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Linguagem Musical: concepção e prática pedagógica de professoras da Educação Infantil Cassiana Castro Gomes da Silva1 Eliane da Silva Santos2 Sandra Patrícia Ataíde Ferreira3 RESUMO – O presente trabalho enfoca a concepção e prática pedagógica de professoras da Educação Infantil a respeito da linguagem musical. Para tanto, foram observadas no decorrer de seis dias letivos duas professoras que ensinam nos Grupos Infantis I e II de uma creche municipal, localizada na zona norte do Recife. Durante as observações os fatos ocorridos eram registrados em ordem temporal através de anotações. Além das observações, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas e análises dos planejamentos anuais e mensais, bem como dos registros nos diários de classe das professoras. Os resultados apontaram que as docentes pesquisadas não concebem e não utilizam na prática pedagógica a música enquanto linguagem; o que representa um descompasso com o que propõe o Referencial Curricular para a Educação Infantil, que afirma que a música deve ser entendida enquanto linguagem e forma de conhecimento. Palavras-chaves: educação infantil, linguagem musical, concepção, prática pedagógica. OS INSTRUMENTOS... O Referencial Curricular para a Educação Infantil (BRASIL, 1998) afirma que a música deve ser compreendida e trabalhada em duas dimensões: como forma de conhecimento e como linguagem. Como forma de conhecimento, deve proporcionar um contato com os sons existentes no mundo e com as produções musicais, tanto do ambiente onde os indivíduos estão inseridos, quanto de outros ambientes ou lugares desconhecidos. Enquanto linguagem deve visar o desenvolvimento das competências de expressão musical e da sensibilidade de escutar, bem como, favorecer a reflexão a respeito das produções musicais e a capacidade de produzir música nos indivíduos. 1 Concluinte de Pedagogia – Centro de Educação – UFPE. cassianacastro@yahoo.com.br 2 Concluinte de Pedagogia – Centro de Educação – UFPE. Elihza72@yahoo.com.br 3 Professora Adjunto, Departamento de Psicologia e Orientação Educacionais, Centro de Educação – UFPE. tandaa@terra.com.br 2 Neste caso, entende-se que aprender música implica em ampliar as capacidades perceptivas, expressivas e reflexivas a partir de experiências como: ouvir música, brincar de roda, realizar brinquedos rítmicos, encaminhando tais capacidades para níveis cada vez mais elaborados. Isto por meio da familiarização cultural que poderá promover o desenvolvimento dos indivíduos, possibilitando a superação de valores estereotipados e cristalizados pela sociedade e tidos por muitos indivíduos como absolutos e não relativos. Ainda, como diz Garcia (2000, p.12), é importante trabalhar a música para “deixar fluir a imaginação, a intuição e a sensibilidade dos alunos, pois, só assim lhes será oferecida a possibilidade de diversidade de pensamentos e linguagens.” Deste modo, a linguagem musical é um conhecimento que se constrói e possui estruturas e características próprias, como: Produção – centrada na experimentação e na imitação, tendo como produtos musicais a interpretação, a improvisação e a composição; Apreciação – percepção tanto dos sons e silêncios quanto das estruturas e organizações musicais, buscando desenvolver, por meio do prazer da escuta, a capacidade de observação, análise e reconhecimento; Reflexão – sobre questões referentes à organização, criação, produtos e produtores musicais. (BRASIL, 1998 p.48) Em contrapartida, o que constatamos nas salas de aula a partir das observações requeridas pela disciplina Pesquisa e Prática Pedagógica, é que a música, embora esteja muito presente na rotina da Educação Infantil; é trabalhada pelos professores, sobretudo, para a formação de bons hábitos higiênicos, memorização de conteúdos e comemorações de datas; deixando de atender aos objetivos próprios desta linguagem, como, por exemplo, a expressão musical, o trabalho com a sensibilidade no ato de ouvir música e a reflexão sobre as produções e produtores musicais. Sendo assim, escolhemos como tema geral da presente pesquisa a utilização da música na Educação Infantil, especificamente, sobre as concepções dos professores que atuam neste nível de ensino. Objetivando: identificar a concepção dos professores em relação à utilização da música na Educação Infantil; observar como os docentes deste nível de ensino trabalham a música na sala de aula; e verificar se a linguagem musical está presente no planejamento dos docentes. A pesquisa tem como foco as seguintes perguntas: 3 como o professor concebe a linguagem musical? Como sistematiza e planeja as atividades com música em sala de aula? Diante dessa realidade, esse trabalho tem a pretensão de contribuir com elementos na discussão sobre a utilização da música pelos docentes na Educação Infantil, haja vista ser um tema ainda pouco explorado pela pesquisa pedagógica. Pois, no Brasil, só a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/96) foi que a Educação Infantil tornou- se um nível de ensino integrante da educação básica e o ensino da arte passou a ser um componente curricular obrigatório deste nível. As discussões a respeito da linguagem musical sempre a enfatizam como indispensável na Educação Infantil, sendo “excelente meio para o desenvolvimento da expressão, do equilíbrio, da auto-estima e autoconhecimento, além de poderoso meio de integração social”. (BRASIL, 1998 p.49) Deste modo, é necessário que os docentes selecionem previamente as atividades musicais, levando em conta os seus objetivos, a fim de promover o desenvolvimento integral dos educandos, através de atividades intencionais voltadas para esse fim. DOS SONS DA NATUREZA À MÚSICA A música é uma linguagem que acompanha a humanidade há muito tempo. Desde a era das cavernas, os homens estavam rodeados pelos sons da natureza: o rugido das feras, o trovão, a chuva, o canto dos pássaros, que eram percebidos com encantamento ou temor. O silêncio também era percebido nos momentos de calmaria. Como diz Deheinzelin (1994, p.127) As primeiras manifestações musicais tiveram por intuito produzir uma dupla paz: no coração dos homens por temor à natureza, e na própria natureza quando lhes parecia ameaçadora. Os ruídos naturais como o trovão e o rugido das feras, prenunciavam um mundo caótico; em contraposição ao caos, os sons ordenados configuravam um cosmos composto de ordem, correspondência, beleza. Os sons organizados (música) tiveram então um poder apaziguador de dominação da natureza. Inicialmente, o homem emitia os sons por sua voz, por seu corpo e por ossos e pedaços de madeira. Posteriormente, criou instrumentos musicais feitos de pele, ossos e 4 chifres de animais, como também, de outros materiais da natureza. A música teve um poder de dominação da natureza. Foi na Grécia antiga que a música se aproximou da educação de modo especial, “era considerada como fundamental para a formação dos futuros cidadãos, ao lado da matemática e da filosofia”. (BRASIL, 1998, p.45) Exercia uma função cognitiva importante, porque facilitava a memorização, despertava sentimentos e educava a percepção estética. A música acompanhou o ser humano