanos, naquele momento de zombaria, Jesus 
de Nazaré era, finalmente, o Rei dos Judeus.20 
1.3.1. A investida persecutória contra Jesus de Nazaré: fundamentos jurídicos 
Levando em conta a história dos messias anteriores a Cristo, chamar Jesus de messias, 
portanto, era colocá-lo em conflito direto e imediato com a autoridade policial romana. Roma 
jamais aceitaria que um homem do interior do império pudesse causar tantos problemas. 
Perseguição gera desordem de todos os tipos e a autoridade imperial, como qualquer liderança 
de Estado, não queria um sujeito criando problemas e principalmente não permitiria nenhum 
movimento suficientemente sólido e uniforme que pudesse ameaçar a autoridade romana, 
mesmo que isso fosse impensável por qualquer homem ou movimento insurreto neste contexto. 
A autoridade judaica superior não entendia o que Jesus de Nazaré profetizava no seu ministério 
e seu parecer sobre a sua condenação foi o mesmo dos romanos. 
Segundo Cietto e dos Santos (2005), quando Roma passou a administrar a Judeia 
tornando-a uma procuradoria imperial, foi conferido às autoridades judaicas o poder de 
autoridade geral. Não se podia executar nenhuma sentença sem a aprovação dos judeus. Roma 
era o poder maior, era a verdade incontestável no direito do exercício do poder e fixava o limite 
 
19 Mc. XIV, 55: “Os sumos sacerdotes e todo o Sinédrio procuravam um testemunho contra Jesus, para condená-
lo a morte, mas não o achavam”. 
20 Mc. XV, 16-20: “Os soldados o conduziram para dentro do pátio do palácio e convocaram todo o batalhão. 
Vestiram-lhe um manto de púrpura e o coroaram com uma coroa tecida de espinhos. E começaram a saudá-lo: 
Salve, rei dos judeus”. 
23 
 
de poder que outras lideranças poderiam exercer dentro do território que estava sobre o seu 
jugo. O problema da filosofia política discutido por Foucault (2015, p. 278) é visualizado no 
exercício do poder imperial romano, apresentado aos povos dominados como um tipo de 
verdade incontestável e imposta, se necessário, pela força: como pode o discurso da verdade, 
ou simplesmente a filosofia entendida como o discurso da verdade por excelência, fixar os 
limites do poder? A autoridade judaica agiu sem imaginar qual seria o limite do seu poder já 
que a autoridade romana lhes conferia poder e jurisdição sobre seu povo de forma jurídica e 
não só religiosa. Por isso, a política do direito romano, inexoravelmente rígida, foi injusta com 
a condenação de Jesus de Nazaré.21 Segundo Cietto e dos Santos (2005, p. 08), no momento 
que Pôncio Pilatos proferiu a sentença Ibis in crucem (subirás à cruz), a condenação seria 
executada por um tribunal romano, quando, a partir do exercício do Direito romano, Cristo 
deveria ser julgado formalmente pelo Sinédrio. O processo de condenação de Jesus foi 
executado a partir de inúmeras irregularidades, como a sua prisão com intenção prévia de 
condenação, zombaria e a própria condenação do Grande Conselho. O Sinédrio não poderia 
conduzir nenhum processo sem a permissão do Procurador romano, mas observando o contexto 
messiânico, a transgressão dos dispositivos da lei era uma tentativa de condenar uma pessoa a 
fim de minar as ações dos bandidos (ou supostos bandidos) que agiam contra a autoridade 
romana. A ação de Pôncio Pilatos é a personificação desta ideia: para não perder seu prestígio 
e posição, Pilatos preferiu entregar o Nazareno para a crucificação.22 
Cristo não resistiu e sucumbiu ao poder romano. Ele salvou os outros, a si mesmo não 
pode salvar.23 Os judeus-cristãos interpretaram sua morte de uma forma diferente. Eles esperam 
a volta dele, sua salvação e a consolidação da sua palavra. O espírito (ainda) está sonhando no 
homem (KIERKEGAARD, 2010, p. 45). Esta é a premissa do dogma cristão, construída a época 
da sua morte. Os judeus ortodoxos não entenderam a vida e morte de Jesus como messiânica e 
até hoje esperam o seu messias.24 A discordância dos judeus-cristãos e dos não-cristãos 
 
