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UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO LICENCIATURA PLENA EM HISTÓRIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO VICTOR HUGO RIBEIRO LEITE ROMA CHRISTIANA, ROMA AETERNA: A ASCENSÃO DO CRISTIANISMO NO IMPÉRIO ROMANO E A CONVERSÃO DE CONSTANTINO I SEGUNDO A HISTORIOGRAFIA SÃO PAULO 2017 VICTOR HUGO RIBEIRO LEITE ROMA CHRISTIANA, ROMA AETERNA: A ASCENSÃO DO CRISTIANISMO NO IMPÉRIO ROMANO E A CONVERSÃO DE CONSTANTINO I SEGUNDO A HISTORIOGRAFIA Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Licenciado em História pela Universidade Nove de Julho, sob orientação da Profª. Drª. Cristina de Toledo Romano. SÃO PAULO 2017 Leite, Victor Hugo Ribeiro Roma Christiana, Roma Aeterna: a ascensão do cristianismo no Império Romano e a conversão de Constantino I segundo a historiografia. / Victor Hugo Ribeiro Leite. 2017. 60 f. Monografia (Graduação), Universidade Nove de Julho. 2017. Orientadora: Profª. Drª. Cristina de Toledo Romano. 1. Cristianismo. 2. Império Romano. TERMO DE APROVAÇÃO VICTOR HUGO RIBEIRO LEITE ROMA CHRISTIANA, ROMA AETERNA: A ASCENSÃO DO CRISTIANISMO NO IMPÉRIO ROMANO E A CONVERSÃO DE CONSTANTINO I SEGUNDO A HISTORIOGRAFIA Monografia aprovada como requisito parcial à obtenção do título de Licenciado em História pela Universidade Nove de Julho pela seguinte banca examinadora: ___________________________________ Profª. Cristina de Toledo Romano Orientadora – Departamento de Educação – Universidade Nove de Julho ___________________________________ Prof. _____________________ Departamento de Educação ___________________________________ Prof. _____________________ Departamento de Educação ___________________________________ Prof. _____________________ Departamento de Educação São Paulo, ___ de dezembro 2017. Dedico este trabalho à Larissa Cabral, minha querida companheira e amiga que me torna, todos os dias, o homem mais feliz do mundo. AGRADECIMENTOS Terminar a graduação em história escrevendo um trabalho como este é, com certeza, um grande esforço. Levando em conta a vida de trabalhador e educando, o término deste trabalho configura uma vitória que parecia, às vezes, inimaginável. A realização deste trabalho não seria possível sem as pessoas que participaram, de forma ou de outra, do processo de criação deste trabalho. Não me recordarei de todos, afinal, a cabeça de um professor e historiador recém- formado transborda conteúdo e precisa de algum descanso. Mesmo assim, aos esquecidos, muito obrigado. Agradecerei primeiramente as pessoas que estiveram próximas de mim dentro da universidade, o que me faz agradecer, primeiramente, à minha querida professora, orientadora, mestra e amiga, Cristina de Toledo Romano. Professora Cris, muito obrigado pela confiança, crítica, segurança e a paciência que a senhora me deu durante o processo de criação deste trabalho. Obrigado por aceitar este tema que me é tão caro, pelo carinho e intimidade que ganhei e por tudo o que fez na minha formação. Do fundo do meu coração, muito obrigado. Ao professor Roberto Marcelo Caresia, por confiar dois anos suas monitorias ao meu desejo de lecionar, pela erudição imensa, pela grande amizade que temos e manteremos, pelo seu papel na minha formação, pelas aulas ricas em conteúdos diversos, pelas conversas sobre música, literatura e história, muito, muito, muito obrigado. Sua amizade e camaradagem foram fundamentais para que os anos de graduação fossem mais sensacionais do que já eram. Meu emocionado obrigado, freund! Ao professor Geraldo José Alves, por ser grande amigo, por todos os abraços antes e depois das aulas, por ser professor de erudição incrível, pelo incentivo à pesquisa, pelo seu humor, pelo espetáculo que são suas aulas, pelos momentos de paz e reflexão, apoio, conversas, pelo cuidado com a arte de ensinar história, pelo espetáculo que foram as aulas e a camaradagem durante toda a graduação, muito, muito, muito obrigado, Professor Gegê. Aos professores Savério Lavorato, Éber Lima, Lúcio Menezes, Enidelce Bertin, Margarida Marques, Alfredo Salun, Kátia Kenez, Gislene Lacerda e Juliano Sobrinho, muito obrigado. Sempre lembrarei de todos como meus mestres queridos. À minha querida tia, mestra, amiga, mecenas, parceira, inspiração e modelo a ser igualado (e superado), Carla de Meira Leite, muito obrigado. Sem você, Hanitante, não sei o que seria de mim. Ao Caio Cezar Ribeiro Leite, meu querido irmão que me ouvia falar empolgado sobre a pesquisa por inúmeras noites, pela amizade e interesse em me ouvir, obrigado. À minha querida vovó, Arlette Caputo, por me dar todo o suporte necessário durante a vida, incentivo, amor e doces, muito obrigado. À minha mãe, Estela Ribeiro, e ao meu pai, Cezar Augusto de Meira Leite, por tudo o que fizeram, obrigado. Aos amigos da graduação, Rafaela Carrion e Cristiano Righeto, pelas intermináveis risadas, amizade, paciência e camaradagem, muito obrigado. À Larissa Cabral, por todo o companheirismo, carinho, cuidado, paciência, parceria, confiança, amizade, unidade, pela felicidade de tê-la comigo e pela felicidade e prazer de te amar, por tudo o que faz por mim e por nós, muito obrigado. “No domingo dos mortos eles ouviram, dos campos do senhor, essa melodia... E anjo algum desce à Terra”. Till Lindemann LEITE, Victor Hugo Ribeiro. Roma Christiana, Roma Aeterna: a ascensão do cristianismo no Império Romano e a conversão de Constantino I segundo a historiografia. Monografia como trabalho de conclusão de curso. São Paulo: Universidade Nove de Julho, 2017. RESUMO Este trabalho pretende analisar a ascensão do cristianismo no Império Romano e a conversão do imperador Constantino I segundo uma historiografia que se dedicou à análise dos temas descritos. Levando em conta a ação do movimento zelota liderado por Jesus de Nazaré, a análise da historiografia consistiu, inicialmente, em buscar nas aproximações e divergências entre os autores selecionados como o movimento liderado por Cristo foi predisponente para as perseguições aos judeus-cristãos até o século IV da Era Comum e como a ação do Cristo não foi um evento isolado na história messiânica da Judeia. A partir destas premissas, a análise da historiografia que se debruçou sobre o tema das perseguições pretende elucidar como os autores selecionados concordam os discordam sobre a filosofia política das investidas persecutórias, as intenções, as leis republicanas às novas e ilícitas religiões e a conversão do imperador Constantino como fator para minar as investidas persecutórias. Palavras-chave: Cristianismo. Império Romano. Historiografia. ABSTRACT This work intends to analyze the rise of Christianity in the Roman Empire and the conversion of emperor Constantine I according to a historiography that was dedicated to the analysis of the subjects described. Taking into consideration the action of the zealot movement led by Jesus of Nazareth, the analysis of historiography consisted initially of seeking in the approximations and divergences between the selected authors how the Christ-led movement was predisposing to the persecution of the Jewish Christians until the century IV of the Common Era and how the action of Christ was not an isolated event in the messianic history of Judea. On the basis of these premises, the analysis of the historiography that dealt with the subject of the persecutions intends to elucidate how the selected authors agree or disagree on the political philosophy of the persecuted invectives, the intentions, the republican laws to the new and illicit religions and the conversion of the emperor Constantine as a factor to undermine the persecutory onslaughts. Keywords: Christianity. Roman Empire. Historiography. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 1Co Primeira Epístola aos Coríntios 2Co Segunda Epístola aos Coríntios At Atos dos Apóstolos Gl Epístola aos Gálatas Jo João Js Josué Is Isaías Lc Lucas Mt Mateus Mc Marcos NT Novo Testamento Rm Epístola aos Romanos Tg Epístola de São Tiago SUMÁRIO INTRODUÇÃO 12 1. MODELOS DE APREENSÃO HISTORIOGRÁFICOS DOS CONTEXTOS JUDAICO-MESSIÂNICO E ROMANO 14 1.1. O REINO DE YAHWEH E SEUS REIS 14 1.2. JESUS DE NAZARÉ, O ZELOTA 17 1.3. JESUS DE NAZARÉ, REI DOS JUDEUS 20 1.3.1. A INVESTIDA PERSECUTÓRIA CONTRA JESUS DE NAZARÉ: FUNDAMENTOS JURÍDICOS 22 1.3.2. CRISTOLOGIA DA MORTE: MÁRTIR OU IGNORÂNCIA DE ROMA? 25 2. MODELOS DE APREENSÃO HISTORIOGRÁFICOS DAS PERSEGUIÇÕES AOS CRISTÃOS ENTRE OS SÉCULOS I E IV 27 2.1. FILOSOFIA POLÍTICA COMO FUNDAMENTO PARA AS PERSEGUIÇÕES 27 2.2. A INTERPRETAÇÃO DAWSONIANA 29 2.3. A INTERPRETAÇÃO THELAMONIANA 33 2.3.1. AS PERSEGUIÇÕES INTERJUDAICAS 35 2.4. A INTERPRETAÇÃO GIBBONIANA 36 2.5. APROXIMAÇÕES E DIVERGÊNCIAS ENTRE OS MODELOS DE APREENSÃO HISTORIOGRÁFICOS DAS PERSEGUIÇÕES AOS CRISTÃOS ENTRE OS SÉCULOS I E IV 38 3. MODELOS DE APREENSÃO HISTORIOGRÁFICOS SOBRE A CONVERSÃO DE CONSTANTINO 40 3.1. A INTERPRETAÇÃO VEYNEANA 40 3.1.1. CÁLCULO IDEOLÓGICO, BOA-FÉ OU CAPRICHO? 