Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
203GUIA PR`TICO DE UROLOGIA Capítulo 34 Waldyr Prudente de Toledo Câncer de PŒnis Endereço para correspondência: Rua Dr. Jesuíno Maciel, 239 - Campo Belo 04615-001 - São Paulo - SP Tel.: (0--11) 531-8155 / 543-9826 Fax: (0--11) 531-0853 O tumor de pênis, embora relativamente raro em países desenvolvidos, tem grande importância clínica em regiões pobres, onde predominam baixas condições sócio-econômi- cas. Acomete quase sempre pacientes com hábitos higiênicos precários e portadores de fimose não-circuncisados. A circuncisão precoce, associada à higiene local, previne a ocorrência dessa neoplasia na idade adulta, com raríssimas exceções. O carcinoma de pênis é, aliás, extremamente raro em ju- deus, pois o hábito da circuncisão precoce previne o seu de- senvolvimento. É também raro em crianças, sendo mais freqüente na fai- xa entre 40 e 70 anos. Fisiopatologia/ diagnóstico diferencial Grande número de tumores penianos se caracteriza por carcinomas de células escamosas ou carcinomas epidermói- des. O diagnóstico diferencial com outras afecções que aco- metem o pênis deve ser feito inclusive por meio de biópsias, como nos casos seguintes: n Eritroplasia de Queirat n Condiloma acuminado n Condiloma de Buschke-Löwenstein n Balanite xerotrófica obliterante n Líquen plano n Eritroplasia de Queirat Lesão em geral localizada no dorso da glande, ini- cialmente lesa a epiderme, formando células atípicas, com múltiplos núcleos e tendência a invadir o córion e se transformar em carcinoma epidermóide. O tratamento da lesão deve ser cirúrgico e, se neces- sário, utilizar radioterapia e até mesmo quimioterapia tópica. Atualmente também são utilizados raios laser no tratamento desse tipo de eritroplasia. n Condiloma acuminado Apresenta aspecto de verruga, muitas vezes em for- mações múltiplas. Quando são grandes, o diagnósti- co diferencial deve ser feito por biópsia. Seu tratamento baseia-se no uso de cauterização elé- trica ou química com ácido salicílico a 1% + ácido acético glacial a 10%. Os resultados são favoráveis, mas deve-se ficar aten- to, pois existe alto índice de recidiva. n Condiloma de Buschke-Löwenstein É também chamado de carcinoma verrucoso, uma for- ma de neoplasia local. Inicialmente discreto, como um condiloma acuminado, é hoje considerado uma neoplasia, já que pode invadir estruturas adjacentes. Raramente invade o córion, por isso tem bom prog- nóstico, pois excepcionalmente provoca metástases re- gionais ou sistêmicas. Seu tratamento resume-se em exérese local. Em al- guns casos pode haver necessidade de amputação peniana parcial. n Balanite xerotrófica obliterante É representada por lesões escleróticas em algumas partes do pênis. Seu tratamento consiste na retirada, cirúrgica ou com utilização de laser, de tais lesões. n Líquen plano É constituído por placas leucoplásicas que ocorrem preferencialmente nas mucosas. A exérese das placas é o tratamento indicado. 204 GUIA PR`TICO DE UROLOGIA Diagnóstico A história relatada pelo paciente, acompanhada pelo exa- me físico cuidadoso, orienta o diagnóstico, que deve ser con- firmado pela biópsia. O que ocorre, em geral, é o aparecimento de massa sub- prepucial com crescimento lento, tratada por ignorância ou falta de recursos com remédios caseiros, o que retarda a intro- dução do tratamento adequado. Assim, muitas vezes a terapia correta é iniciada já sem chance de cura. A grande maioria dos pacientes (80%), felizmente, ainda chega ao atendimento médico com a doença localizada. Cerca de 20% já tem envolvimento ganglionar regional ou doença sistêmica. A disseminação dessa neoplasia se faz pela via linfática, com