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AT 1 CONTRATOS, PRÁTICAS COMERCIAIS E SUA RESPONSABILIDADE 2 32 S U M Á R IO 3 UNIDADE 1 - Introdução 4 UNIDADE 2 - Práticas comerciais 4 2.1 Conceito 5 2.2 Oferta 8 2.3 Da publicidade 16 UNIDADE 3 - Práticas comerciais abusivas 16 3.1 Classificação das práticas abusivas 20 3.2 A cobrança de dívidas 21 3.3 Os bancos de dados e cadastros de consumidores 22 3.4 O cadastro de fornecedores 24 3.5 Da proteção contratual 26 3.6 Cláusulas abusivas (arts. 51 a 53 do CDC) 30 3.7 Cláusulas abusivas acrescidas 31 UNIDADE 4 - Contratos 32 4.1 O contrato como negócio jurídico 33 4.2 A função social do contrato 35 4.3 Desistência contratual no CDC 37 4.4 Contrato de crédito e financiamento 38 4.5 Contratos de compra e venda e alienação fiduciária 39 4.6 Contratos de consórcio 40 4.7 Contratos de adesão 42 REFERÊNCIAS 2 33 UNIDADE 1 - Introdução O consumismo é o sistema que dá a tô- nica da sociedade atual, moderna, con- temporânea, exigente, rápida, inovadora! Como refletem FRANCISCO OTÁVIO DE MIRANDA BEZERRA; CHRISTIANE DE AN- DRADE REIS MIRANDA BEZERRA (2009), a sociedade de consumo em massa traz as vantagens de uma pluralidade de pro- dutos oferecidos por uma gama de for- necedores de modo a otimizar o processo de satisfação das necessidades básicas e conspícuas dos consumidores. No entan- to, em vista mesmo da concorrência dos fornecedores na tentativa de captação da sua clientela, há o correspondente con- tra-ataque de marketing. A publicidade e todos os mecanismos postos a serviço do fornecedor pelos agentes de marketing permitem a divulgação do produto e/ou serviço e o estímulo, por meio de variadas técnicas, do seu consumo. Nesse processo de captação da curiosi- dade do consumidor, cujo fim primordial é a criação do desejo de consumir e a efetiva contratação neste sentido, o fornecedor exerce a sua infinita capacidade criativa. Sem dúvida que, no exercício da liberda- de de iniciativa, a publicidade e demais práticas comerciais tendentes a otimizar as vendas são fruto da liberdade geral de ação. Porém, em vista do exercício regular do direito de estruturar as diversas práti- cas comerciais, não poderá o fornecedor incorrer em abuso. Afinal, o abuso de di- reito finda por figurar, com expressão do próprio Código Civil, em modalidade de ato ilícito. Pois bem, essa breve introdução mos- tra claramente que veremos ao longo des- ta unidade as práticas comerciais abusivas e, na sequência, os contratos enquanto negócio jurídico e selador das relações de consumo, bem como a responsabilidade de todos nesses processos. Ressaltamos em primeiro lugar que em- bora a escrita acadêmica tenha como pre- missa ser científica, baseada em normas e padrões da academia, fugiremos um pouco às regras para nos aproximarmos de vocês e para que os temas abordados cheguem de maneira clara e objetiva, mas não menos científicos. Em segundo lugar, deixamos claro que este módulo é uma compilação das ideias de vários autores, incluindo aqueles que consideramos clás- sicos, não se tratando, portanto, de uma redação original e tendo em vista o cará- ter didático da obra, não serão expressas opiniões pessoais. Ao final do módulo, além da lista de re- ferências básicas, encontram-se inúme- ras outras que foram ora utilizadas, ora somente consultadas, mas que, de todo modo, podem servir para sanar lacunas que por ventura venham a surgir ao longo dos estudos. 4 54 UNIDADE 2 - Práticas comerciais 2.1 Conceito As práticas comerciais servem e alimen- tam a sociedade de consumo, aproximan- do os consumidores dos bens e serviços colocados a sua disposição no mercado de consumo. ANTONIO HERMANN DE VAS- CONCELLOS BENJAMIM (1999, p. 213) de- fine práticas comerciais como “os procedi- mentos, mecanismos e técnicas utilizadas pelos fornecedores para, mesmo indire- tamente, fomentar, manter, desenvolver e garantir a circulação de seus produtos e serviços até o destinatário final”. Por definição, práticas comerciais são as atividades profissionais e/ou técnicas, ações, métodos e instrumentos (enfim, é o tão falado marketing) que fornecedo- res utilizam para exercer suas funções no mercado. São atividades e estraté- gias que os fornecedores utilizam para fomentar a comercialização de produtos e serviços. Ora, se os velhos comercian- tes, no lato sentido1, já eram considera- dos profissionais desde a Idade Medieval, hoje, com muito mais razões histórico- -sociais, essas práticas profissionais, em que pese sempre tão necessárias, exi- gem regras mais adequadas ao contexto atual da intermediação produção/consu- mo (AMARAL, 2010). Assim, os pós-modernos fornecedores, sucessores daqueles velhos comerciantes, agora precisam atuar segundo normas jurí- dicas menos corporativas, mais democráti- cas e socialmente mais justas, ou seja, nor- mas jurídicas coerentes com as exigências da civilização contemporânea. Com efeito, a inquietude diante da imoral exploração da necessidade, da inexperiência e da incapacidade crítica alheia é historicamente remota. Já no Código de Hammurabi (2.300 a.C.) pres- crevia-se regra contra o enriquecimento em detrimento de outrem (Lei 48 – mo- dificabilidade unilateral dos ajustes por desequilíbrio nas prestações, em razão de forças da natureza). As Escrituras estão repletas de ditosos mandamentos semelhantes. As Orde- nações Filipinas (livro V) puniam a usura com a pena de degredo na África, dobra- da na reincidência. O nosso Código Penal de 1890 (art. 340) da mesma forma já ex- primia tênue preocupação com o poder econômico (AMARAL, 2002). Contudo, só após a 1ª Guerra Mundial (1914-1918) é que se acentua a busca deste velho ideal. É que o capitalismo atual já incorpo- ra valores, antes mais afeitos ao regime econômico oposto. Na verdade, aqui se pode falar de uma grande síntese, ou de uma dialética superação, ou seja, o capi- talismo se aperfeiçoa e sua ordem jurí- dica a isso se conforma. A ordem jurídica do atual capitalismo exige ponderação, ética e acima de tudo compromisso com dignidade humana. Nesse diapasão é que podemos situar a regulação das chama- das práticas comerciais pelo CDC, em seu Capítulo V (arts. 29 a 45). 1- Comerciantes são os que exercem o comércio de modo habitual, esse é o conceito clássico que abrangia (e ainda abrange, de certo modo) os mercadores, os leiloeiros, os trapicheiros, os banqueiros, os corretores, os transportadores, etc. Depois do nosso novo Código Civil, esse conceito (de comerciante) está absorvido pelo de empre- sário, que pela nova lei, é a pessoa que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. 4 55 De relevo, aqui, é a extensão no con- ceito de consumidor, que se verifica no art. 29. Nessa sede normativa dá-se outra equiparação (uma está no art. 2º, parágra- fo único, a coletividade de pessoas; mais outra no art. 17, as vítimas de acidente de consumo) aos consumidores (não é, mas equipara-se e trata-se como fosse). JOÃO BATISTA DE ALMEIDA (2010), também explica que a evolução das rela- ções de consumo conduziu à necessidade de novo tratamento do tema atinente à oferta e à publicidade. As disposições do direito comum (CC de 1916, art. 1.087; Código Comercial, arts. 121 e ss.) mostra- ram-se insuficientes e inadequadas para regular a nova realidade, por duas razões principais: a) como a oferta e a publicidade eram desconhecidas ou incipientes no fim do século XIX e começo do século XX, os Có- digos Comercial e Civil, de 1850 e 1916, respectivamente, regularam minima- mente a matéria; b) ainda assim a escassa regulamenta- ção considerava a igualdade das partes e tinha presente o entendimento de quea oferta se dava entre pessoas determina- das, pressupondo a bilateralidade propo- nente-aceitante. Em consequência dessa insuficiência normativa e da manifesta desatualização dos diplomas vigentes, o consumidor era frequentemente lesado, à constatação de que, ao contrário do que ocorre na esfera civil, a oferta nas relações de consumo pode dar-se entre pessoas indetermina- das, alcançando tanto o consumidor efeti- vo – aquele que atua adquirindo produtos ou serviços – como o potencial – aquele que está propenso a consumir ou exposto às práticas de consumo, como oferta, pu- blicidade e práticas abusivas (art. 29). Também o consumidor potencial, su- jeito à influencia generalizada da oferta e da publicidade merecia proteção da lei. E, também, porque a falta de tratamento minudente do tema no regime anterior, a oferta e a publicidade transcorriam em franca liberdade, com inevitáveis abu- sos, como anunciar e não cumprir, tor- nando necessária tal regulamentação para definir-se de que forma deveriam processar-se seus requisitos, regimes de responsabilização, etc., o que acabou po- sitivado nos arts. 30 e seguintes da lei de proteção (ALMEIDA, 2010). São práticas comerciais reguladas pelo CDC: 2.2 Oferta De acordo com o art. 31, temos que a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas carac- terísticas, qualidades, quantidade, com- posição, preço, garantia, prazos de vali- dade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores. Sendo a oferta o momento anteceden- te da conclusão do ato de consumo, deve ser precisa e transparente o suficien- te para que o consumidor, devidamente informado, possa exercer o seu direito de livre escolha. Assim, as informações devem ser verdadeiras e corretas, guar- dando correlação fática com as caracte- rísticas do produto ou serviço, redigidas em linguagem clara, lançadas em lugar e forma visíveis. 