21 A definição de Direito para os romanos remetia obrigatoriamente aos seus principais mandamentos, que eram 
“viver honestamente, não lesar ninguém e dar a cada um o que é seu” (CIETTO e DOS SANTOS, 2005, p. 07 
apud CASTRO, 2003, p. 83). Estes princípios não foram utilizados para conferir legitimidade à condenação de 
Jesus, executada a partir de inúmeras irregularidades. Jesus era culpado, mas o processo que o condenou foi 
conduzido de forma irregular. 
22 Para Speidel (CIETTO e DOS SANTOS, 2008, p. 08 apud SPEIDEL, 1979, p. 93), “Pilatos agiu muitas vezes 
irrefletidamente. Não tinha compreensão para com os judeus e nem para com os seus costumes”. 
23 Mt. XVII, 42. 
24 A comunidade protocristã lamentou que os judeus ortodoxos negassem a vinda do messias. Paulo lamenta a 
negação de Cristo pelos judeus ortodoxos, conforme Rm. IX, 6: “Não é que a palavra de Deus tenha ficado sem 
efeito. É que nem todos nascidos de Israel são Israel”. 
24 
 
evidencia que a distância na compressão entre o que significa o Jesus apocalíptico é também a 
mesma distância em relação ao que significa o Jesus revolucionário (ŽIŽEK, 2014 apud 
ALTIZER, 1997). Naquele momento que o ministério de Jesus chegou ao fim, a comunidade 
da Judeia estava dividida sobre como interpretar a mensagem escatológica do Nazareno. A 
consciência judaica parecia suspensa num estado de desequilíbrio (DAWSON, 2014, p. 176 
apud
DANIEL-ROPS, 1962, pp. 43-44). A morte de Jesus de Nazaré não foi um evento isolado 
na história da violência romana contra os judeus e nas transformações que o Império Romano 
sofria, já que homens com intenções similares foram mortos de forma parecida. Mas a morte 
de Jesus foi diferente de qualquer outra morte promovida pela violência da força policial 
romana. A morte dele significou o começo de uma nova ordem no Império Romano e em Israel, 
já modificada pelo ministério de Jesus. 
A simbologia da morte de Cristo possui duas perspectivas distintas levando em conta a 
interpretação historiográfica. A primeira é que as intenções do Nazareno em reformar os velhos 
cultos romanos falharam porque não havia possibilidade de fazê-lo. As forças conservadoras 
não permitiriam uma alteração tão profunda nas instituições romanas, mesmo que o anseio pela 
mudança fosse escamoteado por um discurso profético e difícil de se fazer entender dentro e 
fora da Judeia. Nenhum profeta é entendido ou bem recebido na sua própria terra.25 O Reino 
que Jesus de Nazaré pregou e seu ministério não corresponderam às expectativas dos hebreus 
sobre o líder aguardado: a de um rei guerreiro triunfante que iria destruir o poder dos gentios e 
restaurar o poder de Israel (DAWSON, 2014, p. 172). O que aconteceu não era esperado: Jesus 
de Nazaré falhou no que se propôs a fazer. A segunda perspectiva sobre a morte de Cristo é que 
sua vida e ministério marcariam a religião romana profundamente, mesmo que a intenção do 
movimento zelota fosse a de formar o Reino de Deus na terra e não de substituir o culto pagão, 
mesmo que o paganismo gerasse sentimento de oposição nos judeus. O ministério de Jesus não 
tinha intenção de ser uma seita protestante dentro do judaísmo, ele simplesmente aconteceu por 
questões ideológicas divergentes dentro dos grupos judaicos que interpretaram de formas 
distintas a vida e as suas ações, da mesma forma que o Nazareno interpretou que seu ministério 
era legítimo e que ele era o Filho do Homem. 
 
 
 
25 Lc. IV, 24: “E continuou: Eu vos asseguro: Nenhum profeta é bem recebido em sua própria terra”. 
25 
 
1.3.2. Cristologia da morte: mártir ou ignorância de Roma? 
Considerando a simbologia da morte de Jesus fundamentada na cristologia de João, a 
submissão de Jesus à sua crucificação foi um sacrifício para uma eventual vitória dos judeus 
em algum momento incerto e desconhecido, mas muito aguardado por todos. No Ato dos 
Apóstolos não há grande alarde com a crucificação26 porque ela é, na verdade, um plano de 
Deus executado pelo Nazareno, imbuído pelo espírito da providência divina.27 O plano divino 
era este, mas os judeus entregaram o Nazareno nas mãos dos que não tinham fé e que 
desprezaram a fé. A partir da perspectiva cristológica paulina contida na Primeira Epístola aos 
Coríntios, a morte de Jesus de Nazaré tem caráter escatológico28 e que se a sabedoria divina 
fosse do mundo dos vivos, ela impediria a morte do Nazareno. Nas cartas de Paulo aos gálatas, 
Jesus e sua morte representam uma nova ordem que se sobrepunha a antiga ordem universal, o 
que significava, além de muitas outras coisas, que judeus e gentios eram iguais, tanto como 
homens e mulheres, livres e escravos, gregos e latinos, porque 
“Todos vós sois filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo, pois todos vós, 
que fostes batizados em Cristo, vos revestistes de Cristo. Já não há judeu 
nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher, pois 
todos vós sois um só Cristo Jesus. Ora, se sois de Cristo, então sois 
descendência de Abraão, herdeiros segundo a promessa.” 
(Gl. III, 26 – 29) 
Observando a ação do movimento que Jesus de Nazaré liderou e o que ele significou 
para a autoridade imperial romana, uma única afirmação verídica pode ser feita levando em 
conta a historicidade e a violência dos conflitos judaico-romanos antes da morte de Jesus de 
Nazaré e depois dela, nas investidas persecutórias contra os judeus-cristãos promovida pelos 
imperadores Nero, Vespasiano, Trajano e Adriano: a paralaxe judaica, a leveza insuportável de 
 