43 3.2. A INTERPRETAÇÃO RUSSELLIANA E MARAVALIANA: BREVE DEDUÇÃO 45 3.2.1. A INTEPRETAÇÃO MARAVALIANA 46 3.3. APROXIMAÇÕES E DIVERGÊNCIAS ENTRE OS MODELOS DE APREENSÃO HISTORIOGRÁFICOS DA CONVERSÃO DE CONSTANTINO 48 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 51 REFERÊNCIAS 57 12 INTRODUÇÃO A presente monografia tece uma comparação entre as obras de Allain Corbin (2009), Bertrand Russell (2014), Christopher Dawson (2014), Edward Gibbon (2005), Jonathan Hill (2015), Paul Veyne (2009) e Reza Aslan (2014) acerca dos temas da ascensão do cristianismo no Império Romano e a conversão do imperador Constantino. Com o intuito de buscar as estruturas, para além de um fato, que determinaram a eclosão de uma religiosidade e de uma religião de tal envergadura, tomo como objeto de reflexão uma historiografia que se dedicou a analisá-las no contexto da Antiguidade romana. Comumente o desenvolvimento do cristianismo é associado à conversão de Constantino para a ascensão do culto cristão no Império Romano e isso não pode ser negado, mas há de se levar em consideração o que permeava o Império Romano em declínio e o próprio César. A esfera espiritual romana estava cercada por outras religiões além do politeísmo romano, o Império Romano caminhava lentamente para queda, Constantino enfrentava problemas diversos e as invasões bárbaras aconteciam com frequência. O cristianismo surgiu neste meio como elemento estranho ao Sol Invictus e herdou de seu líder a característica de insurreto, clandestino e de reivindicação de nova identidade. Os seguidores de Jesus de Nazaré enalteciam o pobre e aparentemente não promoviam ou apreciavam a violência no império que foi justamente erguido e consolidado em bases morais violentas e segregatícias. Ser cristão no Império Romano após a morte de Jesus de Nazaré – até meados do século IV – era seguir e venerar um bandido1 que o Estado romano puniu pelos crimes de sedição, proibição de pagamento de impostos, blasfêmia e perversão da nação. Mesmo marcado pela violência na historicidade da sua formação, o cristianismo ascendeu lentamente na religiosidade romana até chegar aos sonhos de Constantino com a instrução In hoc signo vinces. Na noite de véspera da Batalha da Ponte Mílvia2 em 312, Constantino sonhou com Jesus Cristo lhe dizendo que “sob este sinal vencerás” (In hoc signo vinces) e no dia seguinte o imperador leva para os escudos, estandartes de suas tropas e no seu próprio capacete o 1 O termo bandido é empregado no texto a partir da designação romana comum para qualquer sujeito rebelde ou insurreto discutida por Aslan (2013). 2 A Batalha da Ponte Mílvia foi um confronto que ocorreu no ano 312, oriundo da série de conflitos nas primeiras décadas do século IV conhecidos como as Guerras Civis da Tetrarquia. Constantino e Maxêncio se enfrentaram na Ponte Mílvia, sobre o rio Tibre, em Roma. As hostilidades se iniciaram com a crise que o Império Romano enfrentou no século III e pela ambição de Maxêncio em tornar-se imperador. Maxêncio declarou-se imperador e declarou guerra à Constantino como vingança pela morte de seu pai, morto em 310 após a tentativa de depor Constantino executada por Maximiniano. No conflito da Ponte Mílvia, Constantino venceu Maxêncio e extinguiu a Tetrarquia, tornando-se o único governante do Império Romano. 13 cristograma com o nome de Jesus Cristo em grego (⳩). O que parecia ser mais um confronto maçante e padrão de retomada de poder acabou se tornando um marco na história, já que a vitória de Constantino sobre Maxêncio foi associada ao seu sonho. Assim, o cristianismo assumiu as rédeas da religião oficial do imperador e deixava sua condição de seita de vanguarda aos poucos. A partir deste momento, o curso da história humana foi mudado permanentemente pela figura de Jesus de Nazaré que já havia modificado a interpretação romana e judaica sobre o divino. O cristianismo e a Igreja se tornaram os maiores fenômenos culturais da humanidade, seja para o bem, seja para o mal. Cabe a busca por informações valiosas no que a historiografia selecionada oferece com a finalidade de desvendar as movimentações históricas no contexto selecionado. É clara a complexidade do tema e importância para a historiografia. Isso é evidenciado de maneira geral pela maioria dos autores consultados para a elaboração deste trabalho. No entanto, a dificuldade do tema é relacionada às fontes em virtude de restrições de acesso, disponibilidade em bibliotecas, escassez de obras digitalizadas e a distância temporal e física dos eventos estudados. Desta forma, a metodologia da Análise Bibliográfica constitui os fundamentos da pesquisa, apropriando-se dos pressupostos teóricos da Escola dos Annales. O trabalho também conta com os argumentos da diversidade teórica que são elementos essenciais para a concepção do tema. No que diz respeito à importância da pesquisa, a história do cristianismo possui muitos aspectos que foram negligenciados pela historiografia ocidental dada sua relevância ao número de publicações sobre o tema em língua portuguesa. A análise sobre as mudanças das mentalidades e sobre a formação do pensamento escatológico, teológico e filosófico que o cristianismo infante criou foram deixadas de lado por uma historiografia que preferia analisar os eventos a partir das instituições em detrimento dos sujeitos, criando um número alto de publicações que generalizam e tornam superficial a história do cristianismo primitivo e da cristandade. A historiografia moderna só conseguiu superar o anacronismo de ignorar a mudança das mentalidades quando adquiriu fundamentos teóricos suficientes para estudar os processos e fatos analisando os sujeitos e não somente as instituições. 14 1. MODELOS DE APREENSÃO HISTORIOGRÁFICOS DOS CONTEXTOS JUDAICO-MESSIÂNICO E ROMANO “Então se alguém vos disser: ‘O Cristo está aqui’ ou ‘acolá’, não acrediteis. Porque se levantarão falsos cristos e falsos profetas que farão grandes sinais e prodígios para enganar, se possível, os próprios eleitos. Vede, eu vos preveni.” (Mt. XXIV, 23 - 25) Para compreender o que aconteceu entre a morte de Jesus de Nazaré e o Édito de Milão, período que o cristianismo ascendeu no Império Romano, se faz necessária a análise braudeliana do contexto da vida de Jesus de Nazaré, do messianismo apocalíptico e o judaísmo relativamente radical exercido pela comunidade da Judeia. 1.1. O Reino de Yahweh e seus reis Os pregadores vagantes que de cidade em cidade falavam sobre o fim do mundo e eram sempre seguidos por populares não eram incomuns na época de Jesus de Nazaré. Era comum homens que se afirmassem como o messias. Desde o começo do mundo, inúmeras e ininterruptas predições anunciaram e preparavam todos para a vinda de um messias (GIBBON, 2005, p. 239). O século I foi tempo de aspirações messiânicas e apocalípticas entre os judeus da Palestina, lugar onde alguns supostos profetas pregavam a palavra de Deus e de seu julgamento. Mesmo com a falta de registro e documentos além do conteúdo escrito pelos primeiros cristãos, algumas supostas histórias de sujeitos com aspirações messiânicas são mencionadas no Novo Testamento e a história do profeta Teudas é uma delas. Segundo Lucas, o Evangelista, antes de ter a cabeça cortada pelos soldados romanos, Teudas, o milagreiro possuía um grande número de seguidores que o tinham como um grande homem.3 Outro sujeito conhecido pelo gentílico “Egípcio” criou um movimento insurreto e também foi morto pelas forças policiais romanas que não se intimidaram com o grande número de seguidores, conforme Lucas descreve no livro bíblico Atos dos Apóstolos.4 Observando a descrição dos messias 3 At. V, 36: “Porque há algum tempo apareceu um certo Teudas, que se considerava grande homem. A ele se juntaram cerca de quatrocentos homens. Ele foi morto, e todos os que o seguiam foram dispersos e reduzidos a nada.” 4 Saulo de Tarso – Paulo, o autointitulado apóstolo após converter-se a fé em Cristo – foi confundido com este homem insurreto e é questionando por um tribuno militar se ele é o homem conhecido como “Egípicio”, conforme 15 citados a partir dos textos bíblicos, a própria questão da quantidade de messias e o messianismo, o interesse sobre a análise do contexto em que viviam este homens se torna maior a fim de entender o que significou a ação de homens com aspirações messiânicas e sua finalidade. Porém, a investigação historiográfica sobre contexto que Jesus Cristo viveu e a questão do Jesus histórico – que também se autodeclarou messias – é relativamente nova nas investigações historiográficas e carece de fontes disponíveis para a execução desta tarefa, o que dificulta um pouco o trabalho de análise do contexto, levando em conta fontes cristãs e não-cristãs para desenvolver um parâmetro sobre como o movimento do Nazareno e sua mensagem escatológica foram predisponentes para a hostilidades que os judeus-cristãos sofreram após a sua morte, da mesma forma que há dificuldade para a compreensão do Jesus histórico como sujeito político- revolucionário levando em conta a escassez de fontes. Para Aslan (2013, p. 13), “O problema de situar o Jesus histórico é que, fora do Novo Testamento, não há quase nenhum vestígio do homem que iria alterar de modo permanente o curso da história humana. A referência não bíblica mais antiga e mais confiável de Jesus é do historiador judeu Flávio Josefo, do século I (morto em 100 d.C.). Em uma breve passagem na sua obra Antiguidades, Josefo escreve sobre um diabólico sumo sacerdote judeu chamado Ananus que, após a morte do governador romano Festo, condenou ilegalmente um certo ‘Tiago, irmão de Jesus, o que eles chamam de messias’ a apedrejamento por transgressão da lei. A passagem continua relatando o que aconteceu com Ananus após o novo governador, Albino, finalmente chegar a Jerusalém”. O professor e teólogo Rudolf Bultmann concluiu que a busca pelo Jesus histórico é inacessível uma vez que as elaborações das primeiras comunidades cristãs encobriram o homem de Nazaré e destacaram o Cristo.5 Em 1985, um evento de pesquisa sobre o Nazareno chamado The Jesus Seminar, fundado por Robert Funk, buscou analisar Jesus a partir do ponto de vista histórico. O objetivo dos seminários consistia em isolar qual teria sido o núcleo básico dos ditos e feitos de Jesus, diferenciando-os das interpolações anteriores (SCHIAVO, 2009, p. 30). Levando em conta as discussões do Jesus Seminar, na avaliação de Schweitzer (BATALIOTO, descrito em At. XXI, 38: “Por acaso não és o egípcio que há dias promoveu uma revolução, que levou quatro mil guerrilheiros para o deserto?” 