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Teoria da Literatura II - Conteúdo Online

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TEORIA DA LITERATURA II
AULA 1 – AS POÉTICAS CLÁSSICAS E A PERSPECTIVA ROMÂNTICA
A Teoria da Literatura é uma disciplina cujo surgimento é relativamente recente, datando do início do século XX. Para um iniciante nos estudos literários, às vezes é difícil compreender a importância dessa disciplina e a mudança de perspectiva que ela provocou.
Retória, Poética e Estética: Um Percurso
Em seu sentido clássico, o termo poética denomina o ramo da Filosofia que trata da poesia. 
Embora se encontrem reflexões sobre a poesia na República, um dos diálogos escritos por Platão no qual Sócrates é o personagem principal, costuma-se tomar a Arte Poética de Aristóteles como primeiro estudo dedicado a essa disciplina. A Epístola aos Pisões ou Arte Poética, de Horácio, escrita em I a. C., insere-se na linhagem das reflexões acerca da poesia, atribuindo-lhe a função de “Educar com prazer”.
Datam do século III d. C. estudos poética de contidos em Sobre o sublime, cuja autoria é atribuída a Longino e em fragmentos da obra de Plotino. Na idade média, a poética e a Retórica, disciplina voltada para o estudo da Oratória, mesclam-se e as tênues fronteira entre esses dois ramos do conhecimento humanista ficam imperceptíveis, além disso, inicia-se um estudo de técnica poética que se desvincula totalmente do pensamento clássico acerca da poesia.
Entre os séculos XV e XVIII, período que se alonga do Renascimento ao Neoclassicismo, a Poética experimenta um novo apogeu, retoma a autonomia diante da Retórica e assume o centro dos estudos literários.
No entanto, já no século XVIII, esse espaço vai ser compartilhado com a Estética, disciplina surgida em 1750, com a obra de Alexander Baungartem a ela dedicada. Ao longo desse século, a Estética acabou por substituir a Poética como disciplina chave no estudo da Literatura.
Poética e Censura na República: Sócrates e a Poesia
O diálogo intitulado A República, escrito por Platão, é um texto de difícil classificação que pode ser lido por diferentes ângulos: filosófico, político, epistemológico, literário, entre outros. Dadas a complexidade e a genialidade desse texto, ele tem servido de estímulo à reflexão ao longo dos séculos e pode ser considerado uma das bases do pensamento ocidental.
Os estudiosos da obra de Platão consideram que A República é uma de suas mais influentes obras.  Nesse diálogo, Sócrates discute com outros convivas o sentido do termo justiça e, para desenvolver a argumentação, decide criar um mundo ideal, já que, segundo ele, não se poderia falar desse tema tendo como referência o mundo em que vivia. O título do diálogo advém dessa comunidade ideal projetada por ele. Sócrates, mestre de Platão, é o personagem principal.
É importante notar que pouco sabemos sobre o quanto dos ensinamentos socráticos se faz presente nos diálogos de Platão, pois é óbvio que as ideias do discípulo misturam-se às do mestre na criação que tem lugar nesse texto. Por esse motivo existe uma tendência a ler esse texto como um discurso ficcional de feição filosófica.
Como já dissemos, esse texto nos interessa por seu caráter inaugural, como texto fundador de uma longa linhagem de reflexões sobre as formas e funções do texto literário que veio culminar com o surgimento da Teoria da Literatura no início do século XX. Nossos pontos de interesse na República são na verdade, interrelacionados: a perspectiva utilitária da arte, a censura, a expulsão do poeta e a ideia de arte como falsidade.
Nos livros II e III, Sócrates conversa com o personagem Adimanto sobre as histórias apropriadas à formação dos cidadãos na República e dedica-se a pensar “A Educação pela Ginástica e a música”, conforme ele mesmo esclarece, a literatura está incluída na “música”. É preciso lembrar que a produção daquele tempo se fazia em versos e era geralmente acompanhada por instrumentos e cantos. Mais tarde, Aristóteles revelará que os escritos em prosa, embora existissem, não tinham ainda uma classificação.
No livro III, ele também desenvolve uma preleção sobre as formas de narração nos diferentes gêneros poéticos, a imitação, o estilo simples, o estilo múltiplo e a harmonia, sempre com o mesmo viés, bastante impositivo e moralizante. Nas concepções apresentadas nesses dois livros, podemos perceber um tom bastante autoritário, que se revela no emprego do modo imperativo e nos vocábulos usados, como veremos a seguir.
Além destes dois textos que você acabou de ler, existem mais dois de Sócrates, veja:
Visão prescritiva: imposição aos poetas
Ainda sob a mesma perspectiva moralizante e controladora, Sócrates continua seu diálogo com Adimanto e, além de falar da necessidade de impor essa temática aos poetas, também condena como ímpios aqueles que não escrevem de acordo com seus ditames, como podemos observar no fragmento a seguir:
Pelo contrário, se há meio de persuadi-los de que jamais houve cidadão algum que se tivesse inimizado com outro e de que é um crime fazer tal coisa, esse e não outro, é o gênero de histórias que anciãos e anciãs deverão contar-lhes desde o berço; e, quando crescerem, será preciso ordenar aos poetas que componham suas fábulas dentro do mesmo espírito.
“Mas se queremos que uma cidade se desenvolva em boa ordem, é preciso impedir por todos os meios que nela se atribua à divindade, que é boa, a autoria dos males sofridos por mortal, e que narrações de tal espécie sejam escutadas por moços e por velhos, estejam elas escritas em versos ou em prosa. Pois quem conta tais lendas profere coisas ímpias, inconvenientes e contraditórias entre si.
Poesia como Falsidade – Livro X
Refletindo bem, das muitas excelências que percebo na organização de nossa cidade nenhuma há que me agrade mais do que a regra relativa à Poesia.
- Que regra é essa? – Perguntou Gláucon.
- A rejeição da Poesia imitativa, que de modo algum deve ser admitida; vejo-o agora com muito mais clareza, depois de termos analisado as diversas partes da alma.
- Como entendes isto? [...]
- Essas obras me parecem causar dano à mente dos que as ouvem, quando não têm como antídoto o conhecimento da verdadeira índole.
- Não devemos concluir, pois, que todos os poetas, a começar por Homero, são imitadores de imagens da virtude e das demais coisas sobre que compõem seus poemas; quanto à verdade, porém jamais a alcançam? [...] Volve tua atenção para isto: o imitador ou fabricante de imagens nada entende do verdadeiro ser, apenas do aparente, não é assim?³
Esse conjunto de ideias desenvolvido ao longo do texto vai culminar no Livro X, o mais acusador e acirrado em relação à Poesia mimética, à expulsão do poeta da República.
³Ibidem, PP.379, 387 e 388
Note-se, porém, que nem todos os poetas serão expurgados aqui. A condenação socrática focaliza os poetas tradicionais, que “falseiam o real” pela imitação destorcida e mentirosa, em oposição aos poetas filósofos, que imita de forma ordenada e racional, buscando a maior aproximação possível com o real. 
Aristóteles, no entanto, reabilitará o poeta mimético, ao considerar a imitação o constituinte fundamental da arte literária, que é concebida por ele como criação e em sua perspectiva deixará o jugo do real imposto por Sócrates.
Aristóteles e a Arte Poética
“Aristóteles plantou os pés na terra e olhou para as coisas” SUASSUNA, Ariano. Introdução à Estética. 5. ed. Recife, Editora Universitária da UFPE, 2002. p.54.
A poética de Aristóteles, embora tenha sido escrita mais de cinco séculos antes de Cristo, só foi conhecida efetivamente a partir de 1498, quando veio à público sua primeira edição latina. Daí em diante, sua influência sobre a criação e a crítica literária foi bastante abrangente, tendo sido alvo de diferentes interpretações. 
Em alguns momentos, foi tomada como um manual prescritivo, cujas regras deveriam ser seguidas, mas hoje predomina a tendência a “encarar isoladamente certos conceitos aristotélicos como  fonte estimulante para novas observações e novas reflexões sobre o fenômeno artístico”.¹
¹ARISTÓTELES, HORÁCIO & LONGINO. A Poéticaclássica. Intr. Roberto de Oliveira Brandão. Trad. Jaime Bruna. 3. ed. São Paulo, Cultrix, 1988. p. 2.
Como muito bem sintetiza Ariano Suassuna no texto em epígrafe, Aristóteles analisou objetivamente o mundo, refletindo sobre os mais variados aspectos do conhecimento. Suas descrições e conceituações são via de regra precisas e detalhadas. Quando se debruça sobre os textos literários em circulação no momento em que vivia, o tratamento não é diferente.
Desde o início da Poética, notamos o tom didático que predomina no texto, visível no movimento de organizar as ideias, apresentar conceitos e classificar os textos.
O parágrafo inicial é um perfeito exemplo de introdução, pois apresenta toda a organização das ideias apresentadas a seguir: 
“Falemos da natureza e espécies da poesia, do condão de cada uma, de como se hão de compor as fábulas para o bom êxito do poema; depois, do número e natureza das partes e bem assim das demais matérias dessa pesquisa, começando, como manda a natureza, pelas noções mais elementares.”
Ao lado desse caráter descritivo e minucioso, os textos de Aristóteles apresentam forte carga valorativa, característica muito destacada nos períodos em que o texto foi lido como um conjunto de prescrições. Como exemplo desse modo de pensar, podemos citar a passagem: 
“Surgidas a tragédia e a comédia, os autores, segundo a inclinação natural, pendiam para esta ou aquela; uns tornaram-se em lugar de jâmbicos, comediógrafos; outros, em lugar de épicos, trágicos, por serem estes gêneros superiores àqueles e mais estimados.”
