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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE CIÊNCIAS MÉDICAS FACULDADE DE MEDICINA VETERINÁRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICINA VETERINÁRIA NA ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM CLINICA E REPRODUÇÃO ANIMAL SIMONE CARVALHO DOS SANTOS CUNHA RADIOTERAPIA EM GATOS DOMÉSTICOS COM CARCINOMA DE CÉLULAS ESCAMOSAS CUTÂNEO: AVALIAÇÃO DOS PROTOCOLOS DE HIPOFRACIONAMENTO E FRACIONAMENTO PADRÃO Niterói 2013 UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE CIÊNCIAS MÉDICAS FACULDADE DE MEDICINA VETERINÁRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICINA VETERINÁRIA NA ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM CLINICA E REPRODUÇÃO ANIMAL SIMONE CARVALHO DOS SANTOS CUNHA RADIOTERAPIA EM GATOS DOMÉSTICOS COM CARCINOMA DE CÉLULAS ESCAMOSAS CUTÂNEO: AVALIAÇÃO DOS PROTOCOLOS DE HIPOFRACIONAMENTO E FRACIONAMENTO PADRÃO Orientação: Profa. Dra. Ana Maria Reis Ferreira Co-orientação: Profa. Dra. Heloisa Justen Moreira de Souza Niterói 2013 Dissertação de doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Medicina Veterinária da Universidade Federal Fluminense. Área de concentração: Clínica e Reprodução Animal SIMONE CARVALHO DOS SANTOS CUNHA RADIOTERAPIA EM GATOS DOMÉSTICOS COM CARCINOMA DE CÉLULAS ESCAMOSAS CUTÂNEO: AVALIAÇÃO DOS PROTOCOLOS DE HIPOFRACIONAMENTO E FRACIONAMENTO PADRÃO BANCA EXAMINADORA _____________________________________________________________ Profa. Dra. ANA MARIA REIS FERREIRA – ORIENTADORA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE ______________________________________________________________ Dr. MARCIO LEMBERG REISNER HOSPITAL UNIVERSITÁRIO CLEMENTINO FRAGA FILHO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO ____________________________________________________________ Prof. Dr. RICARDO SIQUEIRA DA SILVA UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO ______________________________________________________________ Profa. Dra MARIA DE LOURDES GONÇALVES FERREIRA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE ______________________________________________________________ Profa. Dra NOEME SOUSA ROCHA FMVZ UNESP/ BOTUCATU Niterói 2013 À minha família, Lucia Helena, Paulo Cesar e Marcelo, pelo apoio incondicional, educação e incentivo na minha formação profissional. Ao meu namorado, Daniel Marques, por estar sempre do meu lado. Aos meus gatos, Léo, Nico, Thunder, Cheetara, Chicão e Lacan, por despertarem em mim a enorme paixão pelos felinos domésticos e por me estimularem a zelar pelo bem-estar e saúde de todos eles. AGRADECIMENTOS À Ana Maria Reis Ferreira, minha orientadora, que sempre me incentivou nas áreas profissionais e da pesquisa científica. À Heloisa Justen Moreira de Souza, minha co-orientadora, responsável pela realização de um grande sonho profissional. Por ter me apoiado desde o meu período de graduação, pela confiança e por todos os ensinamentos nestes anos de convivência. Ao Luis Alfredo Vidal de Carvalho, professor da COPPE, pela realização deste projeto, pelo apoio profissional, e também por sua amizade e ensinamentos profissionais e de vida. À Clínica Veterinária Gatos & Gatos, todas as veterinárias, estagiários e funcionários, pelo carinho, amizade e convivência de todos os dias, por ter me acolhido e feito nascer em mim a escolha pela medicina de felinos. À Clínica Veterinária Oncopet, às veterinárias Paula Gazé e Adriana Neves, e funcionário Jacson, pela ajuda no projeto. Ao Paulo Cesar Canary e Marcio Reisner, médicos radioterapeutas da UFRJ, por abrirem as portas do hospital para este projeto, e pela dedicação, competência e carinho dedicados aos animais. Ao Gerson, técnico de radioterapia, pela atenção e pelos sábados dedicados ao tratamento dos felinos do primeiro grupo do estudo. À toda a equipe do Hospital Clementino Fraga Filho, incluindo técnicos, médicos e funcionários, por tornar este projeto uma realidade. Ao Pedro Paulo Pereira, físico médico responsável pela clínica veterinária Oncopet, por tornar possível o tratamento do segundo grupo do estudo. Ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e CAPES, pelo apoio financeiro a este projeto. SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS....................................................................................................8 LISTA DE TABELAS E QUADROS..........................................................................12 LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS..............................................14 RESUMO...................................................................................................................15 ABSTRACT................................................................................................................16 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 17 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ......................................................................... 19 2.1 Radioterapia ................................................................................................ 19 2.1.1 Fracionamento radioterápico ................................................................... 20 2.1.2 Radiobiologia ........................................................................................... 23 2.1.3 Tempo de tratamento radioterápico ......................................................... 24 2.1.4 Dose total de radiação ............................................................................. 25 2.1.5 Volume alvo ............................................................................................. 26 2.1.6 Reação dos tecidos / Efeitos colaterais ................................................... 26 2.1.7 Tipos de radioterapia ............................................................................... 27 2.1.8 Radioproteção ......................................................................................... 29 2.2 Carcinoma de células escamosas felino ..................................................... 30 2.2.1 Histologia da pele de felinos sadios ........................................................ 30 2.2.2 Definição de carcinoma de células escamosas felino ............................. 32 2.2.3 Etiopatogenia .......................................................................................... 32 2.2.4 Manifestações clínicas ............................................................................ 34 2.2.5 Estadiamento clínico ............................................................................... 36 2.2.6 Diagnóstico .............................................................................................. 37 2.2.7 Tratamento .............................................................................................. 39 2.2.8 Prevenção ............................................................................................... 48 3 Objetivos ........................................................................................................... 49 3.1 Geral ........................................................................................................... 49 3.2 Específicos .................................................................................................. 49 4 MATERIAL E MÉTODOS .................................................................................. 51 4.1Animais ....................................................................................................... 51 4.2 Exame clínico .............................................................................................. 52 4.3 Estadiamento clínico e mensuração das medidas da lesão neoplásica...... 52 4.4 Biópsia da lesão e processamento histopatológico .................................... 54 4.5 Protocolos radioterápicos ............................................................................ 55 4.6 Acompanhamento clínico dos animais ........................................................ 60 4.7 Avaliação da resposta neoplásica, tempo de sobrevida e tempo livre da doença ................................................................................................................... 62 4.8 Análises estatísticas .................................................................................... 63 5 RESULTADOS .................................................................................................. 64 5.1 Resenha, histórico e anamnese dos animais .............................................. 64 5.2 Localização neoplásica ............................................................................... 68 5.3 Estadiamento clínico das lesões ................................................................. 69 5.4 Exames complementares ............................................................................ 74 5.5 Avaliação anatomo-histopatológica............................................................. 78 5.6 Anestesia .................................................................................................... 81 5.7 Radioterapia ................................................................................................ 81 5.8 Resposta ao tratamento radioterápico, tempo livre da doença e tempo de sobrevida. .............................................................................................................. 