acometimento inicial dos linfonodos inguinais superf ici- ais, a seguir, dos profundos e finalmente os ilíacos. As metástases são extremamente raras, ocorrendo em conseqüência da invasão dos corpos cavernosos. As metástases a distância ocorrem principalmente no pulmão, no fígado e nos ossos. Entretanto, a maioria dos pacientes vai a óbito por com- plicações regionais: necrose, infecção e lesões por erosão dos vasos femorais. Estadiamento Trata-se de importante elemento. O correto estadiamen- to da doença oferece subsídios importantes para orientar o tra- tamento. São atualmente utilizadas duas classificações: • Classificação de Jackson (1966) - foi utilizada duran- te muito tempo. • Classificação TNM - mais completa, e que vem subs- tituindo progressivamente a de Jackson. Apesar de todos os métodos modernos para diagnóstico e estadiamento, ainda é grande o número de super ou subesta- diamento. Assim, muitas vezes temos que formular a nossa idéia básica de tratamento. Em 1977, Cabanas, estudando pacientes com câncer de pênis, fez avaliações radiológicas e anatômicas de drenagem linfática do pênis, descrevendo então um nódulo linfático que denominou de “sentinela”, pois representaria o primeiro local de envolvimento ganglionar metastático. Cabanas mostrou que esse nódulo, às vezes, estava aco- metido pela doença, enquanto os outros eram normais (seria o gânglio “sentinela”) e confirmou que todas as vezes que os demais gânglios estavam acometidos, o gânglio “sentinela” também estava. Desse modo, o acometimento apenas do gân- glio “sentinela” revela ser um caso de bom prognóstico. Sob o ponto de vista cirúrgico, ele pode ser identif icado na confluência de duas linhas, uma que passa a dois dedos da tuberosidade pubiana e outra que passa medialmente à crossa da safena (figura 1). ESTADIAMENTO DO CÂNCER DE PÊNIS PELO SISTEMA PROPOSTO POR JACKSON ESTADIAMENTO DO CÂNCER DE PÊNIS PELO SISTEMA TNM T - Tumor primário Tx Tumor primário não-avaliado T0 Sem evidência de tumor Tis Carcinoma in situ T a Tumor verrucoso não-invasivo T1 Tumor invade tecido conectivo subepitelial T2 Tumor invade corpo cavernoso ou esponjoso T3 Tumor invade uretra ou próstata T4 Tumor invade estruturas adjacentes N - Gânglios linfáticos regionais Nx Linfonodos não-avaliados N0 Sem metástases em linfonodos N1 Metástase única em linfonodo inguinal superficial N2 Metástases múltiplas ou bilaterais em linfonodos inguinais superficiais N3 Metástases em linfonodos inguinais profundos ou ilíacos M - Metástases a distância Mx Metástases não-avaliadas M0 Sem metástases a distãncia M1 Metástases a distância Figura 1 LOCALIZAÇÃO ANATÔMICA DO LINFONODO “SENTINELA” DESCRITO POR CABANAS 1 - Tuberoside pubiana 2 - Crossa da safena 3 - Linfonodo “sentinela” 205GUIA PR`TICO DE UROLOGIA Antes do estadiamento cirúrgico, é sempre importante fazer um bom exame físico local. É comum os pacientes estarem infectados e com gânglios inguinais palpáveis que não correspondem à evolução desse tumor. Antes de iniciar os exames para estadiamento, é neces- sário, portanto, introduzir a antibioticoterapia com dupla f i- nalidade: melhorar as condições da lesão afetada e diminuir o número e o volume dos gânglios também infectados. A ultra-sonografia e a tomografia computadorizada são utilizadas para estudos dos linfonodos ilíacos e das possíveis metástases viscerais, como as que ocorrem no fígado e no pulmão. A punção aspirativa ganglionar e a linfografia podálica estão hoje praticamente abandonadas no estudo dessa neopla- sia. Tratamento O tratamento do carcinoma epidermóide do pênis é ba- seado essencialmente no estádio da doença. Dessa maneira, quanto mais preciso for o estadiamento