26 At. II, 22-23: “Israelitas, escutai estas palavras: Jesus de Nazaré, homem de quem Deus deu testemunho diante 
de vós com milagres, prodígios e sinais, que Deus por ele realizou, como vós mesmos o sabeis, depois de ter sido 
entregue, segundo os desígnios da presciência de Deus, vós o crucificastes e o matastes por mãos dos ímpios”. 
27 Filósofos e teólogos discutem há séculos a natureza da ação divina na morte do Nazareno. Segundo Chauí (1999, 
p. 114), em uma correspondência de Spinoza para Willem van Blijenbergh, há uma questão levantada por 
Blijenbergh sobre a vontade divina e a cristologia da morte do Nazareno: se a providência e a vontade divina forem 
uma só e mesma coisa e se a conjuntura divina conservar tudo o que foi por Ele criado, parece (o grifo é de 
Spinoza) ou que Deus é o autor do mal (também executado na morte de Cristo) ou que ele não existe. 
28 1Cor. II, 6-8: “Todavia, ensinamos entre os perfeitos uma sabedoria que não é deste mundo, nem dos chefes 
deste mundo, que são reduzidos a nada. Mas ensinamos uma sabedoria divina, misteriosa, escondida, predestinada 
por Deus antes dos séculos para a nossa glória. Nenhum dos chefes deste mundo a conheceu, pois se houvessem 
conhecido, nunca teria crucificado o Senhor da glória”. 
26 
 
ser judiado e o peso insuportável de ser divino em terras pagãs mudou. A eternidade e infinitude 
de Deus são ao mesmo tempo, absolutamente reais e absolutamente incompreensíveis (CHAUÍ, 
1979, p. 13) para todos os que acreditam na sua força, onipresença e onisciência como também 
são absolutamente reais e absolutamente incompreensíveis da mesma forma para os que não 
acreditam na sua força, onipresença e onisciência. A autoridade romana era um dos grupos que 
observava a questão judaica e sua ideologia, depois da ação do movimento liderado por Cristo, 
como um elemento absolutamente ilegal e, portanto, deveria ser neutralizado. Após a ação do 
Nazareno como líder de um movimento político, não haveria condição de manter a relação entre 
gentios e judeus sem hostilidades porque Jesus de Nazaré afirmou ser rei em uma terra que era 
de um imperador. Infelizmente, o que não foi notado por todo o movimento zelota e pelo próprio 
Jesus de Nazaré, talvez pela fé que transcendeu qualquer pensamento real sobre a situação da 
Judeia ou por qualquer motivo inacessível para o historiador, é que a autoridade romana jamais 
aceitaria que um sujeito comum – mais um entre tantos – ousasse anunciar-se como rei em um 
território já administrado por César. 
A religião não funcionava como um elemento de sabedoria, mas sim, de força. Por ora, 
depois da morte de Cristo, a religião era apenas consolação para a alma do devoto, reduzindo-
se a preceitos muito simples de um Deus bom e justo que deve ser obedecido (CHAUÍ, 2015, 
p. 12). Para os que acreditavam na palavra de Yahweh, ele era a verdade, mesmo que a 
autoridade romana insistisse em dizer que a verdade era o poder imperial e que essa verdade 
estava evidente na condenação e morte do Nazareno: a terra prometida não é dos judeus e 
qualquer um que disser o contrário será morto. Porém, a única verdade naquele momento não 
era a verdade do Deus de Israel, não era a verdade que o poder romano impunha e que era a 
essência da relação de poder exercida sobre o povo judeu. Naquele momento que Jesus de 
Nazaré sucumbiu à força policial romana no Gólgota, crucificado como prova absoluta de fé, 
exercendo o fracasso que se transcendeu em triunfo (THELAMON, 2009, p. 36), a paralaxe 
judaica era evidente. O derradeiro teste
de fé e verdade para os cristãos ia além do que Paulo 
escreveu na Epístola aos Coríntios.29 A única verdade após a morte do messias conhecido como 
Jesus de Nazaré era que o tratamento especial dos romanos acabou. 
 