82 5.9 Efeitos colaterais ......................................................................................... 95 5.10 Análises estatísticas .................................................................................... 99 6 DISCUSSÃO .................................................................................................... 106 7 CONCLUSÕES ................................................................................................ 117 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 119 9 ANEXOS .......................................................................................................... 133 9.1 Aprovação da Comissão de Ética do Uso de Animais (CEUA)......................135 9.2 EXAME HISTOPATOLÓGICO DAS CINQUENTA E DUAS LESÕES CUTÂNEAS DE CCE SUBMETIDAS AO TRATAMENTO RADIOTERÁPICO. ... 135 9.3 VALORES LABORATORIAIS DE REFERÊNCIA PARA FELINOS............ 136 10 APÊNDICES .................................................................................................... 137 10.1 APÊNDICE 1 – FICHA DE ATENDIMENTO CLÍNICO GERAL ................ 138 10.2 APÊNDICE 2- FICHA ONCOLÓGICA ....................................................... 139 10.3 APÊNDICE 3 – FICHA DE AUTORIZAÇÃO DO PROPRIETÁRIO ........... 140 10.4 APÊNDICE 4 – FICHA DE RADIOTERAPIA ............................................ 141 10.5 APÊNDICE 5 – FICHA ANESTÉSICA ...................................................... 142 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Esquema mostrando a melhor atuação da radioterapia em determinadas fases do ciclo celular. As células em mitose, especialmente aquelas na fase M e G2, são sensíveis à radiação, enquanto aquelas na fase S e G1 são resistentes. Durante o tratamento radioterápico fracionado, as células nas fases radioresistentes progridem para as fases radiosensíveis (redistribuição). .......................................... 22 Figura 2 – Medidas de radioproteção em um estabelecimento de radioterapia. A – Porta de entrada da sala de radioterapia, contendo aviso de entrada restrita, radiação ionizante e trava de segurança que desliga o feixe de radiação em caso de abertura acidental da porta. B – Monitoramento do paciente durante o tratamento radioterápico através de terminal de vídeo................................................................ 30 Figura 3 – Diferenciação entre as lesões de dermatite actínica/carcinoma “in situ” e da doença de Bowen/carcinoma “in situ” multicêntrico. A - Dermatite actínica e carcinoma “in situ” em têmpora de felino com pelagem sólida branca. Notar lesão eritematosa e crostosa. B - Doença de Bowen em têmpora e face interna do pavilhão auricular de felino com pelagem torbie vermelha e agouti. Notar placa melanótica e hiperqueratótica. ........................................................................................................ 36 Figura 4 - Planejamento radioterápico de felinos com carcinoma de células escamosas cutâneo. A – Utilização de caneta de feltro para delimitação do volume alvo a ser irradiado. B - Esquema mostrando o volume neoplásico e o volume alvo. .................................................................................................................................. 56 Figura 5 - Equipamentos de radioterapia. A - Acelerador linear Clinac 2100 C do Hospital Clementino Fraga Filho. B – Equipamento de ortovoltagem Stabilipan I de uma clínica particular de radioterapia veterinária. ..................................................... 59 Figura 6 - Posicionamento dos felinos portadores de CCE para o tratamento radioterápico. A - O felino foi posicionado em decúbito esternal, um suporte foi colocado embaixo da cabeça para permitir a correta posição do campo a ser irradiado. B – O felino foi posicionado em decúbito dorsal, e uma máscara feita de lençol de chumbo de 1 mm de espessura foi utilizada na face do animal, de maneira que apenas o volume alvo fosse irradiado. ............................................................... 60 Figura 7 – Box plot representativo da mediana, primeiro e terceiro quartil da idade dos gatos portadores de CCE cutâneo submetidos à radioterapia. .......................... 65 Figura 8 - Distribuição dos trinta e cinco felinos portadores de carcinoma de células escamosas cutâneo submetidos ao tratamento radioterápico segundo a cor da pelagem..................................................................................................................... 66 Figura 9 - Distribuição das cinquenta e duas lesões cutâneas de carcinoma de células escamosas submetidas ao tratamento radioterápico segundo a localização da lesão neoplásica. .................................................................................................. 68 Figura 10 - Distribuição das cinquenta e duas lesões cutâneas de carcinoma de células escamosas submetidas ao tratamento radioterápico segundo o estadiamento clínico para tumores epidermais de felinos da Organização Mundial de Saúde, adaptado por Owen (OWEN, 1980). ......................................................................... 69 Figura 11 - Estadiamento clínico do carcinoma de células escamosas cutâneo em felinos submetidos ao tratamento radioterápico. A – Lesão neoplásica estadiada como T1. B – Lesão neoplásica avançada, estadiada como T4 . ............................... 70 Figura 12 - Radiografias torácicas de felino portador de CCE cutâneo evidenciando presença de consolidação lobar sugestiva de metástase pulmonar. ........................ 71 Figura 13 - Distribuição das cinquenta e duas lesões cutâneas de carcinoma de células escamosas submetidas ao tratamento radioterápico segundo a área tumoral. ..................................................................................................................................71 Figura 14 – Distribuição das cinquenta e duas lesões cutâneas de carcinoma de células escamosas divididas em grupo 1 (trinta lesões) e grupo 2 (vinte e duas lesões) submetidas ao tratamento radioterápico segundo a área tumoral. ............... 72 Figura 15 - Aspectos macroscópicos do carcinoma de células escamosas cutâneo em felinos submetidos à radioterapia, antes do início do tratamento. A – Nódulo no plano nasal. B – Ulceração no plano nasal. C - Ulceração e necrose no pavilhão auricular. D – Massa, ulceração e necrose no pavilhão auricular. ............................ 79 Figura 16 - Fotos das lâminas de histopatologia das lesões cutâneas de carcinoma de células escamosas de felinos submetidos ao tratamento radioterápico. A – Formações trabeculares de células epiteliais neoplásicas e formação de pérola córnea (asterisco), B – Acantose da epiderme, formações trabeculares (seta azul) e ilhas de células epiteliais neoplásicas. C – Figuras de mitose (seta branca) e nucléolos proeminentes e por vezes duplo (seta preta). D – Células epiteliais neoplásicas com pleomorfismo celular acentuado, hipercromatismo nuclear, nucléolos evidentes e áreas de anaplasia. (HE, 100x A e B; 400x C; 200x D - original). .................................................................................................................... 80 Figura 17 - Resposta das cinquenta e duas lesões neoplásicas dos felinos portadores de CCE cutâneo submetidas ao tratamento radioterápico conforme estadiamento clínico. ................................................................................................. 83 Figura 18 - Resposta das cinquenta e duas lesões neoplásicas de felinos portadores dos CCE cutâneo submetidas ao tratamento radioterápico conforme área tumoral . 83 Figura 19 – Box plot representativo da mediana, primeiro e terceiro quartil do tempo de sobrevida dos felinos portadores de CCE cutâneo submetidos ao tratamento radioterápico. ............................................................................................................. 84 Figura 20 - Box plot representativo da mediana, primeiro e terceiro quartil do tempo livre da doença das lesões cutâneas de CCE submetidas ao tratamento radioterápico. ............................................................................................................. 84 Figura 21 - Box plot representativo do tempo livre da doença de lesões de gatos portadores de CCE cutâneo submetidos ao tratamento radioterápico segundo estadiamento clínico. ................................................................................................. 85 Figura 22 - Box plot representativo do tempo de sobrevida dos gatos portadores de CCE cutâneo submetidos à radioterapia de acordo com o tamanho tumoral em área. .................................................................................................................................. 86 Figura 23 - Resposta das cinquenta e duas lesões neoplásicas dos felinos portadores de CCE cutâneo submetidas ao tratamento radioterápico conforme a realização de tratamento anterior. ............................................................................. 87 Figura 24 – Resposta das cinquenta e duas lesões neoplásicas dos felinos portadores de CCE cutâneo submetidas ao tratamento radioterápico conforme a localização neoplásica. ............................................................................................. 87 Figura 25 – Box plots representativos do tempo livre da doença e tempo de sobrevida dos gatos portadores de CCE cutâneo submetidos ao tratamento radioterápico de acordo com a presença de metástases regionais. .......................... 