6 7 Além disso, devem ser escritas em lín- gua portuguesa. Devem incidir sobre os elementos que interessam ao consumidor para fazer sua escolha, como caracterís- ticas e dados técnicos (qualidade, quanti- dade, composição, preço, garantia, prazos de validade, origem, além de outros) e po- tencialidade danosa (riscos que apresen- tam à saúde e segurança dos consumido- res). Pode-se dar por qualquer forma de veiculação; se mediante publicidade, deve seguir a regulamentação dos arts. 36 a 38. Em caso de oferta por telefone ou re- embolso postal, há um requisito extra: para possibilitar a responsabilização, o nome do fabricante e seu endereço deve- rão constar obrigatoriamente na embala- gem, publicidade e impressos utilizados na transação comercial (art. 33). Seguindo o mesmo entendimento, mas com outras palavras, toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, vei- culada por qualquer forma ou meio de co- municação, com relação a produtos e ser- viços que alcance o consumidor, é oferta. Oferta, assim, é toda proposta, policita- ção, promessa de fornecimento de pro- duto ou serviço mediante apresentação/ exposição (vitrine, por exemplo), informa- ção (orçamento, apreçamento) ou publici- dade (anúncio em qualquer dos meios de comunicação). Tem a oferta por finalida- de alcançar o consumidor como provável cliente (NASCIMENTO, 1991, p. 36). A oferta é um tipo/espécie do gênero de declaração unilateral e receptícia de vontade. Receptícia, porque carece ser veiculada, exposta, ou seja, chegar ao conhecimento de, pelo menos, um ou de indeterminado número de consumidores (coletividade, público em geral, mercado consumidor). Unilateral, porque na es- sência jurídica, a oferta é estruturalmen- te uma só vontade, a do ofertante (polici- tante/proponente) (AMARAL, 2010). Vale dizer, uma só vontade, mas que vai em busca de sua destina- ção que é encontrar-se com a outra vontade, a do consumidor-aceitante, quando, então, a oferta se aperfei- çoa e alcança sua finalidade: o ne- gócio jurídico de consumo, já agora bilateral (vontade do ofertante e von- tade do aceitante). A oferta é feita sempre pelo forne- cedor interessado na apresentação, lançamento, divulgação ou venda de produto ou serviço. Além de res- ponsável pela oferta que fizer dire- tamente, o fornecedor é solidaria- mente responsável por aquela feita por seus empregados, agentes e re- presentantes, inclusive autônomos, que em nome dele atuarem (art. 34) (ALMEIDA, 2010, p. 108). No âmbito do direito do consumidor, a oferta é regida pelo indeclinável prin- cípio da vinculação, ou seja, o ofertante se obriga por tudo que ofertar, anunciar, informar; é a ética popular do “prometeu tem de cumprir”. No regime do CDC toda oferta gera, pois, um vínculo do fornece- dor – ofertante com o consumidor – acei- tante (consumidor efetivo ou potencial/ equiparado). Já no regime civil, nem toda veiculação/anúncio de produto ou servi- ço vincula seu veiculador, sendo, no mais das vezes, considerado um simples con- vite à oferta (uma mera pré-oferta). A oferta, pelo CDC, tem a ampli- tude da possibilidade de conclusão 6 7 do negócio de consumo, pelo Código Civil tem abrangência bem reduzida. Porém, para a oferta (pelo CDC) obri- gar quem a faz, é indispensável que dois pré-requisitos sejam atendidos: a) só existirá vinculação se houver ex- posição, veiculação, ou seja, se a oferta chegar ao conhecimento do consumidor, porque oferta que não sai do âmbito sub- jetivo do ofertante é vontade apenas in- terna, não declarada; b) a oferta (informação, publicidade ...) há de ser suficientemente precisa. Ora, sendo a oferta pressuposto ne- cessário da formação do negócio jurídico bilateral de consumo (vontade/ofertante versus vontade/aceitante-consumidor) só pode mesmo ser vinculativo o que pu- der ser, objetiva e utilmente, exigível na conclusão do negócio jurídico de consu- mo. Essa precisão suficiente só pode ser entendida como um atributo objetivo ne- gativo da oferta, eis que ela não apresen- ta os “requisitos essenciais” – como vem inovar nosso atual Código Civil, em seu art. 429 – para a finalização do contrato e, por isso, exatamente por isso, a oferta assim exteriorizada não tem os elemen- tos constitutivos mínimos para uma vin- culação obrigacional (AMARAL, 2010). Assim, há de se entender bem essa cláusula (oferta suficientemente precisa) que não significa uma licença para que o ofertante possa usar da intransparência, de falsidade, da indução a erro (arts. 36 e 37) no marketing de atração do con- sumidor. É que aqui, também, persiste a vedação geral, nas relações de consumo, do dolus bonus (oferta inocente), ou seja, o artifício da inverdade, ou do exagero para atrair o cliente. LUIZ OTÁVIO DE OLIVEIRA AMARAL (2010, p. 169) arrisca dizer que tal ve- dação, com o novo Código Civil, também está presente nas relações civis, aquelas não de consumo. Em suma, a oferta, além desses dois pré-requisitos (veiculada/ tornada pública por qualquer meio e su- ficientemente precisa), obriga o fornece- dor-ofertante a integrar o negócio jurídi- co que vier a ser concluído a partir dela. Eis a plena eficácia jurídica do princípio da vinculação da oferta. Vale repetir, a oferta que não apresen- tar aqueles dois pré-requisitos poderá não obrigar o seu ofertante por insufi- ciência de elementos constitutivos (ou de destinatário/receptor) da obrigação contratual daí derivada, contudo, tal con- duta (oferta, publicidade lesiva ao consu- midor) poderá tipificar até mesmo crime contra as relações de consumo (arts. 66, 67 e 68). São efeitos (plano da eficácia jurí- dica) da oferta para o fornecedor – ofertante: a) a oferta passa a integraro negócio jurídico/contrato; b) a oferta obriga ao cumprimento; c) a oferta pode se dar por qualquer meio ou forma: c.1) por presentação/exposição (vitri- ne, mostruário, gôndolas etc.); c.2) por informação (orçamentos, apreçamentos, pedido, etc.); c.3) por publicidade (anúncios em qualquer meio de comunicação, encar- tes, folhetos, mala direta, etc.). 8 9 A oferta pelo CDC deve: a) ser correta; b) ser clara; c) ser precisa d) ser ostensiva; e) ser em língua portuguesa. Os fornecedores-ofertantes res- pondem, solidariamente, com seus empregados, agentes e representan- tes, até mesmo autônomos, que em nome dele atuaram. O consumidor pode exigir, alternativamente: a) o cumprimento forçado; b) outro produto ou prestação de ser- viço equivalente, pagando ou recebendo a diferença; c) rescindir o contrato mediante a res- tituição da quantia eventualmente an- tecipada, monetariamente atualizada, e composição de perdas e danos que po- dem ser materiais (emergentes e lucros cessantes) e morais. Ainda resta deixar claro que, pelo Có- digo Civil atual, pode-se dizer que a for- mação dos contratos civis (não de con- sumo) se dá pela proposta e pela oferta. Sendo proposta a comunicação dirigida a um destinatário determinado, objetivan- do uma contratação específica (convite à contratação), enquanto a oferta é diri- gida ao público em geral, mas se contiver os requisitos essenciais do contrato vale- rá como proposta, isso é, obrigará como a proposta. A oferta no Código Civil é de- claração revogável e no CDC é irrevogável (AMARAL, 2010). Com relação à oferta de componentes e peças de reposição, cumpre destacar que a oferta está limitada aos fabrican- tes e importadores (e não aos fornecedo- res em geral) e alcança apenas produtos industrializados e compostos em peças, mas não alcança serviço nem produtos brutos ou singulares, não compostos de peças e componentes. Já a prestação de assistência técnica, como serviço, é de- vida também pelo distribuidor, enquanto não cessar a fabricação da importação do produto (ALMEIDA, 2010). Os fornecedores-fabricantes e impor- tadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição en- quanto não cessar a fabricação do pro- duto. Cessada a produção ou importação, a oferta deverá ser mantida por período razoável de tempo na forma da lei (AMA- RAL, 2010, p. 170). 2.3 Da publicidade O CDC, no art. 6º, IV, assegura como um direito básico do consumidor “a proteção contra publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou des- leais, bem como contra práticas abusivas ou impostas no fornecimento de produ- tos e serviços”. Mais adiante, já no art. 37, a Lei nº 8.078/90 vem proibir toda publi- cidade enganosa e abusiva. E no § 2º desse mesmo artigo, o CDC estampa algumas situações meramente exemplificativas da publicidade abusiva: § 2º é abusiva, dentre outras, a publi- cidade discriminatória de qualquer natu- reza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambien- tais, ou que seja capaz de induzir o consu- 8 9 midor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. Neste subtema do direito do consumi- dor, a publicidade, não se pode esquecer o Código de Autorregulamentação Publi- citária do Conselho Nacional de Autorre- gulamentação Publicitária (CONAR) que estabelece, em seu art. 19, caput, que toda atividade publicitária deve carac- terizar-se pelo respeito à dignidade da pessoa humana, à intimidade, ao interes- se social, às instituições e símbolos na- cionais, às autoridades constituídas e ao núcleo familiar. Os dicionários registram que publicida- de é a qualidade, ou atributo do que é pú- blico; é a atividade que tem por fim fazer conhecer uma marca, incitar o público a comprar um produto, utilizar um serviço; é anúncio, encarte. Enfim, os especialis- tas definem a publicidade como uma ati- vidade profissional dedicada