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TEORIA DA LITERATURA II 
AULA 1 – AS POÉTICAS CLÁSSICAS E A PERSPECTIVA ROMÂNTICA 
A Teoria da Literatura é uma disciplina cujo surgimento é relativamente recente, datando do 
início do século XX. Para um iniciante nos estudos literários, às vezes é difícil compreender a 
importância dessa disciplina e a mudança de perspectiva que ela provocou. 
Retória, Poética e Estética: Um Percurso 
Em seu sentido clássico, o termo poética denomina o ramo da Filosofia que trata da poesia. 
Embora se encontrem reflexões sobre a poesia na República, um dos diálogos escritos por 
Platão no qual Sócrates é o personagem principal, costuma-se tomar a Arte Poética de 
Aristóteles como primeiro estudo dedicado a essa disciplina. A Epístola aos Pisões ou Arte 
Poética, de Horácio, escrita em I a. C., insere-se na linhagem das reflexões acerca da poesia, 
atribuindo-lhe a função de ―Educar com prazer‖. 
Datam do século III d. C. estudos poética de contidos em Sobre o sublime, cuja autoria é 
atribuída a Longino e em fragmentos da obra de Plotino. Na idade média, a poética e a 
Retórica, disciplina voltada para o estudo da Oratória, mesclam-se e as tênues fronteira entre 
esses dois ramos do conhecimento humanista ficam imperceptíveis, além disso, inicia-se um 
estudo de técnica poética que se desvincula totalmente do pensamento clássico acerca da 
poesia. 
Entre os séculos XV e XVIII, período que se alonga do Renascimento ao Neoclassicismo, a 
Poética experimenta um novo apogeu, retoma a autonomia diante da Retórica e assume o 
centro dos estudos literários. 
No entanto, já no século XVIII, esse espaço vai ser compartilhado com a Estética, disciplina 
surgida em 1750, com a obra de Alexander Baungartem a ela dedicada. Ao longo desse 
século, a Estética acabou por substituir a Poética como disciplina chave no estudo da 
Literatura. 
Poética e Censura na República: Sócrates e a Poesia 
O diálogo intitulado A República, escrito por Platão, é um texto de difícil classificação que pode 
ser lido por diferentes ângulos: filosófico, político, epistemológico, literário, entre outros. 
Dadas a complexidade e a genialidade desse texto, ele tem servido de estímulo à reflexão ao 
longo dos séculos e pode ser considerado uma das bases do pensamento ocidental. 
Os estudiosos da obra de Platão consideram que A República é uma de suas mais influentes 
obras. Nesse diálogo, Sócrates discute com outros convivas o sentido do termo justiça e, para 
desenvolver a argumentação, decide criar um mundo ideal, já que, segundo ele, não se 
poderia falar desse tema tendo como referência o mundo em que vivia. O título do diálogo 
advém dessa comunidade ideal projetada por ele. Sócrates, mestre de Platão, é o personagem 
principal. 
É importante notar que pouco sabemos sobre o quanto dos ensinamentos socráticos se faz 
presente nos diálogos de Platão, pois é óbvio que as ideias do discípulo misturam-se às do 
mestre na criação que tem lugar nesse texto. Por esse motivo existe uma tendência a ler esse 
texto como um discurso ficcional de feição filosófica. 
Como já dissemos, esse texto nos interessa por seu caráter inaugural, como texto fundador de 
uma longa linhagem de reflexões sobre as formas e funções do texto literário que veio 
culminar com o surgimento da Teoria da Literatura no início do século XX. Nossos pontos de 
interesse na República são na verdade, interrelacionados: a perspectiva utilitária da arte, a 
censura, a expulsão do poeta e a ideia de arte como falsidade. 
Nos livros II e III, Sócrates conversa com o personagem Adimanto sobre as histórias 
apropriadas à formação dos cidadãos na República e dedica-se a pensar ―A Educação pela 
Ginástica e a música‖, conforme ele mesmo esclarece, a literatura está incluída na ―música‖. É 
preciso lembrar que a produção daquele tempo se fazia em versos e era geralmente 
acompanhada por instrumentos e cantos. Mais tarde, Aristóteles revelará que os escritos em 
prosa, embora existissem, não tinham ainda uma classificação. 
No livro III, ele também desenvolve uma preleção sobre as formas de narração nos diferentes 
gêneros poéticos, a imitação, o estilo simples, o estilo múltiplo e a harmonia, sempre com o 
mesmo viés, bastante impositivo e moralizante. Nas concepções apresentadas nesses dois 
livros, podemos perceber um tom bastante autoritário, que se revela no emprego do modo 
imperativo e nos vocábulos usados, como veremos a seguir. 
Além destes dois textos que você acabou de ler, existem mais dois de Sócrates, veja: 
Visão prescritiva: imposição aos poetas 
Ainda sob a mesma perspectiva moralizante e controladora, Sócrates continua seu diálogo 
com Adimanto e, além de falar da necessidade de impor essa temática aos poetas, também 
condena como ímpios aqueles que não escrevem de acordo com seus ditames, como podemos 
observar no fragmento a seguir: 
Pelo contrário, se há meio de persuadi-los de que jamais houve cidadão algum que se tivesse 
inimizado com outro e de que é um crime fazer tal coisa, esse e não outro, é o gênero de 
histórias que anciãos e anciãs deverão contar-lhes desde o berço; e, quando crescerem, será 
preciso ordenar aos poetas que componham suas fábulas dentro do mesmo espírito. 
―Mas se queremos que uma cidade se desenvolva em boa ordem, é preciso impedir por todos 
os meios que nela se atribua à divindade, que é boa, a autoria dos males sofridos por mortal, 
e que narrações de tal espécie sejam escutadas por moços e por velhos, estejam elas escritas 
em versos ou em prosa. Pois quem conta tais lendas profere coisas ímpias, inconvenientes e 
contraditórias entre si. 
Poesia como Falsidade – Livro X 
Refletindo bem, das muitas excelências que percebo na organização de nossa cidade 
nenhuma há que me agrade mais do que a regra relativa à Poesia. 
- Que regra é essa? – Perguntou Gláucon. 
- A rejeição da Poesia imitativa, que de modo algum deve ser admitida; vejo-o agora com 
muito mais clareza, depois de termos analisado as diversas partes da alma. 
- Como entendes isto? [...] 
- Essas obras me parecem causar dano à mente dos que as ouvem, quando não têm como 
antídoto o conhecimento da verdadeira índole. 
- Não devemos concluir, pois, que todos os poetas, a começar por Homero, são imitadores de 
imagens da virtude e das demais coisas sobre que compõem seus poemas; quanto à verdade, 
porém jamais a alcançam? [...] Volve tua atenção para isto: o imitador ou fabricante de 
imagens nada entende do verdadeiro ser, apenas do aparente, não é assim?³ 
Esse conjunto de ideias desenvolvido ao longo do texto vai culminar no Livro X, o mais 
acusador e acirrado em relação à Poesia mimética, à expulsão do poeta da República. 
³Ibidem, PP.379, 387 e 388 
Note-se, porém, que nem todos os poetas serão expurgados aqui. A condenação socrática 
focaliza os poetas tradicionais, que ―falseiam o real‖ pela imitação destorcida e mentirosa, em 
oposição aos poetas filósofos, que imita de forma ordenada e racional, buscando a maior 
aproximação possível com o real. 
Aristóteles, no entanto, reabilitará o poeta mimético, ao considerar a imitação o constituinte 
fundamental da arte literária, que é concebida por ele como criação e em sua perspectiva 
deixará o jugo do real imposto por Sócrates. 
Aristóteles e a Arte Poética 
―Aristóteles plantou os pés na terra e olhou para as coisas‖ SUASSUNA, Ariano. Introdução à 
Estética. 5. ed. Recife, Editora Universitária da UFPE, 2002. p.54. 
A poética de Aristóteles, embora tenha sido escrita mais de cinco séculos antes de Cristo, só 
foi conhecida efetivamente a partir de 1498, quando veio à público sua primeira edição latina. 
Daí em diante, sua influência sobre a criação e a crítica literária foi bastante abrangente, 
tendo sido alvo de diferentesinterpretações. 
Em alguns momentos, foi tomada como um manual prescritivo, cujas regras deveriam ser 
seguidas, mas hoje predomina a tendência a ―encarar isoladamente certos conceitos 
aristotélicos como fonte estimulante para novas observações e novas reflexões sobre o 
fenômeno artístico‖.¹ 
¹ARISTÓTELES, HORÁCIO & LONGINO. A Poética clássica. Intr. Roberto de Oliveira Brandão. 
Trad. Jaime Bruna. 3. ed. São Paulo, Cultrix, 1988. p. 2. 
Como muito bem sintetiza Ariano Suassuna no texto em epígrafe, Aristóteles analisou 
objetivamente o mundo, refletindo sobre os mais variados aspectos do conhecimento. Suas 
descrições e conceituações são via de regra precisas e detalhadas. Quando se debruça sobre 
os textos literários em circulação no momento em que vivia, o tratamento não é diferente. 
Desde o início da Poética, notamos o tom didático que predomina no texto, visível no 
movimento de organizar as ideias, apresentar conceitos e classificar os textos. 
O parágrafo inicial é um perfeito exemplo de introdução, pois apresenta toda a organização 
das ideias apresentadas a seguir: 
―Falemos da natureza e espécies da poesia, do condão de cada uma, de como se hão de 
compor as fábulas para o bom êxito do poema; depois, do número e natureza das partes e 
bem assim das demais matérias dessa pesquisa, começando, como manda a natureza, pelas 
noções mais elementares.‖ 
Ao lado desse caráter descritivo e minucioso, os textos de Aristóteles apresentam forte carga 
valorativa, característica muito destacada nos períodos em que o texto foi lido como um 
conjunto de prescrições. Como exemplo desse modo de pensar, podemos citar a passagem: 
―Surgidas a tragédia e a comédia, os autores, segundo a inclinação natural, pendiam para esta 
ou aquela; uns tornaram-se em lugar de jâmbicos, comediógrafos; outros, em lugar de épicos, 
trágicos, por serem estes gêneros superiores àqueles e mais estimados.‖ 
Observando a articulação do discurso encontramos um intenso uso de imperativos que 
sustenta as leituras do texto enquanto conjunto de prescrições. Nota-se isso, por exemplo, no 
seguinte trecho: 
―Deve-se sempre procurar a verossimilhança e a necessidade. O irracional não deve entrar no 
desenvolvimento dramático, mas se entrar, que seja unicamente fora da ação.‖ 
Aristóteles parte da definição de poesia como imitação, para analisar as espécies de poesia 
imitativa – ou seja, a Epopeia, a Tragédia e a Comédia, classificando-as segundo os meios, os 
objetos e os modos da imitação. O quadro abaixo sintetiza a classificação apresentada pelo 
filósofo: 
Diferenças Tragédia Comédia Epopeia 
Meios diversos verso/canto verso/canto verso 
Objetos diversos homens melhores homens piores homens melhores 
Modos diversos ação ação narração 
 
Agora que já conhecemos um pouco da poética de Aristóteles, vamos fazer uma comparação 
entre suas ideias e aquelas emitidas por Platão/Sócrates na República. O quadro a seguir 
sintetiza as diferenças de pressupostos entre esses pensadores: 
 Platão/Sócrates Aristóteles 
Concepção Idealista Realista 
Conceito de beleza Beleza é o brilho da verdade. 
Verdade = essência (mundo 
das ideias) 
Beleza é uma propriedade do 
objeto, não é reflexo de uma 
essência superior. 
 
 Aristóteles e Platão Sócrates 
Mimesis (imitação) Visão positiva. 
Imitar é próprio ao homem. 
Imitação é uma 
representação 
Visão negativa. 
Imitação em terceiro nível, 
reprodução imperfeita do 
absoluto. 
superior do sensível. 
Verossimilhança. 
Prazer/Função da Arte ―Beleza é aquele bem que é 
aprazível só porque é bem.‖ 
(Retórica)Na Retórica, analisa 
a fruição da obra de arte do 
ponto de vista do sujeito. 
A noção de beleza é 
intimamente ligada à de 
prazer. Prazer estético advém 
da apreensão gratuita e sem 
esforço dos objetos. Catarse 
– prazer advindo da pena e 
temor que propicia a 
purgação desses 
sentimentos. 
Rejeita o prazer; 
―A arte é útil para a formação 
dos Guardiões, serve para a 
transmissão de ensinamentos 
éticos ―para nós, ficaríamos 
com um poeta mais austero 
em menos aprazível, tendo 
em conta sua utilidade, a fim 
de que ele imite para nós a 
fala do homem de bem e se 
exprima segundo aqueles 
modelos que de início 
regulamos quando 
tentávamos educar os 
militares‖ (A República, Livro 
III) 
 