em sua evolução. Porém, com o advento da revolução industrial e a crise instalada em diversos aspectos sociais, que causaram enormes transformações, o homem foi se afastando da sua expressão artística e, conseqüentemente, musical. Segundo Forquin (1998a), houve o surgimento da feiúra em massa devido à produção em série, ao estímulo para o consumo e ao princípio da rentabilidade, bem como, ao fato das populações terem sido arrancadas dos antigos modos de existência. Sendo assim, A beleza refugia-se nos museus, espaços que lhe são reservados, torna-se assunto dos profissionais da arte e de estetas sem critériosdefinidos, é consumida em lugares fechados e em horários fixos, da mesma maneira como a natureza é transformada em parques de lazer para os exaustos habitantes da cidade, ávidos de regenerações periódicas; enquanto isso, a vida cotidiana fica condenada à miséria sensorial, à cacofonia industrial, aos excessos publicitários, à saturação de estímulos insignificantes. (FORQUIN, p.26-27). Com o capitalismo, a música se tornou um importante instrumento para campanhas publicitárias. Segundo Forquin e Gagnard (1982), isto se dá pela crescente e esmagadora influência da lei do mercado, que em nome do lucro e da divulgação apelativa de seus produtos, acabam por utilizar a música unicamente como um instrumento para atrair a atenção dos consumidores para suas mercadorias. Para tanto, as mensagens publicitárias são carregadas, de modo desmedido, de estímulos emocionais que chegam a saturar. Isto acaba banalizando a música, desviando-a do seu significado dentro da sociedade, que de instrumento de prazer e diversão, passa a ser uma ferramenta de divulgação de mercadorias; além de condicionar os tipos musicais que serão difundidos pela mídia, à vontade dos que mantém o controle e domínio dos meios de comunicação que divulgam a música. Sobre isso, na proposta curricular para a educação infantil de Camaragibe (2002), encontramos referência sobre o modo como a música é difundida pelas emissoras de rádio e 5 de televisão, que impõem a todo instante determinados artistas e estilos de músicas desprovidas de qualidade estética ou técnica; produzidas unicamente com o intuito de se obter o lucro. Isto acaba induzindo a preferência musical das pessoas, tendo em vista o fato de que em praticamente todos os lugares públicos pode-se ouvir música a toda hora; até mesmo quando não se tem a intenção, o que acaba privando os indivíduos do direito de escolher a música que se quer ouvir. A cada dia aumenta o acesso dos indivíduos à música, porque há vários instrumentos de reprodução musical, como: cd, dvd e rádios. A música está muito presente no cotidiano das pessoas, principalmente, nos centros urbanos. Está presente em inúmeros ambientes que freqüentamos: nos shoppings, nos carros, nos supermercados. O crescente acesso à música está fazendo com que os indivíduos a “escutem” menos, apesar de ouvi-la bastante. Pois, como diz Granja (2006, p.68) A conseqüente transformação da música num bem de consumo e o seu uso constante como música ambiente relegaram a escuta musical atenta para segundo plano. A maior parte dessas músicas não é feita para ser ouvida com atenção, mas para gerar uma desconcentração mental. Ao invés de demandar a atenção do ouvinte, deixam as pessoas livres para fazer outras coisas. São músicas feitas para serem “ouvidas” sem serem “escutadas”. (grifo do autor) Outro fato preocupante, abordado por Forquin e Gagnard (1982) em relação a essa massa sonora provocada pela reprodução desenfreada e permanente de músicas de todos os tipos, a todo o momento e em praticamente todos os lugares; é a rejeição acústica que este emaranhado de sons acaba promovendo nas pessoas, além de habituar os indivíduos a “desouvir”. Assim como outras instituições da sociedade, cabe também à escola educar o ouvir do contexto sonoro que a criança está inserida, por ser uma das instituições responsáveis pela formação cultural desta. Logo, “educar esse ouvir é a tarefa principal da escola onde a escuta se amplia à medida em que promovemos estratégias que levam a experiências de produção, percepção, reflexão e representação musicais”. (LINO, 2004, p.68-69) A MÚSICA TOCA A EDUCAÇÃO 6 A educação tem sido conceituada pelas correntes mais modernas como desenvolvimento harmônico de todas as capacidades do indivíduo, objetivando permitir tanto a plena expansão de sua personalidade quanto a organização de uma vida social melhor. Sua finalidade é o desenvolvimento integral da personalidade do educando, a fim de que o mesmo possa progredir se integrando e participando efetivamente da sociedade. (COSTA; VALLE, sd) Para tanto, é necessário que a criança seja vista como um ser completo, um indivíduo dotado de aspectos intelectuais, afetivos e motores, o que deve ser levado em conta na prática pedagógica; especialmente, na Educação Infantil, nível em que as crianças estão em processo de formação, construindo-se e descobrindo-se como seres sociais, o que requer um modelo de ensino voltado para todos os aspectos do sujeito integralmente, sem supervalorizar o cognitivo, mas visando o seu desenvolvimento, contextualização e aprendizagem completa. Como diz Wallon (1998 citado em Nascimento, 2004, p.64). Uma prática pedagógica adequada será aquela que promova relações entre a criança e o meio humano e físico, incluindo aí o conhecimento, reconhecendo que se modificam reciprocamente. Sendo assim, em uma perspectiva de formação integral da educação, a linguagem musical é indispensável, pois, ela integra “aspectos sensíveis, afetivos, estéticos, e cognitivos, assim como, a promoção de integração e comunicação social”. (BRASIL, 1998, p.45). A linguagem musical é a organização do som mediante a integração entre o sujeito, o objeto sonoro e o meio sociocultural no qual ele está inserido, o que estrutura os sons numa forma que geram significados. Entretanto, a compreensão dessa linguagem não é anterior ao seu uso, sendo, portanto, necessário que o indivíduo seja mergulhado em experiências musicais que lhe proporcionem a construção da compreensão da linguagem musical. Diante disso, o trabalho pedagógico na educação infantil deve ser pautado no fazer musical, possibilitando eventos nos quais as crianças possam perceber os sons que estão a sua volta, descobrir outros possíveis e construir a organização dos mesmos a partir das hipóteses espontâneas que elas produzem. Assim, 7 [...] a música deve ser desenvolvida na amplitude de seu acontecer, o que inclui não somente cantar musiquinhas no dia das mães ou melodias específicas para lavar as mãos, sentar, guardar os brinquedos, mas também, e principalmente, compor, improvisar, explorar o seu corpo como um instrumento musical. (LINO, 2004 p. 68) (grifo do autor) O professor deve utilizar músicas em todos os momentos possíveis de suas aulas, pois, com isso, estará proporcionando a seus alunos oportunidades enormes de desenvolvimento. No entanto, ao incluir uma atividade musical no seu planejamento, o professor deve estar consciente dos objetivos que deseja atingir, tendo em vista as necessidades e possibilidades dos alunos, utilizando-se de técnicas e recursos didáticos que lhe