5 Bultmann concluiu que essa busca é inacessível levando em conta as análises de Albert Schweitzer sobre a construção de Jesus de Nazaré como mito religioso. Cf. KONINGS, Johan. A Questão do Jesus “Histórico”. Horizonte, Belo Horizonte, v. 1., n. 1, pp. 55-58, 1º sem. 1997. 16 2010, p. 19), a teologia liberal quis inserir Jesus no âmbito da racionalidade universal e fez dele um mestre moral, filósofo humanista, uma criação da burguesia liberal ocidental e buscou esconder o homem revolucionário. Conforme descrito por Batalioto (2010, p. 19), para Schweitzer, na análise de Walter Kasper (BATALIOTO, 2010, p. 19 apud KASPER, 1978), “(...) o Jesus de Nazaré que apareceu como messias, que anunciou a moral do reino de Deus, que fundou na terra o reino dos céus e morreu para consagrar sua obra, esse Jesus não existiu jamais. Se trata de uma figura esboçada pelo racionalismo, animada pelo liberalismo e adornada com roupagem histórica pela teologia moderna.” Portanto, este trabalho tomará como objeto de estudo para a discussão Jesus de Nazaré, o Jesus histórico. A partir disso, a discussão se dá interpretando que a ação de Jesus de Nazaré como líder messiânico não foi um evento isolado no contexto em que ele estava inserido. Próximo do ano IV a.C., data que a maioria dos estudiosos acredita que Jesus de Nazaré nasceu6 alguns sujeitos foram executados por suas aspirações messiânicas. Estes homens de natureza similar à de Jesus são citados nos textos cristãos, como Simão da Pereia e Judas, o Galileu7, ambos mortos por suas aspirações messiânicas. A importância do messias é grande para os judeus, embora houvesse uma divergência sobre quem era ou o que é um messias neste contexto. Segundo Aslan (2013, p. 36), o messias é o descendente do rei Davi e ele vem para restaurar Israel, para libertar os judeus do jugo da ocupação e estabelecer o poder de Deus em Jerusalém. Alguns pensavam que o messias era uma figura que traria de volta a posição de glória e poder perdida pelos judeus. Em grupos mais radicais, o messias era de caráter mais apocalíptico e faria um novo mundo sobre as ruínas. Os essênios era um destes grupos mais radicais e esperava dois messias distintos – um rei, outro sacerdote – embora a maioria dos judeus achasse que o messias seria uma combinação de ambas as características de rei e sacerdote. Isaac (2002, p. 230) infere sobre o conceito de messias afirmando que para todo judeu, discípulo ou não de Jesus, o messias não podia ser senão um vencedor. Além da responsabilidade de ser o redentor de um povo, assumir-se como messias não era uma simples 6 Segundo Dunn (2003), Jesus de Nazaré nasceu próximo ao ano 4 antes da Era Comum, algum tempo antes da morte de Herodes, o Grande, conforme descrito em Lc. III, 23: “Ao iniciar o ministério, Jesus tinha uns trinta anos”. O ministério de Jesus aconteceu no décimo quinto ano da administração do imperador Tibério, estimado no ano 27 ou 28 da Era Comum. 7 At. V, 37: “Depois dele apareceu Judas, o Galileu, nos dias do recenseamento, e arrastou o povo consigo. Mas também ele morreu, e todos os que o seguiam se dispersaram.” 17 declaração. Era, na verdade, um ato de traição. Na Palestina do século I, simplesmente dizer as palavras “este é o messias” ou “eu sou o messias” em voz alta e em público poderia ser um crime, punível por crucificação. Jesus de Nazaré, além de apontado como messias, se afirmou como o último messias.8 1.2. Jesus de Nazaré, o zelota Tradicionalmente entendido como líder zelota, inserir Jesus de Nazaré em qualquer movimento político-revolucionário da época é uma tarefa difícil, mas o que pode ser afirmado a partir do prisma historiográfico é que Jesus de Nazaré foi um homem político-revolucionário, que seu ministério ocorreu por motivos político-ideológicos e que ele foi morto por sua ousadia. Aslan (2009) afirma que Jesus integrou o movimento zelota durante seu ministério e que sua história aconteceu da forma que é conhecida por que ele fez parte deste movimento. Os zelotes eram os homens judeus que zelavam pelo nome de Yahweh, uma “célula revolucionária” dos fariseus, partidários do movimento político judaico que tinha como premissa a ideia de que o povo hebreu deveria rebelar-se contra ocupação romana na Judeia lutando, se possível, armado. Mesmo depois da morte do Nazareno, o movimento zelota não caiu em desuso. Muito pelo contrário, estes movimentos insurretos levaram, por exemplo, à Primeira Guerra Judaico- Romana iniciada em 66 d.C., mesmo ano da morte de Paulo. Imaginar a ação de Jesus de Nazaré, o homem revolucionário zelota infeliz com a ocupação romana, ansioso pela efetivação do Reino de Deus e associá-lo à uma imagem de líder espiritual carismático, pacífico e terno é completamente dubitável. Não há possibilidade de pensar em um líder revolucionário que lutou pelas vias da diplomacia neste contexto, mesmo que o ministério de Jesus fosse aparentemente pacífico. As qualidades humanas e os sofrimentos humanos de Jesus desempenham um papel singularmente reduzido na apologética deste período (DODDS, 1965, p. 136) e o que é importante para a compreensão do líder revolucionário não leva em conta o líder religioso e legitimador da grandeza da crença. A concepção de Jesus como líder zelota é fundamentada, por exemplo, pelas descrições contidas no Novo Testamento, a partir de falas aparentemente xenofóbicas9 e de promoção de 8 Segundo Rancé (2008, p. 127), quando Jesus de Nazaré leu o rolo de Isaías, conscientemente foi escolhida por ele uma passagem profética para anunciar que ele era o messias, conforme Is. LXI, 1-3 (também citado em Lc. IV, 17-19): “O espírito do Senhor DEUS repousa sobre mim, porque ele me ungiu. Enviou-me para levar uma boa- nova aos pobres, medicar os corações despedaçados, proclamar aos cativos a libertação e aos prisioneiros a abertura do cárcere, para proclamar o ano da graça do SENHOR e o dia da vingança do nosso Deus...” 9 Mt. XV, 24: “Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel.” 18 violência.10 Jesus integrou parte de um movimento que a autoridade romana, relativamente simpática às lideranças judaicas, não pôde ignorar. Quando Jesus de Nazaré viveu existiam quatro partidos na região da Palestina: os fariseus, os saduceus, os essênios e os zelotas. Os essênios viviam marginalizados no território de jurisdição romana e esperavam que um dia o Império Romano caísse em ruínas. Os fariseus também seguiam essa linha de pensamento, mas ora ou outra pareciam aderir ao modelo romano de governo a fim de manter as boas aparências na relação com o poder imperial. Os saduceus esperavam pelo messias que iria salvar a Palestina do jugo romano, e enquanto isso não acontecia, participavam do governo romano na região. Os zelotas eram a força de oposição ao jugo romano e sua origem explica a ideologia nacionalista dos seus partidários. Para os zelotas, a Palestina não era de Roma. A Palestina era do Deus de Israel e dos judeus. A origem do zelotismo remonta ao ano 63 a.C., data em que Roma dominou Jerusalém. A entrada do poder romano em Jerusalém aconteceu quando Pompeu Magno, cercado por suas legiões conquistadoras sitiou o Templo de Deus, local mais santo das montanhas da Judeia. O momento que Jerusalém vivia era próspero, seu povo tinha remodelado o reino e o período era de relativa paz, depois da cidade passar por episódios violentos meio milênio antes com a destruição do Templo de Deus em 586 a.C. promovida pelos babilônios. Na época da invasão romana, Jerusalém possuía 100 mil habitantes e era um ponto no mapa do Império Romano de pouco interesse para a autoridade imperial, muito embora a região da fronteira11 e a fluidez dos poderes religiosos e políticos de Jerusalém fossem observadas pela autoridade romana com estreita vigilância, preferencialmente sobre o sumo sacerdote da região (ASLAN, 2013, p. 59). A religião é um elemento de força que fornece um fundamento transcendente de poder (VEYNE, 2009, p. 136) e a autoridade romana sabia que o chefe do Sinédrio tinha um prestígio político e religioso muito alto. A jurisdição do Sumo Sacerdote estava no âmbito de se fazer o cumprimento da lei de Deus e até mesmo a prisão de populares. Os romanos entenderam que se quisessem tomar a região completamente, precisavam subtrair e controlar o Templo. Assim executado, o poder romano passou a nomear e destituir o 10 A promoção de violência é notável no discurso do Nazareno, conforme descrito em Jo. XV, 6: “Se alguém estiver em mim, será lançado fora, como a vara, e secará; e os colhem e lançam no fogo, e ardem”. Quando Jesus de Nazaré instrui seus apóstolos para a pregação, o discurso de violência também é aparente, conforme descrito em Mt. X, 34: “Não penseis que eu vim trazer paz sobre a terra. Eu não vim trazer paz, mas a espada.” 