A Poética de Horácio 
Horácio enviou a Carta aos pisões (Epistula ad Pisones), também conhecida como Arte Poética 
(Ars Poetica), ao cônsul romano Lúcio Pisão e seus filhos, também literatos. Em sua missiva, o 
poeta latino formula princípios para a construção poética e dá sugestões de ordem prática 
para escritores. 
Nesse texto, o poeta apresenta suas reflexões sobre a composição artística, tema que já havia 
abordado em seis poemas compostos anteriormente. 
É na Arte Poética, no entanto, que se apresentam depuradas e amadurecidas suas 
concepções. Para BRANDÃO, um importante eixo do pensamento horaciano é a ideia de que 
―A obra é regida por leis que podem ser formuladas‖.¹ 
O texto é, por isso mesmo, bastante pragmático e foi traduzido com certo radicalismo em 
tratados de poética difundidos nas diferentes ―ondas‖ clássicas que marcam a história da arte 
ocidental a partir do fim da Idade Média. 
¹ARISTÓTELES, HORÁCIO & LONGINO. A Poética clássica. Intr. Roberto de Oliveira 
Brandão. Trad. Jaime Bruna. 3. ed. São Paulo, Cultrix, 1988. p. 7. 
Horácio toma como referência a pintura para pensar a poesia, o que fica bem claro numa 
expressão do texto que se tornou célebre: ―Ut pictura, poiesis‖¹. 
Podemos assim sintetizar os princípios que ele formula para que seja atingida a perfeição 
artística: 
Fatores estruturantes da obra: ordem e unidade. 
Meios pelos quais o poeta realiza seu objetivo: razão, trabalho e disciplina. 
¹―Poesia é como pintura.‖ - tradução de Jaime Bruna em: ARISTÓTELES, HORÁCIO & 
LONGINO. A Poética clássica. Intr. Roberto de Oliveira Brandão. Trad. Jaime Bruna. 3. ed. 
São Paulo, Cultrix, 1988. p. 65. 
Desde o início do texto, para rejeitar as obras que ultrapassam a lógica cotidiana e enveredam 
pelo absurdo, compara a escrita à pintura: 
―Suponhamos que um pintor entendesse de ligar a uma cabeça humana um pescoço de 
cavalo, ajuntar membros de toda procedência e cobri-los de penas variegada, de sorte que a 
figura, de uma mulher formosa em cima, acabasse num hediondo peixe preto; entrados para 
ver o quadro, meus amigos, vocês conteriam o riso? Creiam-me Pisões, bem parecido com um 
quadro assim seria um livro onde se fantasiassem formas sem consistência, quais sonhos de 
enfermo, de maneira que o pé e a cabeça não se combinassem num ser uno.‖ 
No entanto, valoriza também a inspiração (ou ―natureza‖), quando afirma: 
―Já se perguntou se o que faz digno de louvor um poema é a natureza ou a arte. Eu por mim 
não vejo o que adianta, sem uma veia rica, o esforço, nem, sem cultivo, o gênio; assim, um 
pede ajuda ao outro, numa conspiração amistosa." 
Verificamos aí um claro traço da ênfase na racionalidade que marca o texto, sintetizada na 
frase: ―Princípio e fonte da arte de escrever é o bom senso‖. 
Outro aspecto importante na obra é o fato de que a visão clássica horaciana não deixa espaço 
para o improviso, para ele a perfeição só pode ser obtida pelo trabalho conjugado ao domínio 
técnico e à racionalidade que disciplina a experiência criadora. 
É inegável que a Arte Poética de Horácio constituiu um cânone, um modelo para a criação 
poética ocidental, tendo sido objeto de estudo para inúmeros escritores. O prestígio desse 
texto foi incomparável, pois, embora nem sempre seus preceitos fossem inteiramente 
integralmente seguidos, influenciou diversosestilos literários, principalmente até o advento do 
romantismo. 
Podemos citar como prova dessa influência de Horácio na criação literária o fato de que 
algumas expressões cunhadas por ele, como carpe diem (aproveite o dia) e aurea mediocritas 
(mediocridade dourada) terem se tornado, mais que valores, temas artísticos para variadas 
gerações. Como já dissemos, a influência das poéticas clássicas sobre a produção artística 
ocidental, a partir de sua redescoberta no período renascentista, foi imensa. 
Segundo Vitor Manuel da Aguiar e Silva¹, os traços dessas realizações artísticas de inspiração 
clássica – do Renascimento ao Neoclássico - podem ser assim sintetizados: 
 Racionalismo: razão (entidade imutável) = bom-senso (exclui fantasia, imaginação); 
 Verossimilhança: objetiva não o real concreto, mas o que pode acontecer (exclui 
insólito, anormal, imaginário, maravilhoso); 
 Imitação da natureza: não cópia detalhista e minuciosa,mas imitação idealizada que 
escolhe e acentua aspectos característicos e essenciais do modelo (exclui grosseiro, 
hediondo, vil e monstruosos); 
 Obediência às regras analisadas e justificadas pela razão. Cada forma literária e cada 
gênero possui regras específicas (conteúdo, estrutura, estilo). Exemplo: regra das três 
unidades dramáticas (espaço/tempo/ação); 
 Imitação de autores greco-latinos: imitar os que imitam com perfeição a natureza 
(Herança renascentista). Perigo: rigidez e artificialismo; 
 Conveniências: 
I. Interna: coerência e harmonia interna da obra; 
II. Externa: adequação à moral vigente, ao gosto, sensibilidade e costumes do público; 
O movimento romântico surgido no século XVIII na Europa é essencialmente contraditório. De 
um lado, segundo Arnold Hauser, como continuidade do processo de emancipação da 
burguesia, é expressão de um ―entusiasmo plebeu‖, contrapondo-se ao ―intelectualismo 
delicado e discreto‖ das classes superiores. De outro, representa uma reação dessas classes 
superiores ao racionalismo neoclássico que o precedeu. 
Para compreender a estética do período que abordaremos agora, é importante entendermos 
que há uma discronia (diferença temporal) entre a história literária europeia e a brasileira. 
Isso fica claro quando observamos as datas das principais publicações românticas lá e aqui 
(Ver arquivo ROMANTISMO NA EUROPA). 
Estes dois fragmentos citados demonstram que a origem do anticlassicismo romântico reside 
no desejo de libertar o sujeito de todas as amarras, deixando-o livre para expressar-se. Dessa 
forma, o sujeito romântico, idealista e sentimental, tomado como um gênio por seus pares, 
não poderia submeter-se às regras clássicas, que para ele seriam constrições insuportáveis. 
Seguindo esse ideário, o poeta abandona-se à inspiração e ao improviso, ao devaneio e à 
fantasia, ao sentimento e à percepção, enfim, a todos aqueles valores que, como vimos, os 
clássicos abominariam. 
Friedrich Schlegel, nos seus Diálogos sobre a poesia II, apresenta o ideário idealista romântico 
proposto nessa nova mitologia: 
―A única coisa que lhe peço é não duvidar da possibilidade de uma nova mitologia [...] Se é 
verdade que uma nova mitologia pode erguer-se, somente com suas formas, das remotas 
profundezas da alma, o idealismo – o maior fenômeno de nossa época – oferece a nós uma 
direção altamente significativa e uma prova extraordinária daquilo que estamos buscando. 
Foi assim precisamente que o idealismo nasceu, como se fosse do nada, é agora, mesmo no 
mundo do espírito, ele constitui uma referência, uma vez que a energia humana espalhou-se 
em todas as direções e progressivamente desenvolveu-se, certamente ela não perderá a si 
mesma nem ao caminho de volta.‖ 
Outro filósofo alemão, Georg Wilhelm Friedrich Hegel, afirma em sua obra também intitulada 
Diálogos sobre a poesia (1821), sobre a nova mitologia que libertará os homens do valor mais 
fundamental para o romântico: 
―Nenhuma capacidade será reprimida nunca mais: finalmente surgirá a regra que trará a 
liberdade geral e a igualdade de mentes! Essa deve ser a última e mais nobre obra humana.‖ 
AULA 2 – POSITIVISMO E DETERMINISMO NA CRÍTICA LITERÁRIA 
O Positivismo de Auguste Comte 
Auguste Comte (1798-1857) iniciou os estudos dos fatos sociais com caráter de disciplina 
sistemática. 
Filósofo francês, fundador da Sociologia e do Positivismo. 
O filósofo francês, conhecido como ―pai do Positivismo‖, foi quem primeiro utilizou o termo 
―sociologia‖ aplicado ao estudo da sociedade. 
Duas idéias fundamentais fazem parte da formação de Comte: a primeira orienta que os 
fenômenos sociais, assim como os de caráter físico, obedecem as leis; a segunda propõe que 
todo conhecimento científico e filosófico tem por objetivo o aperfeiçoamento moral e político 
do homem. 
É assim que surge o Positivismo, doutrina filosófica que se origina da concepção de que 
faltava uma ciência que completasse o quadro de ciências que já haviam atingido a 
positividade, ou seja, sobre o que não se admite dúvida, a saber: matemática, astronomia, 
física, química e biologia. 
A estas ciências Comte acrescentou a sociologia. 
O que Auguste Comte pretendia era instituir uma ―religião da humanidade‖ que levasse à 
evolução humana. Para tanto, dedicou-se a propagar suas idéias, obtendo sucesso, visto que 
o Positivismo conquistou adeptos em todo o mundo, sendo muito bem aceita pela 
intelectualidade brasileira do século XIX. 
O Positivismo 
Opondo-se às abstrações da teologia e da metafísica que marcaram o homem do século XIX, 
angustiado com a modernidade e o fim dos valores morais, o Positivismo indicou o caminho 
do método experimental e da objetividade da ciência. 
São três os pontos fundamentais da base teórica positivista: 
 Todo conhecimento do mundo material é conseqüência dos dados ―positivos‖ da 
experiência, e somente eles devem orientar o trabalho investigativo; 
 As idéias se relacionam no âmbito da lógica pura e da matemática; 
 Deve ser descartado todo conhecimento dito ―transcendente‖, como a metafísica e a 
tecnologia, por não serem passíveis de comprovação científica. 
O positivismo de Auguste Comte reporta-se às ideologias que se tornaram base do 
pensamento filosófico do século XVIII, como o ―empirismo radical‖ de David Hume (1711-
1776). 
David Hume: filósofo, historiador e ensaísta escocês, celebrizado pelo ―empirismo radical‖ e 
pelo ceticismo filosófico, considerava a experiência como método de conhecimento, e o 
Iluminismo, que preconizava o progresso da humanidade através da razão. Envolvido pelos 
avanços científicos do século XIX, notadamente nas áreas da física, da química e da biologia, 
Comte pretendeu formular a síntese dos resultados das ciências positivas. 
A tese de predomínio da razão sobre a emoção subjetiva possibilitou o surgimento das teses 
científicas e positivistas. 
Auguste Comte buscou o equilíbrio entre dois métodos filosóficos que se formaram a partir do 
século XVIII: o ―empirismo radical‖, que reconhecia apenas a pura experiência direta do fato, 
e o ―racionalismo‖, ou seja, a construção de um processo intelectual que orientasse o 
conhecimento. Para Comte, o saber científico dependia igualmente dos dados empíricos, pelos 
quais se comprovavam os fenômenos, e da elaboração racional, através do que se conferia 
valor e utilidade ao fato evidenciado e comprovado cientificamente. 
Explica-se assim o processo: o real não é apreendido diretamente pelos sentidos; é necessário 
que o intelecto aja sobre o que foi percebido para lhe dar algum sentido. Assim, pois, o 
espírito reage, reelabora os dados percebidos pelos sentidos e os organiza segundo uma 
hipótese de trabalho, criando uma imagem de mundo formada por elementos empíricos (daexperiência) e racionais. 
Na obra Curso de Filosofia Positiva (1830-1842), Auguste Comte expôs sua doutrina dividindo-
a em três etapas do desenvolvimento intelectual da humanidade. 
Primeiro estágio (teológico): pelo qual o homem explicaria os fenômenos da natureza 
recorrendo a entes sobrenaturais ou divindades, primeiro em uma crença politeísta (diversos 
deuses) e, numa fase superior, na crença monoteísta (um só deus). 
Segundo estágio (metafísico): pelo qual o conhecimento sobre o mundo sensível não se daria 
por elementos exteriores a ele, mas por conceitos imanentes e abstratos, ou seja, as idéias, as 
formas, as potências e os princípios. 
Terceiro estágio (estado positivo): no qual o homem se limita a descrever os fenômenos e a 
estabelecer ―as relações constantes de semelhança e sucessão entre eles‖. É nesse último 
estágio que se situa a filosofia positivista, que não pretende encontrar as causas ou a essência 
das coisas, mas identificar as leis que as regem, pois o papel da filosofia, como acreditava 
Comte, não era descobrir, mas organizar o conhecimento adquirido. 
Os pressupostos fundamentais da filosofia positivista são, portanto, a ordenação e a 
classificação das ciências. 
Avançando em seus estudos positivistas, Auguste Comte estabelece, na obra Discurso sobre o 
conjunto do positivismo (1848), uma proposta de significação moral mais ampla, pela qual 
indicava o predomínio do coração sobre a razão e a atividade para que se formasse uma 
―religião da humanidade‖. Assim, o positivismo se configurava sob três aspectos: uma teoria 
da ciência, uma doutrina de reforma social e uma religião. 
Na obra Sistema de Política (1851-1854), Comte retoma os propósitos práticos em detrimento 
dos teóricos ou filosóficos. Consolida-se a ―religião da humanidade‖ com ídolos, sociolatria, 
sociocracia e catecismo, propostas muito semelhantes às do catolicismo, o que se confirma 
com a obra O Catecismo Positivista (1852). O positivismo, então, assume a condição de um 
credo baseado na ciência, e disso decorrem aberturas de templos e práticas de cultos 
positivistas. 
Essas novas idéias de Auguste Comte dividiram os pensadores dos séculos XIX: uns, os 
ortodoxos, seguiram as propostas religiosas de Comte; outros, os heterodoxos, permaneceram 
fiéis aos postulados iniciais da filosofia positivista, de cunho científico e filosófico. 
A doutrina filosófica positivista alcançou grande repercussão no Brasil, protagonizando o 
advento da república, visto que vários republicanos, como Benjamin Constant, eram 
positivistas. A divisa Ordem e Progresso, que consta da bandeira nacional, tem inspiração no 
lema do Positivismo ―o amor como princípio, a ordem como base e o progresso como fim‖. 
O Determinismo 
É o nome de uma teoria filosófica segundo a qual todos os acontecimentos do universo 
obedecem às leis naturais causais, ou seja, a natureza, a história e a sociedade estão 
submetidas a leis e causas que determinam sua existência, sua forma e sua evolução. 
As concepções deterministas estão presentes na filosofia da Antiguidade Clássica, 
especialmente no atomismo (é uma filosofia natural que preconiza a existência de partículas 
mínimas, sólidas e indivisíveis, chamadas átomos, que originam todas as coisas do universo. A 
reorganização constante desses átomos explicaria as constantes transformações do mundo) 
grego, mas somente foram estabelecidas por uma proposta teórica mais sistematizada no 
século XIX, devido aos avanços no campo do saber científico. 
As doutrinas deterministas estão vinculadas a uma compreensão mecanicista da realidade, 
estudada a partir da relação de causa e efeito entre os objetos e fenômenos. A concepção 
clássica de determinismo teve origem nos estudos de Pierre-Simon Laplace, na Teoria Analítica 
das Probabilidades (1812), obra na qual o filósofo defende a idéia de que, se num momento 
específico, fossem conhecidas todas as forças da natureza e o estado de cada um de seus 
elementos, seria possível determinar tanto o passado quanto o futuro do objeto investigado 
mediante uma análise matemática. Essa teoria pode ser sintetizada da seguinte maneira: as 
mesmas causas, em circunstâncias idênticas, produziriam os mesmos efeitos. 
Essa teoria determinista mais radical configura o homem como objeto de investigação 
científica, não o distinguindo das outras coisas presentes no universo. Para os deterministas 
clássicos, as ações humanas também seriam condicionadas a causas específicas, assim como 
os fenômenos naturais. 
A filosofia determinista defende a tese de que seria impossível ao homem agir livremente, pois 
ele estaria condicionado a causas anteriores. Essa idéia não exime o homem de suas 
responsabilidades, mas entende ser possível prever suas ações e os resultados dessas. 
Contexto Histórico e Social do Positivismo e do Determinismo 
Em meados do século XIX, o mundo sofreu grandes transformações. Se, por um lado, o 
advento da Revolução Industrial, ao lado dos avanços científicos, possibilitou ao homem 
sonhar com o progresso e o bem-estar social, por outro, o caos da urbanidade gerou 
insatisfações devido ao crescimento desordenado das cidades e às distâncias crescentes entre 
a classe operária e os donos do capital. 
A nova orientação cientificista transformou o homem em mais um objeto de investigação 
dentro de um universo de coisas materiais, inserido em um contexto histórico e social. Essa 
nova proposta, inevitavelmente, anula a subjetividade romântica e o homem moderno vê-se 
diluído entre teorias científicas e filosóficas e práticas que o coletivizam, aniquilando sua 
individualidade. 
Positivismo e Determinismo na Crítica e na Historiografia Literária 
Na literatura ocidental, a dicotomia entre a subjetividade e o cientificismo se fará presente em 
movimentos antagônicos. Românticos e simbolistas tendem a um afastamento do mundo real, 
buscando, os românticos, o mundo idealizado, e os simbolistas, a fuga da existência. 
Em comum, apresentam um estado de depressão finissecular (conceito que representa, 
literariamente, o fim do século, extremo de uma época). Seguindo outra vertente de 
pensamento, parnasianos, realistas e naturalistas, filiados ao cientificismo, tenderão a 
compreender o homem como produto da sociedade e do meio ambiente, fundados na certeza 
de que a investigação criteriosa dos fenômenos sociais, dos quais o homem faz parte, levaria 
a uma evolução humana e social. 
Todas essas transformações e o posicionamento antagônico de intelectuais e artistas levam a 
uma ―reflexão sobre a gênese da obra literária, em termos de especulação científica‖. 
(GONÇALVES, Magaly Trindade; BELLODI, Zina C. Teoria da literatura ―revisitada‖. 
Petrópolis: Vozes, 2005. p. 94) Taine (1828-1893) foi o introdutor desse postulado, 
estabelecendo a tríade ―raça, meio e momento‖. 
Hippolyte Adolphe Taine foi um dos expoentes do Positivismo do século XIX. Criou o 
Método de Taine, que consistia em compreender o homem sob três fatores determinantes: 
meio ambiente, raça e momento histórico. 
Elemento Raça nos Estudos da Hereditariedade e a Visão Científica da Gênese 
Em relação ao elemento raça, conceito hoje negado por teses diversas, está inserido nos 
estudos da hereditariedade; quanto ao meio, explica-se pelas transformações sociais drásticas 
ocorridas com o advento da modernidade; e quanto ao momento, deve ser entendido como 
um conceito que engloba, na concepção contemporânea, aspectos sociais, políticos, 
econômicos e culturais de um período determinado da evolução histórica. 
A visão cientificista da gênese da obra literária surge em um contexto social e histórico de 
formulação de teses que se consolidavam a partir do estudo da origem do objeto investigado, 
cujo ponto altoé a teoria evolucionista de Darwin. No entanto, é preciso muito critério ao se 
estabelecer um aspecto positivista ou determinista à criação de uma obra de arte. Isso porque 
não se contesta que há uma relação intrínseca entre a obra e o contexto em que ela está 
inserida. 
Assim, é inegável que a personalidade e o conhecimento de mundo de um artista influenciam 
na composição de sua obra, ou que o gênero romance atende aos interesses da burguesia, 
ou, ainda, que o deslumbramento ou inadequação do homem em relação à vida moderna será 
matéria de poemas diversos, de Baudelaire a Fernando Pessoa, de Walt Whitman a Carlos 
Drummond de Andrade. Todavia, a crítica literária apresenta interessantes estudos relativos à 
produção de obras vinculadas às teorias positivistas e deterministas, o que se torna 
contribuição inegável ao saber acadêmico. 
Realismo, Naturalismo e Parnasianismo: A Formação de Uma Literatura Científica 
O Realismo é um movimento literário marcado pelo interesse em explicar a obra como produto 
originário da sociedade, de um determinado tipo humano e de um tempo histórico específico. 
O método de estudar a obra a partir de relação entre o seu criador e a sociedade em que ele 
está inserido levou à Crítica Sociológica, que postula a investigação da obra pelos fatos sociais 
que nela se fazem representar, mesmo que de forma subliminar. Marco da literatura realista, a 
obra Madame Bovary (1857), de Gustave Flaubert, apresenta fatos cotidianos sob uma visão 
extremamente objetiva da realidade. Não há, no texto, elementos que fujam a uma 
compreensão científica da realidade, mantendo o romance, como os demais textos realistas, 
um caráter de tese. 
―Mas era sobretudo às horas da refeição que ela não agüentava mais, nesta pequena sala do 
andar térreo, com a estufa que fumegava, a porta que rangia, os muros que gotejavam, as 
lajes úmidas; toda a amargura da existência parecia-lhe servida no seu prato e, como a 
fumaça do cozido, subiam do fundo de sua alma como em outras baforadas de enjôo. Carlos 
era vagaroso ao comer; ela mordiscava algumas avelãs, ou então, apoiada no cotovelo, 
divertia-se a fazer riscos com a ponta da faca na toalha.‖ (Madame Bovary, Gustave Flaubert) 
A passagem destacada apresenta uma cena comum: marido e mulher compartilham uma 
refeição. O que se revela, no entanto, é o tédio da Emma Bovary. Flaubert descreve a cena, a 
fim de que o leitor possa perceber, por si mesmo, como o ambiente externo atua sobre a 
disposição interna da personagem. 
A proposta de compreender o homem através do meio social em que ele está inserido 
intensifica-se com o movimento naturalista, que tem em Émile Zola seu maior porta – voz. O 
autor considerava que os personagens de um romance deveriam ser elaborados em função 
dos elementos hereditários e da sua relação com o meio social em que estivesse inserido. 
Zola (Émile Zola, escritor francês, criador da escola literária naturalista) defende essa tese no 
ensaio Romance Experimental: 
―É a investigação científica, é o raciocínio experimental que combate, uma por uma, as 
hipóteses dos idealistas, e substitui os romances de pura imaginação pelos romances de 
observação e experimentação.‖ 
Os postulados do positivismo e do determinismo reforçam teses diversas, como vemos no 
estudo de Michelle Perrot sobre a divisão de classes sociais no século XIX: 
―É que o lavadouro é para elas muito mais do que um lugar funcional onde se lava a roupa: 
um centro de encontro onde se trocam as novidades do bairro, os bons endereços, receitas e 
remédios, informações de todos os tipos. Candinhos do empirismo popular, os lavadouros são 
também uma sociedade aberta de assistência mútua: se uma mulher está no ‗atoleiro‘, 
acolhem-na fazem uma coleta para ela. A mulher abandonada pelo seu homem merece no 
lavadouro, onde a presença masculina se reduz a meninos importunos, de uma simpatia 
especial.‖ (PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. 
4 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1988). 
Fundadas na mesma proposta, as obras naturalistas se fazer representar, do que é exemplo o 
livro O Cortiço, de Aluisio Azevedo. Note-se a semelhança entre o texto de Michelle Perrot e o 
elaborado por Azevedo, propondo, ambos, que o leitor compreenda como o meio social 
interfere sobre a vida do ser humano: 
―Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração tumultuosa de 
machos e fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara, incomodamente, debaixo do fio de água 
que escorria da altura de uns cinco palmos. O chão inundava-se. As mulheres precisavam já 
prender as saias entre as coxas para não as molhar; via–se-lhes a tostada nudez dos braços e 
do pescoço, que elas despiam, suspendendo o cabelo todo para o alto do casco; os homens, 
esses não se preocupavam em não molhar o pelo, ao contrário metiam a cabeça bem debaixo 
da água e esfregavam com força as ventas e as barbas, fossando e fungando contra as 
palmas da mão. (AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Editora Ática, 1987).‖ 
Quanto ao Parnasianismo, mais representativo na literatura brasileira, em versos, identificam-
se, também, propostas cientificistas, porém mais conformes a uma descrição objetiva dos 
motivos apresentados nos textos literários. 
Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto de Oliveira: escritores que adotaram a visão objetiva, 
conforme as orientações científicas do século XIX. 
O apuro técnico dos textos serve a uma visão objetiva do tema, como vemos nos versos de 
Alberto de Oliveira, do poema ―Aspiração‖: 
Ser palmeira! Existir num píncaro azulado, 
Vendo as nuvens mais perto e as estrelas em bando; 
Dar ao sopro do mar o seio perfumado, 
Ora os leques abrindo, ora os leques fechando; (...) 
Vimos, assim, que a orientação científica que fez surgir o Positivismo e o Determinismo 
definiram a literatura do século XIX, seja pela busca da compreensão do ser humano frente à 
sociedade; 
Seja por uma descrição dos fatos a partir da observação isenta, o que transformava o escritor 
em observador; ou, ainda pela descrição do objeto, mas sem que o belo artístico fosse 
ameaçado pela visão científica. A formação de uma crítica literária específica possibilitou que, 
hoje, possamos compreender as propostas elaboradas no século XIX e a evolução do fazer 
literário a partir das inovações do Positivismo e do Determinismo. 
AULA 3 – BIOGRAFISMO E IMPRESSIONISMO CRÍTICO 
O Impressionismo Crítico 
A crítica impressionista permite ao leitor de um texto literário avaliar a obra por métodos 
unicamente subjetivos, ou seja, que estejam vinculados à moral, à ética e à estética 
constituídas exclusivamente por critérios de avaliação próprios, não submetidos à percepção 
conduzida por teorias e práticas literárias formuladas pela intelectualidade e pelo meio 
acadêmico. 
Assim, a crítica impressionista constitui-se como uma opinião fundada apenas nas emoções 
que o texto provoca no leitor. As análises da crítica impressionista são formuladas a partir das 
impressões percebidas pelo leitor no contato com o texto. 
Os críticos impressionistas consideram que o essencial é o prazer da leitura que se obtém a 
partir de dados subjetivos e percepções individuais dos leitores. Não há, portanto, 
preocupações com o rigor metodológico ou com a adequação de teorias à análise literária. É o 
leitor quem determina o valor da obra, a sua influência sobre seu modo de ver o mundo e as 
relações possíveis entre obras. 
Conciliados a uma crítica literária impressionista, autores diversos como Anatole France e 
Virgínia Woolf produziram obras que se distanciaram dos padrões literários valorados pela 
visão acadêmica tradicional. 
Fragmento de Orlando, de Virginia Woolf – exemplode literatura impressionista. 
O tempo, embora faça desabrochar e definhar animais e plantas com assombrosa 
pontualidade, não tem sobre a alma do homem efeitos tão simples. A alma do homem, aliás, 
age de forma igualmente estranha sobre o corpo do tempo. Uma hora, alojada no bizarro 
elemento do espírito humano, pode valer cinquenta ou cem vezes mis que a sua duração 
medida pelo relógio; em contrapartida, uma hora pode ser fielmente representada no 
mostrador do espírito por um segundo. 
O Impressionismo Literário Brasileiro 
No Brasil, Araripe Júnior (1848-1911), crítico que formou com Silvio Romero e José Veríssimo 
a chamada ―trindade da crítica positivista e naturalista‖, não deixou de perceber a nova 
tendência e enveredou pela crítica biográfica, elaborando ensaios que elucidaram mais a obra 
de autores consagrados, entre eles Machado de Assis. 
O impressionismo literário brasileiro é, segundo Afrânio Cotinho, uma união entre a tendência 
realista e naturalista e a subjetividade simbolista. Procurando a síntese das informações dadas 
pelas correntes literárias antagônicas, os impressionistas brasileiros pretendiam uma literatura 
que mantivesse a objetividade sem enveredar pela explicação científica. 
Esclarece Afrânio Coutinho: ―O mais importante no Impressionismo é o instantâneo e único, 
tal como aparece ao olho do observador. Não é o objeto, mas as sensações e emoções que 
ele desperta, num dado instante, no espírito do observador, que é por ele reproduzido 
caprichosa e vagamente. Não se trata de apresentar o objeto tal como visto, mas como é visto 
e sentido num dado momento‖. (COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de 
Janeiro: Livraria São José, 1959, p. 240) 
Os autores brasileiros que se filiaram à tendência impressionista, segundo Afrânio Coutinho, 
são Raul Pompéia, Machado de Assis, na fase final de sua obra, e Graça Aranha, com a obra 
Canaã. 
"Todo o mal está na Força e só o Amor pode conduzir os homens... Tudo o que vês, todos os 
sacrifícios, todas as agonias, todas as revoltas, todos os martírios são formas errantes da 
Liberdade. (...) Eu te suplico, a ti e à tua ainda inumerável geração, abandonemos os nossos 
ódios destruidores, reconciliemo-nos antes de chegar ao instante da Morte..." (ARANHA, 
Graça. Canaã. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. p. 218) 
A proposta impressionista decorre, como esclarece Arnold Hauser e destaca Afrânio Coutinho, 
da ideia, presente já no filósofo pré-socrático Heráclito (540 a.C. – 470 a.C.), de que a 
realidade é mutável, o que se faz representar pela seguinte proposta: 
―o homem não mergulha duas vezes no rio da vida em eterno movimento para diante‖. 
Portanto, ―a realidade não é um estado coerente e estável, mas um vir-a-ser, um processo em 
curso, em crescimento e decadência, uma metamorfose‖. (COUTINHO, Afrânio. Introdução à 
literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1959, p. 241) 
As origens da crítica impressionista encontram-se na reação a uma metodologia de 
historiografia literária que se apoiava apenas em fatores externos ao texto, a uma ―sociologia 
da literatura‖. 
A polêmica era suscitada por haver, a prática acadêmica, consolidado o método histórico em 
detrimento da própria arte. Paul Van Tieghem, no ―Primeiro Congresso Internacional da 
História Literária e a crise dos métodos‖ (1931), apresenta um relatório no qual acusava os 
críticos de terem deixado de lado ―o íntimo valor de arte e pensamento da obra, pelo trabalho 
e acúmulo de dados biográficos e fontes‖. Aliam-se a esses métodos historicistas, as 
orientações positivistas de Auguste Comte que se estenderam para a análise literária. 
A Síntese das Ideias de Van Tieghem 
Cabe reproduzir aqui, por seu valor histórico e de compreensão para o tema desta aula, a 
síntese das ideias de Van Tieghem formulada por Afrânio Coutinho, a fim de que se 
compreenda com mais clareza o contexto em que surge a crítica impressionista e contra que 
propostas este método se insurge. 
―(...) os estudos de história literária a partir do século XIX tomaram diversas direções, dentro 
das preceptivas do método histórico. Entre elas, devem mencionar-se, segundo Van Tieghem, 
as seguintes: 1. literatura comparada. Estuda as relações entre as produções das diversas 
literaturas modernas, procura explicar a obra literária pelas fontes, imitações, influências (...); 
2. literatura geral. Alargando o objeto da literatura comparada, coloca a obra no meio 
internacional, estuda-a nas suas relações com as obras análogas, na forma ou no espírito, 
produzidas na mesma época ou em épocas paralelas em vários países (...); 
3. história literária sociológica. Estuda o público a que se dirigem as obras, os elementos 
diversos, os caracteres, as reações, as variações sucessivas ou paralelas do gosto, a influência 
nos escritores (...); 4. história literária geográfica. Agrupa os escritores e as obras por 
províncias ou regiões (...); 5. história literária geracional e periódica. Divide a evolução da 
literatura em períodos (Periodisierung), ou, mais especificamente, em ―gerações‖, com o 
intuito de melhor explicar as sucessões e alternâncias de que é feita a história literária (...)‖. 
 (COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria São José, 
1959, p. 10). 
O Surgimento de Uma Crítica Impressionista 
Vemos, então, que a necessidade do surgimento de uma crítica impressionista justifica-se ante 
um tratamento dado à literatura, pela crítica de um modo geral, baseado exclusivamente na 
coleta de dados e nos métodos comparativos, deixando de lado o próprio texto literário, o qual 
deveria ser o objeto primeiro da análise. 
Entre as muitas ressalvas apresentadas por Paul Van Tieghem contra a prática de análise 
historiográfica, destaca-se um argumento que justifica a formulação da crítica impressionista: 
a crítica historiográfica e cientificista não leva em conta que ―o espírito do escritor foi 
alimentado durante a criação por uma multidão infinita de encontros que desaparecem sem 
deixar rastos‖. (COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: 
Livraria São José, 1959, p. 12). 
A crítica literária historiográfica e a crítica literária positivista forneceram aos seus opositores 
as armas para sua diluição ao centrarem em demasia os estudos em aspectos extraliterários. 
Afrânio Coutinho, bem como vários de seus pares, tendeu para uma análise crítica que 
evidenciasse a obra, embora não recusasse dados exteriores ao texto para melhor 
compreender o objeto em análise. 
Coutinho Opõe-se à Crítica Impressionista 
O próprio Afrânio Coutinho opôs-se à crítica impressionista por considerar que ela abdicava 
demais de informações relevantes para a análise de um texto, visto que um autor faz parte de 
um sistema social e cultural e, portanto, sofre dele influências diversas ao criar a sua obra. 
Coutinho recusa a tendência humanística que faz parte da formação da intelectualidade 
brasileira, carente de uma ―consciência técnica‖ advinda da falta de uma formação 
educacional criteriosa. 
Além disso, não concebe a prática de se relacionar o texto literário com outras formas de arte, 
comparação e crítica que se formulam apenas no espírito humano, o que leva a uma crítica 
impressionista. Essa prática tem, no jornalismo, alguns dos maiores críticos brasileiros, como 
Tristão de Athaíde, Otto Maria Carpeaux, tipificados como críticos impressionistas e, expoente 
máximo dessa corrente, Álvaro Lins, cuja obra Os Mortos de Sobrecasaca (1940-1960) é o 
mais relevante registro dessa proposta. 
A crítica impressionista de Álvaro Lins se faz representar na análise elaborada da poesia 
―Sentimento do Mundo‖, de Carlos Drummond de Andrade: 
―Sim:se eu tivesse o gosto das classificações diria que o Sr. Carlos Drummond de 
Andrade é o poeta que mais unanimemente representa a poesia moderna no Brasil, através da 
linha fiel dos seus desdobramentos. Na forma, na substância poética, nos temas, na posição 
histórica – tornou-se o poeta mais representativo do modernismo.‖ 
Ora, Sentimento do Mundo caracteriza-se, inicialmente, pela apresentação de uma linguagem 
e de uma forma realmente poéticas; a linguagem sendo de caráter mágico, como em toda 
poesia, não de caráter exatamente lógico, como nos gêneros prosaicos. 
Percebemos, no texto de Álvaro Lins, duas propostas da crítica impressionista: recusar as 
classificações ao gosto historiográfico e autorizar o leitor a uma coautoria necessária para 
melhor apreensão do texto literário. 
Ora, Sentimento do Mundo caracteriza-se, inicialmente, pela apresentação de uma linguagem 
e de uma forma realmente poéticas; a linguagem sendo de caráter mágico, como em toda 
poesia, não de caráter exatamente lógico, como nos gêneros prosaicos. E esta linguagem 
mágica faz cada palavra encerrar um significado múltiplo e oscilante; faz, de cada palavra, um 
pequeno universo que se prolonga no leitor, que o obriga a se continuar nele, participando da 
experiência e do conhecimento do poeta. 
(LINS, Álvaro, Os mortos de sobrecasaca. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963. p. 7) 
Não podendo, em versos, ―explicar-se‖ como em prosa, o Sr. Carlos Drummond houve de 
emprestar, por isso, à sua linguagem poética um poder mágico de sugestão, houve que 
concentrar nos desdobramentos imagináveis uma grande parte de sua função demiúrgica. 
Portanto, é um poeta que exige a colaboração e a participação do leitor. (...)‖ 
(LINS, Álvaro, Os mortos de sobrecasaca. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963. p. 7) 
(grifos nossos) 
A Crítica Biográfica 
Estando o homem inserido na sociedade, dela participa, sofre influências, reage. Não poderia 
ser diferente com o autor e uma obra literária. É com essa certeza que surge, entre a 
intelectualidade brasileira, a crítica biográfica, a qual preconiza que a análise de um texto 
literário não pode prescindir de dados biográficos relevantes para a compreensão da 
mensagem. ―O escritor é, pois, um criador, mas, ao mesmo tempo, a sua obra está, toda ela, 
mergulhada no momento histórico que a origina‖. (RICCIARDI, Giovanni. Sociologia da 
literatura. Lisboa: Publicações Europa-América, 1971, p. 80) 
Justifica-se a crítica biográfica pela produção de autores comprometidos com a sociedade da 
qual participam. Na literatura de Portugal e do Brasil, temos diversos exemplos de escritores 
realistas e neorrealistas, como Eça de Queirós, Machado de Assis, Carlos de Oliveira, 
Graciliano Ramos, entre muitos outros. 
A situação econômica do escritor e a classe social a que pertence têm sido parâmetros para a 
análise de uma obra a partir da crítica biográfica. As ideologias que defende e aspectos 
cotidianos e psicológicos da vida do autor também se configuram objetos de análise. 
A crítica biográfica como método fundamental sofreu diversas críticas, inclusive de Afrânio 
Coutinho: 
―A biografia monopolizou quase por completo os estudos literários no Brasil, inclusive a crítica, 
a ponto de constituir um sério desvio a ser corrigido. Ela absorveu, por influência de Sainte 
Beuve, a própria interpretação crítica, e chegou-se a inverter a ordem natural dos estudos 
literários: em vez de chegar-se à obra através do autor, como poderia ser o legítimo objetivo 
da biografia literária, passou-se a usar a obra como ponte para atingir-se o autor, idealizado 
romanticamente na sua individualidade. 
 