Observando a articulação do discurso encontramos um intenso uso de imperativos que sustenta as leituras do texto enquanto conjunto de prescrições. Nota-se isso, por exemplo, no seguinte trecho:
“Deve-se sempre procurar a verossimilhança e a necessidade. O irracional não deve entrar no desenvolvimento dramático, mas se entrar, que seja unicamente fora da ação.”
Aristóteles parte da definição de poesia como imitação, para analisar as espécies de poesia imitativa – ou seja, a Epopeia, a Tragédia e a Comédia, classificando-as segundo os meios, os objetos e os modos da imitação. O quadro abaixo sintetiza a classificação apresentada pelo filósofo:
	Diferenças
	Tragédia
	Comédia
	Epopeia
	Meios diversos
	verso/canto
	verso/canto
	verso
	Objetos diversos
	homens melhores
	homens piores
	homens melhores
	Modos diversos
	ação
	ação
	narração
Agora que já conhecemos um pouco da poética de Aristóteles, vamos fazer uma comparação entre suas ideias e aquelas emitidas por Platão/Sócrates na República. O quadro a seguir sintetiza as diferenças de pressupostos entre esses pensadores:
	
	Platão/Sócrates
	Aristóteles
	Concepção
	Idealista
	Realista
	Conceito de beleza
	Beleza é o brilho da verdade. 
Verdade = essência (mundo 
das ideias)
	Beleza é uma propriedade do 
objeto, não é reflexo de uma 
essência superior.
	
	Aristóteles e Platão
	Sócrates
	Mimesis (imitação)
	Visão positiva.
Imitar é próprio ao homem.
Imitação é uma representação 
superior do sensível.
Verossimilhança.
	Visão negativa.
Imitação em terceiro nível, 
reprodução imperfeita do 
absoluto.
	Prazer/Função da Arte
	“Beleza é aquele bem que é aprazível só porque é bem.” (Retórica)Na Retórica, analisa a fruição da obra de arte do ponto de vista do sujeito.
A noção de beleza é intimamente ligada à de prazer. Prazer estético advém da apreensão gratuita e sem esforço dos objetos. Catarse – prazer advindo da pena e temor que propicia a purgação desses sentimentos.
	Rejeita o prazer;
“A arte é útil para a formação dos Guardiões, serve para a transmissão de ensinamentos éticos “para nós, ficaríamos com um poeta mais austero em menos aprazível, tendo em conta sua utilidade, a fim de que ele imite para nós a fala do homem de bem e se exprima segundo aqueles modelos que de início regulamos quando tentávamos educar os militares” (A República, Livro III)
A Poética de Horácio
Horácio enviou a Carta aos pisões (Epistula ad Pisones), também conhecida como Arte Poética (Ars Poetica), ao cônsul romano Lúcio Pisão e seus filhos, também literatos. Em sua missiva, o poeta latino formula princípios para a construção poética e dá sugestões de ordem prática para escritores.
Nesse texto, o poeta apresenta suas reflexões sobre a composição artística, tema que já havia abordado em seis poemas compostos anteriormente. 
É na Arte Poética, no entanto, que se apresentam depuradas e amadurecidas suas concepções. Para BRANDÃO, um importante eixo do pensamento horaciano é a ideia de que “A obra é regida por leis que podem ser formuladas”.¹ 
O texto é, por isso mesmo, bastante pragmático e foi traduzido com certo radicalismo em tratados de poética difundidos nas diferentes “ondas” clássicas que marcam a história da arte ocidental a partir do fim da Idade Média. 
¹ARISTÓTELES, HORÁCIO & LONGINO. A Poética clássica. Intr. Roberto de Oliveira Brandão. Trad. Jaime Bruna. 3. ed. São Paulo, Cultrix, 1988. p. 7.
Horácio toma como referência a pintura para pensar a poesia, o que fica bem claro numa expressão do texto que se tornou célebre: “Ut pictura, poiesis”¹.
Podemos assim sintetizar os princípios que ele formula para que seja atingida a perfeição artística:
Fatores estruturantes da obra: ordem e unidade.
Meios pelos quais o poeta realiza seu objetivo: razão, trabalho e disciplina. 
¹“Poesia é como pintura.” - tradução de Jaime Bruna em: ARISTÓTELES, HORÁCIO & LONGINO. A Poética clássica. Intr. Roberto de Oliveira Brandão. Trad. Jaime Bruna. 3. ed. São Paulo, Cultrix, 1988. p. 65.
Desde o início do texto, para rejeitar as obras que ultrapassam a lógica cotidiana e enveredam pelo absurdo, compara a escrita à pintura:
“Suponhamos que um pintor entendesse de ligar a uma cabeça humana um pescoço de cavalo, ajuntar membros de toda procedência e cobri-los de penas variegada, de sorte que a figura, de uma mulher formosa em cima, acabasse num hediondo peixe preto; entrados para ver o quadro, meus amigos, vocês conteriam o riso? Creiam-me Pisões, bem parecido com um quadro assim seria um livro onde se fantasiassem formas sem consistência, quais sonhos de enfermo, de maneira que o pé e a cabeça não se combinassem num ser uno.”
No entanto, valoriza também a inspiração (ou “natureza”), quando afirma:
“Já se perguntou se o que faz digno de louvor um poema é a natureza ou a arte. Eu por mim não vejo o que adianta, sem uma veia rica, o esforço, nem, sem cultivo, o gênio; assim, um pede ajuda ao outro, numa conspiração amistosa."
Verificamos aí um claro traço da ênfase na racionalidade que marca o texto, sintetizada na frase: “Princípio e fonte da arte de escrever é o bom senso”.
Outro aspecto importante na obra é o fato de que a visão clássica horaciana não deixa espaço para o improviso, para ele a perfeição só pode ser obtida pelo trabalho conjugado ao domínio técnico e à racionalidade que disciplina a experiência criadora.
É inegável que a Arte Poética de Horácio constituiu um cânone, um modelo para a criação poética ocidental, tendo sido objeto de estudo para inúmeros escritores. O prestígio desse texto foi incomparável, pois, embora nem sempre seus preceitos fossem inteiramente integralmente seguidos, influenciou diversos estilos literários, principalmente até o advento do romantismo.
Podemos citar como prova dessa influência de Horácio na criação literária o fato de que algumas expressões cunhadas por ele, como carpe diem (aproveite o dia) e aurea mediocritas (mediocridade dourada) terem se tornado, mais que valores, temas artísticos para variadas gerações. Como já dissemos, a influência das poéticas clássicas sobre a produção artística ocidental, a partir de sua redescoberta no período renascentista, foi imensa.
Segundo Vitor Manuel da Aguiar e Silva¹, os traços dessas realizações artísticas de inspiração clássica – do Renascimento ao Neoclássico - podem ser assim sintetizados:
Racionalismo: razão (entidadeimutável) = bom-senso (exclui fantasia, imaginação);
Verossimilhança: objetiva não o real concreto, mas o que pode acontecer (exclui insólito, anormal, imaginário, maravilhoso);
Imitação da natureza: não cópia detalhista e minuciosa,mas imitação idealizada que escolhe e acentua aspectos característicos e essenciais do modelo (exclui grosseiro, hediondo, vil e monstruosos);
Obediência às regras analisadas e justificadas pela razão. Cada forma literária e cada gênero possui regras específicas (conteúdo, estrutura, estilo). Exemplo: regra das três unidades dramáticas (espaço/tempo/ação);
Imitação de autores greco-latinos: imitar os que imitam com perfeição a natureza (Herança renascentista). Perigo: rigidez e artificialismo;
Conveniências: 
Interna: coerência e harmonia interna da obra;
Externa: adequação à moral vigente, ao gosto, sensibilidade e costumes do público;
O movimento romântico surgido no século XVIII na Europa é essencialmente contraditório. De um lado, segundo Arnold Hauser, como continuidade do processo de emancipação da burguesia, é expressão de um “entusiasmo plebeu”, contrapondo-se ao “intelectualismo delicado e discreto” das classes superiores. De outro, representa uma reação dessas classes superiores ao racionalismo neoclássico que o precedeu.
Para compreender a estética do período que abordaremos agora, é importante entendermos que há uma discronia (diferença temporal) entre a história literária europeia e a brasileira. Isso fica claro quando observamos as datas das principais publicações românticas lá e aqui (Ver arquivo ROMANTISMO NA EUROPA).
Estes dois fragmentos citados demonstram que a origem do anticlassicismo romântico reside no desejo de libertar o sujeito de todas as amarras, deixando-o livre para expressar-se. Dessa forma, o sujeito romântico, idealista e sentimental, tomado como um gênio por seus pares, não poderia submeter-se às regras clássicas, que para ele seriam constrições insuportáveis. Seguindo esse ideário, o poeta abandona-se à inspiração e ao improviso, ao devaneio e à fantasia, ao sentimento e à percepção, enfim, a todos aqueles valores que, como vimos, os clássicos abominariam.
Friedrich Schlegel, nos seus Diálogos sobre a poesia II, apresenta o ideário idealista romântico proposto nessa nova mitologia:
“A única coisa que lhe peço é não duvidar da possibilidade de uma nova mitologia [...] Se é verdade que uma nova mitologia pode erguer-se, somente com suas formas, das remotas profundezas da alma, o idealismo – o maior fenômeno de nossa época – oferece a nós uma direção altamente significativa e uma prova extraordinária daquilo que estamos buscando.
Foi assim precisamente que o idealismo nasceu, como se fosse do nada, é agora, mesmo no mundo do espírito, ele constitui uma referência, uma vez que a energia humana espalhou-se em todas as direções e progressivamente desenvolveu-se, certamente ela não perderá a si mesma nem ao caminho de volta.”
Outro filósofo alemão, Georg Wilhelm Friedrich Hegel, afirma em sua obra também intitulada Diálogos sobre a poesia (1821), sobre a nova mitologia que libertará os homens do valor mais fundamental para o romântico:
“Nenhuma capacidade será reprimida nunca mais: finalmente surgirá a regra que trará a liberdade geral e a igualdade de mentes! Essa deve ser a última e mais nobre obra humana.”