permitam alcançar com êxito os objetivos a que se propõe. Porém, no Brasil, mesmo sendo recomendada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, a música é pouco utilizada nas escolas. E quanto maior o nível de ensino, menor é a sua utilização. Como diz Granja (2006, p.15-16) Na atual configuração curricular da escola, a Música está longe de ocupar um lugar de destaque. Ainda que esteja presente em parte das atividades de integração e/ou em atividades lúdicas nas séries iniciais da educação, à medida que as séries avançam, a música vai perdendo espaço dentro do currículo para disciplinas mais tradicionais como Matemática, Língua Portuguesa, Biologia, etc. Isto se dá pela enorme valorização de disciplinas conceituais sobre as perceptivas, sobretudo, a partir do ensino fundamental. No entanto, segundo Granja (2006), a dimensão perceptiva do conhecimento dos indivíduos ainda não está totalmente desenvolvida quando estes chegam às séries mais avançadas, o que significa que é fundamental que também nesse estágio de ensino, os alunos sejam submetidos a atividades musicais. Em algumas escolas, a música aparece no currículo como disciplina eletiva, geralmente, destinada para alunosque demonstram algum talento. Por muito tempo a música foi considerada como um dom e, assim, foram construídas escolas específicas para pessoas que demonstravam possuí-lo. Contudo, sendo a música uma linguagem, é necessário que se supere a idéia de que para aprendê-la é preciso ter um dom especial. Pois, Muitas vezes objetivamos “ensinar“ as crianças a tocar um instrumento com a idéia de que se transformem em “músicos”. Essa idéia não ocorre em outras 8 áreas do conhecimento, ou seja, não se ensina matemática para que sejam matemáticos, ou a linguagem escrita para que sejam, necessariamente, escritores.(CAMARAGIBE, 2002, p.77) (grifo do autor) Ao contrário, ela deve ser vista como parte da formação integral de cada ser, e não, visando formação profissional. Na educação infantil, ao longo da sua história, a música tem sido utilizada muitas vezes atendendo a objetivos que não correspondem aos próprios da linguagem. “Por vezes a música é utilizada como ‘ponte’ para se alcançar vários fins” (CAMARAGIBE, 2002, p.77), como, por exemplo: comemorações de datas, bons hábitos higiênicos, memorização de conteúdos, etc. Segundo os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 1998), muitas vezes, a música não é trabalhada como uma linguagem a ser construída aos poucos, por meio da interação do indivíduo com o meio e o som, mas como algo já pronto, como um produto que se pode simplesmente reproduzir. No entanto, “A música é uma linguagem da arte produzida através da combinação de sons e do silêncio” (RECIFE, 2002, p.25). Ela possui características estruturais próprias, como: melodia, harmonia, ritmo, altura, intensidade e timbre. O ensino da linguagem musical deve proporcionar: produção, apreciação e reflexão. Segundo Granja (2006), entre as linguagens artísticas, a linguagem musical é uma das mais abstratas, tendo a percepção e o conhecimento tácito como importantes características. A expressão musical faz parte da nossa cultura e está presente tanto dentro de nós quanto fora. As batidas do coração, o ato de respirar, assim como, o canto dos pássaros, os ruídos das grandes metrópoles, são exemplos de que os sons aparecem naturalmente em nosso contexto social e quando manipulados pelo homem, se transformam em música. A música é importante para a integração social e para o aspecto psicológico. Na integração social, a música pode contribuir através das atividades musicais compartilhadas, como o canto coletivo, que trabalha tanto a necessidade de cooperação quanto o respeito ao próximo, sendo estes fatores importantes na socialização da criança. Isto tendo em vista a variedade de grupos a que uma criança pertence e a necessidade que tem de estabelecer um bom relacionamento com os membros desses grupos, fazendo-a perceber suas possibilidades e responsabilidades em relação aos mesmos. Quanto ao aspecto psicológico, a música pode auxiliar nas atividades de aprendizagem, tornando-as mais agradáveis e também funcionando como reforço dessa 9 aprendizagem. Wallon (1998 citado em Nascimento, 2004 p.54) afirma que “[...] as sensações auditivas, visuais ou táteis, que começam a se constituir, despertam reações afetivas”. Em relação à percepção, que está ligada aos sentidos e por meio da qual conhecemos o mundo, Granja (2006, p.47) afirma que “O conhecimento musical é resultado de uma articulação contínua entre os processos perceptivos e os momentos de elaboração conceitual. A percepção ultrapassa a dimensão exclusivamente sensorial e se aproxima dos processos de cognição”. Outro aspecto importante inerente aos benefícios oriundos da música é em relação ao desenvolvimento do cérebro, pois ela deixa os circuitos cerebrais mais rápidos, através de liberação de neurotransmissores, que ocorre por meio de um processo natural; desencadeado pela captação das ondas sonoras pelo nosso sistema auditivo, que logo são interpretadas, chegando, em seguida, à região onde são processados as emoções e os sentimentos, passando aos centros envolvidos com a razão. (SALLES; PRADO, 1999) Conseqüentemente, a linguagem musical aguça a memória, a imaginação e a comunicação verbal, aumenta a capacidade de concentração e desenvolve o raciocínio lógico-matemático. Pode também influenciar no comportamento das crianças, pois tanto as tímidas quanto as excessivamente agitadas podem vir a encontrar o equilíbrio emocional através de atividades musicais. Foi com a finalidade de conhecer a concepção e prática pedagógica da linguagem musical das professoras de Educação Infantil, que se buscou investigar as salas de aula dos Grupos Infantis I e II, de uma creche na zona norte do Recife; em uma abordagem de estudo de caso, utilizando-se como técnicas de coleta de dados a observação e a entrevista. Foram realizadas observações da prática pedagógica durante seis dias letivos, no turno da manhã, desde a recepção das crianças até a hora do almoço. A partir dessas observações, foram contempladas todas as atividades musicais vivenciadas pela turma, fossem elas constantes ou esporádicas; ocorridas dentro ou fora da sala de aula. Os dados foram registrados através de anotações, com descrição dos eventos em ordem temporal, constando as falas, as músicas cantadas, gestos e expressões tanto das professoras como dos alunos. 