11 A Judeia era uma província imperial localizada próxima às fronteiras do Império Romano com o Império Persa, grande inimigo dos romanos. As hostilidades eram tão intensas que as guerras romano-persas se iniciaram em 92 a.C. e terminaram em 628 d.C., encerradas pelas guerras bizantino-árabes. Manter uma província na região da fronteira auxiliava na observação de investidas contra Roma. 19 líder local, fazendo o exercício da função de chefe do Sinédrio parte das funções públicas romanas. Mesmo sob o julgo romano, a comunidade judaica estava em melhor situação do que outras comunidades que também eram dominadas pelo Império de Roma. De forma geral, a autoridade imperial não tinha grandes problemas com os judeus. O poder romano permitia o livre exercício dos rituais e tudo o que dizia respeito à prática do culto judaico. O culto ao imperador, lei para todo povo dominado por Roma e para todos os romanos foi dispensado para os judeus. O que Roma pedia de Jerusalém era que duas vezes por dia houvesse sacrifício de um touro e dois cordeiros em nome do César e pelo zelo a sua saúde (ASLAN, 2013, p. 40). Mas os judeus possuíam um complexo de superioridade que Roma nunca conseguiu compreender e que foi um dos motivos da violência das perseguições que os judeus-cristãos sofreram no Império Romano após a morte de Jesus de Nazaré. Para os romanos comuns, o tratamento que a comunidade judaica recebia era, no mínimo, incompreensível. César não representava nada para os judeus, não era imortal e não era divino: César era humano, o líder imposto a ser suportado. A comunidade judaica imaginava o líder – o seu líder hebreu – como um desígnio divino, pensamento que é notável nos discursos messiânicos da época. Segundo Veyne (2009, p. 80), é com o cristianismo (e com a conversão de Constantino que inaugura a entrada sistemática da fé nas questões de poder) que começa o problema milenar das relações do trono e do altar. As relações de poder e religião, normalmente muito confusas no mundo moderno, não faziam parte da lógica imperial de exercício de poder. A autoridade imperial romana mantinha uma relação com o povo judeu relativamente boa, mesmo que eventualmente algum conflito e hostilidade ocorresse entre ambas as partes. De forma geral, a relação entre judeus e gentios era pacífica, o que é notável levando em conta a história e a violência do domínio romano. Para Gibbon (2005, p. 237), a harmonia religiosa do mundo antigo pode explicar essa tolerância, geralmente exercida pela maioria dos povos que respeitavam e até mesmo exerciam o culto religioso dos outros povos vizinhos. O erro judaico foi ser o único povo que se recusou a partilhar o intercâmbio cultural religioso. A Judeia estava ocupada, mas a sensação de excepcionalidade e o tratamento de César não tinham nada de especial: este tratamento foi ordenado pelo Deus de Israel que olhava por todo e qualquer judeu. O tratamento que o Império proporcionava a comunidade era exercido como o Deus que combatia por Israel havia ordenado12 para seu povo na Terra. Mas Yahweh não pôde 12 Js. X, 42: “Josué tomou todos estes reis e suas terras de uma só vez, porque o Senhor Deus de Israel combatia em favor de Israel”. 20 interferir no ato da ocupação romana e as lideranças judaicas locais que tomaram a Terra Prometida para seu povo há mil anos atrás tinham que aturar o jugo romano mil anos depois. Aslan argumenta que (2013, p. 29) “(...) no entanto, mil anos mais tarde, essa mesma tribo que tinha derramado tanto sangue para purificar a Terra Prometida de todo elemento estrangeiro, de modo a governá-la em nome de seu Deus, agora se encontrava sofrendo sob a bota de um poder imperial pagão, forçada a compartilhar a Cidade Santa com gauleses, espanhóis, romanos, gregos e sírios – todos eles estrangeiros, todos eles pagãos, obrigada por lei a fazer sacrifícios no próprio Templo de Deus em nome de um idólatra romano que vivia a mais de mil quilômetros de distância.” Essa movimentação dos romanos na Terra Sagrada não foi aceita em silêncio pelos judeus. A dominação pagã era uma afronta ao território sagrado, dado aos judeus por desígnio divino, única e exclusivamente para aquele povo escolhido entre tantos outros. Dessa forma, a violência se tornaria institucionalizada a fim de devolver para as terras sagradas à ordem divina que fora posta de lado com a ocupação romana na Palestina (ASLAN, 2013, p. 29). 1.3. Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus Jesus de Nazaré, um entre milhares de simples judeus, atravessou a Galileia realizando supostos milagres13, convidando pessoas a se tornarem seus seguidores para consolidar o que ele chamava de “Reino de Deus”. Jesus de Nazaré lançou um movimento tão nocivo à ordem imperial que foi perseguido, capturado, zombado, torturado e morto como criminoso de Estado. A autoridade imperial romana não poderia ignorar este homem tão notável e perigoso à manutenção do poder imperial, mesmo que fosse impensável enfrentar a força policial romana sozinho. A violência do conflito entre o movimento de Jesus e Roma tinha como fundamento a premissa de que as relações de poder estabelecidas não deveriam ser modificadas. Jesus de Nazaré resistiu à relação de poder fundamentada pela legitimidade do César, e partindo do pressuposto de pensar na resistência política levando em conta o que está contido nos textos do Novo Testamento, a investigação historiográfica e sociológica sobre o contexto messiânico em que ele estava inserido, o Nazareno foi vencido, enfim, por uma relação de poder inexoravelmente sólida que não sofreria nenhum tipo de alteração pela ação de qualquer grupo 13 O termo “suposto” é utilizado a partir das conclusões obtidas pelo Jesus Seminar. Segundo Schiavo (2009, p. 11), Jesus de Nazaré praticou supostas curas milagrosas sem realizar os procedimentos tradicionais da medicina. O que ele fez foi aliviar sofrimentos que hoje são conhecidos como psicossomáticos. Cf. SCHIAVO, Luiggi. A Busca pelas palavras e atos de Jesus: o Jesus Seminar. Caminhos, Goiânia, v. 7, n. 1, p. 29-53, jan./jun. 2009. 21 e qualquer homem até o surgimento do Nazareno como líder político-revolucionário: Jesus de Nazaré foi morto por motivos político-ideológicos. As acusações que deram embasamento a sua condenação foram os crimes de sedição, blasfêmia14 declarada ao Sumo Sacerdote, perversão da nação e a proibição do pagamento de tributos a Roma. A resposta que Jesus deu à pergunta feita pelas autoridades do Templo de Deus sobre o pagamento de tributos15 depois da quebraria promovida no pátio do Templo16 é parte fundamental da ideia de que Jesus foi perseguido por motivos políticos-ideológicos, levando em conta sua resposta17 que foi interpretada pela força policial do Sinédrio como típica ideologia zelota. Segundo Aslan (2013, p. 101), a explicação é que de acordo com Jesus, César tem direito a “receber de volta” a moeda de denário não porque ele mereça o tributo, mas porque é a sua moeda: seu nome e imagem estão estampados nela e ela circula por todo o território que ele administra. O Deus de Israel não tem nada a ver com isso. A jurisdição divina não tinha nenhuma relação com isso, afinal, o Deus de Israel não exercia seu poder e autoridade sobre os gentios. Deus tem o direito de “receber de volta” a terra que os romanos tomaram para si, porque é a terra dele. “A terra é minha”, diz o Senhor18 e César não tem nada a ver com isso. A pergunta não é simples, mas as forças policiais romanas entenderam a resposta como algo similar a “Então, dê a César a propriedade de César, que não inclui a terra e devolvei a Deus o que é dele, a terra que vocês ocupam ilegalmente”. O que pertence a Deus é a terra que não pertence à Roma. Em uma resposta aparentemente simples, Jesus se denunciou como zelota e caiu na armadilha da pergunta utilizada para descobrir homens que não concordavam com o pagamento de impostos à Roma, argumento suficiente para acusá-lo de ser um zelota, já que a negação ao pagamento de tributo era um crime entendido pela autoridade romana como ação tipicamente zelota. 14 Mt. XVI, 63-68: “O sumo sacerdote lhe disse: Conjuro-te pelo Deus vivo: dize-nos se tu és o Cristo, o Filho de Deus. Jesus respondeu-lhe: Tu o disseste. Entretanto vos digo: Um dia vereis o Filho do homem sentado à direita do Todo-poderoso, vindo sobre as nuvens do céu. Então o sumo sacerdote rasgou as vestes e disse: Blasfemou! Que necessidade temos de mais testemunhas? Acabais de ouvir a blasfêmia. O que vos parece? Eles responderam: É réu de morte. Então começaram a cuspir-lhe no rosto e a dar-lhe bofetadas, e outros a ferir-lhe o rosto, e diziam: Advinha, ó Cristo, quem foi que te bateu?” 