 
 
29 1Cor. XV, 17: “Se Cristo não foi ressuscitado, então nossa fé é vazia e sua fé é em vão”. 
27 
 
2. MODELOS DE APREENSÃO HISTORIOGRÁFICOS DAS PERSEGUIÇÕES 
AOS CRISTÃOS ENTRE OS SÉCULOS I E IV 
 
“De mil maneiras somos pressionados, mas não esmagados. Vivemos 
perplexos, mas não desesperamos, perseguidos, mas não desamparados. 
Somos abatidos até o chão, mas não aniquilados, trazendo sempre no corpo a 
morte de Jesus para que também a vida de Jesus se manifeste em nosso corpo”. 
(2Cor, IV, 8 - 11) 
 
As perseguições à comunidade protocristã foram parte importante da ascensão do culto, da 
criação da unidade cristã e da história do cristianismo. Sua consolidação e grandeza foram 
construídas, além de outros fatores, a partir das investidas persecutórias que as autoridades 
romanas e judaicas executaram que acabaram por fortalecer as cristandades. A historiografia 
selecionada investigou quais foram as intenções em perseguir, seus resultados e sua eficácia. 
Assim, se faz necessária a busca de aproximações e divergências no que foi concluído sobre as 
perseguições a fim de posterior comparação. 
2.1. Filosofia política como fundamento para as perseguições 
Roma sempre foi um local de eventos muito delicados desde sua fundação até a sua 
queda. Sua fundação em 753 a.C. com os míticos Rômulo e Remo é, ainda, uma belíssima 
história lendária do que se tornaria a capital do mundo alguns séculos depois. Roma se 
organizou politicamente de três formas distintas no período que vai de 753 a.C. até 566 d.C.: 
de sua fundação em 753 a.C. até 510 a.C., Roma era uma monarquia: Regnum Romanum. Neste 
período, de acordo com a tradição, os reis que governaram Roma foram Rômulo (morto em 
715), Numa Pompílio, rei sabino (715-672), Tulo Hostílio, rei romano (672-640), Anco Márcio, 
rei sabino (640-616), Tarquínio Antigo, rei estrusco (616-578), Sérvio Túlio, rei estrusco (616-
578) e Tarquínio Soberbo, filho de Tarquínio Antigo (534-509). De 510 a.C. até 27 a.C., Roma 
foi uma república, a Res Pvblica Romana estabelecida às Guerras Púnicas e de 27 a.C. até 566 
d.C., Roma foi o Imperum Romanum ou Senatus Populusque Romanus (BORNECQUE, 1976, 
p. 06). 
O que é notável através de todo o período desde a fundação de Roma até a morte de 
Jesus de Nazaré é que, durante quase toda a sua existência, o Império Romano lidava 
relativamente bem com as outras religiões que eram concomitantes ao culto pagão e dava certa 
liberdade aos cultos diversos, muito embora a tolerância religiosa fosse quase extinta menos de 
quatrocentos anos após o século I. O fundamento da intolerância religiosa dos romanos aos 
28 
 
cristãos partiu do princípio de que a lógica cosmológica e a ordem político-social não poderiam, 
não deveriam e não seriam modificadas por nenhum grupo. O último grupo que tentou fazer 
isso teve seu líder torturado, condenado e morto em uma cruz. Outro fundamento da intolerância 
religiosa é que o Império Romano não precisava de novas bases espirituais e morais e isso era 
justamente o contrário do que dizia a doutrina judaico-cristã, além de reforçar uma nova 
identidade para os fiéis. Segundo Woolf (2017, p. 326), a noção de conceber uma religião como 
uma entidade demarcada com suas próprias instituições, com elementos que podem ser 
dicotômicos com o conceito de cidadania é algo relativamente nova na história e o foi o 
cristianismo que iniciou essa transformação. 
A questão identitária foi um dos muitos problemas que o judeus-cristãos enfrentaram no 
período em que eram interpretados como elemento estranho aos romanos, no tempo que o 
cristianismo não era uma instituição, mas era uma seita protestante dentro do judaísmo. Os 
judeus-cristãos imaginavam que sua identidade religiosa estava além do papel que eles 
exerciam na sociedade em que estavam inseridos. Os judeus ortodoxos entendiam que sua 
identidade religiosa não tinha relação com o lugar que eles ocupavam socialmente no território 
que estava sobre o jugo romano. Esta noção de superioridade não foi entendida pela autoridade 
imperial e foi um dos vários motivos que levaram as perseguições. A superioridade hebraica 
era um sentimento, não uma realidade. Essa foi uma herança dos judeus para os judeus-cristãos 
que foi reinterpretada tardiamente pelo trono imperial. Enquanto essa reinterpretação não foi 
executada pelo trono imperial, a comunidade cristã primitiva sofreu com as perseguições, 
violência e morte. 
Para compreender as investidas persecutórias que o Império executou é importante 
lembrar que até o século II todas as ações de perseguição encontravam-se circunscritas às 
autoridades das províncias romanas. As ações persecutórias eram executadas pela autoridade 
romana, o que era a regra universal no Império: o código de lei limitava a pena capital 
estritamente ao governador romano. No episódio do julgamento de Jesus de Nazaré, Pôncio 
Pilatos afirmou publicamente que o Nazareno era inocente das acusações30 e deixou que 
populares decidissem sobre a condenação. Este ato do governador da Judeia romana não condiz 
com a premissa da ação persecutória romana a partir do segundo século da Era Cristã. As 
perseguições não eram simplesmente o ato de buscar a extinção ou minar o incipiente e 
descentralizado cristianismo primitivo (como foi a perseguição ao movimento liderado por 
 
