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A esquerda em Israel Ed. Abril.17

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CAROS AMIGOS – ED.ABRIL/2017
A ESQUERDA EM ISRAEL
coluna do Gershon
A crise dos movimentos de esquerda no mundo, a partir da queda da União Soviética, não poupou a esquerda em Israel. A imigração judaica aspirava realizar na Palestina o ideal sionista, inspirado nos movimentos de libertação nacional na Europa depois da Revolução Industrial. Apoiados no poderio crescente do proletariado que buscava se livrar do regime da monarquia, os promotores da Revolução de Outubro se propuseram a construir um Novo Mundo, a “Internacional” – sobre as ruínas do Velho Mundo.
As perseguições aos judeus e os pogroms de que foram vítimas obrigaram muitos judeus da Europa Oriental a emigrar: a maioria para os EUA, e uma minoria para a Palestina. Pretendiam pôr em prática a visão de Theodor Herzl, que, em seu livro Altneuland (Velha-nova-pátria), resume sua primeira e última visita à Palestina em 1899, quando tinha por objetivo convencer o Kaiser Wilhelm a abrir as fronteiras à imigração judaica. Ele se surpreendeu ao descobrir que não se tratava de um país desértico desabitado. Constatou que lá se encontrava um povo arraigado a sua terra. “Considerem-nos como seus irmãos, apreendam o milagre de sua sobrevivência no árido deserto, para o qual nós levaremos o desenvolvimento científico e a industrialização de nossa nova pátria, complementando-nos uns aos outros.” A conquista do Oriente pelos exércitos do General Allenby, em 1918, foi instrumento para a consolidação do Império Britânico, estabelecendo novas fronteiras e reis serviçais, fiéis à potência britânica. Em seguida veio a “Declaração Balfour”, que reconhecia a Palestina como refúgio para judeus vítimas de perseguições antissemitas. Mas a doutrina de Herzl não foi respeitada. Os effendis — a aristocracia árabe que vivia luxuosamente nas capitais europeias —, venderam suas terras aos Fundos Nacionais Sionistas. Os fellahs palestinos, trabalhadores do campo, foram deslocados por aqueles imigrantes, que erguiam colônias coletivas e vilarejos protegidos por “Muro e Torre”, apresentando o muro como elemento de defesa, e a torre como reservatório de água. A nova população judaica do país preconizava o trabalho judeu: o Sindicato Central “Histadrut” tornou-se o empregador de milhares de operários, por meio de sua grande empresa de construção “Solel Boné”. O slogan era: “Em nosso país nos transformaremos de pequenos comerciantes e artesãos, em nova classe proletá-ria”. Mas faltava entender que os empresários pertencem à classe alta, e não podem ao mesmo tempo lutar pelos direitos do operário. Este conflito de interesses foi um dos fatores principais na desintegração da classe obreira. Camponeses e operários árabes ficaram despojados de meios, ameaçados pela nova realidade. A tarefa de atear fogo sob o fundo do sentimento nacional árabe caiu sobre o Império Britânico, que adotou o método colonial de “Divide e Governa”. Os conflitos se multiplicaram.
A imigração judaica proveniente dos países árabes, que começou com o nascimento do Estado de Israel, foi imediatamente discriminada ao chegar ao país. Instalada em tendas de emergência que se mantiveram por anos. Cidades destinadas ao estabelecimento definitivo foram erguidas no meio do deserto e nos ermos montes da Galileia. Afastados das zonas industriais do centro do país, aqueles imigrantes ficaram isolados em sua maldição. A esquerda israelense — a maioria de origem europeia — desfraldando a bandeira do socialismo, da igualdade e solidariedade entre os povos, transformou-se em empregador e explorador da força de trabalho com salário produção agrícola para a produção industrial. Os apertos e dificuldades dos imigrantes árabes foram explorados ao transformá-los em operários braçais mal remunerados. Discriminada, oprimida e afastada, metade da população se identificou com a Frente de Direita e, em 1977, derrubou os partidos da Esquerda Social-Democrática, sistematicamente atraídos para as posições de força mantidas pelo empresariado. Hanna Arendt, a filósofa judia de origem alemã, previu, em 1980, o futuro de Israel. “Não erguestes um Estado Judeu, vós aspirais a um império, não vos satisfazeis com pouco, todos os vossos esforços estão voltados para o alargamento das fronteiras; quanto mais continuardes em vossa ocupação e vosso apetite crescer, crescerão vossos inimigos na região, e vos obrigarão a investir recursos na produção de armamentos e meios mais sofisticados de destruição”. Em vez de “luz para os povos” como diz a Declaração de Independência, as “trevas da Idade Média”. A visão messiânica levou a posições extremas dos partidos da coalisão. Seus membros declaram seu intuito de anexação da Cisjordânia, isto é, “engolir” o território destinado ao Estado Palestino — posição que deixou Israel totalmente isolado. O próprio Benjamin Netanyahu não é mais capaz de controlar os ministros de seu governo, que competem entre si na radicalização de suas posições, pregando abertamente um: “apartheid” e pela deportação dos cidadãos árabes israelenses para países árabes. Netanyahu não mais consegue dominar o “Golem” que criou, e conter a derrocada para o abismo... Os partidos social-democráticos de centro, que foram na verdade os construtores do Estado, são obrigados a pagar suas falhas com juros. O Partido Trabalhista se autodenomina “A Arena Sionista”; em sua plataforma não tem mais a exigência de liquidar a ocupação que ele pró-prio iniciou. Procura eliminar qualquer sinal ou alusão de pertencer à esquerda, que se tornou sinônimo de traição. Considerado o fato de ter o sionismo nascido como movimento de libertação nacional, e como tal ter terminado sua missão, em 1948, com a criação do Estado, restou na esquerda o partido “Meretz”, como refúgio dos poucos que não mais concordam com o caminho decadente do Partido Trabalhista. Esse partido — reduzido, mas coerente em sua luta contra a ocupa-ção — e a Lista Conjunta dos Árabes israelenses, que aumentou consideravelmente o numero de seus parlamentares com a fusão de todos os partidos da minoria árabe, constituem a oposi-ção efetiva da política israelense. A traição pela esquerda dos valores básicos do caminho na luta anticolonialista levou-nos a um Estado prisioneiro de um punhado de messianistas, que fizeram deteriorar o conflito territorial para um profundo conflito religioso. A salvação não virá de dentro, quando todo oponente a esse caminho é taxado de traidor. Somente uma mudança dos centros de for-ça das potências, a que assistimos nestes dias, decorrente do fracasso dos Estados Unidos em suas aventuras; o divórcio da Otan, braço militar à beira do desmoronamento – poderão impor a Israel a retirada para os limites de 1967, única solução para o prolongado conflito.
Gershon Knispel é artista plástico.

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