à difusão pública de ideias associadas a empresas, produtos ou serviços. Já propaganda é um modo específico de se apresentar uma informação com o objetivo de servir a uma agenda; é ação sistemática, exer- cida sobre a opinião pública, para difundir uma doutrina, uma ideia, um produto, um sistema de serviços, um espetáculo, etc.; é material ou trabalho empregado com esse fim; ou ainda peça, anúncio produzi- do para esse fim (LAROUSSE, 2007). O termo publicidade refere-se exclu- sivamente à propaganda de cunho co- mercial; é uma comunicação de caráter persuasivo que visa a defender os inte- resses econômicos de uma indústria ou empresa. Já a propaganda tem um signi- ficado mais amplo, pois refere-se a qual- quer tipo de comunicação tendenciosa (as campanhas eleitorais são um exem- plo, no campo dos interesses políticos). Assim, o âmbito da propaganda envolve e contém a publicidade. Em suma, publi- cidade é um esforço de persuasão, evi- dentemente com a finalidade de vendas, às vezes com arte e às vezes nem tanto, mas sempre visando, desde a causa até o efeito, uma venda imediata e/ou mediata (AMARAL, 2010). A publicidade ou propaganda parece mesmo tão antiga quanto a mercancia. Com efeito, uma tabuleta em argila, en- contrada por arqueólogos e contendo inscrições babilônicas, anunciando a ven- da de gado e alimentos, demonstra que já se utilizava de algum tipo de publicidade na Antiguidade. Mas é só após a Revolu- ção Francesa (1789), com suas radicais transformações no mundo ocidental, que a publicidade inicia o curso de seu está- gio atual e, desde a expansão econômica do século XIX, a propaganda só vem cres- cendo de importância. Antes da Revolução Industrial, o fe- nômeno concorrencial não se fazia sen- tir nos mercados, em nível, por exemplo, da disputa das mercadorias de artesãos (típica da economia medieval), todavia, com a produção em escala e a estandar- dização dos produtos e mais ainda com o surgimento dos grandes monopólios, tudo se modifica e a publicidade se torna persuasiva e menos informativa. O conceito (a imagem mental) de oferta, que acabamos de estudar, modernamente está muito associado ao conceito de pu- blicidade. É que a marca característica do mundo moderno (e mais ainda do pós-mo- derno), a produção em escala crescente, exigia uma oferta também em escala. É 10 11 assim que a atividade publicitária passa a ser crescentemente o meio utilizado por ofertantes de produtos e serviços em ge- ral que, agora, demandam destinatários difusos, coletividade, enfim o mercado consumidor (AMARAL, 2010). Com efeito, aquela velha e tradicio- nal oferta (ou proposta), aquela carta ou mensagem cujo destinatário é uma pes- soa predeterminada, já agora, em nosso mundo da produção em massa e do con- sumo também em massa, essa mesma oferta já é voltada a um número indeter- minado de pessoas, ao público em geral; é a policitação à coletividade. É, enfim, proposta (de contratação) ao mercado consumidor. A oferta, também, passa de individual a difusa, como tudo mais em nosso mun- do contemporâneo. Advirta-se que a pu- blicidade, contudo, não se confunde com a oferta, aquela, amiúde, é apenas veícu- lo dessa (da oferta); todavia, quando isso se verifica, o conteúdo da mensagem pu- blicitária tem o mesmo efeito jurídico de uma declaração unilateral de vontade, vale dizer, cria a obrigação, o vínculo jurí- dico do cumprimento do ofertado. No contexto das práticas comerciais, publicidade é uma forma de veiculação da oferta, sujeitando-se, como tal, aos mes- mos requisitos e regime de responsabili- zação (arts. 30, 35, 36, 37 e 38). Define-a o Código Brasileiro de Autorregulamen- tação Publicitária como “toda atividade destinadaa estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover insti- tuições, conceitos e ideias” (art. 8º). Na mesma linha, é conceituada pelo Decreto nº 57.690/66 como “qualquer forma re- munerada de difusão de ideias, merca- dorias, produtos ou serviços por parte de um anunciante identificado” (art. 2º). HERMANO DUVAL (1975, p. 1) res- salta com suporte na doutrina de Ro- ger Mauduit, a distinção fundamen- tal entre propaganda e publicidade, nestes termos: tecnicamente, os dois conceitos di- ferem: enquanto a publicidade re- presenta uma atividade comercial típica, de mediação entre o produtor e o consumidor, no sentido de apro- ximá-los, já a propaganda significa o emprego de meios tendentes a modificar a opinião alheia, num sen- tido político, religioso ou artístico. A verdade, porém, é que a publicidade deixou de ter papel meramente informa- tivo para influir na vida do cidadão de ma- neira tão profunda a ponto de mudar-lhe hábitos e ditar-lhe comportamento (AL- MEIDA, 2010). Trata-se – é bem de ver – de instru- mento poderosíssimo de influência do consumidor nas relações do con- sumo, atuando nas fases de conven- cimento e de decisão de consumir. Assinalando ser esse fato consequ- ência da “cultura de massas” em que vivemos, instalada pela exploração dos meios de comunicação, FÁBIO KONDER COMPARATO (1988, p. 40) traça o quadro dramático, porém real, a que se vê submetido o consu- midor sob o influxo da publicidade comercial. Assim: o consumidor, vítima de sua própria incapacidade crítica ou suscetibilidade emocional, dócil objeto da exploração 10 11 de uma publicidade obsessora e ob- sidional, passa a responder ao refle- xo condicionado da palavra mágica, sem resistência. Compra um objeto ou paga por um serviço, não porque a sua marca atesta a boa qualidade, mas simplesmente porque ela evoca todo um reino de fantasias ou devaneio de atração irresistível. Nessas condições, a distância que separa esse pobre Ba- bbit do cão de Pavlov torna-se assus- tadoramente reduzida. Para HERMANO DUVAL (1975, p. 152), esse fenômeno é um fato notório que a mensagem publicitária vai, hoje, além da mera informação. Em uma primeira etapa, ela informa, na segunda, sugestiona, e, na terceira, ela capta em definitivo o consu- midor. De tanto insistir na mesma tecla, mas sempre revestida de novos recursos propiciados pela chamada criatividade, (...) a publicidade comercial passa habilmente da informação à sugestão e desta à cap- tação, isto é, eliminação no consumidor de sua capacidade crítica ou censura ao que lhe é proposto (anunciado), o que impor- ta numa violação ao princípio da liberdade de pensamento. E ao fim de tantas e mar- teladas repetições, incapaz de distinguir a sugestão do erro, o público consumidor apresenta-se condicionado à mensagem, isto é, fica com o produto anunciado para liberar-se de sua promoção, rejeitando, assim, qualquer outra informação ou críti- ca, para só se decidir pela que ficou con- dicionado. Nesta fase, a pior comunicação publicitária é a da chamada publicidade subliminar, de que se aproxima a publici- dade redacional (...) Claro que o processo de condicionamento é psicológico, mas o de sua imposição está na função moderna da publicidade. A verdade é que antigamente o que importava era saber o que a opinião pú- blica queria, mas hoje, importa decidir o que ela deve querer. O quadro assim exposto revela aquilo que é conhecido de todos nós: o consu- midor é induzido a consumir, bombarde- ado pela publicidade massiva que o cer- ca em todos os lugares e momentos de seu dia a dia. Como autômato, responde a esses estímulos, sem discernir correta- mente. Age pela emoção, embotado em seu juízo crítico. E, se tudo isso ocorre em relação à publicidade normal sobre o ho- mem médio, pode-se imaginar os efeitos nefastos e devastadores da publicidade enganosa ou abusiva e daquela incidente sobre pessoas em formação, como crian- ças e adolescentes (ALMEIDA, 2010). A publicidade que antes era mero instrumento de venda e assim, tida e havida, como juridicamente neu- tra, com o CDC assumiu novos con- tornos, notadamente quanto à res- ponsabilidade profissional (social e legal). O CDC regrou a publicidade, nas relações de consumo, a partir dos seguintes princípios: 1. princípio da identificação da pu- blicidade (art. 36, caput) – a regra bá- sica é que se evite a publicidade oculta e subliminar. A peça publicitária precisa ga- rantir ao consumidor a clara percepção de que a comunicação que o alcança é uma publicidade (e não uma divulgação de pes- quisa, ou de estatística, por exemplo). Assim, proibida está tanto a chamada publicidade subliminar, ou seja, a veicu- lada de uma maneira que atinge, tão so- mente, o inconsciente do destinatário, 12 13 quanto a publicidade clandestina ou si- mulada, que, às vezes, assume a configu- ração externa de “informes econômicos”, “relatos científicos” ou, simplesmente, de notícia jornalística aparentemente desinteressada, quando, na verdade, in- tencionam a divulgação de produtos e serviços. Coincide com a seção 6 do Códi- go de Autorregulação Publicitária; 2. princípio da veracidade (art. 31, c/c o art. 37, §§ 1º e 3º) – veda a pu- blicidade enganosa (mentirosa/falsa, fraudulenta, omissa, indutora de erro); a verdade é critério máximo na publici- dade destinada ao consumidor. Trata-se de dever legal imposto aos publicitários (e demais envolvidos nessa publicidade) como decorrência direta do superprincí- pio da boa-fé e o da transparência, que por sua vez regem superiormente todo o universo normativo consumerista. A publicidade enganosa pode ser: co- missiva (por ato concreto/positivo, por exemplo: fazer afirmação falsa); ou omis- siva (omissão/deixar de informar dado ou risco ao consumidor). Visa a manter corretamente informa- do o consumidor, para