15 Mt. XXII, 17: “Dize-nos, pois, o que te parece: É justo pagar imposto a César ou não?” 16 Mc. XI, 11-17: “Chegaram a Jerusalém. Entrando no Templo, Jesus começou a expulsar os que ali vendiam e compravam. Derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos vendedores de pombas. Não permitia que ninguém transportasse objetos pelo Templo. E ensinava, dizendo-lhes: Não está escrito: A minha casa será chamada casa de oração para todas as nações? Vós, porém, fizestes dela um covil de ladrões!” 17 Mt. XXII, 21: “Pois dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. 18 Lv. XXV, 25. 22 Na criação do mito de Jesus, episódios como a pergunta sobre tributação ser devida ou não são destaque para a compreensão do incômodo e notabilidade que ele causou às autoridades romanas. Sua vida a partir do exercício do seu ministério foi tão notável que sua morte deveria ser notável como sua existência. No fim da sua vida, segundo a literatura cristã, Cristo sentiu o medo da morte no jardim dos Montes das Oliveiras – o Getsêmani – e como já havia supostamente previsto, foi traído por Judas e negado por Pedro três vezes. Logo após foi condenado pelo Sumo Sacerdote, mesmo que houvesse dificuldade em achar algum testemunho para acusá-lo formalmente19 e condená-lo. Mas Jesus se denunciou com sua fala blasfema (na resposta sobre se ele é ou não o Cristo) e o seu zelotismo (a negação de pagar impostos a Roma e sua vontade em consolidar o Reino de Deus a partir da ideia de que ele seria o rei dos judeus). Em poucos instantes estavam fundamentadas as acusações contra Jesus que o levariam a morte na cruz no Gólgota. Depois de capturado, Cristo foi vestido com um manto de cor púrpura e com uma coroa de espinhos. Para os soldados romanos, naquele momento de zombaria, Jesus de Nazaré era, finalmente, o Rei dos Judeus.20 1.3.1. A investida persecutória contra Jesus de Nazaré: fundamentos jurídicos Levando em conta a história dos messias anteriores a Cristo, chamar Jesus de messias, portanto, era colocá-lo em conflito direto e imediato com a autoridade policial romana. Roma jamais aceitaria que um homem do interior do império pudesse causar tantos problemas. Perseguição gera desordem de todos os tipos e a autoridade imperial, como qualquer liderança de Estado, não queria um sujeito criando problemas e principalmente não permitiria nenhum movimento suficientemente sólido e uniforme que pudesse ameaçar a autoridade romana, mesmo que isso fosse impensável por qualquer homem ou movimento insurreto neste contexto. A autoridade judaica superior não entendia o que Jesus de Nazaré profetizava no seu ministério e seu parecer sobre a sua condenação foi o mesmo dos romanos. Segundo Cietto e dos Santos (2005), quando Roma passou a administrar a Judeia tornando-a uma procuradoria imperial, foi conferido às autoridades judaicas o poder de autoridade geral. Não se podia executar nenhuma sentença sem a aprovação dos judeus. Roma era o poder maior, era a verdade incontestável no direito do exercício do poder e fixava o limite 19 Mc. XIV, 55: “Os sumos sacerdotes e todo o Sinédrio procuravam um testemunho contra Jesus, para condená- lo a morte, mas não o achavam”. 20 Mc. XV, 16-20: “Os soldados o conduziram para dentro do pátio do palácio e convocaram todo o batalhão. Vestiram-lhe um manto de púrpura e o coroaram com uma coroa tecida de espinhos. E começaram a saudá-lo: Salve, rei dos judeus”. 23 de poder que outras lideranças poderiam exercer dentro do território que estava sobre o seu jugo. O problema da filosofia política discutido por Foucault (2015, p. 278) é visualizado no exercício do poder imperial romano, apresentado aos povos dominados como um tipo de verdade incontestável e imposta, se necessário, pela força: como pode o discurso da verdade, ou simplesmente a filosofia entendida como o discurso da verdade por excelência, fixar os limites do poder? A autoridade judaica agiu sem imaginar qual seria o limite do seu poder já que a autoridade romana lhes conferia poder e jurisdição sobre seu povo de forma jurídica e não só religiosa. Por isso, a política do direito romano, inexoravelmente rígida, foi injusta com a condenação de Jesus de Nazaré.21 Segundo Cietto e dos Santos (2005, p. 08), no momento que Pôncio Pilatos proferiu a sentença Ibis in crucem (subirás à cruz), a condenação seria executada por um tribunal romano, quando, a partir do exercício do Direito romano, Cristo deveria ser julgado formalmente pelo Sinédrio. O processo de condenação de Jesus foi executado a partir de inúmeras irregularidades, como a sua prisão com intenção prévia de condenação, zombaria e a própria condenação do Grande Conselho. O Sinédrio não poderia conduzir nenhum processo sem a permissão do Procurador romano, mas observando o contexto messiânico, a transgressão dos dispositivos da lei era uma tentativa de condenar uma pessoa a fim de minar as ações dos bandidos (ou supostos bandidos) que agiam contra a autoridade romana. A ação de Pôncio Pilatos é a personificação desta ideia: para não perder seu prestígio e posição, Pilatos preferiu entregar o Nazareno para a crucificação.22 Cristo não resistiu e sucumbiu ao poder romano. Ele salvou os outros, a si mesmo não pode salvar.23 Os judeus-cristãos interpretaram sua morte de uma forma diferente. Eles esperam a volta dele, sua salvação e a consolidação da sua palavra. O espírito (ainda) está sonhando no homem (KIERKEGAARD, 2010, p. 45). Esta é a premissa do dogma cristão, construída a época da sua morte. Os judeus ortodoxos não entenderam a vida e morte de Jesus como messiânica e até hoje esperam o seu messias.24 A discordância dos judeus-cristãos e dos não-cristãos 21 A definição de Direito para os romanos remetia obrigatoriamente aos seus principais mandamentos, que eram “viver honestamente, não lesar ninguém e dar a cada um o que é seu” (CIETTO e DOS SANTOS, 2005, p. 07 apud CASTRO, 2003, p. 83). Estes princípios não foram utilizados para conferir legitimidade à condenação de Jesus, executada a partir de inúmeras irregularidades. Jesus era culpado, mas o processo que o condenou foi conduzido de forma irregular. 22 Para Speidel (CIETTO e DOS SANTOS, 2008, p. 08 apud SPEIDEL, 1979, p. 93), “Pilatos agiu muitas vezes irrefletidamente. Não tinha compreensão para com os judeus e nem para com os seus costumes”. 23 Mt. XVII, 42. 24 A comunidade protocristã lamentou que os judeus ortodoxos negassem a vinda do messias. Paulo lamenta a negação de Cristo pelos judeus ortodoxos, conforme Rm. IX, 6: “Não é que a palavra de Deus tenha ficado sem efeito. É que nem todos nascidos de Israel são Israel”. 24 evidencia que a distância na compressão entre o que significa o Jesus apocalíptico é também a mesma distância em relação ao que significa o Jesus revolucionário (ŽIŽEK, 2014 apud ALTIZER, 1997). Naquele momento que o ministério de Jesus chegou ao fim, a comunidade da Judeia estava dividida sobre como interpretar a mensagem escatológica do Nazareno. A consciência judaica parecia suspensa num estado de desequilíbrio (DAWSON, 2014, p. 176 apud DANIEL-ROPS, 1962, pp. 43-44). A morte de Jesus de Nazaré não foi um evento isolado na história da violência romana contra os judeus e nas transformações que o Império Romano sofria, já que homens com intenções similares foram mortos de forma parecida. Mas a morte de Jesus foi diferente de qualquer outra morte promovida pela violência da força policial romana. A morte dele significou o começo de uma nova ordem no Império Romano e em Israel, já modificada pelo ministério de Jesus. A simbologia da morte de Cristo possui duas perspectivas distintas levando em conta a interpretação historiográfica. A primeira é que as intenções do Nazareno em reformar os velhos cultos romanos falharam porque não havia possibilidade de fazê-lo. As forças conservadoras não permitiriam uma alteração tão profunda nas instituições romanas, mesmo que o anseio pela mudança fosse escamoteado por um discurso profético e difícil de se fazer entender dentro e fora da Judeia. Nenhum profeta é entendido ou bem recebido na sua própria terra.25 O Reino que Jesus de Nazaré pregou e seu ministério não corresponderam às expectativas dos hebreus sobre o líder aguardado: a de um rei guerreiro triunfante que iria destruir o poder dos gentios e restaurar o poder de Israel (DAWSON, 2014, p. 172). O que aconteceu não era esperado: Jesus de Nazaré falhou no que se propôs a fazer. A segunda perspectiva sobre a morte de Cristo é que sua vida e ministério marcariam a religião romana profundamente, mesmo que a intenção do movimento zelota fosse a de formar o Reino de Deus na terra e não de substituir o culto pagão, mesmo que o paganismo gerasse sentimento de oposição nos judeus. O ministério de Jesus não tinha intenção de ser uma seita protestante dentro do judaísmo, ele simplesmente aconteceu por questões ideológicas divergentes dentro dos grupos judaicos que interpretaram de formas distintas a vida e as suas ações, da mesma forma que o Nazareno interpretou que seu ministério era legítimo e que ele era o Filho do Homem. 25 Lc. IV, 24: “E continuou: Eu vos asseguro: Nenhum profeta é bem recebido em sua própria terra”. 