AULA 2 – POSITIVISMO E DETERMINISMO NA CRÍTICA LITERÁRIA
O Positivismo de Auguste Comte
Auguste Comte (1798-1857) iniciou os estudos dos fatos sociais com caráter de disciplina sistemática.
Filósofo francês, fundador da Sociologia e do Positivismo.
O filósofo francês, conhecido como “pai do Positivismo”, foi quem primeiro utilizou o termo “sociologia” aplicado ao estudo da sociedade.
Duas idéias fundamentais fazem parte da formação de Comte: a primeira orienta que os fenômenos sociais, assim como os de caráter físico, obedecem as leis; a segunda propõe que todo conhecimento científico e filosófico tem por objetivo o aperfeiçoamento moral e político do homem.
É assim que surge o Positivismo, doutrina filosófica que se origina da concepção de que faltava uma ciência que completasse o quadro de ciências que já haviam atingido a positividade, ou seja, sobre o que não se admite dúvida, a saber: matemática, astronomia, física, química e biologia.
A estas ciências Comte acrescentou a sociologia.
O que Auguste Comte pretendia era instituir uma “religião da humanidade” que levasse à evolução humana. Para tanto, dedicou-se a propagar suas idéias, obtendo sucesso, visto que o Positivismo conquistou adeptos em todo o mundo, sendo muito bem aceita pela intelectualidade brasileira do século XIX.
O Positivismo
Opondo-se às abstrações da teologia e da metafísica que marcaram o homem do século XIX, angustiado com a modernidade e o fim dos valores morais, o Positivismo indicou o caminho do método experimental e da objetividade da ciência.
São três os pontos fundamentais da base teórica positivista:
Todo conhecimento do mundo material é conseqüência dos dados “positivos” da experiência, e somente eles devem orientar o trabalho investigativo;
As idéias se relacionam no âmbito da lógica pura e da matemática;
Deve ser descartado todo conhecimento dito “transcendente”, como a metafísica e a tecnologia, por não serem passíveis de comprovação científica.
O positivismo de Auguste Comte reporta-se às ideologias que se tornaram base do pensamento filosófico do século XVIII, como o “empirismo radical” de David Hume (1711-1776).
David Hume: filósofo, historiador e ensaísta escocês, celebrizado pelo “empirismo radical” e pelo ceticismo filosófico, considerava a experiência como método de conhecimento, e o Iluminismo, que preconizava o progresso da humanidade através da razão. Envolvido pelos avanços científicos do século XIX, notadamente nas áreas da física, da química e da biologia, Comte pretendeu formular a síntese dos resultados das ciências positivas.
A tese de predomínio da razão sobre a emoção subjetiva possibilitou o surgimento das teses científicas e positivistas.
Auguste Comte buscou o equilíbrio entre dois métodos filosóficos que se formaram a partir do século XVIII: o “empirismo radical”, que reconhecia apenas a pura experiência direta do fato, e o “racionalismo”, ou seja, a construção de um processo intelectual que orientasse o conhecimento. Para Comte, o saber científico dependia igualmente dos dados empíricos, pelos quais se comprovavam os fenômenos, e da elaboração racional, através do que se conferia valor e utilidade ao fato evidenciado e comprovado cientificamente.
Explica-se assim o processo: o real não é apreendido diretamente pelos sentidos; é necessário que o intelecto aja sobre o que foi percebido para lhe dar algum sentido. Assim, pois, o espírito reage, reelabora os dados percebidos pelos sentidos e os organiza segundo uma hipótese de trabalho, criando uma imagem de mundo formada por elementos empíricos (da experiência) e racionais.
Na obra Curso de Filosofia Positiva (1830-1842), Auguste Comte expôs sua doutrina dividindo-a em três etapas do desenvolvimento intelectual da humanidade.
Primeiro estágio (teológico): pelo qual o homem explicaria os fenômenos da natureza recorrendo a entes sobrenaturais ou divindades, primeiro em uma crença politeísta (diversos deuses) e, numa fase superior, na crença monoteísta (um só deus).
Segundo estágio (metafísico): pelo qual o conhecimento sobre o mundo sensível não se daria por elementos exteriores a ele, mas por conceitos imanentes e abstratos, ou seja, as idéias, as formas, as potências e os princípios.
Terceiro estágio (estado positivo): no qual o homem se limita a descrever os fenômenos e a estabelecer “as relações constantes de semelhança e sucessão entre eles”. É nesse último estágio que se situa a filosofia positivista, que não pretende encontrar as causas ou a essência das coisas, mas identificar as leis que as regem, pois o papel da filosofia, como acreditava Comte, não era descobrir, mas organizar o conhecimentoadquirido.
Os pressupostos fundamentais da filosofia positivista são, portanto, a ordenação e a classificação das ciências.
Avançando em seus estudos positivistas, Auguste Comte estabelece, na obra Discurso sobre o conjunto do positivismo (1848), uma proposta de significação moral mais ampla, pela qual indicava o predomínio do coração sobre a razão e a atividade para que se formasse uma “religião da humanidade”. Assim, o positivismo se configurava sob três aspectos: uma teoria da ciência, uma doutrina de reforma social e uma religião.
Na obra Sistema de Política (1851-1854), Comte retoma os propósitos práticos em detrimento dos teóricos ou filosóficos. Consolida-se a “religião da humanidade” com ídolos, sociolatria, sociocracia e catecismo, propostas muito semelhantes às do catolicismo, o que se confirma com a obra O Catecismo Positivista (1852). O positivismo, então, assume a condição de um credo baseado na ciência, e disso decorrem aberturas de templos e práticas de cultos positivistas.
Essas novas idéias de Auguste Comte dividiram os pensadores dos séculos XIX: uns, os ortodoxos, seguiram as propostas religiosas de Comte; outros, os heterodoxos, permaneceram fiéis aos postulados iniciais da filosofia positivista, de cunho científico e filosófico.
A doutrina filosófica positivista alcançou grande repercussão no Brasil, protagonizando o advento da república, visto que vários republicanos, como Benjamin Constant, eram positivistas. A divisa Ordem e Progresso, que consta da bandeira nacional, tem inspiração no lema do Positivismo “o amor como princípio, a ordem como base e o progresso como fim”.
O Determinismo
É o nome de uma teoria filosófica segundo a qual todos os acontecimentos do universo obedecem às leis naturais causais, ou seja, a natureza, a história e a sociedade estão submetidas a leis e causas que determinam sua existência, sua forma e sua evolução.
As concepções deterministas estão presentes na filosofia da Antiguidade Clássica, especialmente no atomismo (é uma filosofia natural que preconiza a existência de partículas mínimas, sólidas e indivisíveis, chamadas átomos, que originam todas as coisas do universo. A reorganização constante desses átomos explicaria as constantes transformações do mundo) grego, mas somente foram estabelecidas por uma proposta teórica mais sistematizada no século XIX, devido aos avanços no campo do saber científico.
As doutrinas deterministas estão vinculadas a uma compreensão mecanicista da realidade, estudada a partir da relação de causa e efeito entre os objetos e fenômenos. A concepção clássica de determinismo teve origem nos estudos de Pierre-Simon Laplace, na Teoria Analítica das Probabilidades (1812), obra na qual o filósofo defende a idéia de que, se num momento específico, fossem conhecidas todas as forças da natureza e o estado de cada um de seus elementos, seria possível determinar tanto o passado quanto o futuro do objeto investigado mediante uma análise matemática. Essa teoria pode ser sintetizada da seguinte maneira: as mesmas causas, em circunstâncias idênticas, produziriam os mesmos efeitos.
Essa teoria determinista mais radical configura o homem como objeto de investigação científica, não o distinguindo das outras coisas presentes no universo. Para os deterministas clássicos, as ações humanas também seriam condicionadas a causas específicas, assim como os fenômenos naturais.
A filosofia determinista defende a tese de que seria impossível ao homem agir livremente, pois ele estaria condicionado a causas anteriores. Essa idéia não exime o homem de suas responsabilidades, mas entende ser possível prever suas ações e os resultados dessas.
Contexto Histórico e Social do Positivismo e do Determinismo
Em meados do século XIX, o mundo sofreu grandes transformações. Se, por um lado, o advento da Revolução Industrial, ao lado dos avanços científicos, possibilitou ao homem sonhar com o progresso e o bem-estar social, por outro, o caos da urbanidade gerou insatisfações devido ao crescimento desordenado das cidades e às distâncias crescentes entre a classe operária e os donos do capital.
A nova orientação cientificista transformou o homem em mais um objeto de investigação dentro de um universo de coisas materiais, inserido em um contexto histórico e social. Essa nova proposta, inevitavelmente, anula a subjetividade romântica e o homem moderno vê-se diluído entre teorias científicas e filosóficas e práticas que o coletivizam, aniquilando sua individualidade.
Positivismo e Determinismo na Crítica e na Historiografia Literária
Na literatura ocidental, a dicotomia entre a subjetividade e o cientificismo se fará presente em movimentos antagônicos. Românticos e simbolistas tendem a um afastamento do mundo real, buscando, os românticos, o mundo idealizado, e os simbolistas, a fuga da existência.
Em comum, apresentam um estado de depressão finissecular (conceito que representa, literariamente, o fim do século, extremo de uma época). Seguindo outra vertente de pensamento, parnasianos, realistas e naturalistas, filiados ao cientificismo, tenderão a compreender o homem como produto da sociedade e do meio ambiente, fundados na certeza de que a investigação criteriosa dos fenômenos sociais, dos quais o homem faz parte, levaria a uma evolução humana e social.