assegurar-lhe a es- colha livre e consciente; 3. princípio da não abusividade (art. 31, c/c o art. 37, § 2º) – visa banir a publicidade abusiva dirigida ao consumi- dor. Toda publicidade é abusiva quando ofensiva dos valores éticos e sociais da pessoa humana, da família, que incita a violência, a discriminação, que explora o medo/superstição, que corrompe a inte- gridade infantil e os valores ambientais, que ameaça a saúde e a segurança. Esse princípio sempre esteve implíci- to na mais rudimentar noção de boa-fé e ética em geral, mas só agora ganha eficá- cia social e crescente efetividade. A violação desse princípio-mor do con- sumerismo pátrio transgride simultanea- mente um e outro princípio, mas agora de importância de viga-mestra de todo nos- so Estado Democrático de Direito: o valor fundante da dignidade da pessoa huma- na (art. 1º, III, de nossa Carta Magna); 4. princípio da transparência da fun- damentação (art. 36, parágrafo único) – o fornecedor (especialmente o anuncian- te/publicitário) deve manter em seu poder os dados fáticos, técnicos e científicos que respaldam a veracidade e a boa-fé da pu- blicidade, eis que esse ônus probatório é sempre do fornecedor-anunciante (e dos demais envolvidos nessa cadeia de comu- nicação com o consumidor-alvo). Essa inversão sequer carece de ato formal, ou seja, de declaração ou decre- tação dessa inversão (art. 6º, VIII, direito básico da inversão, automática ou de- clarada, do ônus da prova). Além dessa inversão automática, a responsabilidade civil do anunciante é sempre objetiva; 5. princípio da obrigatoriedade do cumprimento (arts. 30 e 35) – no di- reito do consumidor, a informação (qual- quer comunicação objetivando um ato de consumo) assume dupla função: é dever básico do fornecedor (art. 8º) perante os consumidores (dever de informar, de transparência, de lealdade, comporta- mento universal queo CDC erige como dever jurídico) e também é uma obrigação pré-contratual (art. 30) porque vincula quem a promove e integra o contrato que dela derivar, eis que funcionalmente tem valor jurídico de oferta. 12 13 A informação e a publicidade (conteú- do e meio para alcançar o público), direta e individual, midiática e difusa, sempre trará, enquanto eficácia jurídica (efeitos jurídicos), a obrigação de ser garantida e de integrar o contrato, ou seja, todo marketing em geral sempre há de vincu- lar tanto na oferta, quanto na publicida- de, porém dois pressupostos hão de se apresentar para que este princípio possa incidir: a) a informação e a publicidade só vin- culam/obrigam se houver exposição/ co- nhecimento público; b) para obrigar a oferta (informação ou publicidade) deve ser suficientemen- te precisa, ou seja, “o simples exagero (puffing2) não obriga”. Demais disso, esse princípio, também, gera a responsabilidade civil objetiva me- diante a inversão automática do ônus da prova; 6. princípio da inversão do ônus da prova (art. 38) – pela regra geral quem alega prova (art. 333, I, do CPC), contudo dada a fragilidade e a vulnerabilidade do consumidor, tal regra, senão fechava o acesso à justiça, dificultava sobremanei- ra. Daí essa diretiva básica prevista no art. 38 do CDC, que é uma especificação da in- versão sediada no art. 6º, III (direito básico, mas genérico e facultativo e que exige ato judicial concessivo) voltada para o âmbito da publicidade consumerista. Com efeito, é direito básico, mas nesta norma (art. 38) da inversão tem nature- za específica e exclusiva incidência sobre a boa-fé e a transparência (veracidade e correção) da publicidade. Aqui, a inversão do ônus probatório é obrigatória (não é faculdade ou mero poder do juiz) e au- tomática (dispensa ato formal), ao con- trário daquela cuja sede é o art. 6º, VIII (AMARAL, 2010; ALMEIDA, 2010; BENJA- MIN, 2008; BULGARELLI, 1985). A questão da inversão do ônus da prova LUIZ OTÁVIO DE OLIVEIRA AMARAL (2010) levanta o questionamento sobre qual o momento mais adequado para a de- claração da inversão do ônus da prova em geral. Defende a tese de que o momento processual mais adequado para essa in- versão, em matéria de direito do consu- midor, é o que fica entre a propositura da ação e o despacho saneador, ou seja, por ocasião desse despacho, posto que as- sim não ocorrerá o dito fator surpresa e as partes estarão, previamente, cientes, por meio desse pronunciamento judicial, a quem competirá o ônus da prova. Com efeito, essa matéria, a inversão do ônus probante, tem a natureza de instrução ou de procedimento e não de julgamento. Esse momento é o mais ade- quado também porque é nele que o ma- gistrado avalia se estão presentes os re- quisitos desse benefício, após verificar, segundo as regras de experiência, que as alegações do autor são verossímeis ou que o consumidor é hipossuficiente. Outro argumento a favor do saneador e não da sentença, é o fato processual da fixação dos pontos controvertidos e an- terior à instrução do processo, o que evi- ta prejuízos à ampla defesa do réu (for- necedor/empresário). 1- Puffing é o exagero publicitário, tal como “é o melhor”, “o mais saboroso”, “o mais bonito”. A técnica do teaser tenta provocar a curio- sidade apresentando o produto aos poucos, por vezes nem mesmo indicando quem é o anunciante (BENJAMIN, 1995. p. 76-177). 14 15 A publicidade enganosa é, na verdade, conclusão de um juízo/raciocínio abstra- to em que o resultado danoso ao con- sumidor é mero exaurimento formal da conduta civilmente lesiva, mas que, no campo criminal, terá relevância própria e específica. A indução a erro, ínsita na pu- blicidade enganosa, pode ou não chegar ao resultado material do dano, ou seja, já basta, para a consumação do ilícito, a simples probabilidade desse evento; também pode ou não haver a intenção (de dano) do anunciante, o que importa para o CDC é a conduta apenas formal, irrelevante o resultado material. É um ilícito (civil) formal estruturalmente aná- logo aos crimes formais, ou de consuma- ção antecipada. Daí por que, com razão, HERMAN BENJAMIN (1991) leciona que há erro potencial e erro real. Do ponto de vista do CDC, a publi- cidade pode ser classificada como enganosa e abusiva, mas essas duas grandes classes podem ainda ser subclassificadas: 1. Quanto à publicidade enganosa, temos: a) inteira ou parcialmente falsa; b) com potencial de induzir em erro (não há necessidade do resultado mate- rial do erro) o consumidor, até mesmo por omissão. É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente fal- sa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, ca- racterísticas, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços (art. 37, § 1º). Será publicidade engano- sa por omissão aquela que deixar de in- formar sobre dado essencial do produto ou serviço (§ 3º). Em ambos os casos, a publicidade enganosa vicia a vontade do consumidor que, iludido, acaba adquirin- do produto ou serviço em desconformi- dade com o pretendido. A falsidade está diretamente ligada ao erro, numa relação de causalidade. Segundo GINO GIACOMINI FILHO (1991), não há receita para detectar a propaganda enganosa. Há, porém, in- dícios que fazem parte de anúncios que não primam pela precisão da informação, ou então usam artifícios para envolver o leitor ou telespectador, não propiciando uma compra racional e segura. 2. Quanto à publicidade abusiva, temos: a) discriminatória de qualquer nature- za; b) que incite à violência; c) que explore o medo ou a supersti- ção; d) que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança; e) desrespeita valores ambientais; f) que possa induzir o consumidor a se comportar de modo prejudicial ou perigo- so a sua saúde ou segurança. É abusiva a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à vio- lência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamen- to e experiência de crianças, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de 14 15 induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança (art. 37, § 2º). Não chega a ser mentirosa, mas é distorcida, desvirtuada dos padrões da publicidade escorreita e violadora de valores éticos que a sociedade deve pre- servar. Além disso, deturpa a vontade do consumidor, que pode inclusive ser indu- zido a comportamento prejudicial ou pe- rigoso à sua saúde e segurança (ALMEI- DA, 2010). As possibilidades de indenização para o consumidor lesado por pu- blicidade enganosa ou abusiva são (iguais as da oferta), ou seja, ele pode exigir: 1. o cumprimento forçado do que foi veiculado pela publicidade; 2. outro produto ou prestação de ser- viço equivalente, pagando ou recebendo a diferença; 3. rescindir o contrato mediante a res- tituição da quantia eventualmente an- tecipada, monetariamente atualizada, e composição de perdas e danos que po- dem ser materiais (emergentes e lucros cessantes) e morais. 