30 Mt. XXVII, 24: “Estou inocente do sangue deste justo. Considerai isso”. 
29 
 
Cristo), ela funcionava como um elemento que reforçava a religião civil romana, como o 
imperador Décio (201-251) e Valeriano (201-251) fizeram (DAWSON, 2014, p. 215). Um 
exemplo do Estado executando as perseguições é um dos eventos mais curiosos da história 
romana: o incêndio de Roma. Nero, culpado pelo incêndio, procurou pretextos para não ser 
julgado responsável pelo incêndio, atribuindo-a um grupo de pessoas que foi incriminado, 
segundo descrito por Tácito: “Nero, para desviar as suspeitas, procurou culpados, e castigou 
com as mais terríveis penas a certo grupo, já odiado por suas abominações, que o vulgo chamava 
cristãos” (SILVA, 2011 apud Tácito, Anais XV, 44, p. 03). Segundo Croix (SILVA, 2011b 
apud CROIX, 1963), neste contexto, o poder imperial não intervinha diretamente sobre a 
questão dos cristãos, e sim os governadores de província, como contido no Evangelho de Lucas, 
no episódio que Jesus de Nazaré foi interrogado por Pôncio Pilatos e Herodes Antípoda.31 
2.2. A interpretação dawsoniana 
O historiador galês Christopher Dawson (1889 – 1970) foi um dos grandes nomes da 
história da religião. Dawson caracterizou suas obras pelo diálogo interdisciplinar riquíssimo 
com a antropologia, sociologia, literatura, teologia e filosofia. A obra analisada neste trabalho, 
A formação da Cristandade: das origens na tradição judaico-cristã à ascensão e queda da 
unidade medieval (1967) consiste nas aulas que ele ministrou na Universidade de Harvard, nos 
Estados Unidos, entre 1958 e 1962. Dawson abordou a história do cristianismo primitivo até a 
queda da unidade medieval a partir do prisma cultural, mas sem negligenciar os aspectos 
políticos e econômicos quando discute sobre as perseguições. 
Dawson explica que o cristianismo surgiu como seita protestante dentro do judaísmo no 
momento que o maior governo do mundo atingia seu pleno desenvolvimento e que o ápice da 
prosperidade romana foi construído e consolidado não em bases morais, mas sim,
em violência 
e crueldade (2014, p. 206). A comunidade protocristã sabia que estava além da impenetrável 
ordem romana, separados por uma fissura muito profunda que os segregava dos romanos. De 
um lado, estava a ordem imperial, exercida pela força, morte e demonstração de poder já 
entendida na morte de Jesus de Nazaré como na morte de Pedro, supostamente morto nas 
investidas persecutórias que Nero executou a fim de culpar quaisquer sujeitos pelo incêndio 
que reduziu boa parte de Roma às cinzas. No outro lado estavam os novos judeus, os 
 
31 Lc. XXIII, 5-7: “Eles, porém, insistiam, dizendo: Ele subleva o povo, ensinando por toda a Judeia, desde a 
Galileia, onde começou, até aqui. Ouvindo isto, Pilatos perguntou se era galileu. Informado que era da jurisdição 
de Herodes, remeteu-o a Herodes, que também naqueles dias estava em Jerusalém”. 
30 
 