Todas essas transformações e o posicionamento antagônico de intelectuais e artistas levam a uma “reflexão sobre a gênese da obra literária, em termos de especulação científica”. (GONÇALVES, Magaly Trindade; BELLODI, Zina C. Teoria da literatura “revisitada”. Petrópolis: Vozes, 2005. p. 94) Taine (1828-1893) foi o introdutor desse postulado, estabelecendo a tríade “raça, meio e momento”.
Hippolyte Adolphe Taine foi um dos expoentes do Positivismo do século XIX. Criou o Método de Taine, que consistia em compreender o homem sob três fatores determinantes: meio ambiente, raça e momento histórico.
Elemento Raça nos Estudos da Hereditariedade e a Visão Científica da Gênese
Em relação ao elemento raça, conceito hoje negado por teses diversas, está inserido nos estudos da hereditariedade; quanto ao meio, explica-se pelas transformações sociais drásticas ocorridas com o advento da modernidade; e quanto ao momento, deve ser entendido como um conceito que engloba, na concepção contemporânea, aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais de um período determinado da evolução histórica.
A visão cientificista da gênese da obra literária surge em um contexto social e histórico de formulação de teses que se consolidavam a partir do estudo da origem do objeto investigado, cujo ponto alto é a teoria evolucionista de Darwin. No entanto, é preciso muito critério ao se estabelecer um aspecto positivista ou determinista à criação de uma obra de arte. Isso porque não se contesta que há uma relação intrínseca entre a obra e o contexto em que ela está inserida.
Assim, é inegável que a personalidade e o conhecimento de mundo de um artista influenciam na composição de sua obra, ou que o gênero romance atende aos interesses da burguesia, ou, ainda, que o deslumbramento ou inadequação do homem em relação à vida moderna será matéria de poemas diversos, de Baudelaire a Fernando Pessoa, de Walt Whitman a Carlos Drummond de Andrade. Todavia, a crítica literária apresenta interessantes estudos relativos à produção de obras vinculadas às teorias positivistas e deterministas, o que se torna contribuição inegável ao saber acadêmico.
Realismo, Naturalismo e Parnasianismo: A Formação de Uma Literatura Científica
O Realismo é um movimento literário marcado pelo interesse em explicar a obra como produto originário da sociedade, de um determinado tipo humano e de um tempo histórico específico. O método de estudar a obra a partir de relação entre o seu criador e a sociedade em que ele está inserido levou à Crítica Sociológica, que postula a investigação da obra pelos fatos sociais que nela se fazem representar, mesmo que de forma subliminar. Marco da literatura realista, a obra Madame Bovary(1857), de Gustave Flaubert, apresenta fatos cotidianos sob uma visão extremamente objetiva da realidade. Não há, no texto, elementos que fujam a uma compreensão científica da realidade, mantendo o romance, como os demais textos realistas, um caráter de tese.
“Mas era sobretudo às horas da refeição que ela não agüentava mais, nesta pequena sala do andar térreo, com a estufa que fumegava, a porta que rangia, os muros que gotejavam, as lajes úmidas; toda a amargura da existência parecia-lhe servida no seu prato e, como a fumaça do cozido, subiam do fundo de sua alma como em outras baforadas de enjôo. Carlos era vagaroso ao comer; ela mordiscava algumas avelãs, ou então, apoiada no cotovelo, divertia-se a fazer riscos com a ponta da faca na toalha.” (Madame Bovary, Gustave Flaubert)
A passagem destacada apresenta uma cena comum: marido e mulher compartilham uma refeição. O que se revela, no entanto, é o tédio da Emma Bovary. Flaubert descreve a cena, a fim de que o leitor possa perceber, por si mesmo, como o ambiente externo atua sobre a disposição interna da personagem.
A proposta de compreender o homem através do meio social em que ele está inserido intensifica-se com o movimento naturalista, que tem em Émile Zola seu maior porta – voz. O autor considerava que os personagens de um romance deveriam ser elaborados em função dos elementos hereditários e da sua relação com o meio social em que estivesse inserido.
Zola (Émile Zola, escritor francês, criador da escola literária naturalista) defende essa tese no ensaio Romance Experimental:
“É a investigação científica, é o raciocínio experimental que combate, uma por uma, as hipóteses dos idealistas, e substitui os romances de pura imaginação pelos romances de observação e experimentação.”
Os postulados do positivismo e do determinismo reforçam teses diversas, como vemos no estudo de Michelle Perrot sobre a divisão de classes sociais no século XIX:
“É que o lavadouro é para elas muito mais do que um lugar funcional onde se lava a roupa: um centro de encontro onde se trocam as novidades do bairro, os bons endereços, receitas e remédios, informações de todos os tipos. Candinhos do empirismo popular, os lavadouros são também uma sociedade aberta de assistência mútua: se uma mulher está no ‘atoleiro’, acolhem-na fazem uma coleta para ela. A mulher abandonada pelo seu homem merece no lavadouro, onde a presença masculina se reduz a meninos importunos, de uma simpatia especial.” (PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. 4 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1988).
Fundadas na mesma proposta, as obras naturalistas se fazer representar, do que é exemplo o livro O Cortiço, de Aluisio Azevedo. Note-se a semelhança entre o texto de Michelle Perrot e o elaborado por Azevedo, propondo, ambos, que o leitor compreenda como o meio social interfere sobre a vida do ser humano: 
“Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara, incomodamente, debaixo do fio de água que escorria da altura de uns cinco palmos. O chão inundava-se. As mulheres precisavam já prender as saias entre as coxas para não as molhar; via–se-lhes a tostada nudez dos braços e do pescoço, que elas despiam, suspendendo o cabelo todo para o alto do casco; os homens, esses não se preocupavam em não molhar o pelo, ao contrário metiam a cabeça bem debaixo da água e esfregavam com força as ventas e as barbas, fossando e fungando contra as palmas da mão. (AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Editora Ática, 1987).”
Quanto ao Parnasianismo, mais representativo na literatura brasileira, em versos, identificam-se, também, propostas cientificistas, porém mais conformes a uma descrição objetiva dos motivos apresentados nos textos literários.
Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto de Oliveira: escritores que adotaram a visão objetiva, conforme as orientações científicas do século XIX.
O apuro técnico dos textos serve a uma visão objetiva do tema, como vemos nos versos de Alberto de Oliveira, do poema “Aspiração”:
Ser palmeira! Existir num píncaro azulado,
Vendo as nuvens mais perto e as estrelas em bando;
Dar ao sopro do mar o seio perfumado,
Ora os leques abrindo, ora os leques fechando; (...)
Vimos, assim, que a orientação científica que fez surgir o Positivismo e o Determinismo definiram a literatura do século XIX, seja pela busca da compreensão do ser humano frente à sociedade;
Seja por uma descrição dos fatos a partir da observação isenta, o que transformava o escritor em observador; ou, ainda pela descrição do objeto, mas sem que o belo artístico fosse ameaçado pela visão científica. A formação de uma crítica literária específica possibilitou que, hoje, possamos compreender as propostas elaboradas no século XIX e a evolução do fazer literário a partir das inovações do Positivismo e do Determinismo.
AULA 3 – BIOGRAFISMO E IMPRESSIONISMO CRÍTICO
O Impressionismo Crítico
A crítica impressionista permite ao leitor de um texto literário avaliar a obra por métodos unicamente subjetivos, ou seja, que estejam vinculados à moral, à ética e à estética constituídas exclusivamente por critérios de avaliação próprios, não submetidos à percepção conduzida por teorias e práticas literárias formuladas pela intelectualidade e pelo meio acadêmico.
Assim, a crítica impressionista constitui-se como uma opinião fundada apenas nas emoções que o texto provoca no leitor. As análises da crítica impressionista são formuladas a partir das impressões percebidas pelo leitor no contato com o texto.
Os críticos impressionistas consideram que o essencial é o prazer da leitura que se obtém a partir de dados subjetivos e percepções individuais dos leitores. Não há, portanto, preocupações com o rigor metodológico ou com a adequação de teorias à análise literária. É o leitor quem determina o valor da obra, a sua influência sobre seu modo de ver o mundo e as relações possíveis entre obras.
Conciliados a uma crítica literária impressionista, autores diversos como Anatole France e Virgínia Woolf produziram obras que se distanciaram dos padrões literários valorados pela visão acadêmica tradicional.
Fragmento de Orlando, de Virginia Woolf – exemplo de literatura impressionista.
O tempo, embora faça desabrochar e definhar animais e plantas com assombrosa pontualidade, não tem sobre a alma do homem efeitos tão simples. A alma do homem, aliás, age de forma igualmente estranha sobre o corpo do tempo. Uma hora, alojada no bizarro elemento do espírito humano, pode valer cinquenta ou cem vezes mis que a sua duração medida pelo relógio; em contrapartida, uma hora pode ser fielmente representada no mostrador do espírito por um segundo.
O Impressionismo Literário Brasileiro
No Brasil, Araripe Júnior (1848-1911), crítico que formou com Silvio Romero e José Veríssimo a chamada “trindade da crítica positivista e naturalista”, não deixou de perceber a nova tendência e enveredou pela crítica biográfica, elaborando ensaios que elucidaram mais a obra de autores consagrados, entre eles Machado de Assis.
O impressionismo literário brasileiro é, segundo Afrânio Cotinho, uma união entre a tendência realista e naturalista e a subjetividade simbolista. Procurando a síntese das informações dadas pelas correntes literárias antagônicas, os impressionistas brasileiros pretendiam uma literatura que mantivesse a objetividade sem enveredar pela explicação científica.
Esclarece Afrânio Coutinho: “O mais importante no Impressionismo é o instantâneo e único, tal como aparece ao olho do observador. Não é o objeto, mas as sensações e emoções que ele desperta, num dado instante, no espírito do observador, que é por ele reproduzido caprichosa e vagamente. Não se trata de apresentar o objeto tal como visto, mas como é visto e sentido num dado momento”. (COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1959, p. 240)
Os autores brasileiros que se filiaram à tendênciaimpressionista, segundo Afrânio Coutinho, são Raul Pompéia, Machado de Assis, na fase final de sua obra, e Graça Aranha, com a obra Canaã.