16 1716 UNIDADE 3 - Práticas comerciais abusivas Práticas comerciais abusivas são as con- dições irregulares de negociação nas rela- ções de consumo, que ferem a boa-fé, os bons costumes, a ordem pública e a ordem jurídica. Essas condições têm que estar li- gadas ao bem-estar do consumidor final. É o abuso contra o consumidor. Assim, estão excluídas as práticas de concorrência des- leal, porque são entre fornecedor e forne- cedor (SMANIO, 2007). De acordo com TUPINAMBÁ MIGUEL CASTRO DO NASCIMENTO (1991, p. 38),práticas abusivas são práticas comerciais, mas relações de consumo, que ultrapas- sam a regularidade do exercício de comér- cio e das relações entre fornecedor e con- sumidor. Para ANTONIO BENJAMIN DE VASCON- CELLOS HERMAN (2008, p. 218), prática abusiva (lato sensu) é a desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor. Não estão previstas apenas no art. 39, que é meramente exemplificativo, mas es- tão espalhadas por todo o código, como, por exemplo: art. 10 – colocação no mer- cado de produto ou serviço com alto grau de periculosidade; art. 21 – não emprego de peças de reposição adequadas; art. 32 – falta de componentes e peças de reposi- ção; art. 36 – publicidade clandestina; art. 37 – publicidade abusiva enganosa; art. 51 – cláusula contratual abusiva (SMANIO, 2007). Além de encontrarmos no Direito do Consumidor as práticas comerciais lícitas e legítimas, temos, também, as práticas abusivas, ilícitas e ilegítimas. São as práti- cas abusivas, atividades mercantis, estra- tégias, ou ações dos fornecedores (fabri- cante, importador, vendedor, prestador, anunciante, publicitário, etc.) que buscam o lucro em face do consumidor e por meio do ato de consumo, enfim, são as chama- das técnicas de marketing que violam as leis protetivas do consumidor. Segundo GIANPAOLO POGGIO SMANIO (2007) e LUIZ OTÁVIO DE OLIVEIRA AMA- RAL (2010), essas práticas abusivas tem seu rol estampado no art. 39 de modo não taxativo ou exaustivo, mas apenas exem- plificativamente, ou seja, além dessas hi- póteses, outras podem ser encontradas na riqueza fática da vida que jamais o direito cobrirá completamente. Podem, inclusive, estar em outra legislação. Por exemplo: Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária, Eco- nômica e Contra as Relações de Consumo. 3.1 Classificação das práticas abusivas Tendo em vista o momento em que se manifestam no processo econômico, po- dem ser chamadas: se no momento da produção, práticas abusivas produtivas; se após, para garantir a circulação dos produ- tos e serviços até o destinatário final, prá- ticas abusivas comerciais. Tendo em vista o aspecto jurídico con- tratual, podem ser: contratuais, se no in- terior do próprio contrato; pré-contratu- ais, quando atuam na fase do ajustamento contratual; ou pós-contratuais, caso se manifestem após a contratação. São hipóteses legais (art. 3º, I, CDC): 16 1717 1º Condicionamento do fornecimen- to de produto ou serviços Podem ocorrer duas hipóteses: a) venda casada, em que o fornecedor se nega a fornecer produto ou serviço, a não ser que o consumidor adquira também um outro produto ou serviço. Não só a ven- da, mas qualquer outra forma de forneci- mento pode ser objeto de prática abusiva (SMANIO, 2007). Em princípio, essa venda conjugada é simples técnica comercial estudada em Administração como marketing lateral, em que o fornecedor se utiliza de um produto ou serviço existente no mercado para lan- çar outro. O fornecedor quando pratica a venda casada pretende colocar, novamen- te, no mercado um produto ou serviço que está com baixa demanda (AMARAL, 2010). A infração, na via administrativa, já era prevista na Lei Delegada nº 4/62, art. 11, letra i. Na esfera civil, o consumidor pode exigir o cumprimento da oferta sem o con- dicionamento. B) condição quantitativa: diz respeito ao mesmo produto ou serviço objeto do for- necimento. O fornecedor só vende se for x quantia do produto; se for mais ou menos, não vende. A proibição não é absoluta, já que a lei admite a justa causa. Ex.: estoque limitado. O entendimento predominante é que o fornecedor não pode obrigar o consumi- dor a adquirir mais do que deseja. Portan- to, a justa causa seria apenas para adquirir menos do que pretende o consumidor. Ex.: Três latas de óleo com desconto: o consu- midor tem direito de adquirir apenas uma sem desconto (SMANIO, 2007). 2º Recusa de atendimento à deman- da do consumidor Desde que o fornecedor tenha estoque de produtos e esteja habilitado a prestar o serviço, não pode recusar-se a atender à demanda do consumidor. A lei proíbe recusar atendimento às de- mandas dos consumidores, na exata medi- da de suas disponibilidades de estoque, e ainda, de conformidade com os usos e cos- tumes. Configura também infração contra a economia popular, prevista no art. 2º, II, da Lei nº 1.521/51. Ex.: motorista de táxi que recusa pequena corrida; consumidor que quer pagar com moedas. 3º Fornecimento não solicitado O produto ou serviço só pode ser forne- cido desde que haja solicitação prévia por parte do consumidor. Se ocorrer o forneci- mento sem solicitação, o consumidor deve recebê-lo como amostra grátis, não caben- do nenhum pagamento (parágrafo único, art. 39). A regra é o consumidor tomar a iniciati- va de adquirir produto ou serviço. Por isso, o legislador vedou a conduta de enviar ou entregar ao consumidor, sem solicita- ção prévia, qualquer produto, ou forne- cer quaisquer serviços, pretendendo com isso, preservá-lo de ser importunado com a remessa de produtos não solicitados e do desconforto de providenciar a devolução, quando não quiser adquiri-los. 4º Aproveitamento da hipossuficiên- cia do consumidor O fornecedor não pode valer-se da fra- queza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento 18 19 ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços. Aqui estão incluídas as técnicas mercadológicas, a propagan- da, o marketing, as práticas comerciais de modo geral. A lei busca impedir que o fornecedor inescrupuloso tire proveito da situação de fragilidade e hipossuficiência do consumi- dor idoso ou menor, doente, rude ou com reduzidas condições de discernimento, objetivando com isso preservar os direi- tos à higidez física e patrimonial e de livre escolha. 5º Exigência de vantagem excessiva Vantagem excessiva é a vantagem exa- gerada, incomum, desproporcional. Basta a exigência para configurar a prática abu- siva. Pode ocorrer na fase pré-contratual. A ideia central é assegurar o equilíbrio contratual, impedindo que o fornecedor, utilizando-se de sua condição de superiori- dade econômica, cause prejuízo ao consu- midor. É sancionado civil e administrativa- mente. 6º Serviços sem orçamento e autori- zação do consumidor Para que o fornecedor possa dar início ao serviço, é preciso a autorização do con- sumidor. Autorização expressa. Aprovação expressa do orçamento. Não basta só a apresentação do orçamento. Tem que ha- ver concordância expressa do consumidor. Se existirem práticas anteriores entre o consumidor e o fornecedor, estas regula- rão o relacionamento entre ambos. A regra não é absoluta: pode ser modificada pela prática entre as partes (SMANIO, 2007). Se o serviço for prestado sem autoriza- ção, será considerado amostra grátis, não decorrendo nenhum pagamento (analogia do parágrafo único, art. 3º). Objetiva-se moralizar a atividade, em face dos costu- meiros abusos até então ocorridos de lucro fácil no momento da entrega do trabalho. Trata-se de infração administrativa, com reflexos na esfera civil (art. 40, § 3º). 7º Divulgação de informações nega- tivas sobre o consumidor Nenhum fornecedor pode divulgar in- formação depreciativa sobre o consumi- dor. Se, porém, o consumidor exorbita de seu direito, age de má-fé, não há proibição legal de repasse de informações. O objetivo da vedação é evitar constran- gimento ao consumidor quando tiver de defender seus direitos, impedindo que o fornecedor se utilize desse fato para de- negrir a imagem daquele no meio comer- cial e social. 8º Colocar no mercado produtos e serviços em desacordo com as normas técnicas Se existir norma técnica expedida por órgão público, oumesmo entidade priva- da credenciada pelo CONMETRO (Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial), cabe ao fornecedor respeitá-la. As normas técnicas devem ser obriga- tórias para configurar a prática abusiva, ou seja, o CONMETRO deve aprová-las e obri- gar seu uso em todo o território nacional. Há normas de caráter facultativo. Ex.: as re- gistradas e as probatórias (experimentais), essas não configuram prática abusiva. O Judiciário pode fixar normas mais rígi- das. As normas técnicas funcionam como mínimo e não impedem o controle judicial. 18 19 Além de infração administrativa, consti- tui conduta punível criminalmente, em vis- ta de sua subsunção ao tipo penal do art. 2º, III, da Lei n. 1.521/51. 9º Recusar a venda de bens ou a prestação de serviços a quem se dispo- nha a adquiri-los mediante pronto pa- gamento Esta prática abusiva, não prevista na versão original do CDC, foi introduzida por meio da Lei nº 8.884/94, art. 87, que alte- rou a redação do art. 39 para o acréscimo de incisos. Desde então passou a integrar o rol das práticas abusivas previstas. É necessário que o consumidor queira obter o fornecimento mediante pronto pa- gamento, pois, do contrário, se a prazo ou parcelado, poderá justificar o recusa. São ressalvados os casos de casos de interme- diação de bens ou serviços regulados por leis especiais, ou seja, estão excetuados desta cláusula abusiva. Nesses casos os fornecedores poderão recusar o forneci- mento direto aos consumidores. 10º Elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços Não previsto no CDC, esta prática abu- siva foi acrescentada ao rol daquelas enu- meradas pelo art. 39, pela Lei nº 8.884/94, art. 87. Consiste em “elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços” (inc. X), ou seja, qualquer elevação de preço deve ser justificada. A justa causa para a elevação pode decorrer do aumento de preços da matéria-prima, da correção substancial dos salários dos empregados, ou outra causa que reflita no custo final do produto ou serviço. O que não pode é ocorrer eleva- ção sem justa causa, a depender apenas da vontade do fornecedor, pois isto significa prejuízo certo para o consumidor e locu- pletamento ilícito para o fornecedor, situa- ções que o Código busca sempre coibir. 