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A CRISE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

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1
MALIRRE ABADI GHADIM
A CRISE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
 UNIVERSIDADE CATOLICA DOM BOSCO
Campo Grande ­ MS
2015
2
MALIRRE ABADI GHADIM
A CRISE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
Monografia  apresentada  á  UCDB  – 
Universidade  Católica  Dom  Bosco, 
Curso  de  Direito,  sob  a  orientação 
temática  do  Prof.  Renato  Ferreira 
Rocha  e  orientação  metodológica  da 
Prof.ª  Arlinda  Cantero  Dorsa,  para 
efeito  de  avaliação  da  disciplina  de 
Monografia Jurídica.
     
CAMPO GRANDE ­ MS
2015
3
Este  documento  corresponde  à  versão  final  da  monografia  intitulada                           
‘O  SISTEMA  PRISIONAL  BRASILEIRO’,  defendida  por                                                         
MALIRRE  ABADI  GHADIM  perante  a  Banca  Examinadora                                                                                 
do  curso  de  Direito  da  Universidade  Católica  Dom  Bosco,  tendo  sido 
considerado ________________________________________________.
BANCA EXAMINADORA 
______________________________________________ 
Prof. Me. Renato Rocha Ferreira
Orientador
______________________________________________ 
Profº: 
 ______________________________________________ 
Profº: 
4
‘Reprovemos  os  erros, 
mas  respeitemos  as 
pessoas’’.  (Dom  Bosco 
1815­1888)
5
À Deus, pela 
oportunidade de 
evolução através do 
estudo, e por me 
dar, todos os dias, 
forças para 
perseguir meu 
sonho;
À minha mãe, meu 
porto seguro, que 
acredita em mim 
mais do que eu 
mesma, e por todo 
o seu amor 
incondicional e 
eterno;
6
AGRADECIMENTOS
Á Deus, pelo dom da vida e pela força concedida para 
lutar por meu sonho.
Ao  meu  orientador  Prof.  Renato  Ferreira  Rocha,  por 
sua presteza e dedicação na orientação deste trabalho;
À  minha  família,  especialmente  minha  mãe,  minha 
maior incentivadora, patrocinadora e melhor amiga;
Aos  meus  colegas  de  faculdade  e  de  estágio,  por 
dividirem comigo suas brilhantes  idéias e por estarem ao meu 
lado durante a jornada acadêmica.
7
GHADIM, Malirre Abadi. A crise do sistema prisional brasileiro.126fl. 2015. 
Monografia (Curso de Direito ­ Bacharelado) – Universidade Católica Dom 
Bosco, Campo Grande, MS.
RESUMO
Este  trabalho  se  presta  ao  estudo  da  crise  do  sistema  prisional, 
analisando  os  diversos  fatores  que  contribuem  para  sua  exasperação, 
com  enfoque  na  análise  do  aparato  prisional  brasileiro,  promovendo 
reflexão  sobre  a  crise  enfrentada  pela  sistema  carcerário  nacional, 
especialmente no que tange aos fenômenos da superlotação carcerária e 
à  supressão  dos  direitos  fundamentais  dos  internos  do  sistema,  ambos 
causados pela deficiência da Justiça Criminal em conciliar a execução de 
penas  com a  garantia  dos  direitos  humanos,  bem  como  sua  dificuldade 
para  ressocializá­los.  A  dissertação  sobre  o  tema,  partirá  da  análise 
histórica  de  constituição  do  sistema  punitivo  e  das  prisões,  passará  à 
análise de dados e dinâmica dos sistemas prisionais ao redor do mundo 
comparando o direito penitenciário, e chegará a reflexão sobre o sistema 
prisional  do  Brasil,  onde  serão  estudados  separadamente  os  elementos 
que constituem a crise do sistema, e o quê transporta­a para um nível de 
caos  institucionalizado,  e  em  promover­se­ão  as  considerações  sobre  o 
sistema  prisional  do  estado  de  Mato  Grosso  do  Sul,  evidenciando  seu 
funcionamento, os  focos de avaria de seu  funcionamento, bem como as 
dificuldades  enfrentadas  pela  Justiça  Criminal  em  promover  a 
manutenção  não  só  de  um  sistema  prisional  com  condições  físicas 
adequadas,  mas  em  proporcionar  e  garantir  aos  sujeitos  diretos  e 
indiretos  do  sistema,  os  direitos  fundamentais  constitucionalmente 
previstos,  em  especial,  os  direitos  humanos.  Em  verdade,  o  presente 
trabalho  tem  como  foco  evidenciar  a  importância  de  se  construir  um 
sistema  penal  com  base  na  proteção  dos  direitos  humanos,  criando 
mecanismos  alternativos  a  privação  da  liberdade,  como  penas 
alternativas, ressaltando a importância de mudar a lógica encarceradora e 
vingativa da sociedade, para um discurso de tolerância e compreensão da 
condição  humana  do  delinquente,  dando­lhe  a  oportunidade  de  se 
defender  dignamente,  buscando  a  aproximação  com  a  real  justiça  e  a 
pacificação social.