25 1.3.2. Cristologia da morte: mártir ou ignorância de Roma? Considerando a simbologia da morte de Jesus fundamentada na cristologia de João, a submissão de Jesus à sua crucificação foi um sacrifício para uma eventual vitória dos judeus em algum momento incerto e desconhecido, mas muito aguardado por todos. No Ato dos Apóstolos não há grande alarde com a crucificação26 porque ela é, na verdade, um plano de Deus executado pelo Nazareno, imbuído pelo espírito da providência divina.27 O plano divino era este, mas os judeus entregaram o Nazareno nas mãos dos que não tinham fé e que desprezaram a fé. A partir da perspectiva cristológica paulina contida na Primeira Epístola aos Coríntios, a morte de Jesus de Nazaré tem caráter escatológico28 e que se a sabedoria divina fosse do mundo dos vivos, ela impediria a morte do Nazareno. Nas cartas de Paulo aos gálatas, Jesus e sua morte representam uma nova ordem que se sobrepunha a antiga ordem universal, o que significava, além de muitas outras coisas, que judeus e gentios eram iguais, tanto como homens e mulheres, livres e escravos, gregos e latinos, porque “Todos vós sois filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo, pois todos vós, que fostes batizados em Cristo, vos revestistes de Cristo. Já não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher, pois todos vós sois um só Cristo Jesus. Ora, se sois de Cristo, então sois descendência de Abraão, herdeiros segundo a promessa.” (Gl. III, 26 – 29) Observando a ação do movimento que Jesus de Nazaré liderou e o que ele significou para a autoridade imperial romana, uma única afirmação verídica pode ser feita levando em conta a historicidade e a violência dos conflitos judaico-romanos antes da morte de Jesus de Nazaré e depois dela, nas investidas persecutórias contra os judeus-cristãos promovida pelos imperadores Nero, Vespasiano, Trajano e Adriano: a paralaxe judaica, a leveza insuportável de 26 At. II, 22-23: “Israelitas, escutai estas palavras: Jesus de Nazaré, homem de quem Deus deu testemunho diante de vós com milagres, prodígios e sinais, que Deus por ele realizou, como vós mesmos o sabeis, depois de ter sido entregue, segundo os desígnios da presciência de Deus, vós o crucificastes e o matastes por mãos dos ímpios”. 27 Filósofos e teólogos discutem há séculos a natureza da ação divina na morte do Nazareno. Segundo Chauí (1999, p. 114), em uma correspondência de Spinoza para Willem van Blijenbergh, há uma questão levantada por Blijenbergh sobre a vontade divina e a cristologia da morte do Nazareno: se a providência e a vontade divina forem uma só e mesma coisa e se a conjuntura divina conservar tudo o que foi por Ele criado, parece (o grifo é de Spinoza) ou que Deus é o autor do mal (também executado na morte de Cristo) ou que ele não existe. 28 1Cor. II, 6-8: “Todavia, ensinamos entre os perfeitos uma sabedoria que não é deste mundo, nem dos chefes deste mundo, que são reduzidos a nada. Mas ensinamos uma sabedoria divina, misteriosa, escondida, predestinada por Deus antes dos séculos para a nossa glória. Nenhum dos chefes deste mundo a conheceu, pois se houvessem conhecido, nunca teria crucificado o Senhor da glória”. 26 ser judiado e o peso insuportável de ser divino em terras pagãs mudou. A eternidade e infinitude de Deus são ao mesmo tempo, absolutamente reais e absolutamente incompreensíveis (CHAUÍ, 1979, p. 13) para todos os que acreditam na sua força, onipresença e onisciência como também são absolutamente reais e absolutamente incompreensíveis da mesma forma para os que não acreditam na sua força, onipresença e onisciência. A autoridade romana era um dos grupos que observava a questão judaica e sua ideologia, depois da ação do movimento liderado por Cristo, como um elemento absolutamente ilegal e, portanto, deveria ser neutralizado. Após a ação do Nazareno como líder de um movimento político, não haveria condição de manter a relação entre gentios e judeus sem hostilidades porque Jesus de Nazaré afirmou ser rei em uma terra que era de um imperador. Infelizmente, o que não foi notado por todo o movimento zelota e pelo próprio Jesus de Nazaré, talvez pela fé que transcendeu qualquer pensamento real sobre a situação da Judeia ou por qualquer motivo inacessível para o historiador, é que a autoridade romana jamais aceitaria que um sujeito comum – mais um entre tantos – ousasse anunciar-se como rei em um território já administrado por César. A religião não funcionava como um elemento de sabedoria, mas sim, de força. Por ora, depois da morte de Cristo, a religião era apenas consolação para a alma do devoto, reduzindo- se a preceitos muito simples de um Deus bom e justo que deve ser obedecido (CHAUÍ, 2015, p. 12). Para os que acreditavam na palavra de Yahweh, ele era a verdade, mesmo que a autoridade romana insistisse em dizer que a verdade era o poder imperial e que essa verdade estava evidente na condenação e morte do Nazareno: a terra prometida não é dos judeus e qualquer um que disser o contrário será morto. Porém, a única verdade naquele momento não era a verdade do Deus de Israel, não era a verdade que o poder romano impunha e que era a essência da relação de poder exercida sobre o povo judeu. Naquele momento que Jesus de Nazaré sucumbiu à força policial romana no Gólgota, crucificado como prova absoluta de fé, exercendo o fracasso que se transcendeu em triunfo (THELAMON, 2009, p. 36), a paralaxe judaica era evidente. O derradeiro teste de fé e verdade para os cristãos ia além do que Paulo escreveu na Epístola aos Coríntios.29 A única verdade após a morte do messias conhecido como Jesus de Nazaré era que o tratamento especial dos romanos acabou. 29 1Cor. XV, 17: “Se Cristo não foi ressuscitado, então nossa fé é vazia e sua fé é em vão”. 27 2. MODELOS DE APREENSÃO HISTORIOGRÁFICOS DAS PERSEGUIÇÕES AOS CRISTÃOS ENTRE OS SÉCULOS I E IV “De mil maneiras somos pressionados, mas não esmagados. Vivemos perplexos, mas não desesperamos, perseguidos, mas não desamparados. Somos abatidos até o chão, mas não aniquilados, trazendo sempre no corpo a morte de Jesus para que também a vida de Jesus se manifeste em nosso corpo”. (2Cor, IV, 8 - 11) As perseguições à comunidade protocristã foram parte importante da ascensão do culto, da criação da unidade cristã e da história do cristianismo. Sua consolidação e grandeza foram construídas, além de outros fatores, a partir das investidas persecutórias que as autoridades romanas e judaicas executaram que acabaram por fortalecer as cristandades. A historiografia selecionada investigou quais foram as intenções em perseguir, seus resultados e sua eficácia. Assim, se faz necessária a busca de aproximações e divergências no que foi concluído sobre as perseguições a fim de posterior comparação. 2.1. Filosofia política como fundamento para as perseguições Roma sempre foi um local de eventos muito delicados desde sua fundação até a sua queda. Sua fundação em 753 a.C. com os míticos Rômulo e Remo é, ainda, uma belíssima história lendária do que se tornaria a capital do mundo alguns séculos depois. Roma se organizou politicamente de três formas distintas no período que vai de 753 a.C. até 566 d.C.: de sua fundação em 753 a.C. até 510 a.C., Roma era uma monarquia: Regnum Romanum. Neste período, de acordo com a tradição, os reis que governaram Roma foram Rômulo (morto em 715), Numa Pompílio, rei sabino (715-672), Tulo Hostílio, rei romano (672-640), Anco Márcio, rei sabino (640-616), Tarquínio Antigo, rei estrusco (616-578), Sérvio Túlio, rei estrusco (616- 578) e Tarquínio Soberbo, filho de Tarquínio Antigo (534-509). De 510 a.C. até 27 a.C., Roma foi uma república, a Res Pvblica Romana estabelecida às Guerras Púnicas e de 27 a.C. até 566 d.C., Roma foi o Imperum Romanum ou Senatus Populusque Romanus (BORNECQUE, 1976, p. 06). O que é notável através de todo o período desde a fundação de Roma até a morte de Jesus de Nazaré é que, durante quase toda a sua existência, o Império Romano lidava relativamente bem com as outras religiões que eram concomitantes ao culto pagão e dava certa liberdade aos cultos diversos, muito embora a tolerância religiosa fosse quase extinta menos de quatrocentos anos após o século I. O fundamento da intolerância religiosa dos romanos aos 28 cristãos partiu do princípio de que a lógica cosmológica e a ordem político-social não poderiam, não deveriam e não seriam modificadas por nenhum grupo. O último grupo que tentou fazer isso teve seu líder torturado, condenado e morto em uma cruz. Outro fundamento da intolerância religiosa é que o Império Romano não precisava de novas bases espirituais e morais e isso era justamente o contrário do que dizia a doutrina judaico-cristã, além de reforçar uma nova identidade para os fiéis. Segundo Woolf (2017, p. 326), a noção de conceber uma religião como uma entidade demarcada com suas próprias instituições, com elementos que podem ser dicotômicos com o conceito de cidadania é algo relativamente nova na história e o foi o cristianismo que iniciou essa transformação. A questão identitária foi um dos muitos problemas que o judeus-cristãos enfrentaram no período em que eram interpretados como elemento estranho aos romanos, no tempo que o cristianismo não era uma instituição, mas era uma seita protestante dentro do judaísmo. Os judeus-cristãos imaginavam que sua identidade religiosa estava além do papel que eles exerciam na sociedade em que estavam inseridos. Os judeus ortodoxos entendiam que sua identidade religiosa não tinha relação com