"Todo o mal está na Força e só o Amor pode conduzir os homens... Tudo o que vês, todos os sacrifícios, todas as agonias, todas as revoltas, todos os martírios são formas errantes da Liberdade. (...) Eu te suplico, a ti e à tua ainda inumerável geração, abandonemos os nossos ódios destruidores, reconciliemo-nos antes de chegar ao instante da Morte..." (ARANHA, Graça. Canaã. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. p. 218)
A proposta impressionista decorre, como esclarece Arnold Hauser e destaca Afrânio Coutinho, da ideia, presente já no filósofo pré-socrático Heráclito (540 a.C. – 470 a.C.), de que a realidade é mutável, o que se faz representar pela seguinte proposta:
“o homem não mergulha duas vezes no rio da vida em eterno movimento para diante”. Portanto, “a realidade não é um estado coerente e estável, mas um vir-a-ser, um processo em curso, em crescimento e decadência, uma metamorfose”. (COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1959, p. 241)
As origens da crítica impressionista encontram-se na reação a uma metodologia de historiografia literária que se apoiava apenas em fatores externos ao texto, a uma “sociologia da literatura”.
A polêmica era suscitada por haver, a prática acadêmica, consolidado o método histórico em detrimento da própria arte. Paul Van Tieghem, no “Primeiro Congresso Internacional da História Literária e a crise dos métodos” (1931), apresenta um relatório no qual acusava os críticos de terem deixado de lado “o íntimo valor de arte e pensamento da obra, pelo trabalho e acúmulo de dados biográficos e fontes”. Aliam-se a esses métodos historicistas, as orientações positivistas de Auguste Comte que se estenderam para a análise literária.
A Síntese das Ideias de Van Tieghem
Cabe reproduzir aqui, por seu valor histórico e de compreensão para o tema desta aula, a síntese das ideias de Van Tieghem formulada por Afrânio Coutinho, a fim de que se compreenda com mais clareza o contexto em que surge a crítica impressionista e contra que propostas este método se insurge.
“(...) os estudos de história literária a partir do século XIX tomaram diversas direções, dentro das preceptivas do método histórico. Entre elas, devem mencionar-se, segundo Van Tieghem, as seguintes: 1. literatura comparada. Estuda as relações entre as produções das diversas literaturas modernas, procura explicar a obra literária pelas fontes, imitações, influências (...); 2. literatura geral. Alargando o objeto da literatura comparada, coloca a obra no meio internacional, estuda-a nas suas relações com as obras análogas, na forma ou no espírito, produzidas na mesma época ou em épocas paralelas em vários países (...);
3. história literária sociológica. Estuda o público a que se dirigem as obras, os elementos diversos, os caracteres, as reações, as variações sucessivas ou paralelas do gosto, a influência nos escritores (...); 4. história literária geográfica. Agrupa os escritores e as obras por províncias ou regiões (...); 5. história literária geracional e periódica. Divide a evolução da literatura em períodos (Periodisierung), ou, mais especificamente, em “gerações”, com o intuito de melhor explicar as sucessões e alternâncias de que é feita a história literária (...)”.  (COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1959, p. 10).
O Surgimento de Uma Crítica Impressionista
Vemos, então, que a necessidade do surgimento de uma crítica impressionista justifica-se ante um tratamento dado à literatura, pela crítica de um modo geral, baseado exclusivamente na coleta de dados e nos métodos comparativos, deixando de lado o próprio texto literário, o qual deveria ser o objeto primeiro da análise.
Entre as muitas ressalvas apresentadas por Paul Van Tieghem contra a prática de análise historiográfica, destaca-se um argumento que justifica a formulação da crítica impressionista: a crítica historiográfica e cientificista não leva em conta que “o espírito do escritor foi alimentado durante a criação por uma multidão infinita de encontros que desaparecem sem deixar rastos”. (COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1959, p. 12).
A crítica literária historiográfica e a crítica literária positivista forneceram aos seus opositores as armas para sua diluição ao centrarem em demasia os estudos em aspectos extraliterários.
Afrânio Coutinho, bem como vários de seus pares, tendeu para uma análise crítica que evidenciasse a obra, embora não recusasse dados exteriores ao texto para melhor compreender o objeto em análise.
Coutinho Opõe-se à Crítica Impressionista
O próprio Afrânio Coutinho opôs-se à crítica impressionista por considerar que ela abdicava demais de informações relevantes para a análise de um texto, visto que um autor faz parte de um sistema social e cultural e, portanto, sofre dele influências diversas ao criar a sua obra. Coutinho recusa a tendência humanística que faz parte da formação da intelectualidade brasileira, carente de uma “consciência técnica” advinda da falta de uma formação educacional criteriosa.
Além disso, não concebe a prática de se relacionar o texto literário com outras formas de arte, comparação e crítica que se formulam apenas no espírito humano, o que leva a uma crítica impressionista. Essa prática tem, no jornalismo, alguns dos maiores críticos brasileiros, como Tristão de Athaíde, Otto Maria Carpeaux, tipificados como críticos impressionistas e, expoente máximo dessa corrente, Álvaro Lins, cuja obra Os Mortos de Sobrecasaca (1940-1960) é o mais relevante registro dessa proposta.
A crítica impressionista de Álvaro Lins se faz representar na análise elaborada da poesia “Sentimento do Mundo”, de Carlos Drummond de Andrade:
“Sim: se eu tivesse o gosto das classificações diria que o Sr. Carlos Drummond de Andrade é o poeta que mais unanimemente representa a poesia moderna no Brasil, através da linha fiel dos seus desdobramentos. Na forma, na substância poética, nos temas, na posição histórica – tornou-se o poeta mais representativo do modernismo.”
Ora, Sentimento do Mundo caracteriza-se, inicialmente, pela apresentação de uma linguagem e de uma forma realmente poéticas; a linguagem sendo de caráter mágico, como em toda poesia, não de caráter exatamente lógico, como nos gêneros prosaicos.
Percebemos, no texto de Álvaro Lins, duas propostas da crítica impressionista: recusar as classificações ao gosto historiográfico e autorizar o leitor a uma coautoria necessária para melhor apreensão do texto literário.
Ora, Sentimento do Mundo caracteriza-se, inicialmente, pela apresentação de uma linguagem e de uma forma realmente poéticas; a linguagem sendo de caráter mágico, como em toda poesia, não de caráter exatamente lógico, como nos gêneros prosaicos. E esta linguagem mágica faz cada palavra encerrar um significado múltiplo e oscilante; faz, de cada palavra, um pequeno universo que se prolonga no leitor, que o obriga a se continuar nele, participando da experiência e do conhecimento do poeta.
(LINS, Álvaro, Os mortos de sobrecasaca. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963. p. 7) 
Não podendo, em versos, “explicar-se” como em prosa, o Sr. Carlos Drummond houve de emprestar, por isso, à sua linguagem poética um poder mágico de sugestão, houve que concentrar nos desdobramentos imagináveis uma grande parte de sua função demiúrgica. Portanto, é um poeta que exige a colaboração e a participação do leitor. (...)”
(LINS, Álvaro, Os mortos de sobrecasaca. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963. p. 7) (grifos nossos)
A Crítica Biográfica
Estando o homem inserido na sociedade, dela participa, sofre influências, reage. Não poderia ser diferente com o autor e uma obra literária. É com essa certeza que surge, entre a intelectualidade brasileira, a crítica biográfica, a qual preconiza que a análise de um textoliterário não pode prescindir de dados biográficos relevantes para a compreensão da mensagem. “O escritor é, pois, um criador, mas, ao mesmo tempo, a sua obra está, toda ela, mergulhada no momento histórico que a origina”. (RICCIARDI, Giovanni. Sociologia da literatura. Lisboa: Publicações Europa-América, 1971, p. 80)
Justifica-se a crítica biográfica pela produção de autores comprometidos com a sociedade da qual participam. Na literatura de Portugal e do Brasil, temos diversos exemplos de escritores realistas e neorrealistas, como Eça de Queirós, Machado de Assis, Carlos de Oliveira, Graciliano Ramos, entre muitos outros.
A situação econômica do escritor e a classe social a que pertence têm sido parâmetros para a análise de uma obra a partir da crítica biográfica. As ideologias que defende e aspectos cotidianos e psicológicos da vida do autor também se configuram objetos de análise.
A crítica biográfica como método fundamental sofreu diversas críticas, inclusive de Afrânio Coutinho:
“A biografia monopolizou quase por completo os estudos literários no Brasil, inclusive a crítica, a ponto de constituir um sério desvio a ser corrigido. Ela absorveu, por influência de Sainte Beuve, a própria interpretação crítica, e chegou-se a inverter a ordem natural dos estudos literários: em vez de chegar-se à obra através do autor, como poderia ser o legítimo objetivo da biografia literária, passou-se a usar a obra como ponte para atingir-se o autor, idealizado romanticamente na sua individualidade. 
A hipertrofia biográfica chegou a ponto de afastar a leitura das obras em proveito do conhecimento da vida dos autores”. (COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1959, p. 67).
Conheça Alguns Nomes da História da Crítica Literária
Charles Augustin Sainte-Beuve (1804-1869). Considerado um dos mais importantes nomes da história da crítica literária, inaugurou a crítica moderna e a crítica de jornal. Ele acreditava ser possível uma crítica isenta da obra literária a partir da biografia dos autores. Sainte Beuve estabeleceu a diferença entre a crítica subjetivista (romântica) e a objetivista (científica).