11º Aplicar fórmula ou índice de re- ajuste diverso do legal ou contratual- mente estabelecido A Medida Provisória nº 550/94, conver- tida na Lei nº 9.870/99, alterou o art. 39 do CDC para inserir, no rol daquelas enumera- das, mais uma prática abusiva, qual seja, a aplicação de índice ou fórmula de reajuste diverso do legal ou contratualmente esta- belecidos (inc. XIII). A norma veio embutida no bojo de Me- dida Provisória sobre mensalidades esco- lares, área em que mais incidia a conduta que se buscou coibir. A vedação, no entan- to, não se aplica exclusivamente a essa área específica, mas em toda e qualquer relação de consumo em que haja índice ou fórmula de reajuste estabelecida em lei ou em contrato. 12º lnexistência ou deficiência de prazo para cumprimento da obrigação por parte do fornecedor O art. 40 do CDC obriga o fornecedor a entregar ao consumidor orçamento prévio com as datas de início e término dos servi- ços (SMANIO, 2007). Ao contratar o fornecimento de produ- to ou serviço, as partes devem convencio- nar prazos de entrega e o termo inicial da execução dos serviços, o que proporciona maior segurança para os contratantes e a possibilidade de sua execução forçada em caso de descumprimento. Por isso, a lei sanciona a conduta do fornecedor de “dei- xar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu 20 21 termo inicial a seu exclusivo critério”. Pro- cura-se, sem dúvida, assegurar o equilíbrio contratual e a efetividade do cumprimento da obrigação. Essa prática abusiva, que constava do texto original do CDC como inciso IX do art. 39, foi revogada pela Lei nº 8.884/94, que inseriu nova prática abusiva como sendo inciso IX – com isso revogando o inciso ori- ginal, que tinha outra redação. Percebido o equívoco, foi reintroduzida pelo art. 7º da Lei nº 9.008/95, como inciso XII do art. 39 do CDC (ALMEIDA, 2010). 3.2 A cobrança de dívidas Ainda no campo da vedação das práticas abusivas, o Código tratou, em seções autô- nomas, da cobrança de dívidas e dos ban- cos de dados e cadastros de consumidores, justificando-se o tratamento destacado em face da relevância atribuída aos temas e da importância de regulamentá-lo minu- ciosamente (ALMEIDA, 2010). As dívidas passivas oriundas de rela- ções de consumo, ou seja, os débitos que o consumidor tem o dever de pagar, de honrar, são cobráveis (enquanto direito subjetivo de crédito do credor) dele, con- sumidor-devedor (enquanto titular do de- ver jurídico de débito – sujeito passivo/ obrigado da dívida), com alguns limites legais tais como: a) não expor o consumi- dor a ridículo (art. 42); b) não poderá a co- brança submeter o consumidor-devedor a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça (AMARAL, 2010). Ciente dos constantes abusos que se perpetravam nessa área, com ofensa à dig- nidade do devedor, exposição a ridículo e utilização de práticas violentas, como ame- aça e constrangimentos, é que o legislador procurou restabelecer o império do direito, ou, no dizer de um doutrinador, “o modo ci- vilizado de se cobrar”. Colima-se, com o tra- tamento legislativo da questão, fazer com que o exercício regular do direito do credor se compreenda dentro dos limites legais, não os o recebimento do crédito, o que era e continua a ser exercício regular de direito (CC, art. 188, I), mas a utilização de métodos condenáveis e ofensivos à dignidade huma- na, que se procura extirpar do meio social. Fiel a esse pensamento, o Código procu- rou sancionar de forma direta as condutas que afetavam a dignidade do consumi- dor inadimplente, estabelecendo taxati- vamente que ele será respeitado em sua integridade física, psicológica e moral, ao impedir sua exposição a ridículo e sua sub- missão a constrangimento ou ameaça de qualquer tipo ou natureza (art. 42). Veja-se que a lei impede apenas a co- brança abusiva. O consumidor pode sofrer constrangimentos legais, como protesto do título, penhora, execução, falência, etc. Além disso, pode ser cobrado condigna- mente em seu trabalho, descanso ou lazer. O que não ocorre, por exemplo, quando o credor telefona para o chefe do consumi- dor dizendo ser ele mau pagador. O não cumprimento dessa regra impor- tará a aplicação de sanções administrativas ao fornecedor (art. 56), a responsabiliza- ção criminal (art. 71) e a imposição das se- guintes sanções civis em caso de cobrança de quantia total ou parcialmente indevida: a) repetição do indébito, pelo valor igual ao dobro do recebido em excesso, acresci- do de juros e correção monetária desde o recebimento (art. 42, parágrafo único); e, b) ocorrendo engano justificável ou bo- 20 21 a-fé do credor, permanece a obrigação de restituir o indébito, porém de forma sim- ples, com incidência de juros e atualização monetária (idem c/c CC, art. 876). 3.3 Os bancos de dados e cadastros de consumidores Também aqui o legislador partiu da reali- dade fática e da vivência prática para esta- belecer normas de proteção ao consumidor. A norma pelo art. 43 regula todo e qual- quer banco ou cadastro de fornecedores, seja público ou privado, que contenham dados em geral do consumidor, pessoa fí- sica ou pessoa jurídica. Embora o alvo mais visível dessa norma seja mesmo os servi- ços cadastrais de inadimplentes, os SPC, SERASA, etc, ela tem um espectro muito amplo (AMARAL, 2010). Atento à verdadeira avalanche de abu- sos cometidos nessa área – que iam da utili- zaçãoirregular de informações para forçar o pagamento de débito até a inabilitação creditícia do interessado na via extraoficial –, procurou inibir tais condutas abusivas e regulamentar a matéria mediante o esta- belecimento das seguintes regras: 1ª) acesso – o consumidor tem acesso às informações sobre ele existentes em cadastros, fichas, registros, bem como so- bre dados pessoais e de consumo arquiva- dos, inclusive respectivas fontes (art. 43, caput); 2ª) transparência – os cadastros e da- dos devem ser objetivos, claros, verdadei- ros e em linguagem de fácil compreensão. Não podem conter códigos indecifráveis, nem informações negativas referentes a período superior a cinco anos (art. 43, § 1º, 1ª parte); 3ª) retificação – conhecendo as infor- mações a seu respeito, o consumidor po- derá exigir sua imediata correção, quando encontrar inexatidão em seus dados e ca- dastros. Feita a correção, o arquivista, em cinco dias úteis, deverá comunicá-la aos destinatários das informações incorretas, restabelecendo a verdade (§ 3º); 4ª) comunicação – além disso, toda vez que se proceder à abertura de cadastro, fi- cha, registro e dados pessoais e de consu- mo, sem sua solicitação, o consumidor de- verá ser obrigatoriamente comunicado por escrito, para que os confira, ratificando-os ou retificando-os (§ 2º); 5ª) prescrição – prescrita a dívida, os serviços de Proteção ao Crédito ficam proi- bidos de fornecer quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores (§ 5º). A medida, ao contrário de incentivar o calote, impede a aplicação de pena de ca- ráter perpétuo, vedada pela Constituição da República (art. 5º, XLVII, b), e uniformi- za o tratamento da matéria, ao impedir efeitos extrajudiciais de dívida prescrita e não permitir que esta venha a atormentar eternamente a vida do consumidor, cas- sando-lhe o crédito e a possibilidade de re- abilitação. Se prescreve o direito de punir do Estado, não haveria razão para não se considerar prescrita a veiculação de mera informação cadastral; 6ª) prazo – os bancos de dados não po- derão conter informações negativas refe- rentes a período superior a cinco anos (art. 43, § 1º,2ª parte). A não observância des- sas regras – mormente impedir o acesso às informações e deixar de corrigir informa- ções inexatas – constitui infração adminis- trativa, da mesma forma que pode gerar 22 23 responsabilização penal (arts. 72 e 73) e abrir ensejo à incidência da o pleito indeni- zatório por danos materiais e morais. Decorridos vários anos de vigência do CDC, constata-se que o Judiciário não vem encontrando problemas para aplicar o art. 43 e seus parágra- fos. Já se decidiu, por exemplo, que: a) a regularidade dos cadastros e infor- mações relativos ao consumidor interes- sa não apenas aos cadastrados, mas ao universo dos consumidores (RDC, v. 10, p. 262); b) entre as duas formas de cancelamen- to de informações negativas do consumi- dor, aplica-se aquela que primeiro se reali- zar (RDC, v. 2, p. 174); c) em processo de execução é impossí- vel a expedição de ofício pelo Juízo com o fito de ser o devedor tachado de inadim- plente e omisso quanto ao cumprimento da sentença (RDC, v. 14, p. 170); d) deve ser afastada a inscrição do nome do devedor em organismos como o Cadas- tro de Inadimplentes do Governo Federal e a Centralização de Serviços dos Bancos S/A – CADIN/SERASA, quando não caracte- rizada mora, por importar em abuso e por constranger ao pagamento indevido (RDC, v. 23-4, p. 319); e) estando em discussão no Judiciário a própria existência do débito, descabe o re- gistro do nome do suposto devedor no Se- rasa (RDC, v. 23-4, p. 310). 