88 Figura 26 - Distribuição das lesões cutâneas de CCE submetidas ao tratamento radioterápico, de acordo com a resposta neoplásica, do grupo 1. ............................ 89 Figura 27 - Distribuição das lesões cutâneas de CCE submetidas ao tratamento radioterápico, de acordo com a resposta neoplásica, do grupo 2. ............................ 90 Figura 28 – Resposta das cinquenta e duas lesões neoplásicas dos gatos portadores de CCE cutâneo submetidos ao tratamento de radioterapia de acordo com o grupo de tratamento. ...................................................................................... 93 Figura 29 - Evolução de algumas lesões cutâneas de gatos portadores de carcinoma de células escamosas submetidas à radioterapia. A e B – Lesão neoplásica antes e após tratamento radioterápico, evidenciando remissão parcial. C e D – Lesão neoplásica antes e após tratamento radioterápico, evidenciando remissão completa. E e F – Lesão neoplásica antes e após tratamento radioterápico, evidenciando remissão completa. G e H – Lesão neoplásica antes e após tratamento radioterápico, evidenciando doença estável. .................................. 94 Figura 30 - Reações agudas de toxicidade ao tratamento radioterápico observadas nos animais portadores de CCE cutâneo. A – Conjuntivite. B – Epilação e eritema. C – Dermatite úmida. D – Epilação e eritema. .............................................................. 97 Figura 31 - Evolução da epilação, principal reação aguda da radioterapia, ao longo e após o tratamento do felino portador de CCE nasal (animal 28). A – Aparência do campo radioterápico antes do início do tratamento, evidenciando lesão eritematosa e ulcerativa em plano nasal. B - Aparência do campo na quarta semana de tratamento, apresentando ainda lesão neoplásica remanescente, já sendo possível observar início da epilação. C - Aparência do campo duas semanas após o término do tratamento, evidenciando epilação e eritema. D - Aparência do campo radioterápico quatro meses após o tratamento, evidenciando crescimento parcial e irregular dos pêlos, e remissão completa da lesão neoplásica. ..................................................... 98 Figura 32 – Curva de sobrevida Kaplan-Meier dos trinta e cinco felinos portadores de CCE cutâneo submetidos ao tratamento radioterápico. ..................................... 105 LISTA DE QUADROS E TABELAS Quadro 1 - Estadiamento clínico de neoplasias epidermais dos felinos segundo a Organização Mundial de Saúde e adaptado por Owen. ............................................ 53 Quadro 2 - Critérios de toxicidade aguda à radiação do ”Veterinary Radiation Therapy Oncology Group” modificada. ...................................................................... 61 Tabela 1 – Classificação das lesões neoplásicas de CCE cutâneo submetidas ao tratamento radioterápico segundo a área tumoral. .................................................... 54 Tabela 2 – Tabela de percentual de profundidade (%DD) do Stabilipan I. ............... 59 Tabela 3 - Resultados da resenha, procedência e tratamentos prévios dos trinta e cinco felinos portadores de carcinoma de células escamosas cutâneo submetidos ao tratamento radioterápico............................................................................................ 67 Tabela 4 - Localização neoplásica, tamanho e estadiamento clínico das cinquenta e duas lesões cutâneas neoplásicas de carcinoma de células escamosas submetidas ao tratamento radioterápico....................................................................................... 73 Tabela 5 - Resultados dos exames hematológicos dos trinta e cinco felinos portadores de carcinoma de células escamosas cutâneo submetidos ao tratamento radioterápico. ............................................................................................................. 74 Tabela 6 - Resultados da dosagem bioquímica sérica e de outros exames dos trinta e cinco felinos portadores de CCE cutâneo submetidos ao tratamento radioterápico. ..................................................................................................................................76 Tabela 7 - Doenças sistêmicas concomitantes dos trinta e cinco felinos portadores de CCE cutâneo submetidos ao tratamento radioterápico. ....................................... 77 Tabela 8 – Exames hematológicos e bioquímicos dos dezoito animais do grupo 2 antes e após o tratamento radioterápico. .................................................................. 78 Tabela 9 - Dose total de radiação, energia utilizada, resposta neoplásica, tempo de sobrevida, tempo livre da doença e evolução das cinquenta e duas lesões cutâneas de carcinoma de células escamosas submetidas ao tratamento radioterápico. ........ 92 Tabela 10 – Frequência do aparecimento da epilação no campo irradiado dos trinta e cinco gatos portadores de CCE cutâneo submetidos ao tratamento radioterápico conforme o grupo de tratamento. .............................................................................. 95 Tabela 11 - Reações agudas de toxicidade à radiação observadas nas cinquenta e duas lesões de gatos portadores de carcinoma de células escamosas cutâneo submetidas ao tratamento radioterápico, de acordo com a tabela de critérios de toxicidade da VRTOG (LADUE; KLEIN, 2001). ......................................................... 96 Tabela 12 - Comparação entre o estadiamento clínico e a resposta tumoral ao tratamento radioterápico em felinos portadores de CCE cutâneo. ............................ 99 Tabela 13 – Comparação entre o tamanho tumoral e a resposta ao tratamento radioterápico em felinos portadores de CCE cutâneo. ............................................ 100 Tabela 14 - Comparação entre a realização de tratamentos prévios e a resposta tumoral ao tratamento radioterápico em felinos portadores de CCE cutâneo. ........ 100 Tabela 15 - Comparação entre a localização neoplásica e a resposta tumoral ao tratamento radioterápico em felinos portadores de CCE cutâneo. .......................... 101 Tabela 16 - Comparação entre o sexo do animal e a resposta tumoral ao tratamento radioterápico em felinos portadores de CCE cutâneo. ............................................ 101 Tabela 17 - Comparação entre a presença de metástases para linfonodos regionais no momento do diagnóstico e a resposta tumoral ao tratamento radioterápico em felinos portadores de CCE cutâneo. ........................................................................ 102 Tabela 18 - Comparação entre a resposta tumoral ao tratamento radioterápico em felinos portadores de CCE cutâneo de acordo com o grupo. .................................. 103 Tabela 19 – Comparação entre o tempo de sobrevida em felinos portadores de CCE cutâneo que obtiveram remissão completa e remissão parcial após tratamento radioterápico. ........................................................................................................... 103 Tabela 20 – Comparação entre o tempo de sobrevida em felinos portadores de CCE cutâneo que obtiveram remissão completa e doença estável após tratamento radioterápico. ........................................................................................................... 104 Tabela 21 – Comparação entre o tempo de sobrevida em felinos portadores de CCE cutâneo que obtiveram remissão completa e doença em progressão após tratamento radioterápico. ........................................................................................................... 104 LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS ALT......................................................................................Alanina Amino Transferase BNCT .........................................................................Boron Nêutron Capture Therapy BSF……………………………...………….Backscatter factor (Fator de retro-dispersão) CCE .........................................................................Carcinoma de células escamosas Cgy..................................................................................................................Centigray CEUA ................................................................... Comitê de Ética no Uso de Animais dL ......................................................................................................................Decilitro DNA ......................................................................................Ácido Desoxirribonucléico DTPA ................................................................ Diethylene Triamine Pentaacetic Acid EtNBS .......................5-ethylamino -9-diethylaminobenzo(a)phenothiazinium chloride EV ........................................................................................................Via endovenosa FeLV .....................................................................................Vírus da Leucemia Felina FIV .............................................................................Vírus da Imunodeficiência Felina GTV ...........................................................................................Gross Tumour Volume gy ..........................................................................................................................Gray HPPH-23............................................................. Pyropheophorbide-alpha-hexyl-ether IM .......................................................................................................Via Intramuscular J ............................................................................................................................Joule kV .......................................................................................................................Kilovolt LED ............................................................................................... Light-emitting Diode mA.................................................................................................................Miliampere mEq …………………………………………………………….