semeadores de uma nova ordem que desorganizava completamente a construção delicada do 
mundo antigo. A Igreja infante funcionou como uma ordem que não tinha relação com o mundo 
antigo. Muito pelo contrário, a Igreja foi substituindo aos poucos o helenismo que era presente 
no Império Romano. O helenismo era uma cultura forte, de grande tradição patriarcal e 
comunicável para outros idiomas, mas não tinha unidade espiritual, fato que deu margem para 
que o cristianismo primitivo pudesse buscar algum espaço. 
Mesmo que o cristianismo estivesse substituindo as características da religião 
helenística aos poucos (como o abandono da tradição de homens que interagiam com deuses na 
mesma instância física), o cristianismo e seus seguidores utilizaram do pioneirismo helenístico 
sobre a compreensão do mundo para criar a própria ideia sobre o lugar que eles habitavam. 
Assim, a abordagem filosófica tomou as rédeas do pensamento protocristão e pôde, quatro 
séculos mais tarde, proporcionar fundamentos suficientes para que Santo Agostinho escrevesse 
“A Cidade de Deus”, primeiro esforço teológico-filosófico cristão. A cultura helenística ainda 
era muito forte e não tinha interesse em fornecer ao culto cristão lugar neste meio. O 
cristianismo primitivo possuía elementos detestáveis para a cultura helenística, conforme 
descrito por Luciano de Samósata na sua obra De Morte Peregrini32: 
“Os cristãos, como sabes, adoram um homem até hoje – o personagem distinto 
que introduziu seus rituais insólitos e foi crucificado por isso (…) Essas 
criaturas mal orientadas começam com a convicção geral de que são imortais 
o que explica o desdém pela morte e a devoção voluntária que são tão comuns 
entre ele; e ainda foi incutido neles pelo seu legislador original que são todos 
irmãos, desde o momento que se convertem, e vivem segundo as suas leis. 
Tudo isso adotam como fé, e como resultado desprezam todos os bens 
mundanos considerando-os simplesmente como propriedade comum”. 
Já no século II o cristianismo começou a passar pelo processo definitivo que 
descaracterizaria sua associação com o judaísmo. No segundo século da era cristã, o 
cristianismo existia e era exercido mais intensamente no mundo helenístico do que nas 
comunidades judaicas (HILL, 2007, p. 61). O cristianismo era promovido em grego e não em 
aramaico, era urbano e caminhou para um novo cenário religioso em detrimento do culto e 
mundo hebreu. Para Hill (2007, p. 61), é difícil determinar como aconteceu o declínio do 
cristianismo judaico, mas a mudança era inevitável. Os últimos eventos de violência que a força 
 
32 SAMÓSATA, Luciano de. De Morte Peregrini, 11 – 3, p. 450; Em: GEISLER, Norman, Enciclopédia de 
Apologética. São Paulo: Editora Vida, 2002. 
31 
 
policial romana exerceu na Palestina afastaram os judeus mais ainda dos gentios e essa distância 
deu margem para que os cristãos pudessem se inserir dentro do mundo pagão no século I.33 
Neste momento, a expectativa messiânica alcançou o auge: de um lado, no surgimento do 
cristianismo, e de outro a revolta do povo hebreu contra o poder dos gentios, o que levou à 
destruição de Jerusalém e a reconstrução do judaísmo em novas bases (DAWSON, 2014, p. 
171). Para Mimouni (2009, p. 22), a separação do cristianismo com o judaísmo foi o resultado 
das hostilidades interjudaicas (judeus-cristãos e judeus ortodoxos) e posteriormente em uma 
forma antijudaica (judeus e cristãos). 
Os cristãos não foram tão radicais como foram seus antepassados próximos. Dawson 
reforça que embora a comunidade protocristã tivesse herdado o juízo do protesto judaico contra 
a força imperial romana, a comunidade não tinha intenções muito radicais no que diz respeito 
a qualquer reforma de ordem social (DAWSON, 2014, pp. 206 – 207). Dessa forma, a 
comunidade cristã perdia a identificação com o radicalismo exercido pela comunidade judaica 
da Palestina, mas também perdia o mínimo de identificação que possuía com os gentios. A 
comunidade protocristã não interpretava a dominação romana da mesma forma que o 
movimento de Jesus de Nazaré. Para os judeus-cristãos, a dominação romana era, sim, uma 
ordem dada pelo seu Deus e concentrava no retorno de Cristo a vitória sobrenatural sobre os 
homens de Roma. Essa forma de pensar e entender a posição que eles ocupavam na sociedade 
imperial os afastou de romanos e judeus e inseriu a comunidade infante em um cotidiano que 
se tornou oculto aos olhos de todos. A partir deste discurso, a ligação mantida pelos judeus-
cristãos com o mundo pagão tornou-se, normalmente, acidental (DAWSON, 2014, p. 206). 
Começaram neste momento as perseguições aos judeus-cristãos dentro do Império Romano. 
Dawson infere na discussão explicando como a vida social oculta e a substituição da associação 
à cidade pela Igreja como o relacionamento fundamental do homem com o próximo foram 
elementos predisponentes para a fundamentação das investidas persecutórias (DAWSON, 
2014, p. 208). A forma que o cristão vivia isolado no Império causou consequências 
revolucionárias, ao invés de causar nenhuma reação. O cristianismo infante possuía na sua 
doutrina a valorização da classe não privilegiada, o que é completamente dicotômico com a 
organização da sociedade antiga que privilegiava as classes altas em detrimento das mais 
baixas. Dawson explica que essa relação aparentemente simples era mais complexa porque se 
 