3.4 O cadastro de fornece- dores No intuito de proteger reflexamente o consumidor, o Código cuidou do cadastro de fornecedores. A preocupação aqui foi a de formar um banco de dados sobre os for- necedores inidôneos ou que se recusam a atender as reclamações contra si formula- das, mesmo que suficientemente compro- vadas. Sabedor dessa faceta do potencial fornecedor, o consumidor pensará duas vezes e poderá, se assim o entender, evitar uma contratação que certamente lhe trará transtornos (ALMEIDA, 2010). A partir da vigência da nova lei, e com a regulamentação do CDC pelo Decreto nº 2.181/97, os órgãos públicos de defesa do consumidor (SDE, PROCONS estaduais e municipais e congêneres) ganharam nova atribuição: a de manter um cadastro atu- alizado de reclamações fundamentadas contra fornecedores de produtos e ser- viços, com a indicação de atendimento ou não. O cadastro assim montado deverá ser divulgado anualmente, a fim de que alcance repercussão pública, na suposi- ção de que chegará ao conhecimento do consumidor, sem prejuízo da consulta em qualquer oportunidade. Aliás, as informa- ções constantes do referido cadastro es- tão abertas a qualquer interessado (art. 44, caput e § 1º). Da mesma forma que no cadastro de consumidores, os cadastros e dados dos fornecedores devem ser transparentes e comunicados ao interessado; devem ser corrigidos em caso de inexatidão e não devem conter informações de período an- tecedente a cinco anos (art. 44, § 2º, c/c art. 43, §§ 1º e 5º), sujeitando o Poder Pú- blico a que esteja vinculado o órgão, em caso de descumprimento, a ser compelido a organizar e divulgar o cadastro de recla- mações inatendidas, bem como a reparar os danos causados (art. 44, § 2º, c/c art. 22, parágrafo único). 22 23 Objeto de apenas um artigo (44) e dois parágrafos no CDC e amplamente regu- lamentada pelo Decreto nº 2.181/97, nos arts. 57 a 62, a matéria agora ganhou maior relevância e melhores condições de imple- mentação (ALMEIDA, 2010). O cadastro de fornecedores – diz o art. 57 do Decreto – nada mais é do que o “cadas- tro de reclamações fundamentais contra fornecedores”, entendendo-se por cadas- tro “o resultado dos registros feitos pelos órgãos públicos de defesa do consumidor de todas as reclamações fundamentadas contra fornecedores” e por reclamação fundamentada “a notícia de lesão ou ame- aça a direito de consumidor analisada por órgão público de defesa do consumidor, a requerimento ou de ofício, considerada procedente, por decisão definitiva” (decre- to cit., art. 58, I e II). E a decisão é definiti- va – é bom lembrar – quando já não couber recurso, seja de ordem formal ou material (decreto cit., art. 53). Os cadastros de reclamações funda- mentadas contra fornecedores – tal como ocorre com os bancos de dados dos consu- midores (CDC, art. 43, § 4º) – são conside- rados arquivos públicos, por força do art. 60 do Decreto nº 2.181/87, por isso que submetidos a normas que propiciem sua publicidade, confiabilidade e continuidade (decreto cit., art. 57). Os órgãos públicos de defesa do consu- midor devem providenciar a divulgação pe- riódica de tais cadastros, da forma o mais ampla possível. E obrigatória a sua publi- cação no órgão de imprensa oficial local, sem prejuízo de outras formas de divulga- ção, inclusive por comunicação eletrônica. A divulgação será anual, podendo ocorrer em período menor, a critério do órgão res- ponsável (decreto cit., art. 59, §§ 1º e 2º, 1ª parte). Tais cadastros deverão conter “informa- ções objetivas, claras e verdadeiras sobre o objeto da reclamação, a identificação do fornecedor e o atendimento ou não da reclamação pelo fornecedor”. Não podem conter “informações negativas sobre for- necedores referentes a período superior a cinco anos, contando da data da intima- ção da decisão definitiva” (decreto cit., art. 59, § 2º, 2ª parte, e § 3º). Devem ser per- manentemente atualizados, por meio das devidas anotações, tanto para incluir como para excluir ou retificar informação (decre- to cit., arts. 59,§ 3º, e 61). Por constituírem instrumento essencial de defesa e orientação dos consumidores, referidos cadastros são a todos acessí- veis, gratuitamente, podendo haver con- sulta sobre a situação dos fornecedores, principalmente quanto ao cumprimento das normas do CDC reincidência em caso de descumprimento, etc. Mas é vedada a utilização abusiva de tais informações ou com outros objetivos, estranhos à defesa e orientação dos consumidores. Há uma ressalva: tais informações podem ser uti- lizadas em publicidade comparativa, pois isso interessa aos concorrentes, mas inte- ressa também aos consumidores (decreto cit., arts. 57 e 60). Em razão de existir o Sistema Nacio- nal de Defesa do Consumidor, com órgãos públicos específicos federais, estaduais e municipais, todos eles poderão ter seus próprios cadastros. São os chamados ca- dastros locais, ou setoriais, que poderão ser consolidados em cadastros gerais, nos âmbitos federal e estadual (decreto cit., art. 62) (ALMEIDA, 2010). 24 25 3.5 Da proteção contratual Embora tenhamos dedicado a próxima unidade exclusivamente para discutirmos sobre os contratos, vale inserir aqui que contrato é todo acordo de vontades com o fim de adquirir, resguardar, transferir, modificar, conservar, ou extinguir direitos; são seus requisitos essenciais: agente ca- paz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei. Segundo PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO (2007, p. 11), contrato é um negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelo princípio da função social e da boa-fé objetiva, autodisciplinam os efeitos patri- moniais que pretendem atingir, segundo a autonomia das suas próprias vontades. O CDC regula a relação de consumo que é composta de sujeitos, os fornecedores e consumidores e objetos que são os produ- tos serviços, tendo como finalidade (ele- mento teleológico) o suprimento de neces- sidade do consumidor como destinatário final (SMANIO, 2007). A proteção contratual no CDC está in- serida na regulamentação da relação de consumo. As normas do Código Civil e Co- mercial são aplicadas apenas subsidiaria- mente, uma vez que o direito privado não atende plenamente às relações de consu- mo na atualidade. A proteção aos consu- midores passou a ser vista como de ordem pública. No CDC, vigora o princípio da conserva- ção do contrato: Art. 6º, V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas. Vale lembrar que: o CDC instituiu a boa-fé objetiva como princípio basilar das relações de consumo (arts. 4º, III, e 51, IV); o CDC impõe ao fornecedor o dever de prestar a declaração de vontade, se tiver veiculado a oferta, apresentação ou publi- cidade (art. 30), efeito vinculante da oferta – princípio do dever de prestar; o CDC estabelece a execução específi- ca da oferta como regra (arts. 35, I, e 84, § 1º), deixando a resolução em perdas e da- nos como subsidiária a critério do consumi- dor (arts. 35, III, e 84, § 1º). São disposições gerais (arts. 46 a 50 do CDC) – Da proteção contratual 1. Contratos que regulam as rela- ções de consumo Se a relação jurídica for caracteriza- da como de consumo, qualquer que seja a forma adotada para a negociação, haverá a incidência dos dispositivos do CDC. Ex.: compra e venda, contratos bancários, car- tões de crédito, leasing, plano de saúde, seguros, etc. 2. Necessidade do conhecimento prévio do consumidor sobre o conteú- do do contrato, sob pena de não obri- gar o consumidor. O fornecedor deverá ter a cautela de oferecer oportunidade ao consumidor de conhecer o conteúdo do contrato e todas as suas implicações, antes da conclusão do contrato. Não basta a mera leitura, é pre- ciso o efetivo conhecimento por parte do consumidor, especialmente dos direitos e deveres que decorrerão do contrato. É pre- 24 25 ciso cautela do fornecedor, porque há a in- versão do ônus da prova (art. 6º, VIII, CDC). 3. Necessidade de redação clara e compreensível, para que obrigação as- sumida pelo consumidor seja exigível. Ex.: palavras técnicas para leigos, contratos voltados para pessoas humildes com lin- guagem inacessível, etc. – depende do caso concreto. 4. As cláusulas contratuais serão in- terpretadas de maneira mais favorável ao consumidor Por cláusulas contratuais devemos en- tender todo e qualquer pacto ou estipula- ção negocial entre fornecedor e consumi- dor, seja escrita, verbal, por adesão, etc. Não fere o princípio da isonomia, por- que o princípio deve ser entendido como igualdade substancial, real, ou seja, tratar desigualmente os desiguais na medida da desigualdade. 5. Efeito vinculante das declarações de vontade constantes de escritos par- ticulares, recibos e pré-contratos rela- tivos às relações de consumo As declarações de vontade vinculam o fornecedor, ensejando inclusive a execu- ção específica. É a imposição ao fornece- dor do dever de prestar. 