……………. Miliequivalente MeV ..........................................................................................Milhão de elétrons-volt mg ................................................................................................................ Miligrama mm...................................................................................................................Milímetro mV ......................................................................................................................Milivolt mW ....................................................................................................................Miliwatt Nd:Yag ..............................Neodymium-doped yttrium aluminium garnet; Nd:Y3Al5O12 nm ............................................................................................................... Nanômetro OH- ..................................................................................................................Hidroxila PPT ......................................................................................Proteína Plasmática Total PTV .........................................................................................Planned Target Volume SSD.............................................................Source skin distance (Distância foco-pele) TFD .............................................................................................Terapia Fotodinâmica UFRJ ..............................................................Universidade Federal do Rio de Janeiro UI ................................................................................................Unidade Internacional UV ................................................................................................................Ultravioleta VG .......................................................................................................Volume GlobularVRTOG ................................................Veterinary Radiation Therapy Oncology Group WHO ..............................World Health Organization (Organização Mundial de Saúde) 60Co ............................................................................................................Cobalto-60 µL ...................................................................................................................Microlitro %DD...................................................................................Percentual de profundidade RESUMO A radioterapia é uma das modalidades de tratamento do câncer. Os protocolos rotineiramente utilizados em humanos são diários, porém a necessidade da anestesia em cada fração é um fator limitante na veterinária. Este trabalho teve como objetivo avaliar a efetividade de dois protocolos radioterápicos (hipofracionamento e fracionamento padrão) no tratamento de felinos portadores de carcinoma de células escamosas (CCE) cutâneo. Cinquenta e duas lesões neoplásicas de 35 felinos com CCE cutâneo foram tratadas e divididas em 2 grupos. O grupo 1 (G1 - 30 lesões) recebeu um protocolo hipofracionado (4-5 frações semanais de 7,6 a 12gy) através de um acelerador linear Clinac 2100, e a energia utilizada foi de 4 MeV nas lesões superficiais e 6 MeV nas lesões mais profundas. A distância foco-pele foi de 100 cm, e um bolus foi utilizado sobre a neoplasia para superficializar a dose. O grupo 2 (G2 - 22 lesões) recebeu o protocolo de fracionamento padrão (12 frações de 4 gy realizadas três vezes por semana) através de um equipamento de ortovoltagem Stabilipan, e foram utilizados energia de 120 kV para lesões com profundidade menor que 2 cm, e 140 kV em lesões com profundidade maior que 2 cm. A distância foco-pele foi de 30 cm. O campo incluiu o a lesão neoplásica mais uma margem de 2 cm, e os animais foram anestesiados em cada fração. Para o diagnóstico, foi realizada uma biópsia incisional da lesão, e a amostra foi fixada em formol tamponado a 10% e processada pela rotina histopatológica. Foram excluídos animais com metástases distantes ou recebendo outros tratamentos concomitantemente com a radioterapia. O estadiamento clínico dos animais foi realizado de acordo com o sistema da OMS para felinos. A maioria dos animais tinha pelagem total ou parcialmente branca, a idade teve média de 13 anos, sendo 23 fêmeas e 12 machos. O plano nasal e pavilhões auriculares foram as regiões mais acometidas no estudo, seguida pelas pálpebras, têmporas e lábios. De acordo com o estadiamento clínico, 56% (29/52) das lesões foram classificadas como T4, 15% (8/52) como T3, 12% (6/52) como T2 e 17% (9/52) como T1. A taxa de resposta foi de 50% no G1 e 95% no G2. Os tempos médios livre da doença e de sobrevida do G1 foram de 273 e 262 dias, e no G2, até o momento, foram de 152 e 157 dias. O protocolo de fracionamento padrão (G2) levou a melhores resultados do que o protocolo de hipofracionamento (G1). Os efeitos colaterais foram leves/moderados e incluíram eritema cutâneo, epilação, dermatite úmida, rinite e conjuntivite. A radioterapia pode representar uma boa opção terapêutica para o CCE cutâneo em felinos, mesmo em casos avançados. Palavras-chave: Gatos, neoplasia, radioterapia, fracionamento, carcinoma epidermóide. ABSTRACT Radiation therapy is a cancer treatment modality. In medicine, routine protocols are applied daily. However, anesthesia is required in each radiation fraction in veterinary medicine, which limits treatment. The objective of this paper was to evaluate the effectiveness of two different radiation therapy protocols (standard fractionation and hypofractionation) in the treatment of cats with cutaneous SCC. Fifty two lesions of 35 cats with cutaneous SCC were treated and divided into two groups. Group 1 (G1 - 30 lesions) received a hypofractionated protocol (4-5 weekly fractions of 7.6 to 12 gy) delivered by a linear accelerator Clinac 2100 and energy used was 4 MeV in superficial tumors and 6 MeV in deep lesions. The focus-skin distance was 100cm, and a bolus was used with the objective of allowing absorption of part of the dose more superficially. Group 2 (G2 - 22 lesions) received a full course radiation protocol (Twelve fractions of 4 gy three times per week) delivered by an orthovoltage unit Stabilipan, and energy was 120 kV for lesions less than 2 cm depth and 140 kV for more than 2 cm depth. Focus-skin distance was 30 cm. Determination of target volume was made by adding a 2 cm margin around the macroscopic lesion. In each radiation fraction, anesthesia was performed. For diagnosis, an incisional biopsy of the lesion was performed and samples were put in 10% formalin and routinely processed for histopathology. Clinical staging was performed according to World Health Organization. Animals with distant metastasis or receiving other treatment modalities concurrently with radiation therapy were excluded from experiment. Most animals were totally or partially white, with mean age of 13 years, and there were 23 females and 12 males. The nasal planum and pinnae were mostly affected, followed by eyelids, temporal region and lips. According to clinical staging system, 56% of lesions were staged as T4, 15% as T3, 12% as T2 and 17% as T1. The response rate was 50% in G1 and 95% in G2. Mean survival time and free disease interval were 262 and 273 days in G1 and 152 and 157 days in G2. Standard fractionation (G2) lead to better results than hypofractionation (G1). Radiation side effects were considered mild/moderate and included erythema, epilation, moist desquamation, rhinitis and conjunctivitis. Radiation therapy may be considered an effective treatment for feline cutaneous SCC, even for advanced lesions. Key words: Cats, neoplasm, radiation therapy, fractionation, squamous cell carcinoma. 