Palavras­chave: Dignidade humana; Sistema punitivo  (des)humanizado; 
Sistema prisional; Crise penitenciária;  Justiça criminal restaurativa; 
 
8
INTRODUÇÃO
A  atual  crise  de  segurança  e  violência  que  enfrenta  a 
sociedade  faz  surgir,  cada  vez  mais,  o  anseio  de  ver  processados  e 
punidos  aqueles  que  cometem  crimes.  Porém,  esta  punição  só  gera 
contentamento se realizada através de uma pena privativa de liberdade, o 
que  se  acredita,  na  maioria  das  vezes,  ser  capaz  de  combater  o  mal 
causado com a prática do crime e evitar a reincidência.
Contudo,  o  que  foge  do  conhecimento  da  massa,  é  que  o 
processo  criminal  não  termina  com  a  condenação  do  réu,  mas  se 
desdobra em uma nova fase, a execução penal, novo procedimento, que 
não  acontece  ás  vistas  da  sociedade,  é  discreto  e  só  diz  respeito  ás 
partes  interessadas,  cujo  cumprimento  é  que  realmente  concretiza  a 
justiça buscada na fase investigatória.
Nesta trilha, uma vez iniciada a execução da pena aplicada ao 
réu, sendo esta privativa de liberdade, é importante aplicar rigorosamente 
os dispositivos legais atinentes á execução penal, fundados em conceitos 
e princípios criminológicos, a fim de se garantir a correção do condenado, 
objetivando sua regeneração, ou melhor, ressocialização.
Ocorre  que  este  é  justamente  um  dos  maiores  entraves  da 
justiça  criminal,  não  só  do  Brasil,  mas  de  muitos  países  ao  redor  do 
mundo. 
Constata­se uma  realidade assustadora, uma  face do sistema 
criminal até então  rejeitada, o  fato de o Brasil  acomodar a quarta maior 
população  carcerária  do  planeta,  perdendo  somente  para  países  mais 
populosos,  como  a Rússia  (3º),  os  EUA  (2º)  e China  (1º),  países  estes 
que  inclusive  instituíram  a  pena  de  morte,  na  tentativa,  frustrada,  de 
conter a violência e reduzir o numero de criminosos.
De acordo com pesquisa realizada pela Comissão Permanente 
de Direitos Humanos da OAB – Conselho Federal aponta que no Brasil há 
mais de 560 mil pessoas atrás das grades. No estado de Mato Grosso do 
9
Sul,  estima­se  uma  população  carcerária  de  12.431  presos,  conforme 
relatório da Comissão Provisória de Direito Carcerário da OAB/MS.
Igualmente, estudos apontam que quase metade dos detentos 
do  Brasil  ainda  aguarda  julgamento,  sem  nenhuma  expectativa  de  ter 
acesso  ao  direito/princípio  da  presunção  da  inocência,  tendo  privada 
precocemente sua liberdade, sem nem ter passado pelo devido processo 
legal.
Estes  dados  revelam  uma  realidade muito mais  cruel  do  que 
imaginada pela maioria da sociedade, vivida e enfrentada sem o mínimo 
de dignidade pelos apenados, que sofrem um efeito colateral muito mais 
nefasto, o processo de bestialização do individuo que cumpre a pena.