6. Denúncia vazia do contrato de consumo – direito de arrependimento O CDC dispõe sobre o direito de arrepen- dimento do consumidor, que pode voltar atrás em sua declaração de vontade de ce- lebrar a relação jurídica de consumo. Esse direito poderá ocorrer se a contra- tação for efetuada fora do estabelecimen- to comercial, “especialmente” se for por telefone ou em domicílio. A lei exemplifica duas hipóteses, além da previsão genérica. Esse direito não precisa ser justificado pelo consumidor. Não precisa ter motivo decla- rado. Basta a vontade de voltar atrás. Para evitar abusos, o prazo de reflexão é de sete dias, contados a partir da con- clusão do contrato de consumo ou do ato de recebimento do produto ou serviço, se posterior ao contrato, excluindo o dia do início e incluindo o do final. O prazo não co- meçará em feriado e se acabar em feriado será prorrogado até o dia útil seguinte. Quando a relação acontece fora do es- tabelecimento comercial, o Código prevê a hipótese de arrependimento quando o consumidor é abordado de forma mais agressiva, com técnicas de marketing mais incisivas, e não está preparado suficiente- mente para contratar. Além disso, o consu- midor, nessas práticas fora do estabeleci- mento comercial, não tem contato físico com o produto, não pode examiná-lo para verificar eventuais qualidades e defeitos. Ex.: compra e venda porta a porta, por te- lefone, por reembolso postal, fax, video- texto, prospectos, etc. São hipóteses de exceção ao direito de arrependimento: 1. caso o consumidor tenha conheci- mento dos produtos e serviços e a partir de então usualmente contrata por telefo- ne com o fornecedor, não há direito de ar- rependimento. Entretanto, se houver mu- danças nas condições usuais do produto ou do negócio, não haverá exceção, existindo o direito de arrependimento; 2. se for da essência do negócio ser re- alizado fora do estabelecimento, também não haverá direito de arrependimento, como, por exemplo, a compra e venda de 26 27 imóvel, que é celebrada, de regra, fora do estabelecimento comercial, no cartório, na presença de oficial. Se as negociações pre- liminares ocorreram no estabelecimento de uma imobiliária, não há direito de arre- pendimento. Se exercer o direito de arrependimen- to, o consumidor terá o direito à devolução das quantias pagas, monetariamente atu- alizadas (pelo índice oficial), de imediato. A cláusula contratual que lhe retire esse direito é considerada abusiva, sendo nula (art. 51, lI, CDC). Os gastos do fornecedor com relação a frete, envio de material e outros encargos não são devidos pelo consumidor. Fazem parte do risco do negócio a ser suportado pelo fornecedor. Cláusula em sentido con-trário será considerada abusiva por inibir o exercício do direito de arrependimento, sendo nula. A garantia contratual é complemento à garantia legal. É também facultativa, a cri- tério do fornecedor, podendo ser acordada entre fornecedor e consumidor. A garantia legal é obrigatória e indepen- de da vontade das partes. Ex.: Art. 24 do CDC – adequação, qualidade e segurança dos serviços a cargo do fornecedor; art. 25 do CDC – indenização pelo fato ou vício do produto ou serviço. A garantia contratual é um “plus” ofere- cido pelo fornecedor em favor do consu- midor. Será fixada livremente, quanto aos prazos e condições, visando à competitivi- dade dos produtos no mercado. A garantia não pode ser dada verbal- mente. O CDC exige termo escrito para que fique expresso o conteúdo dessa mesma garantia. Deve ser também padronizada, de forma que atinja a todos os consumido- res de forma uniforme. O consumidor deve ser devidamente es- clarecido sobre os termos da garantia, por- que ela é parte integrante do contrato de consumo. O termo de garantia deve ser preenchi- do pelo fornecedor por ocasião do contra- to de consumo, e entregue ao consumidor, juntamente com o manual de instrução e instalação (este é obrigatório) – decorre do dever do fornecedor e direito do consu- midor à informação correta, precisa e ade- quada sobre os produtos e serviços. 3.6 Cláusulas abusivas (arts. 51 a 53 do CDC) No Brasil, antes do CDC, essas cláusulas abusivas eram disciplinadas no direito po- sitivo, superficial e esparsamente. Daí por que nosso Poder Judiciário sempre teve de recorrer às regras gerais veiculadas pelos arts. 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil (Dec. lei 4.657/42) para preencher tal lacuna; vale dizer: decidia-se apenas à luz da analogia, via direito comparado, orien- tando-se pelos fins sociais e pelas exigên- cias do bem comum. Também trazia luzes à questão o art. 85, do velho CC (art. 112 do CC/2002). No velho Código Civil tínhamos dois artigos que vedavam as chamadas cláusulas leoninas os arts. 115 e 1.372 (art. 122 do CC/02 e sem correspondente). Outros diplomas normativos também trataram do tema, entre os quais se des- tacam: o Dec. nº 24.038/34, o Dec.Lei nº 857/69 e o Dec. nº 59.195/66. Enquanto isso, no exterior, a matéria já tinha tratamento mais adequado. Na Eu- ropa, desde 1970, há regras contra essas 26 27 cláusulas: no Reino Unido, desde 1973, e depois 1977, na Dinamarca, desde 1974, na Alemanha, desde 1976, na França, desde 1978 e mais 1988 (normas incorporadas ao Code de Ia Consommation a partir de 1993). Merece ser ressaltada a Diretiva da CEE 93/13, de 1993. Nos EUA, desde 1962 o Uniform Commercial Code, seguindo lon- ga esteira jurisprudencial, permite ao juiz anular toda cláusula abusiva. Em termos de tutela contratual do consumidor, o CDC traz dois momentos distintos: no primeiro, que vai da efeti- va formação do vínculo contratual (a fase pré-contratual), em que se estabelecem novos direitos para o consumidor e res- pectivos deveres para o fornecedor; em outro e posterior momento, o CDC vem fi- xar normas proibindo expressamente as cláusulas abusivas nos contratos de con- sumo, garantindo, assim, uma proteção a posteriori do consumidor, por meio de um efetivo controle judicial do conteúdo dos contratos. As cláusulas abusivas não se esgotam no rol estampado no CDC, posto que o Secretário Nacional de Direito Econômi- co está autorizado pelo art. 58 do Dec. nº 2.181/97 (que regulamenta o Sistema Na- cional de Defesa do Consumidor) a editar, via portaria e anualmente, rol, também, exemplificativo de outras cláusulas assim reconhecidas e logo potencialmente nulas por abusividade (AMARAL, 2010). Cláusula abusiva é a notoriamente des- favorável ao consumidor, parte mais fraca da relação processual. Também chamadas de cláusulas opressivas, onerosas ou ex- cessivas, elas quebram o equilíbrio entre as partes. Não são apenas as cláusulas de adesão, podendo ser referentes a qual- quer cláusula contratual, escrita ou verbal (SMANIO, 2007). No âmbito da proteção contratual es- tabelecida pelo CDC, as cláusulas abusivas merecem um tratamento atencioso (AMA- RAL, 2010). De acordo com art. 51, caput, as cláusu- las abusivas são nulas, sendo que a nuli- dade deve ser reconhecida judicialmente, por meio de ação direta (ou reconvenção), de exceção substancial alegada em defesa (contestação), ou por ato ex officio do juiz. A sentença que reconhece a nulidade não é declaratória, mas constitutiva negativa. E seu efeito opera ex tunc (desde o mo- mento da efetuação do contrato). Por ser matéria de ordem pública, nuli- dade de pleno direito, não é atingida pela preclusão, podendo ser arguida a qualquer tempo e grau de jurisdição, impondo-se ao juiz o dever de pronunciá-la de ofício. A ação para pleitear em juízo o reconheci- mento da nulidade é imprescritível, pos- to que o Código não fixou prazo para seu exercício (SMANIO, 2007). As cláusulas abusivas relacionadas no CDC art. 51, são exemplificativas, ou seja, o CDC apenas enunciou algumas das cláusu- las consideradas abusivas, havendo outras disposições esparsas no Código. O caput do art. 51 é expresso em utilizar a expressão entre outras. Exemplo: eleição de foro pre- judicial ao consumidor. O juiz poderá reconhecer e declarar de- terminada cláusula, atendidos os princípios da boa-fé e da proteção ao consumidor. O art. 6º, IV, do CDC, dispõe generica- mente que o consumidor tem o direito de proteção contra as cláusulas abusivas, não restringindo a amplitude deste direito. 28 29 São espécies de cláusulas abusivas: 1. cláusula de não indenizar – é nula a cláusula que contenha óbice ao de- ver legal de indenizar. A proibição atinge qualquer cláusula que tenha por objetivo exonerar, impossibilitar ou atenuar a res- ponsabilidade do fornecedor (art. 51, I); 2. cláusula de renúncia ou disposi- ção de direitos – as normas do CDC são de ordem pública e interesse social. A cláusula de renúncia ou disposição de di- reitos não tem validade porque quebra o equilíbrio contratual; 3. cláusula de limitação da indeni- zação com consumidor/pessoa jurídi- ca – na hipótese da relação fornecedor- -consumidor pessoa jurídica, a lei abranda a proibição da cláusula de exoneração da responsabilidade. Permite a estipulação de limitação da indenização, mas não a exoneração, desde que a situação seja justificável. Ficará ao juiz a decisão sobre a situação, se é justificável ou não, para limitar a indenização. Ex.: fornecedor ven- de computador de grande porte para con- sumidor pessoa jurídica – estipula limita- ção da responsabilidade em caso de dano; 4. cláusula que impeça reembolso da quantia paga pelo consumidor – quando o consumidor tem o direito confe- rido pelo CDC de reembolso das quantias pagas ao fornecedor, é nula a cláusula que lhe retirar o direito. Ex.: direito de arre- pendimento; 5. transferência de responsabili- dade a terceiros – as partes devem su- portar os ônus e obrigações decorrentes da relação de consumo, não podendo o fornecedor transferir a terceiros sua res- ponsabilidade. Isto não se aplica ao con- trato de seguro que pode fazer o fornece- dor com uma seguradora, para garantir-se dos riscos de sua atividade. O CDC prevê expressamente a possibilidade (art. 101, II), inclusive com a hipótese de chama- mento ao processo da seguradora para ressarcimento ao consumidor; 6. colocação do consumidor em desvantagem exagerada – o juiz é que avaliará em cada caso concreto a desvan- tagem do consumidor: o § 1º do art. 51 es- tabelece, exemplificativamente, algumas hipóteses de vantagem exagerada do for- necedor: a. ofensa aos princípios fundamentais do sistema jurídico. Ex.: afastar normas
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