33 Reforçando a distância entre o mundo judaico e pagão, um evento colaborou para que o distanciamento fosse 
ainda maior, assim como condenou o cristianismo incipiente. A destruição do Templo em 70 d.C., ocorrida no 
contexto da Primeira Guerra Judaico-Romana foi sintomática para as hostilidades posteriores. 
32 
 
relaciona diretamente com a questão econômica. Segundo Dawson (2014, p. 208), a regra 
romana de cidadania tinha ligação direta com a questão econômica, o que significava que a 
posição do homem no Império era, geralmente, determinada pela quantidade de bens tributada 
às suas propriedades no censo. Quando o cristianismo surgiu com o discurso de que ricos, 
pobres, romanos, estrangeiros e todos se reuniriam em condições iguais, a autoridade imperial 
romana percebeu que o movimento incipiente não era tão pacífico quanto parecia. Além do 
pobre ser exaltado, o rico era rebaixado no mundo que era deles.34 
Apresentando estes pontos, Dawson encerra a discussão sobre a política das 
perseguições e avança na discussão sobre a ascensão do cristianismo no Império Romano e a 
formação da cultura bizantina. A conclusão de Dawson sobre a política das perseguições é que 
perseguir foi um ato falho da autoridade romana. Perseguir os cristãos fez com que a concepção 
de mártir se espalhasse
como uma mensagem de profissão de fé, o que é a função do culto em 
si, levando em conta a premissa que o cristianismo é uma religião de profissão de fé. A partir 
do pensamento veyneano, no que diz respeito a discussão sobre a finalidade das hostilidades 
entre gentios e cristãos, a oposição entre pagãos e cristãos tem apenas sentido religioso e não 
político ou nacional (VEYNE, 2009, p. 115 apud INGLEBERT, 1994, p. 233). O cristianismo 
revelou a simplicidade do culto pagão, o que minou o exercício da religião do mundo antigo e 
deu espaço para uma nova ordem em ascensão primitiva. Veyne lembra (2009, p. 41) que se 
dermos crédito à Epístola aos Romanos, o mundo pagão era apenas vícios.35 Observando o 
conteúdo da epístola aos romanos, o processo de ascensão do culto cristão e a conjuntura dos 
fatos durante os quatro primeiros séculos depois da morte do Nazareno, para Durant (1950, p. 
364), a função histórica do cristianismo foi restabelecer a base moral do caráter e da sociedade 
por meio de sanções sobrenaturais e apoio aos preceitos de ordem social, e infundir nos rudes 
bárbaros, por meio de um credo imbuído de milagres, mitos, medo, esperança e amor, a ideia 
de conduta mais elevada, bases que o mundo pagão não possuía. As perseguições só reforçaram 
o que já era muito presente no pensamento da comunidade protocristã infante: a perpetuação da 
mensagem do Filho do Homem aconteceria em pouco tempo e seus mártires não esqueceriam 
dos seus irmãos. Muito pelo contrário, todos estavam sob o olhar de Deus e o poder dele reinou 
 
34 Tg. II, 5 – 7: “Ouvi, irmãos meus caríssimos: Deus não escolheu os pobres aos olhos do mundo como ricos na 
fé e herdeiros do reino que ele prometeu aos que o amam? Mas vós desprezastes o pobre! Não são os ricos que 
vos oprimem e vos arrastam para os tribunais? Não são eles que blasfemam o bom nome do invocado sobre vós?” 
35 Rm. I, 29: “Estão cheios de toda injustiça, malícia, avareza e maldade. Repletos de inveja, homicídio, discórdias, 
fraudes e malvadeza”. 
33 
 
sobre os gentios.36 Dawson concluiu que as perseguições aos cristãos no Império Romano foram 
um fracasso político, já que em termos espirituais houve uma divisão enorme. Para Dawson, a 
única solução para este problema foi o talento de Constantino (2014, p. 205). 
2.3. A interpretação thelamoniana 
Françoise Thelamon é uma das autoras que participou da obra do historiador francês 
Alain Corbin, História do Cristianismo: para compreender melhor nosso tempo (2010). 
Thelamon é Professora-Emérita da Universidade de Rouen na França e seus temas de 
investigação sempre tem relação com a história do cristianismo. Na obra analisada, Thelamon 
contribuiu para a discussão com dois capítulos sobre as perseguições e os costumes cristãos no 
mundo pagão. 
Thelamon infere sobre as perseguições afirmando que, incialmente, os cristãos não 
foram perseguidos sistematicamente e que isso só aconteceu em meados do século III (2009, p. 
34). A autora discute porque o Império Romano, relativamente tolerante e simpático com os 
diferentes cultos, perseguia os cristãos e afirma que a resposta de Jesus de Nazaré sobre se é 
devido ou não pagar tributo a Roma ia na contramão da política normativa do mundo antigo, o 
que foi parte das fundamentações políticas das investidas persecutórias, levando em conta que 
ele era o líder do movimento que a autoridade romana perseguiu e que se tornou mártir para os 
judeus-cristãos. Thelamon explica que a resposta era a base da lealdade política dos cristãos e 
do status de submisso ao Estado romano, mas também consistia na separação dos domínios 
políticos e religiosos, ao mesmo tempo que seu entrelaçamento era política normativa do mundo 
antigo (2009, p 34). As políticas normativas do Império Romano inseriram os cristãos na 
categoria de cidadãos que não era bem vista pelos gentios. Thelamon concorda com Gibbon 
quando infere sobre a superioridade judaica que foi herdada pela comunidade cristã-primitiva.37 
 