1 INTRODUÇÃO O carcinoma de células escamosas (CCE) é a principal neoplasia cutânea de felinos, e está intimamente ligado à exposição aos raios solares. É mais comum na face, nas áreas despigmentadas e com poucos pêlos, incluindo plano nasal, pavilhões auriculares, pálpebras e têmporas. Esta neoplasia tem comportamento altamente infiltrativo, porém apresenta baixas taxas de metástases, e seu principal tratamento é a cirurgia com amplas margens (cerca de 2 cm). No entanto, em muitos casos, o CCE é diagnosticado tardiamente, tornando a cirurgia impossível ou inaceitável pelos donos devido a questões estéticas e/ou funcionais. A radioterapia é uma boa opção nesses casos, pois consegue tratar tumores mais avançados com poucos efeitos estéticos para o animal. Os protocolos radioterápicos que são comprovadamente eficazes na cura de neoplasias em seres humanos requerem tratamentos constantes, geralmente diários, com pequenas doses de radiação (BARYSCH et al., 2012). Na medicina veterinária, ao contrário da medicina humana, a anestesia geral é necessária em cada fração radioterápica, já que o animal precisa ficar imóvel durante todo o tratamento radioterápico. Isto é um fator limitante, já que a maioria dos animais é geriátrica e muitas vezes portadora de enfermidades concomitantes, como cardiopatias e nefropatias, por exemplo, o que implica em um maior risco anestésico. Além disso, o custo com as frequentes anestesias se soma ao já dispendioso custo do tratamento radioterápico, o que onera o tratamento. E finalmente, a intensa manipulação necessária para o tratamento radioterápico de um felino, como frequentes transportes para a clínica veterinária e procedimentos de cateterização venosa em 18 cada fração, são fatores de preocupação para os proprietários, já que gatos em geral são animais de temperamento difícil e se estressamcom muita facilidade. Todos os fatores anteriormente descritos sugerem que há necessidade em se buscar protocolos de tratamento mais práticos e seguros na medicina veterinária, mas ao mesmo tempo efetivos. Protocolos que utilizam aplicações semanais de radioterapia (hipofracionamento) seriam interessantes porque são mais práticos, requerem menor número de anestesias gerais e têm menor custo para o proprietário. No entanto, esses protocolos são, em teoria, menos efetivos, pois permitem a repopulação tumoral. Protocolos que utilizam aplicações de radioterapia três vezes por semana (fracionamento padrão) são interessantes, sendo uma alternativa ao tratamento diário, que é mais dispendioso e requer maior frequência de anestesias gerais. Em teoria, é mais eficaz em relação ao protocolo de hipofracionamento, pois o curto intervalo entre frações diminui a repopulação tumoral. Este trabalho teve como objetivo pesquisar um protocolo radioterápico prático, viável e seguro para os felinos domésticos portadores de CCE cutâneo. 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A medicina veterinária vem se aperfeiçoando cada vez mais nos últimos anos no Brasil e no mundo, em destaque a oncologia. O câncer é uma das principais causas de morte natural em cães e gatos geriátricos, e cada vez mais, há proprietários buscando novas opções de tratamento, visando garantir não apenas quantidade, mas também qualidade de vida para seus animais de estimação (LARUE; GILLETTE, 2007; MOORE; OGILVIE, 2001; WITHROW, 2007). A radioterapia é amplamente utilizada na medicina humana como parte do tratamento oncológico, e na medicina veterinária ela também vem se tornando cada vez mais comum, principalmente após a chegada de novas tecnologias de diagnóstico por imagem, como a tomografia computadorizada e a ressonância magnética (GILLETTE, 1997; MOORE; OGILVIE, 2001). 2.1 Radioterapia A radioterapia, uma modalidade de tratamento do câncer, tem como finalidade causar a morte das células neoplásicas, porém poupando as células sadias vizinhas. É considerada uma terapia localizada, e não sistêmica (GARRETT, 2012; KENT, 2006; LARUE; GILLETTE, 2007). Por esse motivo, ela é comumente associada a outras modalidades de tratamento, como por exemplo cirurgia e/ou quimioterapia. No entanto, a radioterapia também pode ser utilizada como tratamento único em determinados casos, principalmente nas neoplasias localizadas e de baixo potencial 20 metastático, ou como tratamento paliativo, para controlar a dor e melhorar a qualidade de vida do paciente (GARRETT, 2012; KENT, 2006; LARUE; GILLETTE, 2007). A radioterapia tem como princípio básico a morte celular através do efeito da radiação ionizante sobre as células (CARPENTER; ANDREWS; HOLZWORTH, 1987; COLLEEN; MAYER, 2006; GARRETT, 2012; LARUE; GILLETTE, 2007; MCNIEL; LARUE, 1998; MOORE, 2002). A radiação ionizante atua diretamente sobre o núcleo, quebrando as pontes dissulfeto do DNA, ou indiretamente através da dissociação das moléculas de H2O do citoplasma que formam radicais livres tóxicos para a célula (CARPENTER; ANDREWS; HOLZWORTH, 1987; LARUE; GILLETTE, 2007; MCNIEL; LARUE, 1998). A grande limitação do tratamento radioterápico é a atuação da radiação ionizante em todas as células em proliferação, tanto normais quanto neoplásicas, presentes no campo radioterápico (CARPENTER; ANDREWS; HOLZWORTH, 1987; LARUE; GILLETTE, 2007; MCNIEL; LARUE, 1998). Portanto, o tecido normal adjacente à neoplasia limita a dose de radiação que pode ser utilizada, e é um dos fatores de preocupação no planejamento do tratamento radioterápico (CARPENTER; ANDREWS; HOLZWORTH, 1987; COLLEEN; MAYER, 2006; GARRETT, 2012; LARUE; GILLETTE, 2007; MCNIEL; LARUE, 1998). O fracionamento radioterápico, ou seja, a aplicação de pequenas doses de radiação em um determinado período de tempo, diminui os efeitos colaterais agudos e tardios da radioterapia (CARPENTER; ANDREWS; HOLZWORTH, 1987; GARRETT, 2012; LARUE; GILLETTE, 2007). 2.1.1 Fracionamento radioterápico O fracionamento da dose total de radiação é importante por diversos motivos. Os efeitos da radioterapia nos tecidos seguem quatro critérios básicos denominados “4 R´s da radioterapia”, sendo estes a redistribuição, reoxigenação, reparo e repopulação (BALCER-KUBICZEK, 2012; GARRETT, 2012; LARUE; GILLETTE, 2007; MOORE, 2002; RUSLANDER, 2006,). 21 O ciclo celular é a sequência de eventos que ocorrem em uma célula viva entre duas divisões celulares (denominadas mitoses), e é dividido em fases: G1, S, G2 e M. A fase G0 é aquela em que as células estão funcionais, mas não estão programadas para a mitose. A fase G1 é o período anterior à duplicação ou síntese de DNA no núcleo. A fase S é o período em que o DNA nuclear é sintetizado e os cromossomos são duplicados. A fase G2 se inicia quando a síntese do DNA está completa e se estende até o início da divisão celular, e a fase M corresponde à divisão celular propriamente dita (GARRETT, 2012; GIORDANO, 2004; LARUE; GILLETTE, 2007). A presença de células nessas diversas fases do ciclo celular (M, S, G1, G2, G0) é um fator importante na sensibilidade destas à radiação (BLANK, 1996; GIORDANO, 2004; LARUE; GILLETTE, 2007; MOORE, 2002; RUDOLTZ; KAO; RUSLANDER, 2006). As células nas fases M e G2 são mais sensíveis à radiação, enquanto aquelas nas fases S e G1 são mais resistentes (LARUE; GILLETTE, 2007; MOORE; OGILVIE, 2001; MOORE, 2002; RUSLANDER, 2006). Durante o intervalo entre frações radioterápicas, as células que estão nas fases radioresistentes progridem para as fases radiosensíveis, em um processo conhecido como redistribuição (LARUE; GILLETTE, 2007; MOORE, 2002; RUSLANDER, 2006) (Figura 1). Portanto, o fracionamento do tratamento radioterápico essencial para que a radiação atinja o maior numero possível de células nas fases radiosensíveis, evitando a repopulação tumoral (BALCER-KUBICZEK, 2012; LARUE; GILLETTE, 2007; MOORE; OGILVIE, 2001; MOORE, 2002; RUSLANDER, 2006). 22 Figura 1 – Esquema mostrando a melhor atuação da radioterapia em determinadas fases do ciclo celular. As células em mitose, especialmente aquelas na fase M e G2, são sensíveis à radiação, enquanto aquelas na fase S e G1 são resistentes. Durante o tratamento radioterápico fracionado, as células nas fases radioresistentes progridem para as fases radiosensíveis (redistribuição). Muitas neoplasias crescem de forma acelerada e descontrolada, que leva a uma vascularização deficiente, tendo parte das células em condição de hipóxia (GARRETT, 2012; LARUE; GILLETTE, 2007; MOORE, 2002; ORLETH et al.,2010; RUSLANDER, 2006). O oxigênio é necessário para fixar os radicais livres causados pela dissociação da água do citoplasma após a radiação. Consequentemente, as células tumorais que vivem em condição de hipóxia são consideradas mais resistentes à radioterapia. Durante o intervalo entre frações, muitas células em hipóxia entram em aerobiose, e se tornam, portanto, mais sensíveis à radiação, em um processo conhecido como reoxigenação (BALCER-KUBICZEK, 2012; LARUE; GILLETTE, 2007; MOORE, 2002; RUSLANDER, 2006). Um dano subletal leva à reparação tanto das células neoplásicas quanto das células normais poucas horas após a radiação (GARRETT, 2012; LARUE; GILLETTE, 2007; MOORE; OGILVIE, 2001). A reparação dos tecidos sadios é benéfica e desejada durante o fracionamento radioterápico. No entanto, como este fenômeno é dependente de oxigênio, e devido ao fato de parte das células neoplásicas estarem em hipóxia, a reparação é deficiente nascélulas neoplásicas, o que é favorável ao tratamento. Assim, o fracionamento ajuda na reparação do tecido 23 normal adjacente à neoplasia, porém prejudica as células neoplásicas (GIORDANO, 2004; LARUE; GILLETTE, 2007). A repopulação é o fenômeno da multiplicação das células sobreviventes após a radiação, sejam normais ou neoplásicas. Apenas a repopulação dos tecidos normais é favorável e desejada. Este processo depende do tecido de origem, o que explica por que algumas neoplasias são mais radiosensíveis do que outras (GARRETT, 2012; HAND; KIM; WALDOW, 2004). 2.1.2 Radiobiologia A radiação ionizante provoca basicamente dois tipos de danos ao penetrar nas células. O efeito direto consiste na quebra das pontes de dissulfeto e consequente abertura das fitas de DNA, levando à morte celular (HAND; KIM; WALDOW, 2004; RUSLANDER, 2006). No entanto, caso a dose de radiação seja insuficiente, a célula é capaz de se reparar e continuar dentro do ciclo celular (HAND; KIM; WALDOW, 2004; LARUE; GILLETTE, 2007; MOORE; OGILVIE, 2001). O efeito indireto ocorre pela dissociação da água do citoplasma em íons H+ e OH-, que são tóxicos à célula e levam à sua morte (HAND; KIM; WALDOW, 2004; RUSLANDER, 2006). Outras estruturas na célula que sofrem danos com a radiação são as membranas celulares, mitocondriais e lisossômicas (que têm sua permeabilidade alterada), e componentes celulares, como proteínas, enzimas, carboidratos e lipídios (HAND; KIM; WALDOW, 2004; RUSLANDER, 2006). Uma célula viva pode responder de formas diferentes aos efeitos da radiação ionizante, como morte mitótica, divisão anômala, morte celular direta, atraso mitótico, apoptose ou ainda ausência de resposta à radiação (COLEMAN, 1996; HAND; KIM; WALDOW, 2004; MOORE, 2002). A morte mitótica ou incapacidade reprodutiva das células irradiadas é a resposta mais frequente à radiação. Ela é definida como a diminuição da integridade reprodutiva celular, que diminui a habilidade das células de se dividirem após a irradiação (COLEMAN, 1996; HAND; KIM; WALDOW, 2004). 