10 No que se referem às entrevistas, foi elaborado um roteiro semi-estruturado (Anexo A) e aplicado individualmente, por duas entrevistadoras. Elas aconteceram no refeitório da Creche, pois nas salas de aula ficou inviável por causa do barulho. As duas entrevistas ocorreram no último dia da pesquisa, após as observações e foram aplicadas oralmente e gravadas. Posteriormente, a análise foi feita a partir da leitura dos registros das observações, das falas das duas docentes entrevistadas, bem como da análise dos planejamentos anuais, mensais e do registro no diário de classe. Os resultados obtidos serão apresentados a seguir. Inicialmente, apresentar-se-á a creche onde se passou o presente estudo e, em seguida, serão apresentadas as interpretações “afinadas” a partir dos dados coletados. A ORQUESTRA... Cadeirinhas plásticas empilhadas umas sobre as outras no canto da parede foram empurradas um pouco para que se criasse um pequeno espaço entre elas e a parede. Pronto! Bastou apenas isso para que este novo local se transformasse em uma casinha. Uma criança sentou-se ali com sua boneca para brincar... Reportando-nos para uma creche na zona norte do Recife onde aconteceu esta cena, verifica-se uma semelhança entre o pequeno espaço em que a criança foi brincar e a creche como um todo, que também parece uma casinha de boneca... A creche situa-se em uma área rodeada de árvores, exceto na sua frente onde fica um amplo espaço na calçada servindo de estacionamento para os carros de funcionários e visitantes. Porém, ao entrarmos no seu portão, deparamos-nos com um parquinho onde de um lado fica o balanço e do outro, um escorrego. Próximo ao escorrego, há uma goiabeira e três plantinhas em vasos, contrastando com o terreno arborizado ao seu redor. Apesar de ter um espaço reduzido, uma boa divisão e articulação entre os cômodos fizeram com que fosse possível a construção de várias salas e ambientes necessários para uma otimização do espaço. Sendo assim, a creche possui um corredor central que a divide: do lado direito ficam quatro salas de aula, todas com sanitários para crianças, onde funcionam os Grupos Infantis do I ao IV. Do lado esquerdo, fica a secretaria, o refeitório, a 11 cozinha, a lavanderia e um sanitário masculino. O sanitário feminino fica no final do corredor. Da mesma forma que a criança que transformou o pequeno espaço de sala de aula em casinha de boneca, a organização física da instituição foi ordenada demodo a aproveitar ao máximo a pequena área onde a Creche foi construída. Deste modo, o seu ambiente é bastante acolhedor e corresponde aos objetivos a que se propõe, tendo em vista que ele possui todos os cômodos necessários para o acolhimento tanto da sua clientela quanto dos seus funcionários, sendo necessário apenas um revezamento das turmas nos horários das refeições e brincadeiras. Sendo assim, tanto as idas para o refeitório quanto para o parque são feitas em horários definidos, indo apenas uma turma por vez. Também por conta do espaço reduzido, as festas e reuniões com os pais são feitas no salão da associação de moradores do bairro. Quanto às salas de aula, apenas a do Grupo Infantil IV possui mesas e cadeiras; nas demais, o espaço fica livre para a circulação das crianças, embora existam cadeirinhas plásticas que ficam empilhadas ao fundo da sala e que são usadas de acordo com a exigência da atividade a ser desenvolvida. O mobiliário é adequado para a faixa etária, pois as mesas e cadeiras são pequenas e os lavatórios com espelhos, tanto das salas como do refeitório, estão na altura dos alunos. Além disso, nas salas, há prateleiras baixas com brinquedos, como: carrinhos de plásticos, bonecas, animais de borracha, bolas, jogos de encaixe, que ficam ao alcance deles, como também, cada sala possui um espelho na parede favorecendo a visualização de toda a criança, propiciando várias descobertas do seu corpo através da observação de expressões, movimentos e imitações. Havia ainda nas paredes de todas as salas, uma lista com os nomes dos alunos da turma em letra bastão e também as produções coletivas, exceto no Grupo Infantil I, pois durante todo o período das observações não se visualizou nenhuma produção na parede desta turma. No que se refere aos recursos humanos, o corpo docente da creche é formado por quatro professoras, dentre estas as duas que atuam nos grupos pesquisados e que trabalham nos dois turnos: a professora do Grupo Infantil I é também professora do grupo Infantil IV, à tarde; já a professora do Grupo Infantil II é animadora cultural da creche, também à tarde. 12 Há uma coordenadora pedagógica e uma coordenadora gestora que está na creche há oito anos. A creche conta ainda com cinco auxiliares de desenvolvimento infantil e um agente administrativo, ambos estatutários. Os demais funcionários: as duas lavadeiras, as duas cozinheiras, as duas de serviços gerais e os quatro porteiros (dois diurnos e dois noturnos), são de empresas prestadoras de serviço contratadas pela Prefeitura do Recife. Há também catorze estagiárias estudantes do curso normal médio. Deste modo, tanto o ambiente físico quanto os recursos humanos fazem da Creche um ambiente bastante agradável e acolhedor. AFINANDO OS INSTRUMENTOS A partir das observações nas salas de aula dos Grupos Infantis I e II pôde-se constatar que a socialização e ludicidade são palavras chaves no cotidiano destes dois grupos, tendo em vista que as docentes utilizam a música nas salas de aula sob estas duas principais finalidades. Assim, através desta utilização ocorre um ensaio, ou seja, uma aproximação daquilo que seria um trabalho com a música enquanto linguagem, pois socialização e ludicidade são características importantes no trabalho com a música na Educação Infantil. No entanto, a linguagem musical exige um trabalho com seus objetivos próprios que vão além destas duas finalidades. Com base nestas duas vertentes, a música era trabalhada da seguinte maneira: · Música para socialização: Bom dia coleguinha, como vai? A sua companhia nos atrai faremos o possível para sermos bons amigos. Bom dia coleguinha, como vai? Bom dia (nome de um aluno), como vai? A sua companhia nos atrai faremos o possível para sermos bons amigos. Bom dia (nome de um aluno), como vai? Nas duas turmas observadas, constatou-se que há no trabalho pedagógico uma ênfase com os nomes das crianças, pois as professoras pesquisadas cantam diariamente no início da aula a música acima. Além desta, a professora do Grupo Infantil II canta diariamente esta outra música: 13 O meu nome é (nome da docente). O meu nome eu vou dizer. O meu nome é (nome da docente) e o seu quero saber. No trecho sublinhado da música, a professora aponta para alguém da sala que pode ser adulto ou criança, assim, quem for apontado deverá dizer o seu nome. Após a fala do nome a docente retoma a música cantando agora o nome do indivíduo apontado. E assim ela vai apontando para todos da sala e cantando a música com um nome de cada vez até que tenha citado todos os nomes de quem está presente na sala. Para fazer o desfecho ela canta: O meu nome é (nome da pessoa apontada). O meu nome eu vou dizer. O meu nome é (nome da pessoa apontada) e agora acabou. As crianças ficam muito entusiasmadas com esta música dos nomes, porque fazem questão de dizer o seu perante todos, além da expectativa de ser apontado para falar. Outro fato interessante é que as crianças querem também dizer os nomes umas das outras. Deste modo, aprendem os nomes de todos da sala, sejam estes adultos ou crianças, e valorizam o seu próprio nome. Através das músicas citadas, as docentes concretizam na prática o que diz o Referencial Curricular para Educação Infantil (BRASIL 1998, p.49): “A linguagem musical é excelente meio para o desenvolvimento [...] da auto-estima e autoconhecimento, além de poderoso meio de integração social”. E consolidam o objetivo traçado no planejamento anual de desenvolver nos alunos a construção