A hipertrofia biográfica chegou a ponto de afastar a leitura das obras em proveito do 
conhecimento da vida dos autores‖. (COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no 
Brasil. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1959, p. 67). 
Conheça Alguns Nomes da História da Crítica Literária 
Charles Augustin Sainte-Beuve (1804-1869). Considerado um dos mais importantes nomes da 
história da crítica literária, inaugurou a crítica moderna e a crítica de jornal. Ele acreditava ser 
possível uma crítica isenta da obra literária a partir da biografia dos autores. Sainte Beuve 
estabeleceu a diferença entre a crítica subjetivista (romântica) e a objetivista (científica). 
Benedetto Croce, na obra Estética (1902), procurou um meio termo entre a crítica 
impressionista e a crítica biográfica, afastando-se tanto da visão subjetivista de Anatole France 
quanto do método cientificista de Taine. Croce não aceitava qualificar a obra literária a partir 
de uma classificação de gêneros ou de quaisquer outras regras impostas à análise literária 
que, segundo ele, deveriam partir apenas da obra em si mesma. 
Distanciando-se das discussões primeiras sobre a validade desse ou daquele método crítico, os 
estudos literários avançam em direção a um consenso, extraindo do texto e de sua autoria o 
mais relevante para a análise. 
É o que propõe Flora Sussekind ao fazer um estudo sobre a poesia contemporânea brasileira. 
Com o subtítulo: 
―A literatura do eu – Onde se lê poesia, leia-se vida‖ 
É o que propõe Flora Sussekind ao fazer um estudo sobre a poesia contemporânea brasileira. 
Com o subtítulo ―A literatura do eu – Onde se lê poesia, leia-se vida‖, a autora propõe uma 
compreensão biográfica da literatura não mais baseada nos fatos que marcam a vida do autor, 
mas na concepção de que vida e obra se fundem irremediavelmente: 
São as vivências cotidianas do poeta, os fatos mais corriqueiros que constituirão a matéria da 
poesia‖. (SUSSEKIND, Flora. Literatura e vida literária – polêmicas, diários & retratos. Rio 
de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. p. 67) 
Os estudos sobre crítica literária têm indicado uma dicotomia entre a crítica acadêmica e a 
crítica jornalística ou de ―rodapé‖. Como a polêmica se revigora periodicamente, cabe 
conceituar essas propostas e estabelecer as diferenças entre elas. 
A crítica acadêmica dá-se no âmbito das universidades. Os estudos, nesse caso, 
fundamentam-se em teorias diversas que atendem às necessidades da compreensão do texto 
literário objeto da análise ou da formação do próprio analista. 
É comum, então, a associação entre literatura e filosofia, literatura e história, literatura e 
sociologia, literatura e psicanálise etc. Como parâmetros de análise, selecionam-se autores e 
obras canônicas, mesmo que os textos analisados sejam contemporâneos. Tais análises, de 
um modo geral, tendem a se enquadrar em teorias consolidadas. Esse método, não raro, tem 
como destinação o leitor especialista, visto que se vale de citações e referências que conferem 
erudição à análise elaborada. 
A crítica de rodapé faz a análise do texto literário objetivando uma percepção estética e 
subjetiva do mesmo, muitas vezes para divulgar um livro, qualificá-lo ou desqualificá-lo ante 
um público leitor. 
E se propõe, até mesmo, a formar um público leitor, atendendo a critérios que passam ao 
largo das teorias acadêmicas. Assim, a crítica jornalística ou de rodapé pode servir a 
interesses mercadológicos, mas a adesão de críticos renomados e a sua permanência, além da 
visão crítica subjetiva de um público leitor cada vez mais exigente tem validado esse método 
de análise dos textos literários. 
AULA 4 – O FORMALISMO RUSSO 
Origens do Formalismo Russo – O Círculo Linguístico de Moscou e a OPOJAZ 
A origem do Formalismo Russo encontra-se na Universidade de Moscou, quando, em 1914-15, 
um grupo de estudantes fundou o Círculo Linguístico de Moscou e se dedicou a desenvolver 
estudos de linguística e de poética. Entre seus fundadores, destaca-se Roman Jakobson, 
importante linguista que se dedicou à análise estrutural da linguagemde um modo geral, e da 
poesia em particular. 
Universidade Estatal de Moscou - É uma das universidades mais antigas e a mais importante 
da Rússia. Onde surgiu o Círculo Linguístico de Moscou. 
Panorama Histórico Mundial 
Em 1916 é fundada a OPOJAZ – Sociedade para o Estudo da Linguagem Poética, projeto de 
linguistas e estudiosos de Literatura que tinha como finalidade consolidar os estudos 
formalistas. No entanto, uma forte corrente marxista começou a fazer oposição a esse grupo 
de pesquisadores, valendo-se da força política que, na época, favorecia uma ideologia que 
vinculava a produção artística a conflitos sociais. Como os formalistas opunham-se a essa 
visão que, no seu entendimento, limitava a arte, foram perseguidos e se dispersaram pelo 
ocidente, desenvolvendo trabalhos individualizados. 
O termo função poética foi cunhado nesta época, instituindo importantes considerações sobre 
a linguagem literária. 
Em 1917, Viktor Chklovsky formulou o ensaio ―A arte como procedimento‖, no qual propõe 
uma compreensão da literatura a partir de conceitos linguísticos, baseando-se no argumento 
de que a língua poética é um desvio da língua cotidiana. 
Viktor Chklovsky (1893 – 1984). Considerado pai do Formalismo Russo, formulou o ensaio ―A 
arte como procedimento‖ baseando-se no argumento de que a língua poética é um desvio da 
língua cotidiana. 
A projeção do Formalismo Russo no ocidente também se deve a Victor Erlich, autor da obra 
Russian Formalism (1955), e Tzvetan Todorov, responsável por coligir textos dos formalistas 
russos. 
Tzvetan Todorov nasceu na Bulgária em 1939. Naturalizado francês, o filósofo e linguista é 
considerado hoje um dos mais importantes pensadores do século 20. Suas obras reúnem 
textos dos formalistas russos. 
Este livro, do autor Critovão Tezza, faz uma síntese do pensamento de Bakhtin e apresenta as 
linhas fundamentais da concepção formalista de poesia. 
Marxismo: 
 A obra literária é a expressão de seu 
tempo; 
 A arte, direta ou indiretamente, 
reflete a vida dos homens; 
 A poesia lírica não se vincula ao 
espírito social de uma época. 
Formalismo: 
 Não se importavam com a 
motivação social da obra; 
 Defendiam a abordagem 
morfológica da obra; 
 O objeto investigado era a própria 
obra. 
Contrário ao Marxismo, o Formalismo Russo caracterizou-se pela recusa de abordagens 
sociológica, política e filosófica que serviam de base para muitos estudos literários da época. 
Para os formalistas, a análise literária deveria ser efetuada apenas por meios estéticos, sem 
relevar aspectos externos da obra. 
Conceitos Fundamentais do Formalismo Russo: Estranhamento e Literariedade 
O Formalismo Russo reagiu contra os estudos geneticistas da Literatura, negando uma visão 
científica e determinista do texto literário. Os formalistas consideravam a autonomia da obra 
de arte como objeto de investigação, o que já havia sido esboçado pelos simbolistas 
franceses, os quais propunham a ―arte pela arte‖, o que já havia sido proposto, no século XIX, 
por Edgar Allan Poe. 
Edgar Allan Poe (1809 - 1849): ―Defino a poesia das palavras como Criação Rítmica da Beleza. 
O seu único juiz é o Gosto.‖ 
Também contrários à tendência marxista, os formalistas russos não se importavam com a 
motivação social da obra. O Formalismo ocupa-se da relação entre a mensagem e o 
destinatário, mas sem vínculos com o contexto social. Por esse motivo, o teórico Boris 
Eichembaum propôs que se considerasse uma abordagem morfológica da obra, a fim de que 
se diferenciasse de outras abordagens, como a psicológica e a sociológica. Pela análise 
morfológica, o objeto a ser investigado seria a própria obra, enquanto pelas outras 
abordagens, investigar-se-iam outros aspectos que na obra se refletem. 
Boris Eichenbaum (1886-1959): Interessava aos formalistas uma relação entre o texto e o 
leitor na qual a Literatura promova, no destinatário, a reconstituição da realidade através do 
―estranhamento‖. 
Antes dos formalistas, na Rússia, considerava-se que a arte corresponde ao pensamento 
organizado por imagens. Privilegiava-se o conhecimento adquirido com a arte e, para tanto, a 
imagem, na arte, tinha a função de promover analogias, ou seja, estabelecer semelhanças 
entre coisas diferentes, o que exigia ser a própria imagem mais simples do que a mensagem 
que ela pretendia transmitir; além disso, o estudo das imagens estava associado ao estilo de 
cada autor. 
(1912) Obra do pintor e escritor Kuzma Petrov. No período pré-formalista considerava-se que 
a imagem na arte tinha a função de promover analogias. 
Na análise do texto literário passa a ser considerada não apenas sua a estrutura verbal, como 
também a percepção do leitor e o reconhecimento de uma nova forma de o autor se 
expressar. 
O Estudo 
Em seu ensaio chamado ―O Formalismo Russo‖ (vide indicação em ―Atividades‖), Ivan Teixeira 
aponta o livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, como o exemplo mais 
evidente de estranhamento, considerando que a obra se constitui pela visão de um ―defunto 
autor‖. 
A Palavra 
O leitor, logo no início do texto, passa por um processo de ―desautomatização‖, ou seja, deixa 
de ter uma compreensão automática do que lê, tendo em vista que se apresentou a ele uma 
proposta nova, diferente do que se havia estabelecido anteriormente para a elaboração de 
uma obra literária. O leitor estranha, de imediato, a ―Dedicatória‖ elaborada pelo autor: “Ao 
verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa 
lembrança estas memórias póstumas”. 
Pioneirismo 
Outro importante morfologista, Roman Jakobson, argumenta que a investigação literária não 
deve ter como objeto a Literatura, mas a literariedade, ou seja, a especificidade do objeto 
literário, o que privilegia o texto e não o seu autor. 
É com essa proposta que os formalistas russos se contrapõem a outras correntes de 
pensamento que também se aplicavam ao estudo literário, como o determinismo e o 
positivismo. 
Roman Jakobson (1896 – 1982) – pioneiro da análise estrutural da linguagem, poesia e arte. 
MANIFESTO da Literariedade 
Jakobson elaborou um manifesto que esclarece o processo de literariedade: 
A poesia é linguagem em sua função estética. Deste modo, o objeto do estudo literário não é 
a literatura, mas a literariedade, isto é, aquilo que torna determinada obra uma obra literária. 
E, no entanto, até hoje, os historiadores da literatura, o mais das vezes, assemelhavam-se à 
polícia que, desejando prender determinada pessoa, tivesse apanhado, por via das dúvidas, 
tudo e todos que estivessem num apartamento, e também os que passassem casualmente na 
rua naquele instante. 
Tudo servia para os historiadores da literatura: os costumes, a psicologia, a política, a 
filosofia. Em lugar de um estudo da literatura, criava-se um conglomerado de disciplinas mal--
-acabadas. Parecia-se esquecer que estes elementos pertencem às ciências correspondentes: 
História da Filosofia, História da Cultura, Psicologia etc., e que estas últimas podiam, 
naturalmente, utilizar também os monumentos literários como documentos defeituosos e de 
segunda ordem. Se o estudo da literatura quer tornar-se uma ciência, ele deve reconhecer o 
'processo' como seu único 'herói'. 
EIKHENBAUM, Boris et alii. Teoria da literatura: formalistas russos. Trad. Ana Mariza 
Ribeiro. et alii. Porto Alegre: Globo, 1978. 
―Agora sabes que sou verme. 
Agora, sei da tua luz. 
Se não notei minha epiderme... 
É... nunca estrela eu te supus. 
Mas, se cantar pudesse um verme, 
Eu cantaria a tua luz! 
 