o lugar que eles ocupavam socialmente no território que estava sobre o jugo romano. Esta noção de superioridade não foi entendida pela autoridade imperial e foi um dos vários motivos que levaram as perseguições. A superioridade hebraica era um sentimento, não uma realidade. Essa foi uma herança dos judeus para os judeus-cristãos que foi reinterpretada tardiamente pelo trono imperial. Enquanto essa reinterpretação não foi executada pelo trono imperial, a comunidade cristã primitiva sofreu com as perseguições, violência e morte. Para compreender as investidas persecutórias que o Império executou é importante lembrar que até o século II todas as ações de perseguição encontravam-se circunscritas às autoridades das províncias romanas. As ações persecutórias eram executadas pela autoridade romana, o que era a regra universal no Império: o código de lei limitava a pena capital estritamente ao governador romano. No episódio do julgamento de Jesus de Nazaré, Pôncio Pilatos afirmou publicamente que o Nazareno era inocente das acusações30 e deixou que populares decidissem sobre a condenação. Este ato do governador da Judeia romana não condiz com a premissa da ação persecutória romana a partir do segundo século da Era Cristã. As perseguições não eram simplesmente o ato de buscar a extinção ou minar o incipiente e descentralizado cristianismo primitivo (como foi a perseguição ao movimento liderado por 30 Mt. XXVII, 24: “Estou inocente do sangue deste justo. Considerai isso”. 29 Cristo), ela funcionava como um elemento que reforçava a religião civil romana, como o imperador Décio (201-251) e Valeriano (201-251) fizeram (DAWSON, 2014, p. 215). Um exemplo do Estado executando as perseguições é um dos eventos mais curiosos da história romana: o incêndio de Roma. Nero, culpado pelo incêndio, procurou pretextos para não ser julgado responsável pelo incêndio, atribuindo-a um grupo de pessoas que foi incriminado, segundo descrito por Tácito: “Nero, para desviar as suspeitas, procurou culpados, e castigou com as mais terríveis penas a certo grupo, já odiado por suas abominações, que o vulgo chamava cristãos” (SILVA, 2011 apud Tácito, Anais XV, 44, p. 03). Segundo Croix (SILVA, 2011b apud CROIX, 1963), neste contexto, o poder imperial não intervinha diretamente sobre a questão dos cristãos, e sim os governadores de província, como contido no Evangelho de Lucas, no episódio que Jesus de Nazaré foi interrogado por Pôncio Pilatos e Herodes Antípoda.31 2.2. A interpretação dawsoniana O historiador galês Christopher Dawson (1889 – 1970) foi um dos grandes nomes da história da religião. Dawson caracterizou suas obras pelo diálogo interdisciplinar riquíssimo com a antropologia, sociologia, literatura, teologia e filosofia. A obra analisada neste trabalho, A formação da Cristandade: das origens na tradição judaico-cristã à ascensão e queda da unidade medieval (1967) consiste nas aulas que ele ministrou na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, entre 1958 e 1962. Dawson abordou a história do cristianismo primitivo até a queda da unidade medieval a partir do prisma cultural, mas sem negligenciar os aspectos políticos e econômicos quando discute sobre as perseguições. Dawson explica que o cristianismo surgiu como seita protestante dentro do judaísmo no momento que o maior governo do mundo atingia seu pleno desenvolvimento e que o ápice da prosperidade romana foi construído e consolidado não em bases morais, mas sim, em violência e crueldade (2014, p. 206). A comunidade protocristã sabia que estava além da impenetrável ordem romana, separados por uma fissura muito profunda que os segregava dos romanos. De um lado, estava a ordem imperial, exercida pela força, morte e demonstração de poder já entendida na morte de Jesus de Nazaré como na morte de Pedro, supostamente morto nas investidas persecutórias que Nero executou a fim de culpar quaisquer sujeitos pelo incêndio que reduziu boa parte de Roma às cinzas. No outro lado estavam os novos judeus, os 31 Lc. XXIII, 5-7: “Eles, porém, insistiam, dizendo: Ele subleva o povo, ensinando por toda a Judeia, desde a Galileia, onde começou, até aqui. Ouvindo isto, Pilatos perguntou se era galileu. Informado que era da jurisdição de Herodes, remeteu-o a Herodes, que também naqueles dias estava em Jerusalém”. 30 semeadores de uma nova ordem que desorganizava completamente a construção delicada do mundo antigo. A Igreja infante funcionou como uma ordem que não tinha relação com o mundo antigo. Muito pelo contrário, a Igreja foi substituindo aos poucos o helenismo que era presente no Império Romano. O helenismo era uma cultura forte, de grande tradição patriarcal e comunicável para outros idiomas, mas não tinha unidade espiritual, fato que deu margem para que o cristianismo primitivo pudesse buscar algum espaço. Mesmo que o cristianismo estivesse substituindo as características da religião helenística aos poucos (como o abandono da tradição de homens que interagiam com deuses na mesma instância física), o cristianismo e seus seguidores utilizaram do pioneirismo helenístico sobre a compreensão do mundo para criar a própria ideia sobre o lugar que eles habitavam. Assim, a abordagem filosófica tomou as rédeas do pensamento protocristão e pôde, quatro séculos mais tarde, proporcionar fundamentos suficientes para que Santo Agostinho escrevesse “A Cidade de Deus”, primeiro esforço teológico-filosófico cristão. A cultura helenística ainda era muito forte e não tinha interesse em fornecer ao culto cristão lugar neste meio. O cristianismo primitivo possuía elementos detestáveis para a cultura helenística, conforme descrito por Luciano de Samósata na sua obra De Morte Peregrini32: “Os cristãos, como sabes, adoram um homem até hoje – o personagem distinto que introduziu seus rituais insólitos e foi crucificado por isso (…) Essas criaturas mal orientadas começam com a convicção geral de que são imortais o que explica o desdém pela morte e a devoção voluntária que são tão comuns entre ele; e ainda foi incutido neles pelo seu legislador original que são todos irmãos, desde o momento que se convertem, e vivem segundo as suas leis. Tudo isso adotam como fé, e como resultado desprezam todos os bens mundanos considerando-os simplesmente como propriedade comum”. Já no século II o cristianismo começou a passar pelo processo definitivo que descaracterizaria sua associação com o judaísmo. No segundo século da era cristã, o cristianismo existia e era exercido mais intensamente no mundo helenístico do que nas comunidades judaicas (HILL, 2007, p. 61). O cristianismo era promovido em grego e não em aramaico, era urbano e caminhou para um novo cenário religioso em detrimento do culto e mundo hebreu. Para Hill (2007, p. 61), é difícil determinar como aconteceu o declínio do cristianismo judaico, mas a mudança era inevitável. Os últimos eventos de violência que a força 32 SAMÓSATA, Luciano de. De Morte Peregrini, 11 – 3, p. 450; Em: GEISLER, Norman, Enciclopédia de Apologética. São Paulo: Editora Vida, 2002. 31 policial romana exerceu na Palestina afastaram os judeus mais ainda dos gentios e essa distância deu margem para que os cristãos pudessem se inserir dentro do mundo pagão no século I.33 Neste momento, a expectativa messiânica alcançou o auge: de um lado, no surgimento do cristianismo, e de outro a revolta do povo hebreu contra o poder dos gentios, o que levou à destruição de Jerusalém e a reconstrução do judaísmo em novas bases (DAWSON, 2014, p. 171). Para Mimouni (2009, p. 22), a separação do cristianismo com o judaísmo foi o resultado das hostilidades interjudaicas (judeus-cristãos e judeus ortodoxos) e posteriormente em uma forma antijudaica (judeus e cristãos). Os cristãos não foram tão radicais como foram seus antepassados próximos. Dawson reforça que embora a comunidade protocristã tivesse herdado o juízo do protesto judaico contra a força imperial romana, a comunidade não tinha intenções muito radicais no que diz respeito a qualquer reforma de ordem social (DAWSON, 2014, pp. 206 – 207). Dessa forma, a comunidade cristã perdia a identificação com o radicalismo exercido pela comunidade judaica da Palestina, mas também perdia o mínimo de identificação que possuía com os gentios. A comunidade protocristã não interpretava a dominação romana da mesma forma que o movimento de Jesus de Nazaré. Para os judeus-cristãos, a dominação romana era, sim, uma ordem dada pelo seu Deus e concentrava no retorno de Cristo a vitória sobrenatural sobre os homens de Roma. Essa forma de pensar e entender a posição que eles ocupavam na sociedade imperial os afastou de romanos e judeus e inseriu a comunidade infante em um cotidiano que se tornou oculto aos olhos de todos. A partir deste discurso, a ligação mantida pelos judeus- cristãos com o mundo pagão tornou-se, normalmente, acidental (DAWSON, 2014, p. 206). Começaram neste momento as perseguições aos judeus-cristãos dentro do Império Romano. Dawson infere na discussão explicando como a vida social oculta e a substituição da associação à cidade pela Igreja como o relacionamento fundamental do homem com o próximo foram elementos predisponentes para a fundamentação das investidas persecutórias (DAWSON, 2014, p. 208). A forma que o cristão vivia isolado no Império causou consequências revolucionárias, ao invés de causar nenhuma reação. O cristianismo infante possuía na sua doutrina a valorização da classe não privilegiada, o que é completamente dicotômico com a organização da sociedade antiga que privilegiava as classes altas em detrimento das mais baixas. Dawson explica que essa relação aparentemente simples era mais complexa porque se 33 Reforçando a distância entre o mundo judaico e pagão, um evento colaborou para que o distanciamento fosse ainda maior, assim como condenou o cristianismo incipiente. A destruição do Templo em 70 d.C., ocorrida no contexto da Primeira Guerra Judaico-Romana foi sintomática para as hostilidades posteriores. 