da identidade, da autonomia, interação social e formação da auto-estima. · Música para ludicidade: Atirei o pau no gato-to, mas o gato-to não morreu reu-reu. Dona Xica-ca admirou-se-se do berro do berro que o gato deu. Miau! Na Educação Infantil a música tem uma forte ligação com o brincar. Brincadeiras de roda, ciranda e cantigas infantis são comuns no cotidiano da creche pesquisada, proporcionando o desenvolvimento da expressão musical dos alunos, pois, Brincar de roda, ciranda, pular corda, amarelinha etc. são maneiras de estabelecer contato consigo próprio e com o outro, de se sentir único e, ao mesmo tempo, parte de um grupo, e de trabalhar com as estruturas e formas 14 musicais que se apresentam em cada canção e em cada brinquedo. (BRASIL, 1998 p.71). Prazer e alegria são palavras que traduzem as expressões das crianças durante as cantigas de roda, a ciranda e as brincadeiras musicais ocorridas nas turmas pesquisadas. Ao longo das observações, verificou-se a constante presença do entusiasmo e da maciça participação dos alunos nestas atividades. Deste modo, é interessante trabalhar a ludicidade com a linguagem musical na Educação Infantil, tendo em vista que: É importante lembrar que a brincadeira é o “trabalho” da criança. Assim, as cantigas de roda, os trava-línguas e parlendas, os brinquedos musicais, os contos e histórias cantadas, são ricas maneiras de expressão musical. (CAMARAGIBE, 2002 p.78) Embora haja um longo caminho a ser percorrido no sentido de trabalhar a reflexão, percepção e expressão dos alunos nas atividades musicais das duas salas pesquisadas, há certa “afinação dos instrumentos”, ou seja, é bastante positiva a utilização da música para a socialização e ludicidade. A DESARMONIA ENTRE TEORIA E PRÁTICA A cobra não tem pé. A cobra não tem mão, como é que a cobra sobe no pezinho de limão? Ela vai se enrolando vai vai vai, se enrolando vai vai vai. Com uma sacola na mão contendo vários animais de brinquedo, a professora do Grupo Infantil II fazia uma brincadeira de adivinhação com os seus alunos. Inicialmente, ela falava das características daquele animal que estava segurando dentro do saco e em seguida perguntava aos alunos dando dicas sobre o animal, até que eles acertassem. Após a adivinhaçãode cada animal era cantada uma música correspondente ao animal de modo a enfatizar o conteúdo dado. Então, observa-se que a música é também utilizada pela professora do Grupo Infantil II como uma ferramenta para a memorização dos conteúdos dados, isto fica evidente na sua fala: 15 “[...] Mas eu tenho que trabalhar a música de acordo com o conteúdo que eu tô vivenciando. Fora que no dia-a-dia aquelas musiquinhas normais do dia-a-dia. Mas eu gosto de trabalhar música de acordo com o conteúdo”. (Professora Grupo II) Sendo assim, a música, não está sendo trabalhada como linguagem, e sim como um instrumento para se alcançar algo. Não se trata de dizer que a música não possa ser utilizada para favorecer o aprendizado de conteúdos de outras disciplinas, mas vale salientar que “A interdisciplinaridade, ou o diálogo com outros conhecimentos, é, também um dos propósitos da musicalização, porém a música tem seus próprios objetos de conhecimento” (CAMARAGIBE, 2002 p.79). No entanto, durante as observações no Grupo Infantil I, não foram identificadas músicas que fossem utilizadas para memorização de conteúdos. Elas eram usadas em situações didáticas direcionadas para o cantar e ouvir músicas infantis e não tinham nenhuma ligação com o conteúdo trabalhado. No mês em que as observações foram feitas, constava no planejamento anual deste Grupo, que o trabalho pedagógico abordaria “os animais”. Deste modo, esperava-se que houvesse atividades que explorassem o tema, que abordassem os tipos de animais, suas principais características e semelhanças, entre outros. No entanto, não foi observada, na prática, a consolidação daquilo que estava no planejamento. Além da música como linguagem, outro aspecto importante proposto pelo Referencial Curricular para Educação Infantil (BRASIL, 1998) é a música enquanto forma de conhecimento, no entanto, nos grupos pesquisados não foi verificado um trabalho pedagógico neste sentido. Pois, apesar do contato diário que as crianças tinham com a música; não havia intervenções por parte das docentes a fim de trabalhar a reflexão, percepção ou expressão dos alunos e, embora houvesse variedade no repertório das músicas; o que é importante, uma vez que o Referencial propõe o contato entre os alunos e diversas produções musicais, o trabalho adequado com este vasto repertório ficou a desejar. Isto porque não havia uma preocupação em expandir as capacidades de compreensão, meditação e manifestação dos alunos. Além disso, não se observou em momento algum, qualquer atividade que propusesse a exploração de outros sons que não fossem o das músicas. O que pode ocasionar o comprometimento da construção da compreensão dos alunos em relação ao 16 conceito de música enquanto linguagem; pois quando trabalhada como algo já pronto, a ser reproduzido, ela deixa de ser concebida como uma dimensão a ser construída, produzida e descoberta aos poucos pelas crianças através da interação destas com o os diversos tipos de sons existentes no meio onde estão inseridas e em outros ambientes. Afinal, como diz Lino (2004), a música deve ser desenvolvida na amplitude do seu acontecer, sendo para isto necessário um trabalho que inclua principalmente a composição, improvisação e exploração do corpo como um instrumento musical. LINGUAGEM MUSICAL E OS DESCOMPASSOS DE UMA CONCEPÇÃO Para que a linguagem musical possa ser trabalhada de modo a alcançar os fins a que se destina, de acordo com suas características próprias; é necessário que o professor(a) esteja consciente daquilo que vem a ser linguagem musical; que ele(a) tenha pleno conhecimento dos objetivos desta linguagem, bem como do modo como deve ser trabalhada em sala de aula. Através das entrevistas realizadas com as professoras, pôde-se perceber uma incoerência entre a compreensão que elas trazem sobre a música enquanto linguagem, e o verdadeiro significado desta dimensão da música; uma vez que a concepção trazida por elas não contempla as características da linguagem musical, fugindo assim dos seus objetivos. Quando perguntadas sobre o que entendiam por Linguagem Musical, as professoras responderam o seguinte: “[...] Linguagem Musical? Eu nunca ouvi falar não, eu escuto falar de música, agora Linguagem Musical deve ser a letra, né, da música? [...]” (Professora Grupo I) “[...] Eu nem sei direito. Mas acho que deve ser a linguagem, a mensagem que é conseguida através da música. A música tem essa linguagem própria, do jeito que o teatro tem uma linguagem própria [...]”