E eras assim... Por que não deste 
Um raio, brando, ao teu viver? 
Não te lembrava. Azul-celeste 
Océu talvez não pôde ser... 
Mas, ora! enfim, por que não deste 
Somente um raio ao teu viver? 
 
Olho, examino-me a epiderme 
Olho e não vejo a tua luz! 
Vamos que sou, talvez, um verme... 
Estrela nunca eu te supus! 
Olho, examino-me a epiderme... 
Ceguei! ceguei da tua luz?‖ 
―O Verme e a Estrela‖, poema do simbolista brasileiro Pedro Kilkerry (1885-1917). 
Os conceitos literariedade (literaturnost) e estranhamento (ostranenie) são as marcas 
específicas da literatura: o dizer algo de outra maneira, que leva a uma compreensão distinta 
da obra de arte, aquilo que se torna incomum e se afasta do dizer cotidiano. 
Para os formalistas, a poesia e suas metáforas não estabelecem uma ―economia da 
linguagem‖, como ocorre na comunicação verbal cotidiana. Isto cria um afastamento do 
objeto conhecido de sua função comum. 
A Perspectiva Formal da Análise Literária 
A Poética 
A ―palavra poética‖ é o objeto fundamental de estudos dos formalistas russos, e que melhor 
define a perspectiva da análise literária que os teóricos filiados ao Formalismo apresentam. 
A Poesia 
Na poesia, a palavra não tem como única função a mensagem denotativa (caráter do que tem 
dois aspectos radicalmente diferentes, até mesmo opostos), a qual remete a uma coisa 
específica; também não atende exclusivamente ao apelo da emoção. 
A Estética 
De acordo com a perspectiva formal de análise literária, é necessário que o leitor investigue a 
multiplicidade do signo (unidade linguística constituída pela união de um conceito, ou 
significado, e a imagem acústica, significante, gerada através de uma relação arbitrária), 
explorando todas as possibilidades de significação das palavras. Por esse motivo, a semântica 
é um instrumento de análise da estética da poesia. 
Acompanhe agora a definição de ―poética‖ segundo os formalistas russos: 
A Prosa 
Chklovsky, Eichembaum e Todorov elaboraram análises formalistas de textos em prosa, 
considerando o conceito de ―prosa poética‖, pelo qual se entende que as propriedades da 
poesia podem ser utilizadas na narrativa. 
O Autor 
Também deve ser destacado o nome de Vladimir Propp, teórico estruturalista que analisou os 
componentes básicos dos contos populares russos, a fim de identificar os seus elementos 
indivisíveis, ou seja, Propp analisava os contos com o objetivo de encontrar o núcleo simples 
dos mesmos, comprovando a existência de uma estrutura comum em todos os contos, como a 
figura do herói, a sua luta e a superação das dificuldades. 
A Obra 
Sua obra Morfologia do Conto Maravilhoso, publicada em 1928, influenciou diversos autores 
como Todorov, Claude Lévi-Strauss e Haroldo de Campos. 
Vladimir Propp (1895 – 1970) - Autor do Livro Morfologia do Conto Maravilhoso. 
AULA 5 – AS POÉTICAS CLÁSSICAS E A PERSPECTIVA ROMÂNTICA 
O Método Formal – Análise de Poemas 
O Simbolista 
Recusa Poética 
O Formalismo Russo recusa as tendências de compreensão do texto poético vinculado a 
questões sociais ou à biografia do autor. O signo poético passa a ser privilegiado na análise, e 
o crítico adota diversas perspectivas da linguagem, colocando em evidência aspectos 
semânticos, morfológicos e fonéticos da palavra. 
Panorama Histórico Mundial 
O Filósofo 
Discurso Literário 
Stéphane Mallarmé, importante nome do Simbolismo francês, condensou essa proposta com a 
ideia de que o livro deve ser entendido como expansão total da letra. A esse respeito, propõe 
Todorov: 
―A letra e o signo verbal serão considerados por nós como a base de toda a literatura. Uma 
das consequências dessa decisão será que o conhecimento da literatura e o conhecimento da 
linguagem são simultâneos e que só poderemos falar do discurso literário na medida em que 
possamos falar do verbo em geral, e inversamente.‖ 
(TODOROV, Tzvetan. Estruturalismo e poética. São Paulo: Cultrix, 1970. p. 22) 
O Crítico 
Discurso Literário: O Formalismo gerou diversas correntes críticas para as quais o fundamental 
é o estudo do texto em si mesmo e não suas relações extrínsecas. Dentre essas correntes, o 
Estruturalismo empenhou-se em aprimorar as propostas iniciais dos formalistas. E é através 
das bases estruturalistas que o signo poético se expande na análise morfológica, sintática. 
O trabalho do crítico Osip Brik foi de extrema importância para a consolidação dos métodos de 
análise formalista, pois, em seus estudos sobre a versificação da poesia russa, destacou o 
verso como um complexo linguístico rítmico e sintático. Brik propunha que não fossem 
analisadas apenas as rimas, as aliterações e as assonâncias, mas que a análise focasse 
também os ―planos sonoros‖ do texto, como o uso, no signo poético, das vogais fortes. 
Contra o pensamento de que a literatura perderia sua função se fosse desvinculada de 
aspectos sociais, Osip Brik apresentou argumentos em defesa da análise formalista do texto 
poético, entre os quais o de que tudo o que o poeta escreve não possui valor como expressão 
do seu ―eu‖. Considera-se, nesse caso, que, tanto a subjetividade do autor (suas emoções 
mais individuais) quanto a sua relação com o mundo exterior não importam na análise. O que 
realmente interessa aos formalistas são os elementos que compõem o texto. 
Além de apresentar estudos sobre elementos da poesia como rima, ritmo, harmonia e metro, 
também elabora teorias sobre o verso livre, evidenciando o conceito de prosa poética. 
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) - Poeta, contista e cronista brasileiro. 
Aplicação do Método Formal – Análise de Poemas 
Como vimos anteriormente, os formalistas russos consideravam que o texto literário deveria 
ser analisado através de suas características imanentes, ou seja, o analista levaria em 
consideração apenas os elementos do próprio texto que se configurava como objeto de 
análise. Sendo assim, a Linguística tornou-se prioritariamente a ciência que levaria à 
compreensão da obra literária. 
A. Um dos aspectos fundamentais observados pelos formalistas é a diferença entre a 
palavra poética e o uso cotidiano da palavra. Na poesia, haveria um desvio da palavra 
em relação à sua função no ato de fala comum. 
Para melhor compreensão dessa proposta de análise, selecionamos a segunda estrofe 
do poema ―Hino Nacional‖, de Carlos Drummond de Andrade. 
B. O poema de Drummond insere-se no contexto do Modernismo brasileiro. Publicado na 
obra Brejo das Almas, de 1934, os versos registram uma fase de crítica social do poeta. 
A estrofe, composta por quatro versos, elabora uma ideia negativa do Brasil e, ao 
mesmo tempo, que uma ação coletiva pode alterar essa imagem, pois os verbos que 
iniciam os versos estão na primeira pessoa do plural. 
C. Destaca-se o signo ―educar‖, o qual atribui sentido aos signos ―professores‖, ―livros‖ e 
―culturas‖. Mas ocorre um desvio nessa estrofe que merece atenção. O signo 
―compraremos‖, que inicia o segundo verso da estrofe destacada, associado a ―livros‖ 
representa um falar cotidiano, visto que livros são comprados. 
D. No entanto, associado ao signo ―professores‖, obriga o leitor a refletir sobre a 
construção proposta, considerando-se que seriam esperados outros signos, como 
―formaremos‖, mais adequado à imagem que se tem, tradicionalmente, da figura do 
professor. Tal desvio, no entanto, contextualiza-se com a ideia negativa do Brasil, de 
que já falamos, proposta pelo texto. 
Um dos aspectos fundamentais observados pelos formalistas é a diferença entre a 
palavra poética e o uso cotidiano da palavra. Na poesia, haveria um desvio da palavra 
em relação à sua função no ato de fala comum. 
Precisamos educar o Brasil. Compraremos professores e livros, assimilaremos finas culturas, 
abriremos dancings e subvencionaremos as elites. 
O PoemaOutra proposta dos formalistas russos é o estranhamento, característica imanente ao texto 
poético. 
Uma nuvem de calças (fragmento) 
 
Glorifica-me! 
Os grandes não se comparam a mim. 
Em cada coisa que eles conseguiram 
Eu carimbo um nada. 
 
Eu nunca quero 
ler nada. 
Livros? 
O que são livros! 
 
Antes eu acreditava 
que os livros eram feitos assim: 
um poeta vinha, 
abria levemente os lábios, 
e disparava louco numa canção. 
 
Por favor! 
Mas parece, 
que antes de se lançarem numa canção, 
os poetas têm de andar por dias com os pés em calos, 
e o peixe lento da imaginação, 
lateja ligeiro no bater do coração. 
E enquanto, com a filigrana da rima, eles cozem uma sopa 
de amor e rouxinóis, 
a estrada sem língua apenas sucumbe 
por não ter nada a gritar ou a dizer. 
 
(...) 
O Argumento 
Nesse processo, o autor consegue promover no leitor a ―desautomatizaçao‖, ou seja, causa no 
leitor um desconforto ao retirá-lo do senso comum da comunicação, levando-o a deparar-se 
com a ―consciência linguística da literatura.‖ 
A Leitura 
O autor Ivan Teixeira, no ensaio intitulado ―O Formalismo Russo‖, destaca esse efeito 
combinatório de signos, explicando que ―o desconforto dos enunciados inovadores integra o 
complexo de propriedades que atribuem valor estético ao texto‖. 
Evidenciamos, no fragmento do poema ―A nuvem de calças‖, do escritor russo Vladimir 
Maiakovski, esse processo de estranhamento (ostranenie), tendo em vista as combinações 
inusitadas entre os signos utilizados. 
A Análise 
Evidenciamos, no fragmento do poema ―A nuvem de calças‖, do escritor russo Vladimir 
Maiakovski, esse processo de estranhamento (ostranenie), tendo em vista as combinações 
inusitadas entre os signos utilizados. 
O poema de Maiakovski exige do leitor algum conhecimento dos processos de criação literária, 
a fim de que ele seja instigado a desvendar a imprevisibilidade do texto, buscando, através da 
análise, compreender o efeito estético que causou estranhamento no ato da leitura. O título 
do texto já anuncia a proposta estética elaborada pelo poeta: ―Uma nuvem de calças‖. Ao 
associar os signos ―nuvem‖ e ―calças‖, o autor obriga o leitor a desfazer-se temporariamente 
da imagem acionada comumente na imaginação ao ouvir/ler o signo ―nuvem‖: leveza, 
distanciamento, volatilidade etc. 
O poema de Maiakovski exige do leitor algum conhecimento dos processos de criação literária, 
a fim de que ele seja instigado a desvendar a imprevisibilidade do texto, buscando, através da 
análise, compreender o efeito estético que causou estranhamento no ato da leitura. O título 
do texto já anuncia a proposta estética elaborada pelo poeta: ―Uma nuvem de calças‖. Ao 
associar os signos ―nuvem‖ e ―calças‖, o autor obriga o leitor a desfazer-se temporariamente 
da imagem acionada comumente na imaginação ao ouvir/ler o signo ―nuvem‖: leveza, 
distanciamento, volatilidade etc. 
Explicação Expandida 
O conceito de “estranhamento”, proposto por Victor Chklovski, contradiz uma ideia 
anterior sugerida pelo teórico Aleksandr Potebnia e adotada pelos poetas 
simbolistas, segundo a qual a função da literatura é agrupar imagens heterogêneas e 
explicar o desconhecido pelo conhecido. Potebnia cunhou a sentença que marcou o início dos 
estudos de teoria literária: ―A arte é pensar por imagens‖. Desenvolvendo seu pensamento, 
argumentou: A poesia assim como a prosa é antes de tudo, e sobretudo, uma certa maneira 
de pensar e conhecer‖. De acordo com Chklovski, as imagens poéticas não devem acionar um 
conhecimento, mas provocar um estranhamento no leitor que o conduza à densidade da 
percepção estética. 
(CHKLOVSKI, Viktor. A arte como procedimento. In: Teoria da Literatura: os formalistas 
russos. Porto Alegre: Globo, 1976.) 
Na primeira estrofe, o eu lírico se posiciona acima daqueles a quem chama ―grande‖. 
―Glorifica-me!‖: sugere, propõe, ordena, implora. Estabelece sua relação com o leitor. O verso 
―Eu carimbo um nada‖ provoca mais um estranhamento, agora desencadeado por um 
desvio, visto que a função de um carimbo é imprimir palavras ou imagens. 
A segunda e a terceira estrofes exigem que o leitor reelabore a ideia construída culturalmente 
a respeito dos livros e da figura do poeta, exatamente como proposto pelo formalismo russo. 
Desfaz-se a imagem do autor inspirado e da poesia como ato sublime. Maiakovski, no texto, 
renuncia aos livros e, ainda, reconhece que também ele participava de uma concepção geral 
de que o poeta possui uma espécie de dom divino. O estranhamento, neste caso, dá-se 
pelo fato de que tais conceitos são estabelecidos através de um texto poético, ou seja, o 
próprio instrumento da poesia é utilizado como contra-argumento do fazer poético. 
Na terceira estrofe, o poeta Maiakovski intensifica a densidade estética do texto, provocando 
estranhamento com a elaboração de fatos sintáticos que exigem a análise mais cuidadosa 
do leitor. 
O segundo e terceiro versos encontram-se em oposição ao apresentarem duas circunstâncias 
associadas ao signo ―poetas‖: ―canção‖, signo que sugere um conceito diáfano X ―pés em 
calos‖, representativo de luta, trabalho, realidade tangível. Outros fatos sintáticos 
desautomatizam a percepção do leitor no mesmo procedimento de associar signos pela 
oposição abstrato X concreto, o que retira as imagens conhecidas de seu espaço de 
sublimidade e as lança na dura realidade da existência: ―peixe lento da imaginação‖; ―eles 
cozem uma sopa de amor e rouxinóis‖; ―estrada sem língua‖. 
Atenção! 
Os métodos de análise dos formalistas russos são imanentes ao texto, isto é, a literariedade. 
Assim, mesmo que o leitor tenha conhecimento do contexto histórico em que se insere o autor 
e de dados biográficos relevantes, esses não devem ser utilizados na análise do texto poético. 
Análises Morfológicas e Fonológicas de Poemas de Vanguarda 
A partir dos pressupostos de Chklovski, segundo os quais um poema deve ser analisado tendo 
como base a Linguística e os aspectos a essa ciência intrínsecos, Roman Jakobson, também 
integrante do Formalismo Russo, difundiu a ideia de que a função poética da linguagem 
consiste na ambiguidade que se alcança através da concisão do signo. 
Isso equivale a dizer que, como a poesia é uma expressão de linguagem reduzida, os 
vocábulos devem ser utilizados de forma a permitir que o leitor o expanda, seja em sua 
própria construção morfológica e fonológica, seja no seu significado (semântica), ou, ainda, na 
organização sintática do verso do qual o signo faz parte. 
Essa proposta dos formalistas vai ao encontro dos interesses de poetas europeus que 
intentavam um novo jeito de fazer poesia que se distanciasse dos modelos tradicionais. A 
linguagem poética, portanto, era um dos alvos preferidos desses poetas, visto ser o 
instrumento fundamental da poesia. 
Surge, assim, mais especificamente no início do século XX, a poesia de vanguarda*. O termo 
tem origem na expressão francesa ―avant-garde‖, expressão militar que significa ―linha de 
frente‖. 
* Vanguarda: Fig. [...] que exerce ou procura exercer um papel pioneiro. Desenvolvendo 
técnicas, ideias e conceitos novos, avançados, especialmente nas artes. (Dicionário Houaiss da 
Língua Portuguesa) 
A Vanguarda 
Dentre os movimentos de vanguarda, destaca-se o Futurismo, movimento iniciado por Felippo 
Marinetti, e que expressava uma postura utópica dos artistas envolvidos com a modernidade e 
o surgimento de uma nova era, e que negavam o passado e as tradições socioculturais, 
especialmente as que representavam ideologias burguesas. 
Filiaram-se aos movimentos vanguardista e futurista poetas como Vladimir Maiakovski, Ezra 
Pound, James Joyce, FernandoPessoa e, no Brasil, Oswald de Andrade, Haroldo e Augusto de 
Campos, Ferreira Gullar, Décio Pignatari entre outros. Movimentos como Dadaísmo, 
Concretismo, Neoconcretismo, Poesia Experimental, Poesia Práxis e Poesia Visual têm origem 
na poesia de vanguarda. 
O futurismo é um movimento artístico e literário surgido oficialmente em 20 de fevereiro de 
1909, com a publicação do Manifesto Futurista, do poeta italiano Filippo Marinetti, no jornal 
francês Le Figaro. 
Os Vanguardistas 
Conheça agora quem foram os principais vanguardistas e futuristas da época: 
 Vladimir Maiakovski (1893-1930): poeta, dramaturgo e teórico russo. 
 Ezra Pound (1885-1927): poeta, músico e crítico literário americano. 
 James Joyce (1882-1941): romancista, contista e poeta irlandês. 
 Fernando Pessoa (1888-1935): poeta e escritor português. 
 Oswald de Andrade (1890-1954): escritor, ensaísta e dramaturgo brasileiro. 
 Felippo Marinetti (1876-1944): escritor, editor, ideólogo, jornalista e ativista político. 
Os poetas de vanguarda acabaram por semear o que o teórico e poeta Octavio Paz chamou 
de ―tradição da ruptura‖, considerando que existe uma continuidade do projeto artístico de 
ser, constantemente, uma reação contra uma fórmula anterior. Assim, romper com a tradição 
torna-se, em si mesmo, um ato de tradição, configurando-se uma ―tradição da modernidade‖. 
(PAZ, Octavio. Signos em rotação. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005.) 
As propostas pelo Formalismo Russo, fundamentadas na Linguística, tornaram-se 
extremamente profícuas na análise de poemas vanguardistas, visto que os formalistas 
indicavam compreender o texto poético também através de uma análise morfológica e 
fonológica, e é exatamente essas estruturas do signo que os poetas de vanguarda alteravam 
para romper com a tradição da linguagem. 
MANIFESTO da literariedade 
Acompanhe agora o Manifesto Escrito por Roman Jakobson 
"A poesia é linguagem em sua função estética. Deste modo, o objeto do estudo literário não é 
a literatura, mas a literariedade, isto é, aquilo que torna determinada obra uma obra literária. 
E, no entanto, até hoje, os historiadores da literatura, o mais das vezes, assemelhavam-se à 
polícia que, desejando prender determinada pessoa, tivesse apanhado, por via das dúvidas, 
tudo e todos que estivessem num apartamento, e também os que passassem casualmente na 
rua naquele instante. 
Tudo servia para os historiadores da literatura: os costumes, a psicologia, a política, a 
filosofia. Em lugar de um estudo da literatura, criava-se um conglomerado de disciplinas mal-
acabadas. Parecia-se esquecer que estes elementos pertencem às ciências correspondentes: 
História da Filosofia, História da Cultura, Psicologia etc., e que estas últimas podiam, 
naturalmente, utilizar também os monumentos literários como documentos defeituosos e de 
segunda ordem. Se o estudo da literatura quer tornar-se uma ciência, ele deve reconhecer o 
'processo' como seu único 'herói'. 
EIKHENBAUM, Boris et alii. Teoria da Literatura: formalistas russos. Trad. Ana Mariza 
Ribeiro. et alii. Porto Alegre: Globo, 1978. 
Eu 
à poesia 
só permito uma forma: 
concisão, 
precisão das fórmulas 
matemáticas. 
Às parlengas poéticas estou acostumado, 
eu ainda falo versos e não fatos. 
Porém 
se eu falo 
"A" 
este "a" 
é uma trombeta-alarma para a Humanidade. 
Se eu falo 
"B" 
é uma nova bomba na batalha do homem. 
(De V Internacional – tradução: Augusto de Campos) 
Vladimir Maiakovski, poeta que comungou das ideias de Jakobson, explorou sistematicamente 
as propostas formalistas, como se percebe no poema abaixo, no qual expõe a relação entre 
poesia e concisão da linguagem, além de explorar possibilidades morfológicas no texto. 
O Modernismo brasileiro da primeira fase ou ―fase heroica‖, que teve início com a Semana de 
Arte Moderna de 1922, tem em Oswald de Andrade um de seus maiores representantes. O 
poeta é, também, um dos escritores que mais e melhor utilizou uma estética vanguardista, 
especialmente no tocante a uma redefinição da palavra poética, o que possibilita uma análise 
formalista de seus textos. 
Oswald de Andrade (1890-1954) - Um dos maiores representantes da Semana de Arte 
Moderna de 1922. 
Vício na fala 
 