Benedetto Croce, na obra Estética (1902), procurou um meio termo entre a crítica impressionista e a crítica biográfica, afastando-se tanto da visão subjetivista de Anatole France quanto do método cientificista de Taine. Croce não aceitava qualificar a obra literária a partir de uma classificação de gêneros ou de quaisquer outras regras impostas à análise literária que, segundo ele, deveriam partir apenas da obra em si mesma.
Distanciando-se das discussões primeiras sobre a validade desse ou daquele método crítico, os estudos literários avançam em direção a um consenso, extraindo do texto e de sua autoria o mais relevante para a análise.
É o que propõe Flora Sussekind ao fazer um estudo sobre a poesia contemporânea brasileira. Com o subtítulo:
“A literatura do eu – Onde se lê poesia, leia-se vida”
É o que propõe Flora Sussekind ao fazer um estudo sobre a poesia contemporânea brasileira. Com o subtítulo “A literatura do eu – Onde se lê poesia, leia-se vida”, a autora propõe uma compreensão biográfica da literatura não mais baseada nos fatos que marcam a vida do autor, mas na concepção de que vida e obra se fundem irremediavelmente:
São as vivências cotidianas do poeta, os fatos mais corriqueiros que constituirão a matéria da poesia”. (SUSSEKIND, Flora. Literatura e vida literária – polêmicas, diários & retratos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. p. 67)
Os estudos sobre crítica literária têm indicado uma dicotomia entre a crítica acadêmica e a crítica jornalística ou de “rodapé”. Como a polêmica se revigora periodicamente, cabe conceituar essas propostas e estabelecer as diferenças entre elas.
A crítica acadêmica dá-se no âmbito das universidades. Os estudos, nesse caso, fundamentam-se em teorias diversas que atendem às necessidades da compreensão do texto literário objeto da análise ou da formação do próprio analista.
É comum, então, a associação entre literatura e filosofia, literatura e história, literatura e sociologia, literatura e psicanálise etc. Como parâmetros de análise, selecionam-se autores e obras canônicas, mesmo que os textos analisados sejam contemporâneos. Tais análises, de um modo geral, tendem a se enquadrar em teorias consolidadas. Esse método, não raro, tem como destinação o leitor especialista, visto que se vale de citações e referências que conferem erudição à análise elaborada.
A crítica de rodapé faz a análise do texto literário objetivando uma percepção estética e subjetiva do mesmo, muitas vezes para divulgar um livro, qualificá-lo ou desqualificá-lo ante um público leitor.
E se propõe, até mesmo, a formar um público leitor, atendendo a critérios que passam ao largo das teorias acadêmicas. Assim, a crítica jornalística ou de rodapé pode servir a interesses mercadológicos, mas a adesão de críticos renomados e a sua permanência, além da visão crítica subjetiva de um público leitor cada vez mais exigente tem validado esse método de análise dos textos literários.
AULA 4 – O FORMALISMO RUSSO
Origens do Formalismo Russo – O Círculo Linguístico de Moscou e a OPOJAZ
A origem do Formalismo Russo encontra-se na Universidade de Moscou, quando, em 1914-15, um grupo de estudantes fundou o Círculo Linguístico de Moscou e se dedicou a desenvolver estudos de linguística e de poética. Entre seus fundadores, destaca-se Roman Jakobson, importante linguista que se dedicou à análise estrutural da linguagem de um modo geral, e da poesia em particular.
Universidade Estatal de Moscou - É uma das universidades mais antigas e a mais importante da Rússia. Onde surgiu o Círculo Linguístico de Moscou.  
Panorama Histórico Mundial
Em 1916 é fundada a OPOJAZ – Sociedade para o Estudo da Linguagem Poética, projeto de linguistas e estudiosos de Literatura que tinha como finalidade consolidar os estudos formalistas. No entanto, uma forte corrente marxista começou a fazer oposição a esse grupo de pesquisadores, valendo-se da força política que, na época, favorecia uma ideologia que vinculava a produção artística a conflitos sociais. Como os formalistas opunham-se a essa visão que, no seu entendimento, limitava a arte, foram perseguidos e se dispersaram pelo ocidente, desenvolvendo trabalhos individualizados.
O termo função poética foi cunhado nesta época, instituindo importantes considerações sobre a linguagem literária.
Em 1917, Viktor Chklovsky formulou o ensaio “A arte como procedimento”, no qual propõe uma compreensão da literatura a partir de conceitos linguísticos, baseando-se no argumento de que a língua poética é um desvio da língua cotidiana.
Viktor Chklovsky (1893 – 1984). Considerado pai do Formalismo Russo,  formulou o ensaio “A arte como procedimento” baseando-se no argumento de que a língua poética é um desvio da língua cotidiana.
A projeção do Formalismo Russo no ocidente também se deve a Victor Erlich, autor da obra Russian Formalism (1955), e Tzvetan Todorov, responsável por coligir textos dos formalistas russos.
Tzvetan Todorov nasceu na Bulgária em 1939. Naturalizado francês, o filósofo e linguista é considerado hoje um dos mais importantes pensadores do século 20. Suas obras reúnem textos dos formalistas russos.
Este livro, do autor Critovão Tezza, faz uma síntese do pensamento de Bakhtin e apresenta as linhas fundamentais da concepção formalista de poesia.
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Marxismo:
A obra literária é a expressão de seu tempo;
A arte, direta ou indiretamente, reflete a vida dos homens;
A poesia lírica não se vincula ao espírito social de uma época.
Formalismo:
Não se importavam com a motivação social da obra;
Defendiam a abordagem morfológica da obra;
O objeto investigado era a própria obra.
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Contrário ao Marxismo, o Formalismo Russo caracterizou-se pela recusa de abordagens sociológica, política e filosófica que serviam de base para muitos estudos literários da época. Para os formalistas, a análiseliterária deveria ser efetuada apenas por meios estéticos, sem relevar aspectos externos da obra.
Conceitos Fundamentais do Formalismo Russo: Estranhamento e Literariedade
O Formalismo Russo reagiu contra os estudos geneticistas da Literatura, negando uma visão científica e determinista do texto literário. Os formalistas consideravam a autonomia da obra de arte como objeto de investigação, o que já havia sido esboçado pelos simbolistas franceses, os quais propunham a “arte pela arte”, o que já havia sido proposto, no século XIX, por Edgar Allan Poe.
Edgar Allan Poe (1809 - 1849): “Defino a poesia das palavras como Criação Rítmica da Beleza. O seu único juiz é o Gosto.”
Também contrários à tendência marxista, os formalistas russos não se importavam com a motivação social da obra. O Formalismo ocupa-se da relação entre a mensagem e o destinatário, mas sem vínculos com o contexto social. Por esse motivo, o teórico Boris Eichembaum propôs que se considerasse uma abordagem morfológica da obra, a fim de que se diferenciasse de outras abordagens, como a psicológica e a sociológica. Pela análise morfológica, o objeto a ser investigado seria a própria obra, enquanto pelas outras abordagens, investigar-se-iam outros aspectos que na obra se refletem.
Boris Eichenbaum (1886-1959): Interessava aos formalistas uma relação entre o texto e o leitor na qual a Literatura promova, no destinatário, a reconstituição da realidade através do “estranhamento”.
Antes dos formalistas, na Rússia, considerava-se que a arte corresponde ao pensamento organizado por imagens. Privilegiava-se o conhecimento adquirido com a arte e, para tanto, a imagem, na arte, tinha a função de promover analogias, ou seja, estabelecer semelhanças entre coisas diferentes, o que exigia ser a própria imagem mais simples do que a mensagem que ela pretendia transmitir; além disso, o estudo das imagens estava associado ao estilo de cada autor.  
(1912) Obra do pintor e escritor Kuzma Petrov. No período pré-formalista considerava-se que a imagem na arte tinha a função de promover analogias.  
Na análise do texto literário passa a ser considerada não apenas sua a estrutura verbal, como também a percepção do leitor e o reconhecimento de uma nova forma de o autor se expressar.
O Estudo
Em seu ensaio chamado “O Formalismo Russo” (vide indicação em “Atividades”), Ivan Teixeira aponta o livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, como o exemplo mais evidente de estranhamento, considerando que a obra se constitui pela visão de um “defunto autor”.
A Palavra
O leitor, logo no início do texto, passa por um processo de “desautomatização”, ou seja, deixa de ter uma compreensão automática do que lê, tendo em vista que se apresentou a ele uma proposta nova, diferente do que se havia estabelecido anteriormente para a elaboração de uma obra literária. O leitor estranha, de imediato, a “Dedicatória” elaborada pelo autor: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas”.
Pioneirismo
Outro importante morfologista, Roman Jakobson, argumenta que a investigação literária não deve ter como objeto a Literatura, mas a literariedade, ou seja, a especificidade do objeto literário, o que privilegia o texto e não o seu autor.
É com essa proposta que os formalistas russos se contrapõem a outras correntes de pensamento que também se aplicavam ao estudo literário, como o determinismo e o positivismo.
Roman Jakobson (1896 – 1982) – pioneiro da análise estrutural da linguagem, poesia e arte.
MANIFESTO da Literariedade
Jakobson elaborou um manifesto que esclarece o processo de literariedade:
A poesia é linguagem em sua função estética. Deste modo, o objeto do estudo literário não é a literatura, mas a literariedade, isto é, aquilo que torna determinada obra uma obra literária. E, no entanto, até hoje, os historiadores da literatura, o mais das vezes, assemelhavam-se à polícia que, desejando prender determinada pessoa, tivesse apanhado, por via das dúvidas, tudo e todos que estivessem num apartamento, e também os que passassem casualmente na rua naquele instante.
Tudo servia para os historiadores da literatura: os costumes, a psicologia, a política, a filosofia. Em lugar de um estudo da literatura, criava-se um conglomerado de disciplinas mal---acabadas. Parecia-se esquecer que estes elementos pertencem às ciências correspondentes: História da Filosofia, História da Cultura, Psicologia etc., e que estas últimas podiam, naturalmente, utilizar também os monumentos literários como documentos defeituosos e de segunda ordem. Se o estudo da literatura quer tornar-se uma ciência, ele deve reconhecer o 'processo' como seu único 'herói'.