da doença, maiores serão as chances de sucesso. Sabe-se que a neoplasia tende a evoluir em progressão dos corpos cavernosos para os linfonodos inguinais. Na se- qüência são acometidos os ilíacos, os justaórticos e, num qua- dro mais avançado, as estruturas viscerais. Seu tratamento é fundamentalmente cirúrgico, seguido de radioterapia e de quimioterapia, de acordo com as caracte- rísticas do caso. Lesão primária Dentrodo conceito de manutenção do corpo peniano para diminuir o trauma psicológico, procura-se fazer uma excisão econômica dentro do permissível, tentando conservar razoá- vel integridade anatômica do pênis, de modo a minimizar as repercussões sobre a vida sexual do paciente. A cirurgia deve, portanto, ser orientada para a retirada total da lesão primária, preservando o restante do pênis até as margens livres do tumor. Nas lesões pequenas, podem-se utilizar raios laser, mas sempre atendo-se ao risco de recidiva local. Nos casos um pouco mais avançados, com envolvimento do corpo peniano, indica-se a amputação parcial do órgão, com o cuidado de ressecar cerca de 1,5 cm do tecido sadio para manter uma boa margem de segurança. Em determinados casos de lesões pequenas e circunscri- tas, pode-se tentar previamente a radioterapia, embora algu- mas estatísticas mostrem que mesmo nessas lesões, a recidiva ocorre em 15% dos pacientes. Temos utilizado em alguns pacientes o tratamento inicial com quimioterapia citotóxica com bleomicina para diminuir a lesão e aumentar a chance de uma cirurgia mais econômica. Em alguns pacientes pode-se também utilizar a radiote- rapia associada com a bleomicina, sabendo-se que tal associa- ção potencializa o efeito antitumoral da bleomicina. A amputação total é realizada somente naqueles pacien- tes com comprometimento extenso do pênis, quando torna-se necessário deslocar o meato uretral para a região do períneo. Quando há lesões com comprometimento também da bolsa escrotal, pode ser obrigatório ressecar parte dessa bolsa. Linfonodos regionais Nos pacientes em que há invasão dos linfonodos regio- nais, o quadro evolutivo em geral torna-se mais complexo. A conduta é sempre a excisão desses linfonodos (estádio II ou III). Deve-se deixar bem claro que no estádio III a linfadenec- tomia é obrigatória. Raramente utiliza-se a radioterapia em pacientes com lin- fonodos inguinais comprometidos. Dependendo do grau de infiltração, associa-se, no pós-operatório, quimioterapia com cisplatina, bleomicina e metotrexato. Na cirurgia de esvaziamento inguinal-ilíaco, a cirurgia bilateral deve ser realizada de rotina. Sabe-se que a interliga- ção linfática é drenada para ambas as regiões inguinais. Mes- mo que não seja palpável, deve-se buscar o gânglio “sentine- la” descrito por Cabanas. A linfadenectomia inguinal e pélvi- ca ao mesmo tempo é contra-indicada. A linfadenectomia inguinal deve ser ampla com remoção em bloco dos tecidos circunvizinhos que envolvem os linfo- nodos superficiais e profundos. Devem ser preservados os te- cidos gordurosos subcutâneos para evitar complicações, com a necrose local da pele. Deve-se optar pela linfadenectomia ilíaca se os linfonodos inguinais estiverem afetados, contudo, o comprometimento desses gânglios tem mau prognóstico, visto que a recidiva é comum. Lesões metastáticas Com qualquer método utilizado – cirurgia, radioterapia ou quimioterapia – os resultados são bastante precários. Algu- mas drogas têm mostrado resultados pouco mais animadores, principalmente quando se utiliza a poliquimioterapia com metotrexato, bleomicina, cisplatina e mitomicina-C. Bibliografia recomendada 1. SROUGI M, SIMON SD. Câncer urológico. Platina, São Paulo, 1990.
Compartilhar