Para dizerem milho dizem mio 
Para melhor dizem mió 
Para pior pió 
Para telha dizem teia 
Para telhado dizem teiado 
E vão fazendo telhados 
(ANDRADE, Oswald de. Poesias reunidas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971.) 
O poema de Oswald de Andrade tem como motivo a própria língua portuguesa e a diferença 
entre escrita e oralidade. Apresentam-se em oposição os signos ―milho‖ x ―mio‖; ―melhor‖ x 
―mió‖; ―pior‖ x ―pió‖; ―telha‖ x ―teia‖; ―telhado‖ x ―teiado‖. Temos, assim, para análise, a 
exploração de fatos linguísticos morfológicos e fonológicos para evidenciar, no texto, a 
realidade de determinados falantes, não sendo necessário contextualizar socialmente tais 
falantes para que o leitor entenda a proposta. No entanto, não há dúvidas de que os falantes 
que se representam no poema pertencem a uma classe social desfavorecida, observando-se o 
último verso, no qual o signo ―telhados‖, ao complementar o verbo ―fazer‖, indica trabalho 
braçal. 
Análise Semântica de um Poema de Mário Quintana 
Considerando a Linguística a ciência fundamental para análise do texto poético, os formalistas 
russos incluíram, na compreensão da poesia, os estudos de semântica. 
A relação entre significante (forma gráfica) e significado (conceito), proposta por Ferdinand de 
Saussure, é utilizada largamente nas análises formalistas. Apesar de se autodenominarem 
―morfologistas‖, como vimos, os formalistas russos não se limitavam ao estudo morfológico do 
signo (estrutura, formação, flexões e classificação das palavras). Os estudos do léxico, da 
sintaxe e da fonologia também fazem parte da análise, como exemplificamos acima. Da 
mesma forma, a semântica, área da Linguística que estuda a significação das palavras no 
contexto em que se apresentam deve ser instrumento de análise. 
Ferdinand de Saussure (1857-1913) - Graças aos seus estudos e ao trabalho de Leonard 
Bloomfield, a linguística adquiriu autonomia, objeto e método próprios. Seus conceitos 
serviram de base para o desenvolvimento do estruturalismo no século XX. 
Poeminha do Contra 
 