. (Professora Grupo II) Deste modo, é perceptível que a maneira como as professoras concebem a Linguagem Musical se reflete diretamente em suas práticas na sala de aula, pois ao longo das observações feitas, constatou-se que não havia atividades intencionais que contemplassem a música como linguagem, tendo em vista que as crianças não eram 17 estimuladas a produzir som, refletir sobre as músicas que escutavam ou se expressarem através delas. Isto poderia ser feito de forma simples, como conduzir as crianças à produção de som utilizando o próprio corpo; fazê-las pensar sobre o ritmo das músicas utilizadas nas aulas, se ele é dançante ou pesaroso; ou até mesmo levá-las à criação de brinquedos rítmicos. Tudo isto por meio da indução, mostrando às crianças a possibilidade de fazer, mas deixando sempre fluir a criatividade das mesmas. Segundo Garcia (2000), a música deve ser trabalhada para deixar correr a sensibilidade, a intuição e a imaginação dos alunos, sendo-lhes deste modo oferecida a possibilidade de diversidade de linguagens e pensamentos. Além disso, o conhecimento da linguagem musical é algo que se constrói, embora apresente estruturas próprias. Assim, o trabalho com esta linguagem deve ser pautado, de acordo com o Referencial Curricular para a Educação Infantil (BRASIL, 1998) na experimentação, imitação, improvisação e percepção tanto dos sons e silêncios, quanto das estruturas e organizações musicais. Sendo trabalhada desta maneira, a música possibilitará às crianças experiências musicais que lhe proporcionarão a construção da compreensão da linguagem musical através de eventos nos quais elas possam perceber os sons a sua volta, descobrir outros possíveis e construir a organização dos mesmos a partir de hipóteses espontâneas que elas mesmas produzem. Este descompasso entre os conceitos defendidos por cada uma das professoras sobre a linguagem musical e o seu verdadeiro significado pode ser também percebido nos planejamentos mensais das aulas, pois quando analisados, constata-se uma presença irrisória da música enquanto linguagem nas atividades pedagógicas e, mesmo assim, elas geralmente se resumiam a cantigas de roda ou cantar e ouvir músicas infantis. Umas poucas atividades fugiam desse contexto e propunham a imitação do som de animais ou a obediência ao comando da professora ao som da música, movimentando o corpo. No entanto, o objetivo de tais atividades estava descrito como expressão corporal. Não havia nenhum objetivo relacionado ao trabalho com a linguagem musical, nessas situações. Apesar do pouco conhecimento que as professoras afirmaram e demonstraram ter sobre a música enquanto linguagem, ao serem indagadas a respeito do modo como o 18 Referencial Curricular para a Educação Infantil é contemplado no planejamento mensal das atividades de sala de aula, elas afirmaram o seguinte: “[...] Ah, a gente se baseia por ele (RCNEI), né? Que ele é a base. Aí a gente tira o que mais se adequa a nossa clientela, né? As crianças de um ano. Mas que ele serve de referência, realmente. É um guia, né?”. (Professora do Grupo I) “Bom, a gente leva em consideração tanto as orientações a respeito do conteúdo que tem lá, como a parte, é [...] Como é que eu digo? Metodológica, do cuidar, da importânciado brincar, hora do descanso. Então assim, acho que todas as atividades que se têm na Creche, o Referencial é contemplado [...]”(Professora do Grupo II) No entanto, isto não se mostrou coerente com o que foi observado nos planejamentos das professoras nem com as atividades musicais executadas; pois se o RCNEI é tomado como base para planejar as atividades com música espera-se que essas atividades sejam pautadas/recriadas a partir daquilo que está proposto no Referencial. Deste modo, nos planejamentos mensais analisados, a música deveria ser contemplada em suas duas dimensões: como forma de conhecimento, proporcionando um contato com os sons e produções musicais existentes no mundo; e como linguagem, visando o desenvolvimento das competências de expressão musical e da sensibilidade de escutar, além de favorecer a capacidade dos indivíduos de produzir música e a reflexão dos mesmos a respeito das produções musicais. Contudo, algumas atividades observadas na prática, deixavam de atender aos objetivos próprios da linguagem musical, sendo instrumento apenas para comemorações de datas, memorização de conteúdos, ou simplesmente para cantar, cirandar, ou movimentar o corpo, o que não condiz com o que o Referencial propõe. Isto pode ser comprovado tanto no planejamento feito pelas professoras quanto nas falas delas: “[...] a criança nessa idade ela gosta muito de movimento, né? Então com a música eles participam mais, brincam mais, exercitam mais a linguagem oral, né, eles cantam, tudo. Então, é uma forma realmente da gente trabalhar com essas crianças.” (Professora do Grupo I) “[...] A minha atividade musical é voltada a uma atividade quer seja de expressão corporal, quer seja de interpretação, quer seja algo de conteúdo mesmo [...] Então, assim, eu não tenho uma atividade musical no sentido de construir uma bandinha, trabalhar ritmo [...] Eu tenho algumas músicas que eu 19 trabalho justamente a oralidade, interpretação oral. [...] Primordialmente se está dentro do conteúdo que eu tô trabalhando com eles”. (Professora do Grupo II) Diante do exposto, pode-se compreender que os objetivos das professoras ao trabalhar a música na Educação Infantil estavam relacionados à fixação dos conteúdos das aulas; cantar para exercitar a linguagem oral e/ou socializar as crianças; fazê-las participar mais das aulas e estabelecer o hábito diário de cantar musiquinhas. HARMONIA E RITMO PARA O DESENVOLVIMENTO O trabalho adequado com a linguagem musical é indispensável na Educação Infantil por promover o desenvolvimento integral das crianças através de atividades intencionais que têm esta finalidade. Segundo o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998), a linguagem musical é um instrumento pelo qual se pode alcançar o crescimento da auto-estima, do autoconhecimento, do equilíbrio e da expressão; além de fomentar a integração social e integrar aspectos importantes dos indivíduos, como a afetividade, a sensibilidade, a percepção estética e a cognição. Durante as entrevistas realizadas, ao serem indagadas a respeito do significado de trabalhar a música na Educação Infantil, as professoras disseram o seguinte: “Eu acho interessante. Desperta mais o interesse, eles ficam mais motivados. [...] A criança gosta de alegria, de vibrar, né? Então a música pra elas é uma vibração porque eu acho que assim, a música fala da alma, né? Então elas botam tudo pra fora na hora da música”. (Professora Grupo I) “Eu acho que não só na Educação Infantil, como em todas as séries, a música é altamente importante, porque ela quebra a timidez da criança, ela abre espaço pra ela (a criança) trabalhar o seu corpo, pra ela conhecer diferentes ritmos [...]. Acho que ela é altamente importante”. (Professora Grupo II) De acordo com as falas das professoras, pode-se observar que uma delas relaciona a importância da música para a educação Infantil com fatores ligados principalmente à sensibilidade; mais precisamente, à força que a música tem de exprimir os sentimentos da alma. Contudo, os aspectos cognitivos e estéticos, que também são estimulados com atividades musicais, não são citados em seu depoimento. 