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História Antiga e Medieval Aula 11 Os direitos desta obra foram cedidos à Universidade Nove de Julho Este material é parte integrante da disciplina, oferecida pela UNINOVE. O acesso às atividades, conteúdos multimídia e interativo, encontros virtuais, fóruns de discussão e a comunicação com o professor devem ser feitos diretamente no ambiente virtual de aprendizagem UNINOVE. Uso consciente do papel. Cause boa impressão, imprima menos. Aula 11: O conceito de Idade Média Objetivo: Iniciar o estudo da História Medieval abordando um aspecto metodológico e conceitual dos mais importantes: a elaboração do conceito de Idade Média. A Idade das “Trevas” A concepção segundo a qual o período histórico que se seguiu à decadência da civilização romana (século V) até os inícios dos tempos modernos (século XVI) é um tempo intermediário, intercalar, “médio”, expressa sem rodeios à percepção elaborada pelos pensadores do Renascimento (século XVI) acerca da época na qual viviam. Momento de grandes transformações sociais possibilitou a seus protagonistas expressar o esboço de uma nova identidade em torno da ideia de um Renascimento: as “artes e as letras, que pareciam haver morrido no mesmo naufrágio que a sociedade romana, pareciam reflorir e, depois de dez séculos de trevas, brilhar com novo fulgor” (DICTIONNAIRE GÉNÉRAL DES LETTRES, 1872, apud PERNOUD, 1994). Esse conceito de uma Idade “Média” como um hiato entre dois momentos extremamente valorizados implicou necessariamente uma percepção pejorativa em relação a esse intervalo: tempos “obscuros” e “grosseiros”. É nesse contexto que podemos então apreender a elaboração da ideia de Idade Média como uma verdadeira Idade das “Trevas”. Se foram os renascentistas os primeiros construtores desse conceito, podemos perceber que tal concepção, em sentido amplo, é uma invenção vinculada ao longo processo de afirmação daquilo que chamamos de modernidade, uma vez que os séculos seguintes reforçaram e reelaboram essa percepção. Hilário Franco Júnior, um dos mais respeitados medievalistas brasileiros, assim sintetizou as críticas elaboradas à Idade Média durante o período moderno a partir da perspectiva dos grupos sociais que as sustentavam (FRANCO JR., 2001): Grupos sociais: Período: O que criticavam na Idade Média: Protestantes Século XVI A supremacia da Igreja Católica Monarquias absolutistas Século XVI Período de reis fracos e de fragmentação política Burgueses capitalistas Século XVI A limitada atividade comercial Intelectuais racionalistas Século XVII A cultura muito ligada a valores espirituais Iluministas Século XVIII A forte religiosidade e o peso político da Igreja Os clássicos: o modelo e a imitação Essa notável construção, elaborada por séculos a fio, afirmou-se reiteradamente como a matriz das percepções que parecem perdurar irrefletidamente não somente no senso comum de nossa época, como ainda na produção intelectual e nas práticas e materiais educacionais, produzindo uma série de implicações nada desprezíveis no cenário cultural da contemporaneidade. Para problematizar o impacto dessa herança conceitual, podemos apontar, entre outros aspectos, duas noções de fundamental importância. Em primeiro lugar, a valorização da cultura greco-latina empreendida a partir do século XVI forjou o conceito de clássico para selecionar as obras que deveriam servir de modelo instrucional a partir de então. Nesse sentido, a ideia de obra clássica passa a constituir um sistema rígido de hierarquização da produção cultural da humanidade na qual a operação de classificação se impõe sobre a apreciação estética ou intelectual. Rigidez conceitual da classificação sobre a apreciação, portanto; mas não somente isso. A noção de clássico implica um recorte seletivo que captura, retém e replica as obras consideradas dignas de servirem de modelo dentro de um universo muito mais amplo de produção. Nesse sentido, por exemplo, nem toda a cultura grega é considerada clássica, mas somente aquela dos séculos V e IV a. C., época do apogeu das cidades-estados helênicas. As civilizações da mesopotâmia e do Egito antigo, por outro lado, também não estavam incluídas nessa categoria. O efeito desse recorte constante provoca uma notável perda da variedade e multiplicidade em favor de uma padronização crescente dos critérios de seleção. Outra questão decorrente deste processo de intensa padronização cultural é aquilo que Régine Pernoud apontou como o “princípio da imitação, o gosto pelo modelo, pela cópia”: A novidade era o uso que se fazia [...] da Antiguidade clássica. Em vez de ver nela, como antes, um tesouro a explorar (tesouro de sabedoria, de ciência, de processos artísticos e literários no qual se poderia consultar, indefinidamente), passou-se a considerar as obras antigas como modelos a serem imitados. Os antigos tinham realizado obras perfeitas; tinham atingido a Beleza integral. Então, quanto melhor se imitasse suas obras, mais se estaria certo de atingir a Beleza. (PERNOUD, 1994) Atitude portadora de grandes consequências, o “princípio da imitação” inaugura uma era de franca decadência da inventividade e criatividade e da valorização da imitação, da cópia e do simulacro que se impõe durante a modernidade. Em clara contradição com as possibilidades abertas pelo momento histórico, quando da conquista da América, por exemplo, que permitia a ampliação dos horizontes culturais na direção de novas formas de vida e de organização social, os homens do século XVI cultuaram os clássicos, obras produzidas há mais de mil anos (PERNOUD, 1994). Outro efeito notável do desprezo pela produção cultural da Idade Média em favor do culto dos clássicos pode ser percebido no contexto educacional, na medida em que se passa a compreender o trabalho intelectual e as etapas de seu aprendizado como atividades fundamentalmente vinculadas à cultura letrada em detrimento da oralidade, à valorização da abstração em detrimento da experiência sensível, aspectos de grande importância a serem levados em conta para se estabelecer a genealogia das concepções educacionais ainda vigentes. A concepção romântica As transformações no cenário histórico no início do século XIX trouxeram consigo uma nova concepção de Idade Média. Os abalos produzidos pela dupla revolução, a revolução industrial inglesa e a revolução francesa, as campanhas napoleônicas produziram elementos a partir dos quais os homens daquela época passaram a elaborar uma nova visão sobre a sua própria sociedade e sobre as linhagens que a formularam a partir do passado. É nesse contexto de afirmação do liberalismo, do nacionalismo e do cientificismo que surgirá uma nova percepção de Idade Média que passará a ser valorizada enquanto antípoda temporal daquele momento. Hilário Franco Júnior descreve esta inversão de percepção: “[...] com o Romantismo da primeira metade do século XIX o preconceito em relação à Idade Média se inverteu. [...] Vista como época de fé, autoridade e tradição, [esse período] oferecia um remédio à insegurança e aos problemas decorrentes de um culto exagerado ao cientificismo. [...] o equilíbrio e a harmonia na literatura e nas artes, que o Renascimento e o Classicismo do século XVII tinham buscado cedia lugar à paixão, à exuberância e à vitalidade encontráveis na Idade Média. A verdade procurada através do raciocínio, que guiara o Iluminismo do século XVIII, cedia lugar à valorização dos sentidos,do instinto, dos sonhos, das recordações.” (FRANCO JR., 2001) De qualquer forma, aponta ainda o autor, apesar da radical inversão na perspectiva na qual a Idade Média era concebida, tratava-se ainda da elaboração mais de um preconceito que de um conceito. Em ambas as concepções, aquela iniciada com o Renascimento no século XVI e aquela dos românticos no século XIX trataram-se da idealização da época medieval e não da apreciação de sua existência história concreta. O estudo da Idade Média implica, necessariamente, considerar estas percepções idealizadas como constitutivas dos momentos históricos que as produziram e não como conhecimento objetivo sobre a sociedade medieval. Como alerta Franco Júnior, sintetizando o objetivo que deve guiar a produção do conhecimento sobre a Idade Média, a “função do historiador é compreender, não julgar o passado” (FRANCO JR., 2001). Chegamos ao fim desta aula. Agora, acesse o AVA para aprofundar seus estudos e ampliar a reflexão sobre o conteúdo apresentado com os colegas e com o seu professor. * O QR Code é um código de barras que armazena links às páginas da web. Utilize o leitor de QR Code de sua preferência para acessar esses links de um celular, tablet ou outro dispositivo com o plugin Flash instalado. REFERÊNCIAS FRANCO JR., Hilário. A Idade Média: nascimento do ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2001. PERNOUD, Régine. Idade Média: o que não nos ensinaram. Rio de Janeiro: Agir, 1994.
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