Todos esses que aí estão 
Atravancando meu caminho, 
Eles passarão... 
Eu passarinho! 
(QUINTANA, Mário. Prosa e Verso. São Paulo: Globo, 1978) 
O texto do poeta gaúcho Mário Quintana compõe-se de quatro versos. Os três primeiros não 
surpreendem o leitor, visto se organizarem através de uma linguagem coloquial e prosaica, e 
com signos que não apresentam ambiguidades ou desvios em relação ao uso cotidiano da 
fala. No entanto, o último verso causa estranhamento no leitor por um processo semântico 
que precisa ser apreendido no ato da leitura. O signo ―passarinho‖ decorre do verbo 
―passarão‖. Tal associação, aparentemente inadequada, encontra fundamentação na proposta 
semântica elaborada. 
O signo ―passarão‖ define a transitoriedade de pessoas que estão ―atravancando‖ o caminho 
do eu lírico. Há, claramente, uma adversidade que deveria ser solucionada com outro signo 
oposto que indicasse a permanência do sujeito que fala, sua perenidade, sua eternidade. 
Entretanto, o poeta apresenta ao leitor o signo ―passarinho‖, provocando a 
―desautomatização‖ do texto. O leitor, então, recorre à semântica para compreender o 
processo criativo. 
O signo ―passarinho‖ pode expandir-se no seguinte campo semântico: liberdade, leveza, 
beleza. Entendemos, assim, que mais do que permanecer em um determinado contexto de 
vida (enquanto os outros ―passarão‖), o eu líricomanter-se-á em estado de volatilidade e 
liberdade, o que se opõe, semanticamente, ao signo ―atravancando‖. 
Consideramos necessário destacar ainda, para enriquecimento da análise, a oposição entre os 
sufixos presentes nos signos ―passarão‖ e ―passarinho‖ como recurso morfológico e 
fonológico, os quais inserem, na percepção do leitor, mais uma dicotomia entre o eu lírico (―eu 
passarinho‖) e o objeto de quem fala (―eles passarão‖). 
Frase atribuída a Mário Quintana (1906-1994) 
 ―[O Trágico Dilema] 
Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro‖. 
O Método Formal – Análise de Narrativas 
A Poesia 
Sem dúvida, a poesia é o objeto primeiro de estudos dos formalistas russos, pela concisão da 
linguagem e, em consequência, a possibilidade de expansão da palavra poética. 
Boris Eikhenbaum elaborou uma teoria da prosa sob o ponto de vista histórico, discutindo a 
evolução do romance em relação à oralidade. 
A Prosa 
Entretanto, a prosa também interessou aos morfologistas, visto considerarem a necessidade 
de estudar e aplicar o conceito de ―prosa poética‖. Assim, os formalistas russos entenderam 
que as características imanentes da poesia poderiam ser encontradas também em textos em 
prosa. 
A partir daí, conseguiu estabelecer diferenças entre o romance e a novela, sendo esta uma 
―equação com apenas uma incógnita‖, enquanto o romance seria um ―sistema de equações 
com muitas incógnitas‖, com muitas regras a serem observadas, especialmente durante o 
desenrolar da trama narrativa. 
(Teoria da Literatura, ed. por Eikhenbaum et alii. Porto alegre: 1971) 
Os Pioneiros 
Os primeiros teóricos a discutir a narrativa de acordo com o método formal foram Viktor 
Chklovsky, na obra Sobre a Teoria da Prosa, Tomachevski, autor do primeiro trabalho sobre 
Teoria da Literatura, e Vladimir Propp, autor da Morfologia dos Contos (1928), trabalho que foi 
aplicado à narrativa em geral. 
Viktor Chklovski orienta o estudo da prosa a partir da separação entre os elementos 
constitutivos da narrativa e o seu conteúdo, da mesma forma que se procede com a análise 
do texto poético. 
Na obra Poética da Prosa, Tzvetan Todorov sintetiza os parâmetros que deve seguir um 
investigador na análise de narrativas, conforme a proposta dos formalistas russos: 
 Uma classificação tipológica e não genética: o analista deve examinar o próprio 
texto, a sua estrutura interna, e não as influências diretas de uma obra sobre outra; 
 Definição do tema, ou seja, a sequência de acontecimentos (e não apenas de 
imagens) como é apresentada na obra, sendo que, no romance, após o desfecho do 
tema, deve haver um certo declínio, enquanto na novela e no conto, o desfecho em 
ápice coincide com o fim do texto; 
 Uma tipologia linguística que confronte os sistemas fonológicos, morfológicos e 
sintáticos, sem que os recortes feitos nas diversas obras tenham que, necessariamente, 
coincidir; 
 Identificar uma gramática da narrativa (léxico), a fim de que seja possível associar 
tanto a trama quanto os personagens a frases e seus componentes (substantivos, 
verbos, advérbios, adjetivos etc.); 
 Por fim, a estrutura da narrativa pode ser evidenciada tanto na relação entre os 
personagens, destacando-se as oposições e as afinidades entre eles, quanto nos 
diferentes estilos de narrativa, ou mesmo no ritmo do texto determinado pelo autor. 
(TODOROV, Tzvetan. Poética da prosa. São Paulo: Martins Fontes, 2003) 
Explicação Expandida 
Todorov orienta o analista de uma narrativa a observar que, em alguns textos, cada 
personagem representa uma nova trama. Assim, nem sempre é possível separar a análise do 
tema da análise dos personagens. Esse tipo de personagem, que por si só estrutura todo o 
enredo e modifica-o, é chamado pelo teórico de ―homens-narrativa‖ e apresenta, como 
exemplo, Sherazade, personagem central da obra As Mil e Uma Noites. (TODOROV, Tzvetan. 
Poética da prosa. São Paulo: Martins Fontes, 2003.) 
Método Formal - Análise de Narrativas 
Ao analisar a obra O Capote, de Nicolai Gogol, Boris Eikhenbaum evidencia a oposição entre 
os personagens como elemento fundamental do texto. A trama se passa na Rússia czarista, e 
tem como personagem principal Akáki Akákievitch Bachmátchkin, um funcionário público que 
necessita comprar um capote (agasalho reforçado para uso em baixas temperaturas). Como 
tem pouco dinheiro, faz economias até conseguir mandar confeccionar o agasalho, mas só o 
utiliza por apenas um dia, pois é assaltado. Sem a ajuda das autoridades, acaba debilitado e 
falece. 
A narrativa, a partir de então, elabora-se numa atmosfera fantástica e apresenta o 
personagem como um fantasma que vaga pela cidade em busca de seu capote. Akáki, já 
fantasma, vinga-se ao assustar um importante funcionário público que lhe havia negado 
ajuda, e rouba-lhe o agasalho. 
O personagem se destaca por qualidades pouco comuns ao seu cargo de funcionário público, 
e é nesse ponto que ele se opõe aos demais personagens da narrativa. Akáki é dedicado ao 
trabalho e conforma-se com o baixo rendimento, o que o faz ser estigmatizado por seus 
colegas. Akáki sente mágoa, fome, medo, desespero e impotência diante da própria vida. 
O estranhamento é apresentado ao leitor pelo próprio narrador do texto: 
Mas quem poderia imaginar que não dissemos tudo a respeito de Akáki Akákievitch, 
condenado a tornar-se famoso alguns tempos depois da morte, como recompensa de uma 
vida que passou ignorada? Sucedeu efetivamente isso, e a nossa pobre história tem uma 
abrupta conclusão. Começou a difundir-se por são Petersburgo o rumor de que na ponte de 
Kaliukine, nas ruas vizinhas e nos bairros a que ela conduzia aparecia de noite um fantasma, 
com aspecto de funcionário público, que procurava um capote roubado e tirava capotes de 
todos os ombros, sem diferençar classes ou profissões: 
os de gola de pele de gato, de castor, de coelho, de raposa ou de qualquer outra espécie de 
pele. 
Um dos funcionários da repartição viu com seus próprios olhos o fantasma e reconheceu 
imediatamente o defunto Akáki Akákievitch; mas produziu-lhe este tal terror que se pôs a 
correr quanto podia, sem se atrever a voltar a olhar para o fantasma, que o ameaçava com o 
dedo espetado. 
Boris Eikhenbaum realiza uma análise de O Capote na qual destaca também a figura do 
narrador em oposição ao personagem central. O narrador da história é irônico, ao contrário de 
Akáki. Segundo Eikhenbaum, através do narrador ―transfere-se o centro de gravidade da 
trama, reduzido então ao mínimo, para os procedimentos de narração direta‖. 
(EIKHENBAUM, Boris. Como é feito O Capote de Gogol. In: TOLEDO, Dionísio de Oliveira. 
(org.) Teoria da literatura: formalistas russos. Porto Alegre: Globo, 1973) 
Outra interessante análise a ser realizada na obra O Capote, seguindo a instrução dos 
formalistas russos, é o contraste entre personagens, em que se destacam: a) Akáki x a pessoa 
importante; b) Akáki, vivo x Akáki fantasma. Na primeira oposição, temos a diferença social 
determinada pela condição financeira de cada personagem; na segunda, um ―duplo‖ que 
elabora o personagem principal em seu contraespelho, visto ser Akáki vivo tímido, 
conformado, ironizado pelos colegas, e Akáki fantasma, corajoso, ousado e ávido por fazer 
justiça. 
A fim de consolidar nosso conhecimento acerca da análise de narrativas de acordo com a 
orientação dos formalistas russos, destacamos uma análise de um fragmento da obra Os 
Sertões, de Euclides da Cunha, realizada pelo professor Roberto Acízelo, na qual destaca outra 
característica do método formal, o desvio. Eis o fragmento utilizado: 
―O sol poente desatava, longa, a sua sombra pelo chão, e protegido por ela – braçoslargamente abertos, face volvida para os céus, - um soldado descansava. 
Descansava... havia três meses. 
Morrera no assalto de 18 de julho‖. 
Segundo o professor Acízelo, o desvio, no fragmento acima, é provocado por um fato léxico, 
ou seja, de vocabulário, mais especificamente quanto ao uso do verso ―descansar‖, combinado 
com um fato sintático, determinado pela pontuação. 
―O primeiro parágrafo termina com a palavra ‗descansava‘, que em princípio nada tem de 
especial. Mas algo especial se prepara, quando o parágrafo subsequente se inicia com a 
mesma palavra ‗descansava‘, à qual se segue a suspensão momentânea da frase, pelo 
emprego das reticências, concluindo-se o período com o segmento ‗havia três meses‘. Assim, 
antecipa-se o verdadeiro sentido daquele ‗descansava‘ inicial, finalmente revelado pela palavra 
que abre o último parágrafo: ‗morrera‘‖. 
Relembrando: 
Com relação ao fato sintático, Roberto Acízelo esclarece que o uso das reticências é incomum, 
pois, ao invés de encerrarem a frase, ―operam um corte no meio dela, criando rápido 
suspense logo desfeito pela precipitação de seu segmento terminal‖. Tratam-se, ambos os 
desvios, de uma proposta autoral organizada, que foge ao comum da linguagem e constituem 
a literariedade (literaturnost) do texto. 
Finalizando as análises de estruturas narrativas, não se poderia deixar de evidenciar uma 
análise formalista dos aspectos morfológico, fonológico e semântico do texto que, muitas 
vezes, se completam para a melhor compreensão da proposta autoral. Para tanto, destacamos 
o conto ―A Terceira Margem do Rio‖, de João Guimarães Rosa. 
―Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. 
Nem falou outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez a alguma recomendação. 
Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, 
mascou o beiço e bramou: — ‗Cê vai, ocê fique, você nunca volte!‘ Nosso pai suspendeu a 
resposta. Espiou manso para mim, me acenando de vir também, por uns passos. Temi a ira de 
nossa mãe, mas obedeci, de vez de jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um 
propósito perguntei: — ‗Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?‘ Ele só retornou o olhar 
em mim, e me botou a bênção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda 
virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a 
canoa saiu se indo — a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa‖. (ROSA, João 
Guimarães. A Terceira Margem do Rio. In: Primeiras Estórias. Rio de Janeiro: Nova 
Fronteira, 1988). 
O conto organiza-se por construções frasais incomuns, marcadas tanto pela oralidade, o que 
se define pelo léxico utilizado, quanto pelo uso de recursos sintáticos variados. Forma-se, 
então, a literariedade do texto. 
O texto apresenta desvios fonológicos que definem a sua oralidade, especialmente no tocante 
à repetição de preposições e advérbios. O fragmento selecionado é o único, em todo o texto, 
que apresenta discurso direto livre, representado pelas falas da mulher e do filho, e é nesse 
trecho que se destaca um desvio morfológico marcado pela substituição do pronome ―você‖ 
por ―ocê‖. 
Entretanto, são os desvios semânticos que enriquecem o conto de Guimarães Rosa. 
Destacamos os seguintes exemplos: 
- sem alegria nem cuidado: a oposição entre os dois substantivos estabelece um espaço 
intermediário em que o personagem ―pai‖ se mantém alheio à própria família, voltado apenas 
para o seu projeto de partir na canoa; 
- decidiu um adeus para a gente: o uso do verbo, neste caso, desestabiliza o leitor, que 
entende ser este um ato definitivo; 
- Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida: 
―esbravejar‖ x ―alva de pálida‖ indicam o que se esperava como reação da mulher 
abandonada pelo marido e como a surpresa e a dor limitaram sua atitude diante da decisão 
inesperada do personagem ―pai‖; 
- E a canoa saiu se indo — a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa.: neste 
caso, destaca-se tanto a comparação entre a canoa e o jacaré, dando conta ao leitor da 
realidade espacial dos personagens, quanto a aparente redundância da construção ―comprida 
longa‖, o que pode ser compreendido como a lentidão do movimento da canoa sobre o rio e a 
ação do sol, provocando uma sombra extremamente longa sobre as águas. 
Como vimos, o formalismo russo considera a literariedade igualmente na poesia e na prosa, 
cabendo ao investigador elaborar uma análise linguística que realce as características 
imanentes do texto literário. 
AULA 6 – MÉTODO FORMAL: ANÁLISE DE POEMAS E DE PROSA 
1895-1970 
O teórico russo Vladimir Propp (1895-1970) dedicou-se a estudar a estrutura dos contos 
populares, destacando os elementos básicos e indivisíveis das narrativas populares. Esse 
trabalho de pesquisa resultou em uma seleção de cem contos populares que foram estudados 
pelo folclorista. 
1928 
Sua obra Morfologia do Conto Maravilhoso (1928) teve alguma repercussão entre os teóricos 
russos, mas devido à perseguição política sofrida pelos formalistas russos, o livro caiu no 
esquecimento, embora Roman Jakobson sempre defendesse sua importância para os estudos 
do método formal. 
1958 
Em 1958, com a tradução inglesa, o livro ganhou notoriedade por discutir uma das grandes 
dificuldades encontradas pelos formalistas: entender como era possível haver as mesmas 
ocorrências narrativas em povos que não mantinham contato entre si. Mesmo sendo o livro 
dedicado ao estudo de contos de magia russo, as teses desenvolvidas por Propp serviram de 
base a diversos estudos formalistas e estruturalistas. 
Morfologia do Conto Maravilhoso 
Significado de MORFOLOGIA 
A palavra ―morfologia‖ tem como significado estrito ―o estudo das formas‖. Inicialmente 
aplicado à botânica, esse estudo foi aplicado à ciência literária e constitui a base do 
pensamento do Formalismo Russo. Da mesma forma que o botânico estudava cada parte de 
uma planta e a relação desta parte com as outras partes da mesma planta, descrevendo sua 
textura, os formalistas estudaram partes do texto literário isoladamente e, após, sua relação 
com os outros componentes do mesmo texto. 
Vladimir Propp aplicou esse método ao estudo do folclore russo, especificamente aos contos 
de magia, a fim de comprovar a sua estreita relação com a literatura. Preocupava-se o autor 
com o fato de que a maior parte dos estudos sobre os contos apresentava uma tendência a 
compreender a sua gênese e não em descrever o próprio conto. Estudar o conto e descrevê-lo 
morfologicamente resultaria na compreensão do objeto de análise, caminho necessário a um 
estudo eficaz dessa produção espontânea e popular, mas inegavelmente rica e valiosa para a 
formação e identidade cultural de um povo. 
Propp opôs-se às tradicionais classificações estabelecidas para os contos populares. Por 
exemplo, não aceitava a divisão dos contos em: 1. contos miraculosos; 2. contos de 
costumes; 3. contos sobre animais. A dúvida suscitada pelo morfologista era se não seria 
possível que um conto sobre animais, por exemplo, não pudesse ser também miraculoso, ou 
seja, no decorrer do conto, não poderia haver uma permutabilidade dos elementos? 
Mais um problema levantado por Propp em relação às classificações tradicionais é a inserção 
de elementos de outras culturas nos tradicionais contos russos. Uma visão ocidental da 
mesma história alteraria substancialmente a proposta inicial de um conto que tivesse origem 
na cultura do Oriente. 
Outras diversas classificações são questionadas por Propp e, por esse motivo, o morfologista 
apresentou um estudo dos contos maravilhosos que fosse fundamentado em suaestrutura. 
Vladimir Propp defende sua pesquisa: ―O estudo de todos os aspectos do conto maravilhoso é 
a condição absolutamente indispensável para seu estudo histórico. O estudo das leis formais 
pressupõe o estudo das leis históricas‖. 
―Se não soubermos decompor um conto maravilhoso em suas partes constituintes, não 
poderemos estabelecer nenhuma comparação exata. E se não soubermos comparar como 
poderemos projetar uma luz, por exemplo, sobre as relações indoegípcias, ou sobre as 
relações da fábula grega com a fábula indiana etc.? 
Se não soubermos comparar os contos maravilhosos entre si, como estudar os laços 
existentes entre o conto e a religião, como comparar os contos e os mitos? Finalmente, assim 
como todos os rios vão para o mar, todos os problemas do estudo dos contos maravilhosos 
devem conduzir no final à solução desse problema essencial até hoje não resolvido, o da 
semelhança entre os contos do mundo inteiro‖. 
(PROPP, Vladimir Iakovlevich. Morfologia do conto maravilhoso. Rio de Janeiro: Forense 
Universitária, 1984. p. 15) 
Magia: elemento fundamental nos contos maravilhosos estudados por Propp. 
A Morfologia de Propp 
Métodos de Análise dos Contos Maravilhosos 
Convencido, por suas próprias pesquisas, de que era impossível compreender de forma 
adequada os contos e relações entre os diversos contos de diferentes culturas, Vladimir Propp 
criou métodos de análise de acordo com a estrutura dos textos por ele selecionados. 
Inicialmente, separou as ―grandezas constantes‖ das ―grandezas variáveis‖. Eis algumas 
hipóteses elaboradas pelo autor: 
1. O rei dá uma águia ao destemido. A águia o leva para o outro reino. 
2. O velho dá um cavalo a Sutchenko. O cavalo o leva para outro reino. 
3. O feiticeiro dá a Ivan um barquinho. O barquinho o leva para outro reino. 
4. A filha do czar dá a Ivan um anel. Moços que surgem do anel levam Ivan para outro 
reino. 
Ocorrem mudanças nos nomes e nos atributos dos personagens, mas não em suas ações, ou 
funções. Se os contos maravilhosos, frequentemente, atribuem ações iguais a personagens 
diferentes, Propp entendeu ser possível estudar essas narrativas a partir das funções dos 
personagens. Dois procedimentos devem orientar a análise: primeiro, o analista deve entender 
que a função é mais importante que o personagem, ou seja, é possível que uma determinada 
função seja transferida a um outro personagem no decorrer da narrativa; segundo, deve-se 
considerar o significado de uma função no desenrolar da ação. 
Assim, verifica-se que: 
1. O personagem principal talvez não seja aquele a quem cabe a função mais importante; 
2. Uma ação como um casamento, por exemplo, pode não ter a mesma relevância 
sempre, dependendo de quem casa e do que decorre dessa ação. 
Propp conclui que ―por função, compreende-se o procedimento de um personagem, definido 
do ponto de vista de sua importância para o desenrolar da ação‖. 
(PROPP, Vladimir Iakovlevich. Morfologia do conto maravilhoso. Rio de Janeiro: Forense 
Universitária, 1984. p. 17) 
Com esse estudo, Vladimir Propp chegou às seguintes conclusões iniciais: 
1. Somente as funções dos personagens podem ser consideradas elementos constantes 
do texto. 
2. O número de funções é limitado e não depende da impressão do analista. 
3. A sequência das funções é sempre idêntica, especialmente nos contos maravilhosos 
que obedecem a uma estrutura rígida. 
4. Todos os contos de magia possuem uma construção monotípica, isto é, suas bases são 
inalteráveis. 
Aplicação da Morfologia de Propp à Análise de Contos 
Todo conto popular, e no caso do corpus estabelecido por Vladimir Propp, todo conto 
maravilhoso, tem como primeiro elemento morfológico uma situação inicial. Por exemplo, 
enumeram-se os membros de uma família, apresenta-se o herói etc. Logo após, vêm as 31 
funções definidas por Propp. 
As circunstâncias iniciais: o afastamento de um dos membros da família; a proibição imposta 
ao herói; a transgressão do herói; a chegada do antagonista; o interrogatório feito pelo 
antagonista para descobrir algo sobre o herói; as informações recebidas pelo antagonista. 
O encontro com o antagonista marca a mudança na trajetória do herói. 
Distribuição das Funções Entre os Personagens, Segundo Orientação do 
Morfologista Vladimir Propp 
As funções indicadas pelo morfologista Vladimir Propp são identificadas segundo ―esferas de 
ação‖ realizadas pelos personagens. No conto maravilhoso, encontram-se as seguintes 
―esferas de ação‖: 
 A esfera de ação do antagonista ou malfeitor, que compreende o dano, o combate e as 
demais formas de luta contra o herói e a perseguição ao herói. 
 A esfera de ação do doador, que compreende a preparação e a transmissão do objeto 
mágico ao herói. 
 A esfera de ação do auxiliar, que compreende o deslocamento do herói no espaço, a 
reparação do dano ou da carência, o salvamento durante a perseguição, a resolução de 
tarefas difíceis, a transfiguração do herói. 
 A esfera de ação da princesa e de seu pai, que compreende a proposição de tarefas 
difíceis, o estigma, o desmascaramento, o reconhecimento, o castigo do segundo 
malfeitor e o casamento. 
 A esfera de ação do mandante, que corresponde somente ao envio do herói a uma 
missão. 
 A esfera de ação do herói, que compreende a partida para realizar a procura do 
membro da família ou do objeto desaparecido, a reação ante as exigências do doador, 
o casamento. 
 A esfera de ação do falso herói, em que se estabelece também a partida para realizar a 
procura, a reação ante as exigências do doador (sempre negativa) e as pretensões 
enganosas. 
Por essas esferas de ação, Propp identifica, no conto maravilhoso, sete personagens básicos. 
Outros personagens fazem a ligação entre as partes (os queixosos, os delatores, os 
caluniadores) e elementos transmissores das funções (objetos como espelho ou personagens 
não humanos). 
As esferas de ação podem ser assim distribuídas: 
 A cada esfera de ação corresponde a um personagem. 
 Um só personagem atua em várias esferas de ação. 
 Uma só esfera de ação é distribuída entre vários personagens. 
A inserção dos personagens obedece às categorias às quais eles pertencem: 
 O antagonista aparece duas vezes, sendo que na primeira vez aparece de repente e, na 
segunda, apresenta-se como um personagem a quem se procurava; 
 O doador é encontrado casualmente em um espaço aberto, na natureza ou na rua ou 
estrada; 
 O auxiliar mágico é introduzido como um presente; 
 O mandante, o herói, o falto herói e a princesa aparecem na situação inicial do conto. 
Baba Yaga é um dos contos maravilhosos russos estudados por Vladimir Propp. 
O método de análise morfológica de Vladimir Propp tem sido aplicado com sucesso a diversos 
textos narrativos, especialmente aos contos de fada. Mas destacamos, aqui, a análise do livro 
Macunaíma, do modernista brasileiro Mário de Andrade, realizada com ousadia por Haroldo de 
Campos. 
O livro Morfologia de Macunaíma (Ed. Perspectiva, São Paulo, 1972) corresponde à tese de 
doutorado do crítico e poeta Haroldo de Campos, na qual ele defende a idéia de que Mário de 
Andrade intuiu elementos constantes do conto popular, o que foi sistematizado por Vladimir 
Propp. 
Deve-se lembrar que a primeira edição de Macunaíma data de 1928, ano em que Propp 
publicou sua obra Morfologia do Conto Maravilhoso. 
Segundo Haroldo de Campos, Mário de Andrade apresentou constantes identificadas por 
Propp. Uma delas seria a ―situação inicial‖, que corresponde ao nascimento do herói, e, no 
caso de Macunaíma, de forma mágica, vindo apenas da mãe. O seu nascimento é resultado de 
um enigma que se encontra no ―vazio da noite‖ e no ―murmurejo do rio Uraricoera‖.O 
personagem é ambivalente, mas respeita as tradições. Todas essas características submetem-
se a uma análise morfológica segundo o método de Vladimir Propp. 
Ao concluir seu trabalho, Vladimir Propp interroga o leitor sobre a possibilidade de aplicação 
de esquemas típicos, como o método morfológico, as narrativas contemporâneas, tão 
complexas em seus enredos e representações fotográficas da realidade. O autor responde à 
sua própria dúvida, alegando que, quando as atuais narrativas forem ser analisadas por 
gerações futuras, o procedimento será o mesmo de que se lança mão agora, os esquemas 
fixos, ao serem analisadas narrativas da Antiguidade Clássica e da Idade Média. 
AULA 7 – NEW CRITICISM: CLOSE READING E AUTONOMIA DO 
LITERÁRIO – FALÁCIA INTENCIONAL E FALÁCIA AFETIVA 
A Crítica Literária, Segundo Afrânio Coutinho 
Ao discorrer sobre a história literária, Afrânio Coutinho destaca que não há mais utilidade em 
se compreender a literatura através de um inventário e armazenamento de fatos. 
O movimento anti-historicista inicia-se na Alemanha, em 1895, e tem continuidade em 1902, 
na Itália, com as propostas de Benedetto Croce*. Críticos de literatura na Inglaterra, nos 
Estados Unidos, em diversos países da Europa Central e da antiga União Soviética reagem 
contra a metodologia de se compreender o fenômeno literário pelo processo histórico e 
aderem a uma renovação metodológica, de caráter estético e filosófico. 
* O movimento anti-historicista inicia-se na Alemanha, em 1895, e tem continuidade em 1902, 
na Itália, com Benedetto Croce - historiador, escritor, filósofo e político italiano - (1866 – 
1952). 
Essa reação anti-historicista nega os métodos positivistas de análise literária e todos os 
métodos vinculados à historicidade. 
Surgem diversas correntes que passam a evidenciar o próprio texto literário. Paul Van 
Tieghem questiona a validade de estudos que relacionam autor e obra ou que acumulam 
dados biográficos sem levar em consideração a própria obra literária. 
Afrânio Coutinho destaca os seguintes argumentos de Van Tieghem contra o historicismo 
crítico: 
1- Atribui demasiada importância ao meio histórico e social, ainda que eles não tenham 
influência direta sobre a obra; 
2- prende-se a detalhes biográficos, mesmo que a vida do homem não se confunda com o 
trabalho do escritor; 
3- inclui, na historiografia literária, autores pouco contributivos à arte de escrever, apenas 
porque deles se retiram dados que explicam obras relevantes que antecederam suas criações; 
4- faz uso excessivo de estatísticas, catálogos e outros parâmetros numéricos para classificar 
as obras literárias; 
5. ao relacionar dados, prioriza a quantidade de obras ao invés da qualidade; 
6. considera, para além do aceitável, as influências e imitações verificadas no texto literários; 
7. acumula fragmentos de textos para exemplificar dados biográficos e influências, os quais, 
mais tarde, perderão a razão de ser nos estudos de determinada obra; 
8. pretende explicar a obra literária por fatos e influências conhecidos, negando a capacidade 
criativa e a genialidade do escritor, não especificadas por dados concretos. 
Afrânio Coutinho (1911 – 2000) foi professor, crítico literário e ensaísta brasileiro. Ocupou a 
cadeira 33 da Academia Brasileira de Letras, eleito em 17 de abril de 1962 
Destacados os argumentos e as teses, Afrânio Coutinho sintetiza sua crítica: 
―À história, compete apenas preparar o caminho para a crítica, jamais dispensá-la, substituí-la 
ou resumi-la. O essencial é o estudo da obra em si mesma. E esta deve ser a finalidade 
suprema do estudo literário, isto é, da crítica‖. (COUTINHO, Afrânio. Introdução à 
literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria são José, 1959. p. 7-14) 
New Criticism – Definição 
O New Criticism insere-se na proposta de estudo da obra literária pelo texto em si mesmo, 
sem uma recorrência a dados biográficos ou questões sociológicas. Assim, para a análise de 
um texto literário, seguindo-se essa corrente de crítica literária, não é necessário um 
conhecimento especial sobre a obra ou sobre o autor. 
O método utilizado para a análise é o estabelecimento de relações entre as ideias de um texto 
e a forma como ele se apresenta, ou seja, compreende-se o texto a partir de uma análise 
exclusivamente literária, sem que seja preciso identificar dados extraliterários. 
O New Criticism se desenvolveu nos Estados Unidos a partir de 1930. Os críticos norte-
americanos não apenas privilegiavam o texto literário na análise, como também consideravam 
haver uma única literatura, contrariamente à doutrina clássica da Escola Francesa para a qual 
a literatura deveria ser compreendida a partir de uma localização espacial e das influências 
recebidas pelo autor da obra. 
No entanto, os críticos norte-americanos não organizaram um programa específico de 
aplicação e difusão de seus métodos. Assim, o crítico literário e professor René Wellek (1903 – 
1995) torna-se porta voz do New Criticism. 
O autor critica a busca da relação causa e efeito priorizada nos estudos tradicionais de fontes 
e influências na obra literária, considerando-os estéreis, visto que exigiriam que o leitor ou 
pesquisador tivesse lido o outro texto a que se reportam tais fontes e influências. 
(CARVALHAL, Tânia. Literatura comparada. São Paulo: Ática, 2006. p. 38-40) 
A History of Modern – Criticism: 1750 – 1950, de René Wellek. 
A partir das décadas de 40 e 50, destacam-se os estudos de vários críticos americanos, entre 
eles John Crowe Ransom, cujo livro The New Criticism (1941) deu nome ao movimento. 
William K. Wimsatt e Monroe Beardley desenvolveram os conceitos ―falácia intencional‖, os 
quais orientavam contra a busca de uma ―intenção do autor‖ a partir da análise do texto, e 
―falácia afetiva‖, que considerava irrelevante a emoção do leitor na análise da obra literária. 
Todavia, a prática da análise literária e da crítica voltadas fundamentalmente para o texto 
desenvolve-se com o inglês I. A. Richards e com o anglo – americano Thomas Stearns Eliot. 
T. S. Eliot foi um poeta modernista, dramaturgo e crítico literário inglês nascido nos EUA, 
vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 1948. 
A Análise Literária Conforme os Métodos do New Criticism 
A compreensão do texto literário a partir de seus elementos intrínsecos é uma proposta do 
New Criticism. 
Antes, porém, de exercitarmos a análise de um texto segundo a proposta dos ―novos críticos‖, 