Existe  um  abismo  entre  o  que  determina  a  Lei  de  Execução 
Penal e a realidade, aparentemente impossível de ser ultrapassado, ainda 
mais  com  a  atual  configuração  do  sistema  carcerário,  o  que  revela  a 
dificuldade da Justiça criminal em conciliar a execução das penas com a 
garantia dos direitos humanos.
Surge  então  o  interesse  em  buscar  o  motivo  pelo  qual  o 
sistema prisional  falhou tanto na busca da ressocialização e combate ao 
crime.
O  presente  trabalho  visaexpor  a  crise  e  as  condições 
medievais  em  que  se  encontra  o  sistema  carcerário  brasileiro, 
especialmente do estado de Mato Grosso do Sul, em que os abusos na 
execução  das  penas  é  regra  nacional,  com  base  nas  suas  origens, 
história  e  direito  comparado,  com  foco  na  integração  do  binômio  direito 
penal­direitos humanos.
Para tanto, esta obra conta com três capítulos, que abordam os 
aspectos  mais  relevantes  do  tema,  sendo  que  o  primeiro  apresentar  a 
origem  histórica  do  sistema  prisional,  demonstrando  sua  evolução  e 
refinamento de práticas de acordo com a evolução do conceito de pena e 
da justiça criminal.
O  segundo  capítulo  se  presta  a  analisar  o  sistema  prisional 
com  base  no  direito  comparado,  demonstrando  as  dificuldades 
enfrentadas  pelos  países  da  América  Latina  que  também  estão  em 
profunda  crise,  além  de  apontar  soluções  encontradas  em  países  mais 
10
desenvolvidos, que conseguiram reduzir á zero o número de presos em 
prisões,  graças  á  políticas  de  penas  alternativas  para  crimes  não 
violentos.
Em seguida, o  terceiro capítulo se volta ao estudo do sistema 
penitenciário  no  Brasil,  com  foco  no  estado  de  Mato  Grosso  do  Sul, 
buscando identificar suas maiores dificuldades e também apontar os raros 
casos de sucesso na execução das penas através de presídios  íntegros 
que  produzem  resultados  positivos  no  caminho  da  ressocialização  de 
seus detentos.
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..............................................................................................................08
1 ORIGEM HISTÓRICA DOS SISTEMAS PRISIONAIS..............................................12
1.1 O PODER PUNITIVO..............................................................................................12
1.2 MECANISMOS DO PODER PUNITIVO..................................................................13
1.3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SISTEMA PRISIONAL............................................14
       1.3.1. Idade Antiga................................................................................................14
       1.3.2. Idade Média.................................................................................................15
       1.3.3. Idade Moderna............................................................................................19
       1.3.4 Breve histórico das prisões no Brasil.......................................................22
 1.4. A REFORMA DO SISTEMA PRISIONAL..............................................................34 
       1.4.1. A Reforma de Cesare Beccaria.................................................................35
       1.4.2  John Howard e o Penitenciarismo............................................................36
       1.4.3 Jeremy Bentham e o Desenho do Panótico.............................................38
2 OS SISTEMAS PRISIONAIS NO DIREITO COMPARADO......................................46
2.1 SISTEMAS PROSIONAIS AO REDOR DO MUNDO..............................................46
2.1.1 Europa.............................................................................................................50
2.1.2 América do Norte: EUA e Canadá................................................................59
2.1.3 A América Latina...........................................................................................65
2.1.4 Ásia, África e Oceania...................................................................................71
3 A CRISE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO................................................ .75
3.1 SISTEMA PENITENCIÁRIO EM NÚMEROS.....................................................79
4 O SISTEMA PRISIONAL DE MATO GROSSO DO SUL..........................................94
4.1 DADOS DO SISTEMA PENITENCIÁRIO DO ESTADO.....................................94
4.2  A  CRISE  DO  SISTEMA  PENITENCIÁRIO  NOS  ESTABELECIMENTOS  DE 
MATO GROSSO DO SUL.............................................................................................98
4.2.1 Presídios femininos.......................................................................................98
4.2.2 Presídios masculinos..................................................................................102
4.2.3 A penitenciária federal de segurança máxima de MS..............................105
4.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE A CRISE PENITENCIÁRIA EM MATO GROSSO 
DO SUL ......................................................................................................................108
CONCLUSÃO.........................................................................................................114
REFERENCIAS......................................................................................................119
12
1. ORIGEM HISTÓRICA DOS SISTEMAS PRISIONAIS
Em razão do objeto da presente obra ser o estudo do sistema 
prisional, antes aprofundar a discussão sobre sua crise, é  imprescindível 
analisar seu processo de construção ao longo da história, juntamente com 
a própria evolução da sociedade e da Justiça criminal.