EIKHENBAUM, Boris et alii. Teoria da literatura: formalistas russos. Trad. Ana Mariza Ribeiro. et alii. Porto Alegre: Globo, 1978.
“Agora sabes que sou verme.
Agora, sei da tua luz.
Se não notei minha epiderme...
É... nunca estrela eu te supus.
Mas, se cantar pudesse um verme,
Eu cantaria a tua luz!
 
E eras assim... Por que não deste
Um raio, brando, ao teu viver?
Não te lembrava. Azul-celeste
O céu talvez não pôde ser...
Mas, ora! enfim, por que não deste
Somente um raio ao teu viver?
 
Olho, examino-me a epiderme
Olho e não vejo a tua luz!
Vamos que sou, talvez, um verme...
Estrela nunca eu te supus!
Olho, examino-me a epiderme...
Ceguei! ceguei da tua luz?”
“O Verme e a Estrela”, poema do simbolista brasileiro Pedro Kilkerry (1885-1917).
Os conceitos literariedade (literaturnost) e estranhamento (ostranenie) são as marcas específicas da literatura: o dizer algo de outra maneira, que leva a uma compreensão distinta da obra de arte, aquilo que se torna incomum e se afasta do dizer cotidiano.
Para os formalistas, a poesia e suas metáforas não estabelecem uma “economia da linguagem”, como ocorre na comunicação verbal cotidiana. Isto cria um afastamento do objeto conhecido de sua função comum.  
A Perspectiva Formal da Análise Literária
A Poética
A “palavra poética” é o objeto fundamental de estudos dos formalistas russos, e que melhor define a perspectiva da análise literária que os teóricos filiados ao Formalismo apresentam.
A Poesia
Na poesia, a palavra não tem como única função a mensagem denotativa (caráter do que tem dois aspectos radicalmente diferentes, até mesmo opostos), a qual remete a uma coisa específica; também não atende exclusivamente ao apelo da emoção.
A Estética
De acordo com a perspectiva formal de análise literária, é necessário que o leitor investigue a multiplicidade do signo (unidade linguística constituída pela união de um conceito, ou significado, e a imagem acústica, significante, gerada através de uma relação arbitrária), explorando todas as possibilidades de significação das palavras. Por esse motivo, a semântica é um instrumento de análise da estética da poesia.
Acompanhe agora a definição de “poética” segundo os formalistas russos:
A Prosa
Chklovsky, Eichembaum e Todorov elaboraram análises formalistas de textos em prosa, considerando o conceito de “prosa poética”, pelo qual se entende que as propriedades da poesia podem ser utilizadas na narrativa.
O Autor
Também deve ser destacado o nome de Vladimir Propp, teórico estruturalista que analisou os componentes básicos dos contos populares russos, a fim de identificar os seus elementos indivisíveis, ou seja, Propp analisava os contos com o objetivo de encontrar o núcleo simples dos mesmos, comprovando a existência de uma estrutura comum em todos os contos, como a figura do herói, a sua luta e a superação das dificuldades.
A Obra
Sua obra Morfologia do Conto Maravilhoso, publicada em 1928, influenciou diversos autores como Todorov, Claude Lévi-Strauss e Haroldo de Campos.
Vladimir Propp (1895 – 1970) - Autor do Livro Morfologia do Conto Maravilhoso.
AULA 5 – AS POÉTICAS CLÁSSICAS E A PERSPECTIVA ROMÂNTICA
O Método Formal – Análise de Poemas
O Simbolista
Recusa PoéticaO Formalismo Russo recusa as tendências de compreensão do texto poético vinculado a questões sociais ou à biografia do autor. O signo poético passa a ser privilegiado na análise, e o crítico adota diversas perspectivas da linguagem, colocando em evidência aspectos semânticos, morfológicos e fonéticos da palavra.
Panorama Histórico Mundial
O Filósofo
Discurso Literário
Stéphane Mallarmé, importante nome do Simbolismo francês, condensou essa proposta com a ideia de que o livro deve ser entendido como expansão total da letra. A esse respeito, propõe Todorov:
“A letra e o signo verbal serão considerados por nós como a base de toda a literatura. Uma das consequências dessa decisão será que o conhecimento da literatura e o conhecimento da linguagem são simultâneos e que só poderemos falar do discurso literário na medida em que possamos falar do verbo em geral, e inversamente.” 
(TODOROV, Tzvetan. Estruturalismo e poética. São Paulo: Cultrix, 1970. p. 22)
O Crítico
Discurso Literário: O Formalismo gerou diversas correntes críticas para as quais o fundamental é o estudo do texto em si mesmo e não suas relações extrínsecas. Dentre essas correntes, o Estruturalismo empenhou-se em aprimorar as propostas iniciais dos formalistas. E é através das bases estruturalistas que o signo poético se expande na análise morfológica, sintática.
O trabalho do crítico Osip Brik foi de extrema importância para a consolidação dos métodos de análise formalista, pois, em seus estudos sobre a versificação da poesia russa, destacou o verso como um complexo linguístico rítmico e sintático. Brik propunha que não fossem analisadas apenas as rimas, as aliterações e as assonâncias, mas que a análise focasse também os “planos sonoros” do texto, como o uso, no signo poético, das vogais fortes.
Contra o pensamento de que a literatura perderia sua função se fosse desvinculada de aspectos sociais, Osip Brik apresentou argumentos em defesa da análise formalista do texto poético, entre os quais o de que tudo o que o poeta escreve não possui valor como expressão do seu “eu”. Considera-se, nesse caso, que, tanto a subjetividade do autor (suas emoções mais individuais) quanto a sua relação com o mundo exterior não importam na análise. O que realmente interessa aos formalistas são os elementos que compõem o texto.
Além de apresentar estudos sobre elementos da poesia como rima, ritmo, harmonia e metro, também elabora teorias sobre o verso livre, evidenciando o conceito de prosa poética.
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) - Poeta, contista e cronista brasileiro.
Aplicação do Método Formal – Análise de Poemas
Como vimos anteriormente, os formalistas russos consideravam que o texto literário deveria ser analisado através de suas características imanentes, ou seja, o analista levaria em consideração apenas os elementos do próprio texto que se configurava como objeto de análise. Sendo assim, a Linguística tornou-se prioritariamente a ciência que levaria à compreensão da obra literária.
Um dos aspectos fundamentais observados pelos formalistas é a diferença entre a palavra poética e o uso cotidiano da palavra. Na poesia, haveria um desvio da palavra em relação à sua função no ato de fala comum. 
Para melhor compreensão dessa proposta de análise, selecionamos a segunda estrofe do poema “Hino Nacional”, de Carlos Drummond de Andrade.
O poema de Drummond insere-se no contexto do Modernismo brasileiro. Publicado na obra Brejo das Almas, de 1934, os versos registram uma fase de crítica social do poeta. A estrofe, composta por quatro versos, elabora uma ideia negativa do Brasil e, ao mesmo tempo, que uma ação coletiva pode alterar essa imagem, pois os verbos que iniciam os versos estão na primeira pessoa do plural.
Destaca-se o signo “educar”, o qual atribui sentido aos signos “professores”, “livros” e “culturas”. Mas ocorre um desvio nessa estrofe que merece atenção. O signo “compraremos”, que inicia o segundo verso da estrofe destacada, associado a “livros” representa um falar cotidiano, visto que livros são comprados.
No entanto, associado ao signo “professores”, obriga o leitor a refletir sobre a construção proposta, considerando-se que seriam esperados outros signos, como “formaremos”, mais adequado à imagem que se tem, tradicionalmente, da figura do professor. Tal desvio, no entanto, contextualiza-se com a ideia negativa do Brasil, de que já falamos, proposta pelo texto.
Um dos aspectos fundamentais observados pelos formalistas é a diferença entre a palavra poética e o uso cotidiano da palavra. Na poesia, haveria um desvio da palavra em relação à sua função no ato de fala comum.
Precisamos educar o Brasil. Compraremos professores e livros, assimilaremos finas culturas, abriremos dancings e subvencionaremos as elites.
O Poema
Outra proposta dos formalistas russos é o estranhamento, característica imanente ao texto poético.
Uma nuvem de calças (fragmento)
Glorifica-me!
Os grandes não se comparam a mim.
Em cada coisa que eles conseguiram
Eu carimbo um nada.
Eu nunca quero
ler nada.
Livros?
O que são livros!
Antes eu acreditava
que os livros eram feitos assim:
um poeta vinha,
abria levemente os lábios,
e disparava louco numa canção.
Por favor!
Mas parece,
que antes de se lançarem numa canção,
os poetas têm de andar por dias com os pés em calos,
e o peixe lento da imaginação,
lateja ligeiro no bater do coração.
E enquanto, com a filigrana da rima, eles cozem uma sopa
de amor e rouxinóis,
a estrada sem língua apenas sucumbe
por não ter nada a gritar ou a dizer.
(...)
O Argumento
Nesse processo, o autor consegue promover no leitor a “desautomatizaçao”, ou seja, causa no leitor um desconforto ao retirá-lo do senso comum da comunicação, levando-o a deparar-se com a “consciência linguística da literatura.”
A Leitura
O autor Ivan Teixeira, no ensaio intitulado “O Formalismo Russo”, destaca esse efeito combinatório de signos, explicando que “o desconforto dos enunciados inovadores integra o complexo de propriedades que atribuem valor estético ao texto”.
Evidenciamos, no fragmento do poema “A nuvem de calças”, do escritor russo Vladimir Maiakovski, esse processo de estranhamento (ostranenie), tendo em vista as combinações inusitadas entre os signos utilizados.