é necessário identificarmos como se estabelece a prática da análise literária. Para tanto, 
destacamos, abaixo, uma reflexão de Afrânio Coutinho. 
―Em que consiste a análise literária? Em dissecar, separar, dissociar o todo que é a obra de 
arte em suas partes componentes, em seus diversos elementos. É verificar a composição da 
obra, é deslindar a sua estrutura. É identificar, depois de devidamente separados e 
desintegrados, todos os elementos formadores dessa estrutura. É examiná-los um a um, 
procurando compará-los com a tradição, distingui-los e classificá-los‖. (COUTINHO, Afrânio. 
Da crítica e da nova crítica. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. p. 162) 
O poeta curitibano Paulo Leminski (1944-1989) insere-se no movimento de vanguarda 
brasileiro e faz parte da geração de poetas marginais. Sua poesia sofreu influência dos poetas 
concretistas e neoconcretistas. No entanto, Leminski desenvolveu um jeito próprio de 
escrever, preferindo elaborar poemas com poucos versos, especialmente haicais. Leminski foi 
também letrista e compôs diversas músicas com a parceria de Caetano Veloso, Itamar 
Assumpção, Moraes Moreira e Guilherme Arantes entre vários outros compositores. 
No documentário ―Ervilha da Fantasia – Uma Ópera Paulo Leminskiana‖ (1985),dirigido por 
Werner Schumann, o poeta faz uma declaração inicial que faz compreender que a sua 
proposta do ―fazer poético‖ se contextualiza com os métodos do New Criticism: 
―A poesia é um inutensílio. A única razão de ser da poesia é que ela faz parte daquelas coisas 
inúteis da vida que não precisam de justificativa, porque elas são a própria razão de ser da 
vida. Querer que a poesia tenha um porquê, querer que a poesia esteja a serviço de alguma 
coisa é a mesma coisa que você querer, por exemplo, que um gol do Zico tenha uma razão de 
ser, tenha um porquê além da alegria da multidão‖. 
Leminski compôs ―Luzes‖ (letra e música), que se tornou conhecida, primeiro, no disco de 
Suzana Salles (1996). Vemos, na letra, uma série de signos (vocábulos) que se integram no 
mesmo campo de significados (campo semântico) indicado pelo título. 
Os verbos ―acendo‖, ―acenda‖, ―inflame‖, os quais indicam uma atitude – tanto do sujeito 
lírico, pelo verbo acender em primeira pessoa do singular – como do leitor que recebe a 
mensagem e ao qual se dirige o poeta, já que os verbos acender e inflamar se encontram na 
primeira pessoa do singular do modo imperativo. Assim, o eu lírico determina uma atitude 
para si mesmo e para quem o lê. 
Mantendo a mesma proposta semântica, ou seja, o mesmo sentido, surgem substantivos que 
indicam luminosidade: ―lâmpada‖, ―luz‖, ―lampiões‖, ―chama‖, ―fogos‖, ―vagalumes‖, ―neon‖, 
―fogo‖, ―farol‖ e ―sol‖. Acrescente-se o adjetivo ―claro‖. 
O poema também apresenta signos que indicam espaços arquitetônicos, não naturais, espaços 
restritos nos quais o surgimento da luz é uma ação que se dá pela vontade humana: ―salões‖, 
―janela lá de casa‖ e ―beco‖. 
Destacam-se, ainda, o signo ―noite‖ e a indicação de tempo ―às seis horas da tarde‖ se 
opondo aos vocábulos que justificam o título do poema e que, por essa oposição, os 
intensificam. A expressão ―assim que é bom‖ indica, para o leitor, uma visão positiva da 
proposta criada, a de iluminar espaços. 
Imagens são construídas para que o leitor identifique com mais precisão o efeito da luz sobre 
a escuridão, ou da força da luminosidade. ―Fogos de línguas de dragões‖, em referência a 
uma passagem bíblica (Pentecostes), sendo que o poeta opta pelo signo ―dragões‖, 
transferindo a imagem religiosa para o imaginário mítico comum, o de dragões cuspindo fogo. 
―Acendo a lâmpada às seis horas da tarde‖ sugere uma claridade instantânea que interrompe 
a escuridão que se aproxima com o passar das horas. ―Vagalumes / Numa nuvem de poeira 
de neon‖ opõem as muitas luzes do inseto à poeira densa da luz artificial. ―Tudo claro à noite‖ 
sintetiza todas as imagens anteriormente selecionadas. Acrescentem-se dois espaços mais 
restritos que se integram às imagens construídas: ―A luz / acesa na janela lá de casa‖ e ―O 
fogo / O foco lá no beco e um farol‖. 
O poema termina com a efetivação da proposta autoral, em uma indicação de que, pela 
vontade humana de iluminar os espaços, a própria ―noite‖ será iluminada pelo ―sol‖, 
evidenciando-se, nos versos finais que se repetem, uma construção idealizada da existência. 
AULA 8 – AFRÂNIO COUTINHO E A NOVA CRÍTICA 
Reflexões de Afrânio Coutinho Sobre a Crítica Literária 
Afrânio Coutinho (1911-2000) foi um dos principais teóricos e críticos de literatura no Brasil. 
Sua extensa obra reflete sobre a literatura em diversos aspectos e seu legado permite que 
hoje entendamos melhor o processo de formação de uma crítica literária brasileira que nos 
permita compreender o fenômeno literário, especialmente aquele consolidado no século XX. 
Uma das reflexões de Afrânio Coutinho gira em torno da natureza, da função e das finalidades 
da crítica literária, assim como ―as teorias e métodos revolucionários que caracterizaram o 
estágio atual de sua evolução‖. (COUTINHO, Afrânio. Da crítica e da nova crítica. 2. ed. Rio de 
Janeiro: Civilização Brasileira, 1975, p. XI). 
O autor defende o que ele mesmo denomina de ―doutrina da crítica intrínseca‖ em oposição à 
análise extrínseca da obra literária, ou seja, aquela que privilegia o contexto social, histórico e 
geográfico, o determinismo biológico ou o biografismo que possam ser associados ao texto 
literário e que acabam por fundamentar a análise. Os elementos intrínsecos que devem ser 
privilegiados são, principalmente, aqueles que conferem ―especificidade artística‖ ao texto. 
A posição de Afrânio Coutinho gerou polêmicas. No entanto, o critico argumenta que não 
pretendeu negar o valor de análises extrínsecas da obra de arte, mas reconhecer que um 
―fato estético-literário exige, como meio mais adequado de análise, um método estético--
literário, inspirado em teoria estético-literária‖. (COUTINHO, Afrânio. Da crítica e da nova 
crítica. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975, p. XIII) Outras disciplinas, segundo o 
autor, podem ajudar a compor uma análise, mas não devem ser o método de análise de uma 
obra literária. 
Veja abaixo algumas obras de Afrânio Coutinho. 
 A Literatura no Brasil 
 Introdução à Literatura no Brasil 
 Conceito de Literatura Brasileira 
 Da Crítica e da Nova Crítica 
Natureza e Função da Crítica Literária 
Afrânio Coutinho faz uma distinção entre a crítica literária propriamente dita e a crítica 
representada pela recensão de livros, as quais podem ser distinguidas pela natureza e pela 
função. 
Sobre a natureza, esclarece que é uma ―tarefa de analisar, interpretar e julgar a obra de arte 
literária; requer pressupostos doutrinários e uma metódica explícita, padrões e critérios de 
aferição de valores, uma epistemologia e fundamentos filosóficos‖. (COUTINHO, Afrânio. Da 
crítica e da nova crítica. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975, p. 13-14). 
Assim, para Afrânio Coutinho, a crítica literária tem como natureza seguir um método 
específico, com normas definidas e um conjunto de valores que ajudam a compreender 
melhor um texto literário. 
Sobre a função, o crítico considera ser uma ―crítica aplicada‖, uma espécie de jornalismo que 
informa e orienta o público a respeito do mercado editorial e que faz a síntese do conteúdo de 
livros e comentários sobre o valor da obra que esteja sendo lançada. 
Afrânio Coutinho chama a atenção para o fato de que, no Brasil, é comum serem chamados 
de críticos aqueles que publicam na imprensa seus comentários de maneira superficial, em 
notas de rodapé ou seção bibliográfica de um jornal ou revista. 
Isso seria um equívoco, na visão de Afrânio Coutinho, pois, segundo ele, a crítica, no sentido 
estrito da palavra, é o que se faz através de ensaios que só podem ser escritos após um 
estudo aprofundado da obra, de acordo com o rigor do método e tendo como base os 
conhecimentos estéticos e literários bem consolidados. 
Para Afrânio Coutinho, a crítica literária brasileira chegou a um estágio avançado de 
especialização, sendo, portanto, inaceitável ser confundida com as notas de jornal sobre 
lançamento de livros. 
A Estética na Obra Literária 
Um dos problemas da teoria literária e da crítica literária é definir claramente o conceito de 
estética, fundamental à análise de um texto. Afrânio Coutinho questiona as definições de 
críticos literários, inclusive de Wilson Martins (1921-2010, que também foi professor, jornalista 
e historiador), argumentando que são adotados critérios subjetivos na análise de uma obra a 
partir de seus elementos estéticos. 
Para Coutinho, o estético somente pode ser encontrado na própria obra: estilo e estrutura do 
texto, elementos formais, sistema de normas, sistema de sinais e sons, metáfora, temática, 
simbologia, mitologia, estrutura narrativa, esquema rítmico, linguagem, gêneros etc. 
Afrânio Coutinho destaca Machado de Assis e Mário deAndrade como os precursores, no 
Brasil, da tendência para a crítica de orientação estética, devido às suas preocupações com a 
técnica e a estrutura da obra. 
A Crítica na Universidade 
A crítica literária teve, historicamente, grande repercussão na imprensa. Sabemos que os 
escritores eram, em grande parte, também jornalistas ou assinavam artigos e colunas sobre 
cultura de um modo geral e literatura em particular. 
Essa é uma tradição comum tanto na Europa como no Brasil. A polêmica sobre a obra 
Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães, é lembrada por Afrânio Coutinho 
como um bom exemplo do quanto se discutia literatura nos chamados periódicos. Em 1856, é 
publicado o poema épico Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães. Porém, 
José de Alencar, então redator-chefe do ―Diário do Rio de Janeiro‖, sob o pseudônimo 
Ig., publica cartas nas quais critica a obra. 
A Confederação dos Tamoios é um episódio de luta entre a nação indígena Tupinambá, que 
ocupava o litoral paulista e o litoral fluminense contra os colonizadores portugueses (1556 - 
1567). 
No entanto, ainda na década de 1970, Afrânio Coutinho percebia uma diminuição das 
atividades jornalísticas relacionadas à crítica literária, não somente no Brasil, como também na 
França, país em que a ―crítica de folhetim‖ é uma tradição. Verifica-se, em oposição, uma 
clara tendência ao fortalecimento da crítica literária na universidade, assim como em livros e 
revistas especializadas. Todavia, corre-se o risco de a crítica literária ficar condicionada a uma 
erudição que ignore o ―espírito literário‖. 
A Renovação da Crítica Literária 
Em seus estudos, Afrânio Coutinho destaca importantes contribuições para que fosse possível 
uma renovação da crítica literária. À frente, os nomes de Austin Warren e René Wellek, 
divulgadores do New Criticism; de Wolfgang Kaiser, que propôs novos métodos de 
interpretação e análise literária; e de Benedetto Croce e T.S. Eliot, cujos estudos 
possibilitaram uma ―onda renovadora‖ da crítica literária em toda a Europa. A essas 
importantes contribuições, associa-se a obra Mimesis, de Erich Auerbach que, por ser da 
―escola alemã‖ de crítica literária, esvazia uma certa ―americanofobia‖ (expressão utilizada por 
Coutinho) contra o New Criticism. 
A obra de Erich Auerbach tem especial destaque no estudo de Afrânio Coutinho sob o 
argumento de que, em Mimesis, o leitor encontra uma união perfeita entre a erudição 
acadêmica e a crítica literária: a obra ―é um exemplo de que a verdadeira erudição não se 
define nem se mostra pelos seus sinais exteriores e puramente mecânicos, mas é digerida, 
assimilada e transformada em cultura e acuidade crítica‖. (COUTINHO, Afrânio. Da crítica e da 
nova crítica. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975, p. 36). 
Ainda a respeito da renovação da crítica literária, Afrânio Coutinho apresenta um argumento 
que é interessante reproduzir em função de sua atualidade: 
―Entre nós, a transformação da mentalidade em relação à literatura não se operará 
convenientemente enquanto o ensino literário se fizer, no plano médio, em conjunto com o de 
língua vernácula, enquanto não se separarem as duas disciplinas. Porque não há maior 
desastre para a literatura do que o ensino literário feito por professores de língua, que, na sua 
maioria, não sentem, não compreendem, não apreciam a literatura, senão como material 
ilustrativo do estudo gramatical‖. (COUTINHO, Afrânio. Da crítica e da nova crítica. 2. ed. Rio 
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975, p. 38). 
Todavia, esse problema não minimiza o otimismo do escritor em relação à renovação da 
crítica literária no Brasil. Dentre os nomes que colaboram para que a relação do crítico com a 
obra literária se valide, Afrânio Coutinho elege dois autores brasileiros. O primeiro é Ledo Ivo, 
pela análise feita do poema ―O preto no branco‖ (1954), de Manuel Bandeira, na qual revela 
uma ―tentativa ousada e penetrante de exegese, marcada por evidente preocupação de 
desvendar a intimidade do processo criador da poesia‖. 
O segundo autor eleito por Coutinho como um dos representantes da nova crítica brasileira é 
Othon Moacyr Garcia, que publicou Esfinge Clara (1955), uma obra que se propõe a estudar a 
poesia de Carlos Drummond de Andrade, na qual o crítico se ―revela um manipulador seguro 
das modernas técnicas de análise formal, não só da linguagem simplesmente, mas também 
dos recursos poéticos e artifícios literários‖. (COUTINHO, Afrânio. Da crítica e da nova crítica. 
2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975, p. 54). 
Os estudos de Afrânio Coutinho apontam para uma necessidade de revitalização da crítica 
literária que seja fundada no próprio texto, sem que se excluam, em sua totalidade, as 
contribuições extraliterárias advindas de outros campos do saber. E, para que tal renovação 
ocorra com método e critério, torna-se necessário que a crítica literária seja, em definitivo, 
desenvolvida nos espaços acadêmicos e que ocorra a partir de uma especialização, caminho 
necessário para que se consolidem as ideias que fomentam o saber sobre literatura. 
AULA 9 – CRÍTICA CULTURAL: A ESCOLA DE FRANKFURT 
A Escola de Frankfurt – Origens 
A Escola de Frankfurt denomina uma teoria interdisciplinar ligada ao Instituto para Pesquisa 
Social da Universidade de Frankfurt, Alemanha, fundada em 1924 
Os fundadores desse movimento desenvolveram um pensamento neomarxista em oposição à 
corrente tradicional dos seguidores de Marx, por acharem que suas idéias, muito limitadas, 
atendiam a interesses de partidos comunistas ortodoxos e não se preocupavam em 
compreender o desenvolvimento das sociedades capitalistas do mundo moderno que 
explodiram especialmente a partir do século XX. 
Contexto Histórico da Escola de Frankfurt 
O surgimento da Escola de Frankfurt coincide com a ascensão do autoritarismo e o fracasso 
da democracia liberal burguesa no período que antecede e o que vem logo após a Segunda 
Guerra Mundial. Hitler e Stalin, em lados opostos, impõem sua política autoritária. 
Os filósofos de Frankfurt, ao mesmo tempo em que procuravam compreender os mecanismos 
dos sistemas políticos vigentes, eram por eles perseguidos. Foi dessa maneira que esses 
pensadores, ao tentar compreender o marxismo sob um prisma mais ideológico, 
desagradaram os marxistas ortodoxos que atendiam a interesses de partidos políticos. Na 
mesma época, difundia-se a teoria psicanalítica de Freud. 
O interesse pela comunicação e o avanço das tecnologias fazem surgir a ―indústria cultural‖ 
que massifica e mercantiliza as manifestações artísticas e o pensamento intelectual, limitando 
a formação de uma consciência crítica. Os filósofos da Teoria Crítica não vêem problemas no 
uso dos instrumentos de comunicação, mas em se fazer deles uma acomodação das 
ideologias às circunstâncias sociais. 
Principais Pensadores que Influenciaram a Teoria Crítica da Escola de Frankfurt 
Friedrich Hegel (1770 - 1831): filósofo que propôs a teoria do Idealismo Absoluto, 
estabelecendo, de modo integrado e desenvolvendo a relação entre mente e natureza, sujeito 
e objeto do conhecimento, psicologia, Estado, história, arte, religião e filosofia. Hegel 
desenvolveu o conceito de que a mente (ou espírito) – ―Geist‖ – manifesta-se por contradições 
e oposições que se integram e se unem. 
Normalmente, estuda-se a dialética de Hegel dividida em três momentos: 
 Tese: apresenta-se uma idéia; 
 Antítese: idéia contrária àquela apresentada na tese; 
 Síntese: o que não foi anulado e se pode apreender a partir da relação tese – antítese. 
Não há consenso entre os estudiosos e Hegel sobre essa classificação ter sido utilizada pelo 
filósofo. Considera-se ser uma proposta deFichte para aplicação pedagógica das teorias de 
Hegel. 
Karl Marx (1818 - 1883): economista, historiador, filósofo e estudioso da teoria política. 
Fundador da teoria comunista moderna. Sua obra O Capital (1867, Torno I) teve grande 
repercussão entre os intelectuais do final do século XIX e orientou os movimentos operários. 
Ainda hoje, o marxismo influencia o pensamento ocidental. O marxismo traduz-se numa crítica 
às sociedades capitalistas, porém, Marx propõe que os seus estudos conciliem a teoria e a 
prática, o pensamento e a realidade. 
O pensamento de Marx organiza uma visão materialista da História, ou seja, as idéias são 
advindas de uma ―psicologia do corpo social‖, a qual não se dá no interior do indivíduo, mas 
num processo de exteriorização. Na psicologia do corpo social, nada há de ―inexprimível, de 
interiorizado, tudo está na superfície, tudo está na troca, tudo está no material, 
principalmente no material verbal.‖ (BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 11. 
ed. São Paulo: Editora Hucitec, 2004, p.42) 
Karl Marx considera que o trabalho é a atividade humana fundamental, visto que o homem é 
um ser social. Dessa forma, ganham destaque em seus estudos as ―relações de produção‖ e 
as ―relações sociais‖, pois acredita o teórico ser essa a base da organização da humanidade. 
Assim, estabelece – se uma teoria revolucionária de que alienar o homem do trabalho 
corresponde a aliená – lo de todas as demais funções sociais. 
Friedrich Nietzsche (1844 - 1900): filósofo e filólogo alemão que teve especial interesse em 
estudar a cultura ocidental e as religiões judaico – cristãs. Para criticar o ―idealismo 
metafísico‖, Nietzsche propõe a ―genealogia dos valores‖; ou seja, o mundo abstrato das 
idéias religiosas e morais que formam o ser humano poderia ser substituído pelos estudos da 
origem e evolução dos valores sociais. 
Sigismund Freud (1856 - 1939): médico neurologista, fundador da Psicanálise. Freud aplicou a 
técnica da hipnose para tratamento de doenças, chegando à conclusão que algumas delas 
poderiam se enquadrar no conceito de psicopatologia. 
Abandonou o uso da hipnose como tratamento para utilizar a interpretação dos sonhos e a 
―livre associação‖, técnica atrás da qual o médico seleciona e interpreta o que o paciente diz 
sobre si mesmo. Freud revolucionou os estudos sobre a mente humana ao estabelecer o 
conceito de ―inconsciente‖ com base científica. 
Principais Representantes da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt 
Max Horkheimer (1895 - 1973): foi o direto do instituto para Pesquisa Social da Universidade 
de Frankfurt. O pensador considera que as teorias marxistas não são conclusivas, mas que 
delas se pode partir para investigações futuras sobre o ―materialismo‖. 
Em 1947, Horkheimer publica Eclipse da Razão, obra que apresenta a tese da ―dialética do 
esclarecimento‖. No mesmo ano, publica, com Theodor Adorno, Dialética do Esclarecimento, 
na qual discute a crise da Modernidade e o mito da dominação da natureza proposta pelo 
capitalismo. O progresso, no fim, ameaçaria anular o que seria seu próprio objetivo: a idéia de 
homem. Assim, seria possível identificar um ―neobarbarismo‖ como sintoma da crise superior 
do Ocidente, visto que a racionalidade progressista colocaria em risco a própria substância da 
razão. 
A razão é o conceito nuclear da teoria crítica. Ela propõe a reconciliação das contradições, 
inclusive a contradição entre o homem e a natureza. 
Horkheimer destaca a importância da razão objetiva contra a razão subjetiva. Segundo o 
teórico, os dois conceitos não se separam. Para Horkheimer, cabe à filosofia unir os dois 
conceitos e lançá – los na realidade. 
Theodor Adorno (1903 - 1969): a Filosofia de Theodor Adorno tem como princípio básico o 
conceito de dialética. 
Uma de suas obras mais importantes é Dialética do Esclarecimento, escrita em colaboração 
com Max Horkheimer, na qual se estabelece uma discussão sobre a ―razão‖ através de uma 
interpretação de que a razão, desde o Iluminismo, age com autoridade sobre o indivíduo. 
Adorno também critica, nesta hora, a sociedade de mercado, que adota uma visão 
exclusivamente técnica, e a ―indústria cultural‖ do sistema capitalista. 
Walter Benjamin (1892 - 1940): ensaísta, crítico literário, tradutor, filósofo e sociológico, 
Benjamin é um dos teóricos que mais exerceram influência sobre o pensamento ocidental 
contemporâneo. Em A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade Técnica, o autor 
desenvolve um estudo sobre a perda da ―aura‖ na obra de arte em decorrência das muitas 
reproduções de obras originais que são realizadas a partir do aprimoramento técnico, 
especialmente no cinema. 
Isso destituiria a noção de raridade atribuída originalmente à obra de arte, por ser ela um 
objeto individualizado e único. Em decorrência, tem – se uma perda qualitativa e uma 
alteração na percepção da obra de arte, o que promove conseqüências de âmbito social, visto 
que a arte passa a ser consumida pelas massas. No entanto, Benjamin considera esse 
fenômeno positivo, na medida em que permite o contato das massas com a arte, o que 
promove mudanças significativas nas estruturas sociais. 
Sendo judeu alemão, consta da biografia de Benjamim que ele teria cometido suicídio após ser 
perseguido pelo nazismo. 
Erich Fromm (1900 - 1980): um dos diretores do Instituto para Pesquisa Social da 
Universidade de Frankfurt, Fromm recusou a tese aceita, na década de 1950, de que o ser 
humano se adaptaria à qualquer condição social (―relativismo sociológico‖). 
O pensador apresenta, contrariamente, a tese do ―humanismo normativo‖, de base 
psicanalítica, segundo a qual o ser humano não aceitaria condições sociais contrárias à sua 
natureza e, como conseqüência, ou tentaria mudar tais condições ou se tornaria apático, 
abdicando de duas faculdades condicionadas à razão e alienando – se socialmente. 
As obras de Erich Fromm desenvolvem estudos sobre a condição social humana aliados à 
teoria psicanalítica. 
Herbert Marcuse (1898 - 1979): sob a influência das idéias de Marx, Herbert Marcuse criticava 
o desenvolvimento acelerado da tecnologia, o racionalismo que dominava as sociedades 
modernas e os movimentos que reprimiam as liberdades individuais, a partir do aniquilamento 
da Razão. Marcuse aliava-se a uma tendência marxista de valorização social do proletariado, 
classe que havia perdido seu poder ao permitir o surgimento do nazismo, do stalinismo e do 
sistema capitalista. 
Para o filósofo, somente os destituídos de poder econômico poderiam substituir os proletários 
na capacidade de criar novos mecanismos sociais, mas as sociedades modernas, em favor de 
um certo bem – estar geral, mantêm na marginalidade as minorias, como as minorias raciais 
e os outsiders (pessoas que não se enquadram nos modelos sociais). 
Eros e Civilização, uma das principais obras de Marcuse, na qual ele apresenta a teoria de que 
a psicanálise de Freud é substancialmente sociológica. 
Jürgen Habermas (1929): também estudioso do marxismo, o filósofo diferenciou – se de seus 
contemporâneos por apresentar uma visão menos pessimista das sociedades modernas. Para 
que a sociedade cumprisse os ideais propostos pelos iluministas, Habermas adota o paradigma 
comunicacional, ou seja, ―a razão comunicativa‖ livre, racional e crítica. Segundo o autor, nas 
sociedades coexistem o ―sistema‖, que se refere à ―reprodução material‖ que se incorpora ao 
poder político e à economia, e o ―mundo da vida‖, a qual se dá na esfera simbólica da 
linguagem que compõe a visão de mundo referente aos fatos objetivos, às normas sociais e 
aos conteúdos subjetivos. 
Para Habermas, são as falhas cometidas pelos seres humanos que garantem sua evolução 
para a capacidadede desenvolver saberes mais complexos da realidade, o que impede 
regressões metafísicas com desdobramentos que levem a controles autoritários. 
Assim, o pensamento de Habermas volta-se para os campos da ética e do conhecimento. 
Como vimos, os teóricos da Escola de Frankfurt, ao criarem a Teoria Crítica e expressarem seu 
pensamento dialético, pretendiam compreender a sociedade contemporânea dividida entre o 
marxismo e o capitalismo e apresentar soluções para a vida moderna. A ―indústria cultura‖ 
torna-se uma grande preocupação por sua capacidade alienante das idéias, sendo um 
instrumento eficaz do autoritarismo político. 
AULA 10 – ANTONIO CANDIDO: A LITERATURA E A SOCIEDADE 
O professor Antonio Candido procura compreender a Literatura através da sociedade em que 
se insere a obra literária. 
O seu pensamento crítico pretende verificar de que maneira a realidade social tornou - se um 
componente fundamental da estrutura literária, podendo ser, mesmo, o elemento fundamental 
e, às vezes, único para compreensão e análise da obra literária. Ainda mais: o conhecimento 
da sociedade possibilita entender não somente a obra de arte, mas também a função que ela 
exerce. 
Segundo o crítico, no século XIX, o estudo da sociedade condiciona a análise literária. É o que 
vemos, por exemplo, em estudos da obra naturalista, como pretende o francês Émile Zola, ou 
da obra realista, conforme propõe o escritor Eça de Queirós. No ensaio ―O romance 
experimental e o naturalismo no teatro‖ (1880), Zola defende a literatura como produto da 
observação científica com o objetivo de compreender melhor a sociedade: 
―O homem não está só, ele vive numa sociedade, num meio social; assim, para nós 
romancistas, este meio social modifica constantemente os fenômenos. Aliás, nosso grande 
estudo reside nisso, no trabalho recíproco da sociedade sobre o indivíduo e do indivíduo sobre 
a sociedade‖. (ZOLA, Émile. O romance experimental e o naturalismo no teatro. São Paulo: 
Perspectiva, 1982.) 
Eça de Queirós destaca, na Carta de Apresentação da obra O Primo Basílio (1878), a função 
da obra literária. Após descrever o que denomina ―pequeno quadro doméstico da sociedade 
burguesa‖ de Lisboa, com seus formalismos, seus tédios da profissão, seus ócios, sua 
―literatura acéfala‖, o romancista esclarece a função de sua obra: 
―Uma sociedade sobre estas falsas bases, não está na verdade: atacá – lãs é um dever. E 
neste ponto o Primo Basílio não está inteiramente fora da arte revolucionária, creio‖. (Carta a 
Teófilo Braga, Newcastle, 12 de março de 1878). 
No entanto, segundo Antonio Candido, os excessos cometidos em busca da representação da 
realidade geraram uma reação contra esse método de análise literária, fortalecendo a corrente 
que orientava uma percepção filosófica e estética da literatura. Passada a primeira fase de 
entusiasmo com a Nova Crítica, torna – se necessária uma reavaliação dos métodos e, se 
chegar a uma proposta que não seja excludente das formas de interpretação, deve – se 
analisar o texto literário, considerando – se tanto as aspectos extrínsecos, que representam 
uma realidade que existe fora do texto, quanto os intrínsecos, que compõem a estética da 
obra. 
Crítica de Antonio Candido 
―De fato, antes procurava – se mostrar que o valor e o significado de uma obra dependiam de 
ela exprimir ou não certo aspecto da realidade, e que este aspecto constituía o que ela tinha 
de essencial. Depois, chegou – se à posição oposta, procurando – se mostrar que a matéria 
de uma obra é secundária, e que a sua importância deriva das operações formais postas em 
jogo, conferindo – lhe uma peculiaridade que a torna de fato independente de quaisquer 
condicionamentos, sobretudo social, considerado inoperante como elemento de compreensão. 
Hoje sabemos que a integridade da obra não permite adotar nenhuma dessas visões 
dissociadas; e que só a podemos entender fundindo texto e contexto numa interpretação 
dialeticamente íntegra, em que tanto o velho ponto de vista que se explicava pelos fatores 
externos, quanto o outro, norteado pela convicção de que a estrutura é virtualmente 
independente, combinam – se como momentos necessários do processo interpretativo. 
Sabemos, ainda, que o externo (no caso, o social) importa, não como causa, nem como 
significado, mas como elemento que desempenha um certo papel na constituição da 
estrutura, tornando – se, portanto, interno‖. (CANDIDO. Antonio. Literatura e sociedade: 
estudos de teoria e história literária. 8. ed. São Paulo: T. A. Queiroz Editor, 2002. p. 4 ) 
Quando se adota esse tipo de análise, temos uma ―sociologia da literatura‖, que não 
determina o valor da obra. Segundo Antonio Candido, a ―sociologia da literatura‖ evidencia os 
fatores que condicionam a obra, quais sejam: a preferência estatística por um gênero, o gosto 
das classes, a origem social dos autores, a relação entre as obras e das idéias, a influência da 
organização social, econômica e política etc. É, portanto, uma disciplina de caráter científico, 
sem orientação estética. 
A tendência da crítica contemporânea é considerar fatores sociais como integrantes da 
estrutura da obra, não como um fim em si mesmo, isto é, não como o registro fundamental 
do trabalho criador. 
Integrar a estética ao fato social é um método que permite uma compreensão mais clara do 
texto literário. Esse procedimento permite uma análise mais produtiva de textos, 
especialmente poéticos, que se fazem representar por uma temática social aliada aos 
componentes estéticos. 
A análise de um poema, muitas vezes, requer que o leitor identifique a questão social nele 
discutida e os elementos estéticos que possibilitam uma interpretação mais elaborada. O texto 
poético ―Poema Brasileiro‖, de Ferreira Gullar, trata de uma questão social, que é a 
mortalidade infantil em uma determinada região do Brasil. 
No entanto, o tema não se configura o único fator de análise, visto que o texto vale-se de 
elementos estéticos fundamentais para sua compreensão: o autor utiliza dados estatísticos, 
repetições e interrupções na estrutura sintática, a fim de aguçar a percepção do leitor. Os 
elementos externos e internos ao texto se unem na elaboração da análise. 
“Poema Brasileiro”, de Ferreira Gullar 
No Piauí de cada 100 crianças que nascem 
78 morrem antes de completar 8 anos de idade 
 