32 relaciona diretamente com a questão econômica. Segundo Dawson (2014, p. 208), a regra romana de cidadania tinha ligação direta com a questão econômica, o que significava que a posição do homem no Império era, geralmente, determinada pela quantidade de bens tributada às suas propriedades no censo. Quando o cristianismo surgiu com o discurso de que ricos, pobres, romanos, estrangeiros e todos se reuniriam em condições iguais, a autoridade imperial romana percebeu que o movimento incipiente não era tão pacífico quanto parecia. Além do pobre ser exaltado, o rico era rebaixado no mundo que era deles.34 Apresentando estes pontos, Dawson encerra a discussão sobre a política das perseguições e avança na discussão sobre a ascensão do cristianismo no Império Romano e a formação da cultura bizantina. A conclusão de Dawson sobre a política das perseguições é que perseguir foi um ato falho da autoridade romana. Perseguir os cristãos fez com que a concepção de mártir se espalhasse como uma mensagem de profissão de fé, o que é a função do culto em si, levando em conta a premissa que o cristianismo é uma religião de profissão de fé. A partir do pensamento veyneano, no que diz respeito a discussão sobre a finalidade das hostilidades entre gentios e cristãos, a oposição entre pagãos e cristãos tem apenas sentido religioso e não político ou nacional (VEYNE, 2009, p. 115 apud INGLEBERT, 1994, p. 233). O cristianismo revelou a simplicidade do culto pagão, o que minou o exercício da religião do mundo antigo e deu espaço para uma nova ordem em ascensão primitiva. Veyne lembra (2009, p. 41) que se dermos crédito à Epístola aos Romanos, o mundo pagão era apenas vícios.35 Observando o conteúdo da epístola aos romanos, o processo de ascensão do culto cristão e a conjuntura dos fatos durante os quatro primeiros séculos depois da morte do Nazareno, para Durant (1950, p. 364), a função histórica do cristianismo foi restabelecer a base moral do caráter e da sociedade por meio de sanções sobrenaturais e apoio aos preceitos de ordem social, e infundir nos rudes bárbaros, por meio de um credo imbuído de milagres, mitos, medo, esperança e amor, a ideia de conduta mais elevada, bases que o mundo pagão não possuía. As perseguições só reforçaram o que já era muito presente no pensamento da comunidade protocristã infante: a perpetuação da mensagem do Filho do Homem aconteceria em pouco tempo e seus mártires não esqueceriam dos seus irmãos. Muito pelo contrário, todos estavam sob o olhar de Deus e o poder dele reinou 34 Tg. II, 5 – 7: “Ouvi, irmãos meus caríssimos: Deus não escolheu os pobres aos olhos do mundo como ricos na fé e herdeiros do reino que ele prometeu aos que o amam? Mas vós desprezastes o pobre! Não são os ricos que vos oprimem e vos arrastam para os tribunais? Não são eles que blasfemam o bom nome do invocado sobre vós?” 35 Rm. I, 29: “Estão cheios de toda injustiça, malícia, avareza e maldade. Repletos de inveja, homicídio, discórdias, fraudes e malvadeza”. 33 sobre os gentios.36 Dawson concluiu que as perseguições aos cristãos no Império Romano foram um fracasso político, já que em termos espirituais houve uma divisão enorme. Para Dawson, a única solução para este problema foi o talento de Constantino (2014, p. 205). 2.3. A interpretação thelamoniana Françoise Thelamon é uma das autoras que participou da obra do historiador francês Alain Corbin, História do Cristianismo: para compreender melhor nosso tempo (2010). Thelamon é Professora-Emérita da Universidade de Rouen na França e seus temas de investigação sempre tem relação com a história do cristianismo. Na obra analisada, Thelamon contribuiu para a discussão com dois capítulos sobre as perseguições e os costumes cristãos no mundo pagão. Thelamon infere sobre as perseguições afirmando que, incialmente, os cristãos não foram perseguidos sistematicamente e que isso só aconteceu em meados do século III (2009, p. 34). A autora discute porque o Império Romano, relativamente tolerante e simpático com os diferentes cultos, perseguia os cristãos e afirma que a resposta de Jesus de Nazaré sobre se é devido ou não pagar tributo a Roma ia na contramão da política normativa do mundo antigo, o que foi parte das fundamentações políticas das investidas persecutórias, levando em conta que ele era o líder do movimento que a autoridade romana perseguiu e que se tornou mártir para os judeus-cristãos. Thelamon explica que a resposta era a base da lealdade política dos cristãos e do status de submisso ao Estado romano, mas também consistia na separação dos domínios políticos e religiosos, ao mesmo tempo que seu entrelaçamento era política normativa do mundo antigo (2009, p 34). As políticas normativas do Império Romano inseriram os cristãos na categoria de cidadãos que não era bem vista pelos gentios. Thelamon concorda com Gibbon quando infere sobre a superioridade judaica que foi herdada pela comunidade cristã-primitiva.37 36 Na mensagem de Constantino aos seus súditos orientais (VEYNE, 2007 apud CAMERON, A., HALL, S.G, 1999) em 325, o imperador conta que soube, em 303, que Apolo acabara de notificar em Delfos que já não podia fornecer oráculos verídicos, porque a presença de Justos sobre a Terra o impedia. Tendo o imperador Diocleciano perguntado, à sua volta, quem poderiam ser estes Justos, um oficial da guarda imperial respondeu: “Provavelmente os cristãos”. 37 Considerando esta afirmação, se faz necessário lembrar que o cristianismo primitivo surgiu como uma seita protestante dentro do judaísmo e que sua fundação não foi um evento hegemônico, como Jesus de Nazaré não é seu fundador. Segundo Mimouni (2009, p. 18), as comunidades cristãs da Palestina só podem ser compreendidas a partir de uma minuciosa e delicada análise sobre os sujeitos que difundiram a mensagem do Cristo em meios judaicos e pagãos: Tiago, Pedro e Paulo. Foram estes homens que criam um movimento com origens proféticas e tendenciosamente messiânico. Cristo era um homem judeu e exercia o judaísmo, da mesma forma que seus seguidores. 34 A interpretação thelamoniana é análoga a interpretação dawsoniana quando infere sobre a promoção do ideal de martírio. Segundo Thelamon (2009, p. 36), pouco tempo após o ano 200, os cristãos são muito mais numerosos e toda cidade que possuía uma comunidade cristã tinha uma Igreja com um bispo local, assistido por diáconos e padres. Mesmo que a comunidade tivesse encontrado o mínimo de unidade, houve perseguição e no ano 249, em Alexandria, um massacre anticristão aconteceu e foi sintomático para a exaltação do ideal de martírio, sacrifício e a imitação de Cristo. No decorrer do século III, iniciaram-se as perseguições sistêmicas. Se antes elas eram esporádicas, locais e pontuais, no século III se tornaram jurídicas. Os motivos que levaram a essa perseguição sistêmica foram as invasões dos godos, acontecimento entendido como uma ruptura da paz dos deuses. Thelamon explica que o imperador Décio ordenou um tipo de súplica geral e todos os cidadãos romanos (os habitantes livres) e suas famílias deveriam realizar um ato em honra aos deuses. Para isso, certificados foram emitidos para os que cumpriram a tarefa. E assim, mesmo sem intenção prévia e édito de perseguição, o suplício inaugurou uma perseguição sistêmica aos cristãos que se recusaram a executar o ato em honra aos deuses de Roma e não praticaram o culto pagão pela volta da ordem no Império Romano. A perseguição aos cristãos ocorria, portanto, não pelo o que os cristãos eram, mas pelo o que eles faziam. No caso, a perseguição iniciou-se pelo fato de que a comunidade cristã não executou uma ordem imperial importantíssima para a manutenção do bem-estar social romano: eles foram perseguidos pelo o que não faziam. Os mártires voluntários surgiram e reforçaram mais ainda a unidade e crença da comunidade forçada a exercer um rito que não dizia respeito às suas convicções (THELAMON, 2009, p. 37). Com essa situação delicada, mais de 50 anos depois, o imperador Valério ordena uma perseguição geral para encerrar o descontentamento dos gentios para os cristãos, apontados como responsáveis pela desordem divina e terrestre. Juridicamente falando, foi neste momento que as perseguições começaram, suportadas por dois éditos.38 Segundo Thelamon (2009, p. 37), essas investidas persecutórias foram tão violentas que o bispo de Roma e quatro diáconos foram decapitados. As perseguições só se encerraram quando após a capitulação de Valeriano pelos persas, seu filho, Galiano, suspende as perseguições. Só o imperador Galério conseguiu
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