A Análise
Evidenciamos, no fragmento do poema “A nuvem de calças”, do escritor russo Vladimir Maiakovski, esse processo de estranhamento (ostranenie), tendo em vista as combinações inusitadas entre os signos utilizados.
O poema de Maiakovski exige do leitor algum conhecimento dos processos de criação literária, a fim de que ele seja instigado a desvendar a imprevisibilidade do texto, buscando, através da análise, compreender o efeito estético que causou estranhamento no ato da leitura. O título do texto já anuncia a proposta estética elaborada pelo poeta: “Uma nuvem de calças”. Ao associar os signos “nuvem” e “calças”, o autor obriga o leitor a desfazer-se temporariamente da imagem acionada comumente na imaginação ao ouvir/ler o signo “nuvem”: leveza, distanciamento, volatilidade etc.
O poema de Maiakovski exige do leitor algum conhecimento dos processos de criação literária, a fim de que ele seja instigado a desvendar a imprevisibilidade do texto, buscando, através da análise, compreender o efeito estético que causou estranhamento no ato da leitura. O título do texto já anuncia a proposta estética elaborada pelo poeta: “Uma nuvem de calças”. Ao associar os signos “nuvem” e “calças”, o autor obriga o leitor a desfazer-se temporariamente da imagem acionada comumente na imaginação ao ouvir/ler o signo “nuvem”: leveza, distanciamento, volatilidade etc.
Explicação Expandida
O conceito de “estranhamento”, proposto por Victor Chklovski, contradiz uma ideia anterior sugerida pelo teórico Aleksandr Potebnia e adotada pelos poetas simbolistas, segundo a qual a função da literatura é agrupar imagens heterogêneas e explicar o desconhecido pelo conhecido. Potebnia cunhou a sentençaque marcou o início dos estudos de teoria literária: “A arte é pensar por imagens”. Desenvolvendo seu pensamento, argumentou: A poesia assim como a prosa é antes de tudo, e sobretudo, uma certa maneira de pensar e conhecer”.  De acordo com Chklovski, as imagens poéticas não devem acionar um conhecimento, mas provocar um estranhamento no leitor que o conduza à densidade da percepção estética. 
(CHKLOVSKI, Viktor. A arte como procedimento. In: Teoria da Literatura: os formalistas russos. Porto Alegre: Globo, 1976.)
Na primeira estrofe, o eu lírico se posiciona acima daqueles a quem chama “grande”. “Glorifica-me!”: sugere, propõe, ordena, implora. Estabelece sua relação com o leitor. O verso “Eu carimbo um nada” provoca mais um estranhamento, agora desencadeado por um desvio, visto que a função de um carimbo é imprimir palavras ou imagens.  
A segunda e a terceira estrofes exigem que o leitor reelabore a ideia construída culturalmente a respeito dos livros e da figura do poeta, exatamente como proposto pelo formalismo russo. Desfaz-se a imagem do autor inspirado e da poesia como ato sublime. Maiakovski, no texto, renuncia aos livros e, ainda, reconhece que também ele participava de uma concepção geral de que o poeta possui uma espécie de dom divino. O estranhamento, neste caso, dá-se pelo fato de que tais conceitos são estabelecidos através de um texto poético, ou seja, o próprio instrumento da poesia é utilizado como contra-argumento do fazer poético.
Na terceira estrofe, o poeta Maiakovski intensifica a densidade estética do texto, provocando estranhamento com a elaboração de fatos sintáticos que exigem a análise mais cuidadosa do leitor. 
O segundo e terceiro versos encontram-se em oposição ao apresentarem duas circunstâncias associadas ao signo “poetas”: “canção”, signo que sugere um conceito diáfano X “pés em calos”, representativo de luta, trabalho, realidade tangível. Outros fatos sintáticos desautomatizam a percepção do leitor no mesmo procedimento de associar signos pela oposição abstrato X concreto, o que retira as imagens conhecidas de seu espaço de sublimidade e as lança na dura realidade da existência: “peixe lento da imaginação”; “eles cozem uma sopa de amor e rouxinóis”; “estrada sem língua”.
Atenção! 
Os métodos de análise dos formalistas russos são imanentes ao texto, isto é, a literariedade. Assim, mesmo que o leitor tenha conhecimento do contexto histórico em que se insere o autor e de dados biográficos relevantes, esses não devem ser utilizados na análise do texto poético.
Análises Morfológicas e Fonológicas de Poemas de Vanguarda
A partir dos pressupostos de Chklovski, segundo os quais um poema deve ser analisado tendo como base a Linguística e os aspectos a essa ciência intrínsecos, Roman Jakobson, também integrante do Formalismo Russo, difundiu a ideia de que a função poética da linguagem consiste na ambiguidade que se alcança através da concisão do signo. 
Isso equivale a dizer que, como a poesia é uma expressão de linguagem reduzida, os vocábulos devem ser utilizados de forma a permitir que o leitor o expanda, seja em sua própria construção morfológica e fonológica, seja no seu significado (semântica), ou, ainda, na organização sintática do verso do qual o signo faz parte.
Essa proposta dos formalistas vai ao encontro dos interesses de poetas europeus que intentavam um novo jeito de fazer poesia que se distanciasse dos modelos tradicionais. A linguagem poética, portanto, era um dos alvos preferidos desses poetas, visto ser o instrumento fundamental da poesia.
Surge, assim, mais especificamente no início do século XX, a poesia de vanguarda*. O termo tem origem na expressão francesa “avant-garde”, expressão militar que significa “linha de frente”.
* Vanguarda: Fig. [...] que exerce ou procura exercer um papel pioneiro. Desenvolvendo técnicas, ideias e conceitos novos, avançados, especialmente nas artes. (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa)
A Vanguarda
Dentre os movimentos de vanguarda, destaca-se o Futurismo, movimento iniciado por Felippo Marinetti, e que expressava uma postura utópica dos artistas envolvidos com a modernidade e o surgimento de uma nova era, e que negavam o passado e as tradições socioculturais, especialmente as que representavam ideologias burguesas.
Filiaram-se aos movimentos vanguardista e futurista poetas como Vladimir Maiakovski, Ezra Pound, James Joyce, Fernando Pessoa e, no Brasil, Oswald de Andrade, Haroldo e Augusto de Campos, Ferreira Gullar, Décio Pignatari entre outros. Movimentos como Dadaísmo, Concretismo, Neoconcretismo, Poesia Experimental, Poesia Práxis e Poesia Visual têm origem na poesia de vanguarda.  
O futurismo é um movimento artístico e literário surgido oficialmente em 20 de fevereiro de 1909, com a publicação do Manifesto Futurista, do poeta italiano Filippo Marinetti, no jornal francês Le Figaro.
Os Vanguardistas
Conheça agora quem foram os principais vanguardistas e futuristas da época:
Vladimir Maiakovski (1893-1930): poeta, dramaturgo e teórico russo.
Ezra Pound (1885-1927): poeta, músico e crítico literário americano.
James Joyce (1882-1941): romancista, contista e poeta irlandês.
Fernando Pessoa (1888-1935): poeta e escritor português.
Oswald de Andrade (1890-1954): escritor, ensaísta e dramaturgo brasileiro.
Felippo Marinetti (1876-1944): escritor, editor, ideólogo, jornalista e ativista político.
Os poetas de vanguarda acabaram por semear o que o teórico e poeta Octavio Paz chamou de “tradição da ruptura”, considerando que existe uma continuidade do projeto artístico de ser, constantemente, uma reação contra uma fórmula anterior. Assim, romper com a tradição torna-se, em si mesmo, um ato de tradição, configurando-se uma “tradição da modernidade”. 
(PAZ, Octavio. Signos em rotação. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005.)
As propostas pelo Formalismo Russo, fundamentadas na Linguística, tornaram-se extremamente profícuas na análise de poemas vanguardistas, visto que os formalistas indicavam compreender o texto poético também através de uma análise morfológica e fonológica, e é exatamente essas estruturas do signo que os poetas de vanguarda alteravam para romper com a tradição da linguagem.
MANIFESTO da literariedade
Acompanhe agora o Manifesto Escrito por Roman Jakobson
"A poesia é linguagem em sua função estética. Deste modo, o objeto do estudo literário não é a literatura, mas a literariedade, isto é, aquilo que torna determinada obra uma obra literária. E, no entanto, até hoje, os historiadores da literatura, o mais das vezes, assemelhavam-se à polícia que, desejando prender determinada pessoa, tivesse apanhado, por via das dúvidas, tudo e todos que estivessem num apartamento, e também os que passassem casualmente na rua naquele instante.
Tudo servia para os historiadores da literatura: os costumes, a psicologia, a política, a filosofia. Em lugar de um estudo da literatura, criava-se um conglomerado de disciplinas mal-acabadas. Parecia-se esquecer que estes elementos pertencem às ciências correspondentes: História da Filosofia, História da Cultura, Psicologia etc., e que estas últimas podiam, naturalmente, utilizar também os monumentos literários como documentos defeituosos e de segunda ordem. Se o estudo da literatura quer tornar-se uma ciência, ele deve reconhecer o 'processo' como seu único 'herói'.
EIKHENBAUM, Boris et alii. Teoria da Literatura: formalistas russos. Trad. Ana Mariza Ribeiro. et alii. Porto Alegre: Globo, 1978.
Eu
à poesia
só permito uma forma:
concisão,
precisão das fórmulas
matemáticas.
Às parlengas poéticas estou acostumado,
eu ainda falo versos e não fatos.
Porém
se eu falo
"A"
este "a"
é uma trombeta-alarma para a Humanidade.
Se eu falo
"B"
é uma nova bomba na batalha do homem.
(De V Internacional – tradução: Augusto de Campos)
Vladimir Maiakovski, poeta que comungou das ideias de Jakobson, explorou sistematicamente as propostas formalistas, como se percebe no poema abaixo, no qual expõe

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