No Piauí 
de cada 100 crianças que nascem 
78 morrem antes de completar 8 anos de idade 
 
No Piauí 
de cada 100 crianças 
que nascem 
78 morrem 
antes 
de completar 
8 anos de idade 
 
antes de completar 8 anos de idade 
antes de completar 8 anos de idade 
antes de completar 8 anos de idade 
antes de completar 8 anos de idade 
 (Ferreira Gullar, 1962) 
Segundo Antonio Candido, ―uma crítica que se queira integral deixará de ser unilateralmente 
sociológica, psicológica ou linguística, para utilizar livremente os elementos capazes de 
conduzirem a uma interpretação coerente. Mas nada impede que cada crítico ressalte o 
elemento da sua preferência, desde que o utilize como componente da estruturação da obra‖ 
(CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 8 ed. São 
Paulo: T. A. Queiroz Editor, 2002. p. 7). 
Os Estudos Sociológicos Aplicados à Literatura 
Antonio Candido classifica os estudos sociológicos que fundamentam a análise literária em 
diferentes modalidades, conforme o método aplicado: 
1. Paralelo entre a obra literária e a sociedade; 
2. Representação da sociedade na obra literária; 
3. Relação entre a obra e o público em termos de definição do público – alvo, aceitação 
da obra de ação recíproca de ambos; 
4. Posição e função social do escritorrelacionadas com a natureza de sua produção e com 
a organização da sociedade; 
5. Ação política das obras e dos autores, segundo a ideologia que os defende; 
6. Investigação hipotética das origens da literatura ou de seus gêneros vinculados a 
tendências de pensamento, como o marxismo. 
Antonio Candido valida todas essas modalidades de análise sociológica, ―na medida em que as 
tomarmos não como crítica, mas como teoria e história sociológica da literatura, ou como 
sociologia da literatura, embora algumas delas satisfaçam também as exigências próprias do 
crítico. Em todas nota-se o deslocamento de interesse da obra para os elementos sociais que 
formam a sua matéria, para as circunstâncias do meio que influíram na sua elaboração, ou 
para a sua função na sociedade‖. (CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de 
teoria e história literária. 8. ed. São Paulo: T. A. Queiroz Editor, 2002. p. 11-12) 
“A Literatura e a Vida Social” 
Qual a influência exercida pelo meio social sobre a obra de arte? 
Qual a influência exercida pela obra de arte sobre o meio? 
Antonio Candido reforça a idéia de que a sociologia é uma disciplina auxiliar, que ―não 
pretende explicar o fenômeno literária ou artístico, mas apenas esclarecer alguns dos seus 
aspectos.‖ (CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história 
literária. 8. ed. São Paulo: T. A. Queiroz Editor, 2002. p. 18) 
―Há neste sentido duas respostas tradicionais, ainda fecundas conforme o caso, que devem 
todavia ser afastadas numa investigação como esta. A primeira consiste em estudar em que 
medida a arte é expressão da sociedade; a segunda, em que medida é social, isto é, 
interessada nos problemas sociais.‖ (CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos 
de teoria e história literária. 8. ed. São Paulo: T. A. Queiroz Editor, 2002. p. 19) 
―Durante todo o século XIX, não se avançou muito na teoria geral de que a literatura é um 
produto social. Colocou – se em prática uma tendência de se analisar o conteúdo social das 
obras. Tais estudos, então, possibilitaram a compreensão de que a arte é social nos dois 
sentidos: depende da ação de fatores do meio, que se exprimem na obra em graus diversos 
de sublimação e produz sobre os indivíduos um efeito prático, modificando a sua conduta e 
concepção do mundo, ou reforçando neles o sentimento dos valores sociais. 
Isto decorre da própria natureza da obra e independe do grau de consciência que possam ter 
a respeito os artistas e os receptores de arte.‖ (CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: 
estudos de teoria e história literária. 8. ed. São Paulo: T. A. Queiroz Editor, 2002. p. 19) 
Os estudos de sociologia moderna devem se interessar em analisar os fenômenos que levem 
em conta tanto a literatura social, mesmo a hermética, quanto a poesia política ou romance 
de costumes. A primeira tarefa, portanto, é investigar as influências exercidas pelos fatores 
socioculturais sobre a obra. 
Certamente, os mais decisivos se ligam à estrutura social, aos valores e ideologias e às 
técnicas de comunicação (a linguagem, os recursos de interlocução etc.). Temos, então, os 
quatro momentos da produção: 
1. O artista, segundo os padrões de sua época; 
2. Os temas escolhidos; 
3. As formas utilizadas; 
4. A síntese resultante desse processo e que age sobre o meio. 
No processo de elaboração da arte literária, três elementos se destacam e se vinculam: o 
autor, a obra e o público. É a partir do estudo desses três elementos que o crítico pode 
definir: 
 Como a sociedade define a posição e o papel do artista; 
 Como a obra depende dos recursos técnicos para incorporar os valores propostos; 
 Como se configuram os públicos. 
A Posição e a Função Social do Artista 
A estrutura social exige que os seus participantes assumam uma posição específica, o que 
envolve o artista individualmente e grupos de artistas. Há forças sociais condicionantes que 
guiam o artista e que determinam, primeiro, a ocasião da obra a ser produzida; depois, a 
necessidade de ela ser produzida; e, por último, se a obra vai se tornar ou não um bem 
coletivo. 
É possível pensar a função social do artista desde os tempos pré – históricos, quando alguém 
dotado de habilidades especiais era retirado de suas atividades normais para registrar ações 
cotidianas. Seja nas sociedades africanas, com a tradição dos ―arautos‖mbongi, de 
Moçambique, que cantavam sua própria genealogia, seja com os aedos gregos, evidencia – 
se, na história, a posição e função social do artista. 
Nas sociedades medievais estratificadas do Ocidente, os artistas e intelectuais congregavam 
grupos poderosos, como o clérigo (filósofos, teólogos, cientistas), os trovadores associados ao 
estamento cavaleiresco, os arquitetos e pintores identificados com a burguesia e os jograis 
diversos que criavam e difundiam a cultura popular. 
Nas sociedades modernas, é comum que o artista exerça, também, outras funções sociais e 
sua posição seja identificada com a atividade de maior destaque. Definida sua atividade 
prioritária e, senda ela a arte, o artista pode permanecer isolado em seu processo de criação 
ou formar grupos que se aliam pela técnica ou pela ideologia. 
Clérigos medievais: as sociedades estratificadas formam grupos de intelectuais e artistas. 
A Configuração da Obra 
A obra depende fundamentalmente do artista e das condições sociais que determinam a sua 
posição. 
Antonio Candido considera a necessidade de se investigar os valores sociais, as ideologias e os 
sistemas de comunicação, que na obra se configuram em conteúdo e forma, inseparáveis no 
espírito criador do artista, mas que devem ser discerníveis na análise. 
Os valores e ideologias contribuem principalmente para o conteúdo, enquanto as modalidades 
de comunicação influem mais na forma. O artista também interpreta a experiência cotidiana e 
esta deve ser considerada pelo analista da obra. 
O livro: conteúdo e forma se integram no espírito criador do artista. 
O Público 
Nas sociedades antigas, não era muito nítida a diferenciação entre artista e público, já que 
todos participavam do ato ritualístico que representava a criação. No entanto, conforme as 
sociedades crescem demograficamente, artista e público assumem características mais 
distintas. Surgem, então, os grupos diferenciados de receptores de arte, identificados com 
movimentos e estilos variados. 
Essa segmentação determina a criação artística. Porém, nas sociedades modernas, os 
receptores de arte têm perfil indefinido e constituem o que Antonio Candido denomina ―massa 
virtual‖, salvo a constituição de grupos limitados em congressos e outras iniciativas de caráter 
acadêmico. E os receptores de arte aumentam em número e se fragmentam na medida em 
que cresce a complexidade das estruturas sociais. 
E somente o elemento estético forma um ponto de convergência entre esse público variado. 
Essa é a ação do público sobre o artista, o qual, muitas vezes, cede ao apelo comercial. A 
consideração sobre a influência de um fator sociocultural e da técnica sobre o público leva a 
dois momentos distintos: antes da invenção da escrita, quando a transmissão cultural se dava 
por contato direto entre o artista e o seu público, e após a invenção da escrita, que, no caso 
específico da literatura, passa a predominar o contato indireto e secundário. 
Outro elemento de influência sobre o público são os valores que a obra de arte expressa e que 
o público, ainda que por vezes acreditando seguir seu interesse espontâneo, está, na verdade, 
atendendo a padrões sociais que são refletidos na arte. 
A tendência das sociedades modernas é a de formação de um público indefinido e 
fragmentado. 
Sendo a arte um sistema simbólico de comunicaçãointer – humana, ela pressupõe uma 
constante relação entre o autor, a obra e o público. Conclui Antonio Candido: 
―O público dá sentido e realidade à obra, e sem ele o autor não se realiza, pois ele é de certo 
modo o espelho que reflete a sua imagem enquanto criador. Os artistas incompreendidos, ou 
desconhecidos em seu tempo, passam realmente a viver quando a posteridade define afinal o 
seu valor. Deste modo, o público é fator de ligação entre o autor e a sua própria obra. A obra, 
por sua vez, vincula o autor ao público, pois o interesse deste é inicialmente por ela, só se 
estendendo à personalidade que a produziu depois de estabelecido aquele contacto 
indispensável. (...) 
Não é possível aprofundar agora a análise complementar da ação da obra sobre a sociedade, 
delimitando setores de gosto e correntes de opinião, formando grupos veiculando padrões 
estéticos e morais, o que deixaria mais patente este sistema de relações. 
Mas penso ter ficado claro que o estudo sociológico da arte, aflorado aqui sobretudo através 
da literatura, se não explica a essência do fenômeno artístico, ajuda a compreender a 
formação e o destino das obras; e, neste sentido, a própria criação.‖ (CANDIDO, Antonio. 
Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 8. ed. São Paulo: T. A. Queiroz 
Editor, 2002. p. 38 – 39).

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