36 Na mensagem de Constantino aos seus súditos orientais (VEYNE, 2007 apud CAMERON, A., HALL, S.G, 
1999) em 325, o imperador conta que soube, em 303, que Apolo acabara de notificar em Delfos que já não podia 
fornecer oráculos verídicos, porque a presença de Justos sobre a Terra o impedia. Tendo o imperador Diocleciano 
perguntado, à sua volta, quem poderiam ser estes Justos, um oficial da guarda imperial respondeu: “Provavelmente 
os cristãos”. 
37 Considerando esta afirmação, se faz necessário lembrar que o cristianismo primitivo surgiu como uma seita 
protestante dentro do judaísmo e que sua fundação não foi um evento hegemônico, como Jesus de Nazaré não é 
seu fundador. Segundo Mimouni (2009, p. 18), as comunidades cristãs da Palestina só podem ser compreendidas 
a partir de uma minuciosa e delicada análise sobre os sujeitos que difundiram a mensagem do Cristo em meios 
judaicos e pagãos: Tiago, Pedro e Paulo. Foram estes homens que criam um movimento com origens proféticas e 
tendenciosamente messiânico. Cristo era um homem judeu e exercia o judaísmo, da mesma forma que seus 
seguidores. 
34 
 
A interpretação thelamoniana é análoga a interpretação dawsoniana quando infere sobre 
a promoção do ideal de martírio. Segundo Thelamon (2009, p. 36), pouco tempo após o ano 
200, os cristãos são muito mais numerosos e toda cidade que possuía uma comunidade cristã 
tinha uma Igreja com um bispo local, assistido por diáconos e padres. Mesmo que a comunidade 
tivesse encontrado o mínimo de unidade, houve perseguição e no ano 249, em Alexandria, um 
massacre anticristão aconteceu e foi sintomático para a exaltação do ideal de martírio, sacrifício 
e a imitação de Cristo. No decorrer do século III, iniciaram-se as perseguições sistêmicas. Se 
antes elas eram esporádicas, locais e pontuais, no século III se tornaram jurídicas. Os motivos 
que levaram a essa perseguição sistêmica foram as invasões dos godos, acontecimento 
entendido como uma ruptura da paz dos deuses. Thelamon explica que o imperador Décio 
ordenou um tipo de súplica geral e todos os cidadãos romanos (os habitantes livres) e suas 
famílias deveriam realizar um ato em honra aos deuses. Para isso, certificados foram emitidos 
para os que cumpriram a tarefa. E assim, mesmo sem intenção prévia e édito de perseguição, o 
suplício inaugurou uma perseguição sistêmica aos cristãos que se recusaram a executar o ato 
em honra aos deuses de Roma e não praticaram o culto pagão pela volta da ordem no Império 
Romano. A perseguição aos cristãos ocorria, portanto, não pelo o que os cristãos eram, mas 
pelo o que eles faziam. No caso, a perseguição iniciou-se pelo fato de que a comunidade cristã 
não executou uma ordem imperial importantíssima para a manutenção do bem-estar social 
romano: eles foram perseguidos pelo o que não faziam. Os mártires voluntários surgiram e 
reforçaram mais ainda a unidade e crença da comunidade forçada a exercer um rito que não 
dizia respeito às suas convicções (THELAMON, 2009, p. 37). 
Com essa situação delicada, mais de 50 anos depois, o imperador Valério ordena uma 
perseguição geral para encerrar o descontentamento dos gentios para os cristãos, apontados 
como responsáveis pela desordem divina e terrestre. Juridicamente falando, foi neste momento 
que as perseguições começaram, suportadas por dois éditos.38 Segundo Thelamon (2009, p. 37), 
essas investidas persecutórias foram tão violentas que o bispo de Roma e quatro diáconos foram 
decapitados. As perseguições só se encerraram quando após a capitulação de Valeriano pelos 
persas, seu filho, Galiano, suspende as perseguições. Só o imperador Galério conseguiu

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