24 A radioterapia que atinge as células durante as fases G1, S ou G2 pode resultar em morte celular direta antes destas células atingirem a mitose. Este tipo de resposta pode ocorrer tanto em células que não se dividem, como células nervosas por exemplo, quanto naquelas com divisões frequentes (COLEMAN, 1996; HAND; KIM; WALDOW, 2004). As células que estão em interfase no momento da radioterapia se atrasam para a fase G2, em um fenômeno denominado atraso mitótico. Consequentemente, uma menor proporção de células daquela população entrará em mitose. Este fenômeno é dose-dependente, sendo que quanto maior a dose da radiação, maior será o atraso mitótico (COLEMAN, 1996; HAND; KIM; WALDOW, 2004). A apoptose também tem sido associada aos efeitos da radiação, apesar de não ter relação com a mitose. Neste caso, a célula sofre fragmentação nuclear, lise celular, e é fagocitada pelas células vizinhas (BALCER-KUBICZEK, 2012; COLEMAN, 1996; HAND; KIM; WALDOW, 2004). 2.1.3 Tempo de tratamento radioterápico O período de tempo total do tratamento radioterápico é importante porque as células neoplásicas e sadias, principalmente aquelas de proliferação rápida, como mucosas e pele, irão se repopular (LARUE; GILLETTE, 2007). Quando doses maiores de radiação por fração são utilizadas em um tempo curto de tratamento (hipofracionamento), reações agudas e tardias mais graves podem ocorrer. As reações agudas ocorrem principalmente em tecidos de alta proliferação celular, como por exemplo, pele, mucosas e trato gastrointestinal. No entanto, apesar de causarem desconforto ao paciente, tais efeitos são geralmente auto-limitantes e são facilmente controlados com tratamento de suporte. Já as reações tardias ocorrem devido à maior radiossensibilidade dos tecidos de baixa proliferação celular ou tecidos perenes ao aumento da dose por fração (CARPENTER; ANDREWS; HOLZWORTH, 1987; COLLEEN; MAYER, 2006; LARUE; GILLETTE, 2007; MELEO, 1997; MOORE, 2002; RUSLANDER, 2006). 25 Por outro lado, protocolos de radioterapia muito longos também não são recomendados, porque ocorre uma repopulação acelerada, onde as células neoplásicas irradiadas que não foram destruídas criam um mecanismo de resistência ao tratamento e se replicam mais rapidamente (BESE; HENDRY; JEREMIC, 2007; LARUE; GILLETTE, 2007; WANG; LI, 2005). Este fenômeno ainda não foi totalmente esclarecido, mas pesquisadores sugerem que, após quatro semanas de tratamento, as células neoplásicas remanescentes “aprendem” a se multiplicar mais rápido, reduzindo o tempo do ciclo celular, aumentando o número de células que entram em divisão celular, e reduzindo o número de células que normalmente morrem (fator de perda celular) (BESE; HENDRY; JEREMIC, 2007; LARUE; GILLETTE, 2007; WANG; LI, 2005). 2.1.4 Dose total de radiação A unidade de radiação utilizada universalmente é o Gray (Gy), que é equivalente a 1 Joule/kg. Outra unidade mais antiga e ainda utilizada é o rad, que equivale a 0,01 gy (LARUE; GILLETTE, 2007; MCNIEL; LARUE, 1998; MOORE, 2002). As reações teciduais tardias na região irradiada devem ser evitadas ao máximo, e essas reações dependem da dose utilizada em cada fração (LARUE; GILLETTE, 2007; WANG; LI, 2005). Protocolos que utilizam pequenas doses por fração permitem que uma alta dose total seja administrada sem aumentar a probabilidade de reações teciduais tardias. No entanto, esse período de tratamento também não deve ser muito longo, pois leva ao fenômeno da repopulação acelerada (BESE; HENDRY; JEREMIC, 2007; LARUE; GILLETTE, 2007; WANG; LI, 2005). Não há protocolo radioterápico perfeito, e todos os protocolos utilizados na medicina humana e veterinária apresentam vantagens e desvantagens (GIORDANO, 2004; LARUE; GILLETTE, 2007). 26 2.1.5 Volume alvo A localização exata da neoplasia e a delimitação precisa do campo a ser irradiado são extremamente importantes para o sucesso do tratamento radioterápico. Também, é essencial que o paciente esteja imóvel e bem posicionado, de forma a aumentar a precisão do campo (MCENTEE, 2001; MOORE, 2002). O volume neoplásico pode ser definido por meio de inspeção, palpação, ou técnicas de diagnóstico por imagem, como ultrassonografia, radiografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética (CARPENTER; ANDREWS; HOLZWORTH, 1987; MCENTEE, 2001; MOORE, 2002). O volume neoplásico (Gross tumor volume – GTV) é a neoplasia macroscópica e evidenciada clinicamente ou por exames de imagem. O volume alvo (Clinical target volume – CTV) adiciona uma margem de segurança ao GTV, considerando a existência de uma extensão microscópica da neoplasia. Já o volume alvo planejado (Planned target volume – PTV) considera uma margem adicional ao CTV, devido a erros de posicionamento do paciente e movimentação interna de órgãos (MOORE, 2002). Este último é o campo a ser irradiado. As estruturas normais e tecidos sadios devem ser poupados da radiação o máximo possível. Blocos de chumbo podem ser posicionados entre o colimador do aparelho e o paciente (LARUE; GILLETTE, 2007; SCHARBELE; SILVA, 2000). Outra opção consiste na utilização de lâminas que estão localizadas dentro do colimador (colimador multifolhas), que são capazes de modificar o campo de tratamento de forma que este adquira a forma do alvo, protegendo as estruturas normais adjacentes, sem a necessidade de confecção de blocos (LARUE; GILLETTE, 2007; SCHARBELE; SILVA, 2000). 2.1.6 Reação dos tecidos / Efeitos colateraisA tabela de critérios de toxicidade da “Veterinary Radiation Therapy Oncology Group - VRTOG” foi criada em 2001 com a finalidade de padronizar a classificação 27 das reações agudas e tardias dos animais ao tratamento radioterápico (LADUE; KLEIN, 2001). Os tecidos de alta proliferação, como pele, mucosas nasal, oral e ocular desenvolvem reações agudas que incluem dermatite, rinite, estomatite, glossite e conjuntivite (CARPENTER; ANDREWS; HOLZWORTH, 1987; COLLEEN; MAYER, 2006; MELEO, 1997; MOORE, 2002; RUSLANDER, 2006). As manifestações clínicas cutâneas progridem desde epilação e eritema até descamação (seca ou úmida), e em casos severos ulceração e necrose (CARPENTER; ANDREWS; HOLZWORTH, 1987; COLLEEN; MAYER, 2006; MCNIEL; LARUE, 1998; MELEO, 1997; MOORE, 2002; RUSLANDER, 2006). O dano tecidual máximo ocorre em sete a catorze dias após o tratamento. O tratamento recomendado neste período é sintomático, além de evitar a automutilação gerada pelo prurido dos locais afetados (CARPENTER; ANDREWS; HOLZWORTH, 1987; COLLEEN; MAYER, 2006; MCNIEL; LARUE, 1998; MELEO, 1997). As reações tardias da radiação ocorrem meses ou anos após o tratamento radioterápico, e suas manifestações clínicas incluem, entre outras, despigmentação, alopecia, fibrose, necrose, formação de fistulas, baixa resistência a infecções, conjuntivite crônica, catarata, ceratoconjuntivite seca, estomatite crônica, cáries dentarias, formação de cálculo dentário, e halitose (estas últimas em casos de irradiação das glândulas salivares) (CARPENTER; ANDREWS; HOLZWORTH, 1987; COLLEEN; MAYER, 2006; MCNIEL; LARUE, 1998; MELEO, 1997; MOORE, 2002; RUSLANDER, 2006). 2.1.7 Tipos de radioterapia Em geral, a radioterapia utiliza uma fonte de fótons. As fontes conhecidas de fótons incluem isótopos radioativos, como por exemplo, o cobalto (60Co), que libera um fóton do núcleo do átomo, conhecido como raio gama (LEAVER; ALFRED, 2004; MCNIEL; LARUE, 1998; MOORE, 2002). Há fótons, como os raios-x, que se 28 originam fora do núcleo atômico, oriundos da interação entre elétrons e um alvo (LEAVER; ALFRED, 2004; MCNIEL; LARUE, 1998). A teleterapia, modalidade em que a radiação ionizante é administrada por uma fonte externa, é a modalidade mais comum de radioterapia na medicina veterinária (CARPENTER; ANDREWS; HOLZWORTH, 1987; LARUE; GILLETTE, 2007; MCNIEL; LARUE, 1998; MOORE; OGILVIE, 2001). Há quatro tipos de equipamentos de teleterapia em uso no mundo: (1) Máquina de ortovoltagem; (2) Máquina de Cobalto 60; (3) Máquina de Césio 137; e (4) acelerador linear (CARPENTER; ANDREWS; HOLZWORTH, 1987; LARUE; GILLETTE, 2007; LEAVER; ALFRED, 2004; MCENTEE, 2001; MCNIEL; LARUE, 1998; MOORE; OGILVIE, 2001). As máquinas de ortovoltagem produzem raios-x com energia de 100 a 500 kV (CARPENTER; ANDREWS; HOLZWORTH, 1987; LARUE; GILLETTE, 2007; LEAVER; ALFRED, 2004; MCENTEE, 2001; MCNIEL; LARUE, 1998; MOORE; OGILVIE, 2001). Já os aparelhos de megavoltagem (Máquinas de cobalto, césio e aceleradores lineares) emitem fótons de energia superior a um milhão de volts (1 mV) (LARUE; GILLETTE, 2007; MOORE; OGILVIE, 2001; MCNIEL; LARUE, 1998). A máquina de ortovoltagem deposita fótons de baixa energia na superfície da pele, não atingindo tumores mais profundos e causando maiores efeitos cutâneos. Já a megavoltagem deposita fótons de alta energia abaixo da superfície da pele, podendo ser utilizados para tumores profundos e poupando a pele (LARUE; GILLETTE, 2007; MCENTEE, 2001; MCNIEL; LARUE, 1998; MOORE, 2002). Quando a megavoltagem é utilizada, os aceleradores lineares têm vantagens em relação às máquinas de cobalto, pois utilizam feixe de elétrons além de fótons (LEAVER; ALFRED, 2004; MCENTEE, 2001; MCNIEL; LARUE, 1998). No caso de tumores cutâneos, a megavoltagem pode ser utilizada com sucesso, colocando-se uma camada de material de densidade semelhante aos tecidos do organismo, denominado bolus, sobre a lesão neoplásica. Isto permite que parte da dose seja absorvida antes de alcançar a pele, sendo assim a dose máxima de radiação depositada muito mais superficialmente (COLEMAN, 1996; LARUE; GILLETTE, 2007). Outros tipos de radioterapia incluem a braquiterapia (implante local de isótopos no tumor) e a terapia sistêmica (administração sistêmica de radioisótopos, como por exemplo no tratamento do hipertireoidismo) (CARPENTER; ANDREWS; 29 HOLZWORTH, 1987; LARUE; GILLETTE, 2007; LEAVER; ALFRED, 2004; MCENTEE, 2001; MCNIEL; LARUE, 1998; MOORE; OGILVIE, 2001). 