20 Na segunda fala, nota-se uma compreensão mais abrangente em relação aos benefícios que se pode alcançar utilizando a linguagem musical na prática pedagógica, uma vez que ela relaciona o autoconhecimento, equilíbrio emocional e o contato com diferentes ritmos com a presença da linguagem musical na sala de aula. Isto é relevante, tendo em vista que especialmente na Educação Infantil, a prática pedagógica deve priorizar a integração dos aspectos afetivos, cognitivos e motores das crianças. (WALLON, 1998, citado em NASCIMENTO, 2004) Entretanto, embora o trabalho com o corpo tenha sido citado por ela como uma possibilidade de atividade musical, na sua prática não se constatou nenhum trabalho que estimulasse a utilização do corpo das crianças para produzir algum som. Nota-se também uma relação muito forte entre o depoimento desta mesma professora e o que é levantado na teoria, quando ela fala a respeito da importância da música para o desenvolvimento da criança: “[...] Uma criança que vive num ambiente harmônico, saudável em termo musical, que ouve boas músicas, ela tem um desempenho melhor na escola, nas outras séries. [...] Tanto é que eu coloco músicas clássicas pros meus alunos. Coloco Mozart, coloco Bach, coloco Bethoven. [...] Porque eles já ouvem tantas músicas lá fora, né? De brega, ou que denigrem a imagem da mulher e tantas outras coisas. Então eu acho que eles têm que se apropriar aqui na Educação Infantil e nas escolas de modo geral, né? [...] A própria arte ela cultiva o espírito. [...]”. (Professora grupo II) Neste depoimento, a professora faz menção à importância de educar o gosto musical dos alunos usando músicas diferentes daquelas que elas estão habituadas a ouvir e que são desprovidas de qualidade estética ou técnica; mas que tocam em praticamente todos os ambientes e a qualquer hora, privando as pessoas de escolher o que querem ouvir e ao mesmo tempo induzindo as suas preferências musicais, inclusive das crianças. (CAMARAGIBE, 2002). Deste modo, a utilização da música na Educação Infantil é um instrumento imprescindível para educar a consciência estética dos alunos; pois a familiarização cultural promovida pelo contato constante com diversos tipos de produções musicais e de maneira reflexiva poderá possibilitar a superação e relativação de estereótipos criados pela sociedade e cristalizados como absolutos. (GARCIA, 2000). 21 As músicas clássicas eram utilizadas pela professora para acalentar o sono dos alunos após o horário do almoço. Embora não se tenha constatado a escuta reflexiva de tais músicas no cotidiano escolar, o fato de ouvi-las já é bastante positivo para as crianças, por proporcionar o contato das mesmas com tipos diferenciados de músicas... Contudo, a promoção dos benefícios oriundos da utilização da música na Educação Infantil para o desenvolvimento dos educandos está condicionada a um trabalho intencional que seja planejado previamente para alcançar os fins a que se destina. Para isso é necessário que o professor tenha plena consciência da relevância da linguagem musical para o crescimento harmônico dos indivíduos e esteja esclarecido a respeito dos benefícios deste instrumento para a sua prática em sala de aula. É indispensável que o educador traga consigo as “notas” necessárias para tocar harmoniosamente os ritmos desta linguagem da arte, para promover atividades pautadas no significado legítimo da música enquanto linguagem; pois só assim será possível um fazer pedagógico que englobe os propósitos desta dimensão da música. Entretanto, em resposta a uma das perguntas da entrevista, que questionava a opinião dasprofessoras sobre estarem ou não preparadas para trabalhar a música em sala de aula, obteve-se o seguinte: “Assim, preparada eu não acho que eu seja tanto não, sabe? Eu precisava de mais coisas. [...] A gente vai se preparando assim, à medida que vai tendo as capacitações, as reciclagens, a gente vai se aperfeiçoando mais... Mas logo que eu entrei eu sentia dificuldade pra trabalhar com as crianças. Hoje eu já to mais assim... mais a vontade com elas, já trabalho bem melhor.”(Professora do Grupo I) “Não. Eu não me considero preparada não. Porque eu trabalho com música... Eu uso a música mais na parte da interpretação, então, eu trago uma música pra sala e depois trabalho com os meninos a interpretação oral da música, as partes da música [...] Mas eu acho que ela tem muito mais coisa, mas eu não me acho preparada. Até porque eu nunca tive nenhuma disciplina na Universidade. Eu fiz Pedagogia na Federal. Nunca tive nenhuma Disciplina sobre música na Universidade, nem na Prefeitura”. (Professora do Grupo II) Nos dois depoimentos, as professoras se dizem despreparadas para o trabalho adequado com a música na sala de aula e reconhecem que ele exige bem mais do que o trabalho que elas executam em suas práticas pedagógicas. Contudo, em seu depoimento, a professora do Grupo II levantou uma questão importante, à qual ela atribui à falta de uma 22 total habilidade para trabalhar com a linguagem musical na Educação Infantil, que é modo como a Universidade está preparando os futuros professores para utilizarem a música em sala de aula. Segundo ela, não existia na época em que ela cursava Pedagogia na UFPE (Universidade na qual ela se formou) nenhuma disciplina que contemplasse a educação musical no currículo do curso de Pedagogia. Embora isto seja muito relevante, não deve ser apontado como o único motivo para o problema do despreparo dos educadores para o pleno trabalho com a linguagem musical na Educação Infantil; pois é tarefa do professor estar sempre se atualizando, pesquisando, aprendendo, experimentando, buscando novos caminhos e possibilidades de aperfeiçoamento da sua prática. Loureiro (2003) afirma que “Ao educador musical” não é permitido permanecer imóvel e inerte diante das inúmeras possibilidades de acesso ao conhecimento.“ Entretanto, isto não isenta a Universidade da sua responsabilidade enquanto instituição formadora de educadores, de oferecer aos seus graduandos uma formação mais completa, que suporte as necessidades e exigências de uma educação integral; que ofereça subsídios para uma prática educativa voltada para todos os aspectos do sujeito integralmente, sem supervalorizar o cognitivo; reconhecendo que para isto, é imprescindível a presença da linguagem musical em tal prática. (WALLON, 1998, citado em NASCIMENTO, 2004) Como diz Sekeff (1997, citado em Loureiro, 2003, p. 199): A universidade deve pontuar a qualidade do saber gerido, sua prática e teoria, [...] garantindo uma projetada interação com a sociedade; [...] e reestruturar currículos rígidos, restritos [...]. Para tanto, é necessário que haja um diálogo constante entre a Universidade e a sociedade – neste caso, especificamente, entre as instituições de Educação Infantil; a fim de que se estabeleça uma interação com flexibilidade e competência, que permita uma constante análise crítico-reflexiva sobre as necessidades e expectativas de tais instituições e o modo como os educadores estão sendo formados para atendê-las. Possibilitando, deste modo, “uma formação contínua e permanente [...], desenvolvendo no professor o pensamento autônomo e coerente com a realidade social”. (LOUREIRO, 2003, p. 199). 