1.1 O poder punitivo
Por meio da teoria do Contrato Social1, os cidadãos concedem 
ao Estado, o poder de regulamentar a sociedade, protegendo­a contra a 
maldade  nata  do  ser  humano,  que  poderia  por  em  risco  a  segurança  e 
ordem  sociais  a  tal  ponto,  que  seria  capaz  de  promover  a  reversão  do 
processo civilizatório.
 O Estado assim, revestido da legitimidade que fora concedida 
por  seus  próprios  criadores,  desenvolve  mecanismos  para  auxiliá­lo  na 
árdua  tarefa  de  manter  sob  rígidas  rédeas  a  organização  social  e  a 
civilização, por meio de  regramentos, ou melhor,  leis, as quais uma vez 
violadas  desencadeiam  um  dos  principais  e mais  eficazes  dos  poderes 
deste Estado, o poder punitivo.
É o exercício do poder punitivo que permite ao Estado, por meio 
das penas,  controlar  e  retribuir  as agressões ao ordenamento  jurídico e 
claro, ao corpo social. É através dele que se permite a criação das penas, 
os  castigos  institucionalizados,  a  serem  aplicadas  aos  ‘homens­maus’ 
que, por motivos vários, desviaram­se da conduta geral definida na lei.
1 ROUSSEAU, J. J. O Contrato Social,. Saraiva. 2011.
13
1.2 Mecanismos do poder punitivo
Para  que  o  Estado  consiga  exercer  este  poder­dever,  são 
criados  instrumentos  capazes  de  assegurar  a  aplicação  das  punições 
devidas aos transgressores do sistema social. 
Relevante  contribuição  para  o  estudo  das  origens  do  sistema 
punitivo, foi a obra de Michel Foucault, que na década de 1920, escreveu 
o livro ‘Vigiar e Punir’2, no qual traz a definição do sistema punitivo como 
sendo  ‘instrumentos  destinados  à  punição  do  delinquente  através  do 
castigo  corporal,  a  fim de  reprimir  os  erros  e  impedir  o  cometimento  de 
novos atos que possam oferecer risco á paz social e afrontar a autoridade 
estatal’3. 
Assim,  verifica­se  que  o  sistema  punitivo,  baseado  na  teoria 
clássica do contrato social, se concretiza quando o Estado cria meios de 
garantir  a  execução  da  punição  imposta  ao  criminoso,  que  conjuga  a 
privação da liberdade com castigos sobre o corpo do apenado.
Porém, o grande passo evolutivo deste poder­dever,  reside na 
finalidade a que se propunham tais castigos, sendo que o nos primórdios 
deste  mecanismo  punitivo,  no  período  da  Idade Média,  por  exemplo,  a 
reclusão dos condenados em locais específicos, não consistia na punição 
em si, mas no meio que se utilizava para aplica­la.
O  entendimento  de  que  a  reclusão  dos  acusados  ou 
condenados  constitui­se  por  si  só,  em  castigo  capaz  de  retribuir  o  mal 
cometido, surgiu séculos depois, na Idade Moderna, após a evolução do 
pensamentopolítico­social, motivado por movimentos como o Iluminismo.
2  FOUCAULT,  Michel. Vigiar  e  Punir:  nascimento  da  prisão  (Surveiller  et  punir)–  20ª  ed.  – 
Petrópolis: Vozes, 1999.
3 Idem, p.54­5
14
1.3. Evolução histórica do sistema prisional
       1.3.1. Idade Antiga
O conceito de pena na Idade Antiga guarda relação direta com 
o  conceito  de  sistema  prisional,  já  que  nesta  época,  a  prisão  não  era 
considerada  como  sanção  penal,  servindo  apenas  para  objetivos  de 
contenção  e  guarda  de  réus,  para  preservá­los  fisicamente  até  o 
momento de serem julgados ou executados4. 