2.1.8 Radioproteção A radiação ionizante tem efeitos nocivos à saúde, podendo induzir a mutações genéticas ou carcinogênese. Assim, os procedimentos de radioproteção devem ser rigorosamente adotados (BLINICK; QUATE, 2004; HARDING, 1998; HEAD, 2002; WIDMER; SHAW; THRALL, 1996). Existem normas específicas de radioproteção estipuladas para um serviço de radioterapia. O plano de radioproteção de cada instituição é elaborado por um físico responsável, e inclui diversas medidas (BLINICK; QUATE, 2004; HARDING, 1998; HEAD, 2002; SCHARBELE; SILVA, 2000). O paciente precisa ser monitorado durante o tratamento radioterápico do lado de fora da sala, porque o feixe precisa ser interrompido em casos de movimentação acidental ou emergência anestésica. Geralmente, isso é possível através de um sistema de câmeras e terminais de vídeo (BLINICK; QUATE, 2004). Devido ao alto nível de radiação dentro da sala de radioterapia quando o equipamento está em uso, ninguém exceto o paciente pode ficar dentro da sala durante o tratamento. As portas de entrada da sala devem conter avisos de proibição de entrada e radioatividade (BLINICK; QUATE, 2004). Lâmpadas que indicam quando o feixe de radiação está ligado são obrigatórias acima das portas de entrada da sala. As portas de entrada devem ser equipadas com travas que desligam automaticamente o feixe de radiação caso alguém acidentalmente entre na sala. Chaves de emergência devem estar disponíveis em vários pontos dentro e fora da sala, possibilitando que o feixe de radiação seja desligado em qualquer emergência (BLINICK; QUATE, 2004) (Figura 2). 30 Figura 2 – Medidas de radioproteção em um estabelecimento de radioterapia. A – Porta de entrada da sala de radioterapia, contendo aviso de entrada restrita, radiação ionizante e trava de segurança que desliga o feixe de radiação em caso de abertura acidental da porta (seta). B – Monitoramento do paciente durante o tratamento radioterápico por um terminal de vídeo. 2.2 Carcinoma de células escamosas felino 2.2.1 Histologia da pele de felinos sadios A espessura da pele do gato pode variar de 0,4 mm a 2,0 mm, de acordo com a região do corpo. Nas regiões dorsal, lombar e sacral e nas superfícies laterais dos membros, a pele é mais espessa, enquanto na região ventral e nas superfícies mediais dos membros, é menos espessa (CALHOUN; STINSON, 1982; MORIELLO, 1994). Também, há porções cobertas ou desprovidas de pêlos, dependendo da região do corpo (HARGIS, 1995). A epiderme, a camada mais externa, é composta por diferentes estratos. Nessa camada, há quatro tipos de células: queratinócitos (que correspondem a 85% das células), melanócitos (correspondem a cerca de 5%), células de Langerhans (3 a 8%) e células de Merkel (presentes nos coxins plantares e palmares) (SCOTT; MILLER; GRIFFIN, 1996). A epiderme dos gatos é delgada nas áreas com pêlos A B 31 (variando de 0,1 a 0,5 mm em espessura) e mais espessa nos coxins e no plano nasal (podendo medir 1,5 mm) (SCOTT; MILLER; GRIFFIN,1996). O estrato córneo, mais externo, é completamente queratinizado e composto por células achatadas, anucleadas e eosinofílicas. A queratina, que reveste o tegumento, é proveniente da transformação da diferenciação das células basais, e consiste de uma mistura de proteínas de baixo teor de enxofre a uma matriz amorfa rica em proteínas de alto teor de enxofre (BANKS, 1991; HARGIS, 1995; SCOTT; MILLER; GRIFFIN, 1996). O estrato lúcido é formado por uma fina camada de células compactadas e completamente queratinizadas. Esta zona está presente apenas em regiões epidérmicas muito espessas do corpo, como coxins, plano nasal e plano nasolabial (BANKS, 1991; HARGIS, 1995; SCOTT; MILLER; GRIFFIN, 1996). O estrato granuloso é formado por células achatadas pavimentosas que possuem grânulos de queratohialina e ricos em histidina, e formam a substância interfibrilar da queratina mole (BANKS, 1991). O estrato espinhoso é formado por células poliédricas unidas por desmossomos. Possui uma ou duas células de espessura nas regiões cobertas por pêlos, mas torna-se muito mais espessa nos coxins, plano nasal e junções mucocutâneas. As células variam de basofílicas a eosinofílicas, e mudam gradualmente seu formato de poliédricas a pavimentosas (BANKS, 1991; SCOTT; MILLER; GRIFFIN, 1996). O estrato basal é a camada germinativa e mais interna, formada por uma única camada de células cúbicas ou cilíndricas (BANKS, 1991; HARGIS, 1995). Os queratinócitos se reproduzem e empurram as células epidérmicas das camadas acima, até se tornarem células córneas mortas (SCOTT; MILLER; GRIFFIN, 1996). Os melanócitos, células de Langerhans e células de Merkel estão presentes na camada de células basais. Os melanócitos produzem grânulos de melanina e os transferem aos queratinócitos, ajudando-os na proteção da luz ultravioleta (HARGIS, 1995). Essa melanina, nos animais, é responsável pela coloração da pele e dos pêlos, fotoproteção e inativação de radicais livres (GREEN et al., 1999; SCOTT; MILLER; GRIFFIN, 1996). As células de Langerhans são células claras, que atuam modulando as respostas imunológicas (HARGIS, 1995; SCOTT; MILLER; GRIFFIN, 1996). 32 As células de Merkel regulam a função das estruturas da epiderme e das estruturas anexais pela sua ação parácrina, funcionando como mecanorreceptores (HARGIS, 1995; SCOTT; MILLER; GRIFFIN, 1996). A derme é constituída por fibras colágenas e poucas elásticas imersas em uma matriz de sustentação formada por glicosaminoglicanos. É responsável pela sustentação dos folículos pilosos, glândulas, vasos e nervos. Nesta região, há duas zonas: papilar e reticular (HARGIS, 1995). A zona papilar é composta de uma malha de fibras colágenas finas e elásticas, fibroblastos, macrófagos, plasmócitos e mastócitos (CALHOUN; STINSON, 1982; HARGIS, 1995). A zona reticular, bem mais grossa e densa, é constituída por tecido conjuntivo frouxo, cujas fibras formam um retículo (BANKS, 1991; CALHOUN; STINSON, 1982; MORIELLO, 1994). 2.2.2 Definição de carcinoma de células escamosas felino O carcinoma de células escamosas (CCE) é uma neoplasia maligna de queratinócitos. É a neoplasia cutânea mais frequente, e a segunda mais comum dentre todos os tumores em felinos, perdendo apenas para o linfoma. É uma neoplasia com caráter localmente agressivo, porém com baixos índices de metástases (MOORE; OGILVIE, 2001; MORIELLO, 1994; PETERSON; COUTO, 2000). 2.2.3 Etiopatogenia A radiação ultravioleta é a principal causa da dermatite actínica e do CCE cutâneo (DORN; TAYLOR; SCNEIDER, 1971; CARPENTER; ANDREWS; HOLZWORTH, 1987; MOORE; OGILVIE, 2001; MORIELLO, 1994; PETERSON; COUTO, 2000). As queimaduras solares repetidas levam à dermatite actínica, que 33 por sua vez pode evoluir para o CCE cutâneo caso a exposição solar persista. A doença ocorre mais comumente em regiões de clima quente e ensolarado (MULLER; KIRK; SCOTT, 1985). A radiação ultravioleta (A e B) tem potencial oncogênico e localmente imunossupressor (TOWNSEND; GORRELL; MAYER, 1997). As células de langerhans, que são muito importantes para o sistema imune, são afetadas pela luz UV. Townsend, Gorrell e Mayer (1997) estudaram a distribuição destas células em epitélios normal, acantótico e neoplásico de ovinos. Enquanto na pele normal, elas estavam regularmente distribuídas, na dermatite actínica elas se apresentavam em menor número, irregulares, com distribuição mais suprabasal, e ocasionalmente intumescidas e indistintas. No CCE, estas células estavam deformadas, com poucos grânulos e concentradas em áreas periféricas do epitélio neoplásico (TOWNSEND; GORRELL; MAYER, 1997). Segundo Hargis (1995), o desenvolvimento do CCE cutâneo é multifatorial. Quando a luz UV é absorvida, uma lesão tissular ocorre, resultando na geração de radicais livres que podem lesionar os ácidos nucléicos e proteínas. A lesão pode ocorrer em núcleos, membranas ou organelas, podendo alterar enzimas, causar mutações ou levar ao desenvolvimento neoplásico. Assim, a célula entra em mitose sem se reparar, deixando uma lacuna no DNA que pode conduzir a mutações e à neoplasia. O gene p53 já foi estudado em casos de carcinomas cutâneos, oftálmicos e orais, e pode ser inativado pela radiação ultravioleta. O gene p53 codifica a fosfoproteína nuclear 53kd, que tem como função regular o crescimento e proliferação celular. Células cujo gene p53 é mutante ou ausente são incapazes de manter o ciclo celular. Elas acumulam mutações em uma taxa crescente liderando uma rápida formação de clones neoplásicos e