23 ENCERRANDO O CONCERTO... A presença da linguagem musical tanto na Educação Infantil quanto nas instituições de ensino em geral, devido a sua composição e características, torna-se indispensável pelos benefícios que ela proporciona ao desenvolvimento dos indivíduos. Quando bem trabalhada, esta linguagem desenvolve a criatividade e o raciocínio, desperta emoções, propicia alegria e satisfação, além de ser um poderoso instrumento de interação social. Voltando o olhar à “orquestra”, onde há o encontro de todos os instrumentos (recursos materiais e humanos), pode-se perceber que estes ainda não estão totalmente afinados pelos seus “músicos”, ou seja, as professoras. Embora a presença da música seja constante nas duas turmas observadas, ela é utilizada de maneira divergente ao seu objetivo como linguagem. Isto porque falta ainda o toque harmonioso do conhecimento sobre a linguagem musical para que as professoras possam utilizar com maestria esta dimensão da música em suas práticas pedagógicas. Isso corrobora com o que aponta o Referencial Curricular para a Educação Infantil (BRASIL, 1998), quando afirma que muitas vezes a música não é trabalhada como linguagem neste nível de ensino, tendo em vista que a maioria dos professores de educação infantil não tem uma formação específica em música, o que exige do educador um contínuo trabalho pessoal no sentido de reconhecer a música como linguagem cujo conhecimento se constrói. Também no documento curricular para a Educação Infantil de Camaragibe (2002), encontra-se alusão a isto, pois o mesmo assevera que a música, ao longo de sua história na instituição escolar, tem sido utilizada para fins que divergem dos seus objetivos; uma vez que é usada como instrumento para a fixação de conteúdos ou para estabelecer hábitos na rotina escolar. Algo, aliás, confirmado nesse estudo, que demonstra que as professoras investigadas utilizavam a música, especialmente, como instrumento de socialização, ludicidade ou de aprendizagem de conteúdos escolares. A insuficiência de conhecimento em relação à educação musical por parte do educador também é apontada por Sekeff (1997, citado em LOUREIRO, 2003); o qual assegura que o perfil de educador musical requer uma formação que ultrapasse a mera habilidade técnica, pois exige um conhecimento amplo e contínuo, que proporcione ao futuro educador autonomia e novas possibilidades em sua prática. 24 Para tanto, é necessário que haja mais interação, experimentação e afinidade entre os instrumentos da linguagem musical e seus executores – as professoras. Isto significa que diante da deficiência apresentada pelas instituições de formação de professores, no tocante ao ensino da educação musical; não basta apenas ao professor, enquanto principal responsável pela qualidade de sua formação e aperfeiçoamento dos conhecimentos, buscar o suprimento desta deficiência de modo isolado, como se isto fosse possível sem uma formação institucionalizada e intencional, que o capacite para tal. Na educação, a linguagem musical é tão importante quanto a linguagem matemática, ou a língua portuguesa. No entanto, não se espera que um professor esteja capacitado para trabalhar matemática ou língua portuguesa em sala de aula, sem que ele tenha sido habilitado em alguma instituição de formação que lhe ofereça suporte para isto. Da mesma forma, não se pode esperar que as professoras de Educação Infantil trabalhem a linguagem musical de maneira adequada, atentando para os objetivos que ela propõe, sem que elas tenham sido formadas para tal. Subsidiando também este resultado, mais uma vez, se pode recorrer ao RCNEI (BRASIL, 1998), que afirma ser indispensável ao educador musical, um conhecimento vasto sobre esta linguagem, para que o seu trabalho possa ser desenvolvido de forma significativa e consciente dos fins que se quer alcançar. Contudo, uma educação musical apropriada exige a integração entre educadores, instituições de formação de professores e a prática pedagógica; a fim de se ter uma visão panorâmica acerca das reais necessidades educacionais e das principais dificuldades dos docentes frente ao desafiode gerir uma prática educativa que suporte os elementos necessários para o desenvolvimento completo dos indivíduos, o que inclui o trabalho com a linguagem musical. Para tanto, deve haver um diálogo constante e flexível por parte das instituições responsáveis pela formação dos profissionais da educação e a realidade das salas de aula de Educação Infantil, no intuito de se buscar novos caminhos que viabilizem, por meio da reflexão, mudanças no currículo dos cursos oferecidos; proporcionando aos docentes um conhecimento profundo sobre a educação musical, que lhes permita finalmente utilizar com precisão este instrumento da arte e acertar as notas deste concerto, formando desta maneira, um conjunto em uníssono, cuja melodia embalará o desenvolvimento integral das crianças. 25 BIBLIOGRAFIA BRASIL. Ministério da Educação. Referencial curricular para a educação infantil – conhecimento de mundo. Brasília, 1998. v. 3, p.45-79. CAMARAGIBE. Prefeitura Municipal. Secretaria de Educação. Proposta Curricular: educação infantil. Camaragibe, PE, 2002, p.75-79. CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em ciências humanas e sociais. São Paulo: Cortez, 1998, p. 102-103. 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Musicalizando a escola: música, conhecimento e educação. São Paulo: Escrituras, 2006, p. 15 -68. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf. Acesso em: 08 de julho de 2007. 26 LINO, Dulcimarta. Música é... cantar, dançar...e brincar! Ah, tocar também. In: CUNHA, Suzana (Org). Cor, som e movimento: a expressão plástica, musical e dramática no cotidiano da criança. 4 ed. Porto Alegre: Mediação, 2004, p. 67-69. LOUREIRO, Alicia. O ensino de música na escola fundamental. São Paulo: Papirus, 2003, p. 196-199. NASCIMENTO, Maria. A criança concreta, completa e contextualizada: a psicologia de Henri Wallon. In: MONTOYA, Adrián; SHIRAHIGE, Elena; JUSTO, José; CARRARA, Kester. (Org). Introdução à psicologia da educação: seis abordagens. São Paulo: Avercamp, 2004, p. 47-65. RECIFE. Prefeitura da Cidade. Secretaria de Educação. Proposta pedagógica da rede municipal de ensino do Recife: construindo competências. Recife, PE, 2002. Versão preliminar, p. 25-27. SALLES, Juliana da Mota, PRADO, Ricardo. Música, maestros. Nova Escola, São Paulo, p. 16, mai.,1999. Anexo A: Roteiro de entrevista para as professoras Dados profissionais: 1-Nome: 2-Formação: 3-Tempo de atuação em sala de aula: 4-Há quanto tempo atua nesta Creche: Informações sobre a prática pedagógica: 1-Como é feito o planejamento das atividades pedagógicas nesta Creche? 2-De que forma o RCNEI é contemplado neste planejamento? Por quê? 3-Como a música é considerada nesse planejamento? Por quê? 4-Quais os critérios que são considerados na escolha das atividades musicais? 27 5-Quem escolhe as atividades musicais para serem trabalhadas com a turma? 6-Quantas horas por semana, dedica a atividades musicais? Por quê? 7-Você se considera preparada para trabalhar a música em sala de aula? Por quê? 8-O que você entende por linguagem musical? 9-Na sua concepção, qual o significado de trabalhar a música na Educação Infantil? 10-Você acha que a música é importante para o desenvolvimento da criança? Por quê?
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