desenvolvimento do tecido neoplásico (MAYR et al, 2000; SNYDER; BERTONE, 2004). A imunohistoquímica vem sendo utilizada nas medicinas humana e veterinária para avaliar o prognóstico dos CCE e buscar novas terapias (BARDAGI; FONDEVILA; FERRER, 2012; SABATINI et al., 2010; YOSHIKAWA et al., 2012). Em humanos, já foi demonstrado que a ceratose actínica e a carcinogênese epidermal têm relação com a superexpressão da ciclooxigenase-2 (COX-2). Esta associação vem sendo estudada em CCE cutâneos de cães e gatos, mas ainda sem resultados conclusivos (BARDAGI; FONDEVILA; FERRER, 2012). A expressão do 34 receptor de fator de crescimento epidermal, detectado pela imunohistoquímica, foi associada a um pior prognóstico do CCE cutâneo felino (SABATINI et al., 2010). Os fatores de riscos para o desenvolvimento do CCE cutâneo em gatos são a pelagem branca e despigmentação em determinadas áreas do corpo, especialmente naquelas com poucos pêlos, como por exemplo plano nasal, pavilhões auriculares, pálpebras e têmporas (CARPENTER; ANDREWS; HOLZWORTH, 1987; COX, 1991; MOORE; OGILVIE, 2001; MORIELLO, 1994; MURPHY, 2013; PETERSON; COUTO, 2000; RUSLANDER, 2006). O primeiro estágio da doença surge como uma área de eritema cutâneo, que pode persistir durante meses ou anos e progredir lentamente para lesões hiperqueratóticas, eritematosas e descamativas. À medida que a doença evolui, pode haver prurido, contração dos pavilhões auriculares, crostas hemorrágicas e sangramento por traumatismo. A necrose dos queratinócitos pode levar a lesões ulcerativas, e caso a exposição solar persista, à mutagênese e neoplasia, incluindo o CCE cutâneo (MOORE; OGILVIE, 2001; MORIELLO, 1994; PETERSON; COUTO, 2000). 2.2.4 Manifestações clínicas O carcinoma de células escamosas cutâneo ocorre principalmente na face e nas regiões com poucos pêlos. O plano nasal é a região mais afetada, seguida pelos pavilhões auriculares e pálpebras, e raramente, dígitos, cauda e períneo (CARPENTER; ANDREWS; HOLZWORTH,1987; COX, 1991; LANA et al.,1997; MILLER et al, 1991; MOORE; OGILVIE, 2001; MORIELLO, 1994; MURPHY, 2013; PETERSON; COUTO, 2000). Geralmente, a doença acomete animais geriátricos, já que a carcinogênese actínica é de evolução lenta (CARPENTER; ANDREWS; HOLZWORTH, 1987; MILLER et al, 1991; MOORE; OGILVIE, 2001). Não há predisposição sexual, e os gatos da raça siamesa são menos afetados, devido à sua maior pigmentação (MILLER et al, 1991; MOORE; OGILVIE, 2001). Gatos brancos apresentam maior propensão do que gatos de outras cores (CARPENTER; ANDREWS; HOLZWORTH, 1987; MILLER et al, 1991; MOORE; OGILVIE, 2001; 35 MORIELLO, 1994; PETERSON; COUTO, 2000). Não há correlação da doença com os vírus da Leucemia (FeLV) e Imunodeficiência (FIV) felinas (CARPENTER; ANDREWS; HOLZWORTH, 1987; MOORE; OGILVIE, 2001; THEON et al., 1995). A lesão pode se iniciar como uma displasia epidermal e progredir para o carcinoma “in situ”, até a forma invasiva. Nos dois primeiros estágios, a lesão se apresenta como uma área eritematosa, levemente ulcerada e exsudativa, que não sangra. Em casos avançados, há destruição do tecido normal pela neoplasia (CARPENTER; ANDREWS; HOLZWORTH, 1987; MILLER et al, 1991; MOORE; OGILVIE, 2001; MORIELLO, 1994; PETERSON; COUTO, 2000). O CCE pode ser ulcerativo ou proliferativo. Os tipos proliferativos são massas papilares, que se assemelham a couve- flor, e com superfície ulcerada. Os tipos ulcerativos aparecem inicialmente como úlceras rasas e crostosas, que se tornam mais tarde úlceras tenebrantes (CARPENTER; ANDREWS; HOLZWORTH, 1987; MILLER et al, 1991; MOORE; OGILVIE, 2001; MORIELLO, 1994; PETERSON; COUTO, 2000). A evolução é lenta, podendo durar de meses a anos (MOORE; OGILVIE, 2001). Esta neoplasia tem caráter altamente invasivo, mas metástases são incomuns, podendo ocorrer nos estágios mais avançados para os linfonodos submandibulares, e mais raramente pulmões (CARPENTER; ANDREWS; HOLZWORTH, 1987; MILLER et al, 1991; MOORE; OGILVIE, 2001; MORIELLO, 1994; PETERSON; COUTO, 2000). O termo “carcinoma in situ” se refere à lesão neoplásica superficial, que se restringe à epiderme. No entanto, é importante a diferenciação do termo “Doença de Bowen”, ou carcinoma “in situ multicêntrico”, que é utilizado para felinos pigmentados com doença multifocal (Figura 3) (MILLER et al., 1992). Ela ocorre predominantemente em felinos sem raça definida, fêmeas de pêlos curtos de diversas colorações, e com idade variando entre 11,5 e 12 anos (MILLER et al.,1992). A doença de Bowen ocorre em áreas com pele e pêlos pigmentados no tronco, membros, face e região cervical expostos ao sol (BAER; HELTON, 1993; MILLER et al.,1992; MUNDAY; GIBSON; FRENCH, 2011). As lesões são bem circunscritas, melanóticas, formam pápulas e placas hiperqueratóticas com 0,5 a 3 cm de diâmetro. Com a evolução, elas se tornam grossas, crostosas, formando placas ulceradas que sangram com facilidade (MILLER et al.,1992). O Papilomavírus 36 foi isolado em muitas dessas lesões pelo método de imunohistoquímica, o que sugere que a doença de Bowen pode surgir de uma transformação maligna dos papilomas virais (MILLER et al.,1992; MUNDAY et al., 2007; MUNDAY; DUNOWSKA; DE GREY, 2009; MUNDAY; GIBSON; FRENCH, 2011; WILHELM et al., 2006). Guaguere e colaboradores (1999) identificaram o ácaro Demodex cati e seus ovos em amostras de biópsia de cinco felinos com Doença de Bowen. Os autores citam a hipótese de que o papilomavírus e o CCE desenvolvem uma imunodeficiência local permitindo que a sarna demodécica se multiplique de maneira excessiva, ou que a infecção por FIV associada à imunodeficiência local gerada pelo CCE predispõe ao desenvolvimento do papilomavírus e Demodex cati. Figura 3 – Diferenciação entre as lesões de dermatite actínica/carcinoma “in situ” e da doença de Bowen/carcinoma “in situ” multicêntrico. A - Dermatite actínica e carcinoma “in situ” em têmpora de felino com pelagem sólida branca. Notar lesão eritematosa e crostosa. B - Doença de Bowen em têmpora e face interna do pavilhão auricular de felino com pelagem torbie vermelha e agouti. Notar placa melanótica e hiperqueratótica. 2.2.5 Estadiamento clínico O estadiamento mais amplamente utilizado é a tabela da Organização Mundial de Saúde adaptada para tumores epidermais de felinos, onde o tamanho e A B Cunha, S.C.S. Cunha, S.C.S. 37 grau de invasão correspondem à categoria T, o acometimento dos linfonodos à categoria N, e as metástases distantes à categoria M (OWEN, 1980). As metástases são raras, mas não devem ser negligenciadas. A citologia por punção aspirativa ou biópsia dos linfonodos são recomendadas caso haja aumento dos mesmos, e radiografias torácicas são recomendadas para o estadiamento clínico (MOORE; OGILVIE, 2001; MURPHY, 2013). 2.2.6 Diagnóstico O diagnóstico do CCE pode ser realizado através do exame citológico ou histopatológico. No entanto, o diagnóstico definitivo bem como avaliação do estágio da lesão (desde dermatite actínica até o CCE cutâneo) só pode ser obtido através da histopatologia (MOORE; OGILVIE, 2001; MORIELLO, 1994). Várias amostras de diferentes localizações das lesões cutâneas devem ser coletadas, já que pode haver áreas em diferentes estágios da doença (queratose actínica, carcinoma “in situ” e CCE) (MURPHY, 2013). Os diagnósticos diferenciais do CCE cutâneo incluem a esporotricose, criptococose, hipersensibilidade alimentar, atopia e complexo pênfigo. 2.2.6.1 Aspectos citológicos A citologia é inconclusiva na maioria dos casos de CCE cutâneos. Tem um maior valor diagnóstico quando utilizada na avaliação de metástase em linfonodos regionais, coletando-se o material por aspirado com agulha fina. No exame citológico, são observadas células epiteliais agrupadas, poligonais, com citoplasma basofílico e núcleo picnótico, além de infiltrado inflamatório (PETERSON; COUTO, 2000). 38 2.2.6.2 Aspectos histopatológicos Nos estágios iniciais da dermatite solar, há presença de células disqueratóticas na epiderme, além de edema intercelular, vacuolização de queratinócitos e perda da camada das células granulares. A hiperqueratose, paraqueratose e acantose também ocorrem. Com o avanço da doença, há dermatite perivascular superficial (esponjosa e hiperplásica) e em alguns animais, há elastose solar (degeneração basofílica do colágeno superficial) (HARGIS, 1995; MULLER; KIRK; SCOTT, 1985). Segundo a literatura, o CCE pode se apresentar histopatologicamente de várias formas, dependendo do grau de diferenciação celular: bem diferenciado, moderadamente diferenciado e pouco diferenciado (GOLDSCHMIDT; SHOFER, 1992). As neoplasias pouco diferenciadas ainda apresentam variantes, como a forma acantolítica e o carcinoma de células fusiformes (WALDER, 1995). No CCE bem diferenciado, a superfície da epiderme torna-se ulcerada, e há invasão de células neoplásicas originárias da epiderme para o interior da derme, por meio de formações trabeculares e de ilhas celulares. Seus núcleos variam moderadamente em tamanho, e tem nucléolos proeminentes. A atividade mitótica é baixa a moderada. Estas células podem estar circundadas por tecido conjuntivo, além de linfócitos, plasmócitos, macrófagos e neutrófilos. Frequentemente, há “pérolas córneas”, estruturas em que células queratinizadas formam uma ilha e acumulam queratina em seu interior (CARPENTER; ANDREWS; HOLZWORTH, 1987; MULLER; KIRK; SCOTT, 1985, WALDER, 1995). No CCE pouco diferenciado, a arquitetura do tecido é similar à forma bem diferenciada.
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