Neste sentido, verifica­se que até fins do século XVIII, a prisão 
era um meio usado para manter o  réu sob a custódia da autoridade até 
que se lhe aplicasse o castigo, bem definido por Foucault como ‘suplício’, 
uma ‘espécie de antessala do suplício’5. 
Assim,  as  antigas  civilizações  como  a  Grécia  e  Roma, 
mantinham em seu ordenamento penas corporais e capitais, de modo que 
as prisões eram destinadas a impedir que o ‘culpado pudesse subtrair­se 
do castigo. ’6 
Cumpre  ressaltar  que,  em  termos  de  estruturação  do 
mecanismo punitivo, em sede de execução penal, na Idade Antiga já era 
comum  o  hábito  de  as  autoridades  criminais  reservarem  os  piores 
estabelecimentos  para  acondicionar  os  condenados  que  aguardavam  a 
aplicação de suas penas.
Nesta  mesma  narrativa,  destaca  Bittencourt  sobre  as 
condições  em  que  eram  postos  os  condenados,  que  já  naquele  tempo, 
sofriam  duas  punições,  uma  na  espera  pela  execução  e  outra,  com  a 
própria aplicação do castigo:
4 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 2001, p. 
07
5 Idem,p. 04
6 Idem, p. 08
15
[...] Os lugares onde se mantinham os acusados até a 
celebração  do  julgamento  eram  bem  diversos,  já  que 
naquela  época  não  existia  uma  arquitetura  penitenciária 
própria.  Os  piores  lugares  eram  empregados  como 
prisões:  utilizavam­se  horrendos  calabouços,  aposentos 
frequentemente  em  ruínas  ou  insalubres  de  castelos, 
torres,  conventos  abandonados,  palácios  e  outros 
edifícios. [...] 7
Ocorre que, mesmo com o  fim da  Idade Antiga, após  invasão 
dos  bárbaros  na  Europa,  o  costume  do  Estado  em  manter  seus 
condenados  em  locais  aviltantes  foi  importado  para  a  organização  do 
poder punitivo medieval, que  inclusive potencializou  tais más condições, 
ganhando  o  posto  da  Idade  das  Trevas,  também  pelos  horrores 
praticados em nome do exercício do poder de punir.
1.3.2.  Idade Média
A  temática  da  aplicação  da  pena  através  da  criação  e 
funcionamento  do  sistema  penitenciário  na  Idade Média  reúne  todas  as 
seqüelas  ruins  do  método  de  prisão­custódia,  implementados  pelo 
sistema de prisão­custódia da Idade Antiga.
Assim,  mais  uma  vez,  para  compreender  a  sistemática  do 
sistema prisional neste período histórico, deve­se  recorrer ao significado 
da  pena,  definir  o  conceito  de  prisão­custódia,  já  que  as  sociedades 
medievais  não  haviam  ainda  concebido  a  idéia  de  pena  privativa  de 
liberdade como sanção penal em si.
Nesta  trilha,  pode­se  afirmar  que  as  penas  inseridas  no 
ordenamento  jurídico medieval  se  constituíam em  ‘terríveis  tormentos’’8, 
os  quais  serviam  de  entretenimento  à  população,  que  alimentava  o 
sadismo das sanções, dando papel secundário á medida da segregação 
física  do  condenado através  da  privação  de  liberdade,  o  que  originou  a 
legitimação da pena de suplício.
7 BITTENCOURT, Op. cit, p. 07
8 Idem, p. 09
16
Corroborando  com  este  entendimento,  Foucault  explora  a 
importância que tiveram os suplícios, para o desenvolvimento do sistema 
penal e carcerário, conceituando­o em sua obra da seguinte forma:
[...]  uma  pena,  para  ser  considerada  um  suplício,  deve 
obedecer  a  três  critérios  principais:  em  primeiro  lugar, 
produzir  uma  certa  quantidade  de  sofrimento  que  se 
possa,  se  não  medir  exatamente,  ao  menos,  apreciar, 
comparar e hierarquizar;  [...]  o  suplício  faz parte de um 
ritual. É um elemento na liturgia punitiva, e que obedece 
a  duas  exigências,  em  relação  à  vítima,  ele  deve  ser 
marcante: destina­se a [...] tornar infame aquele que é a 
vítima. [...] e pelo lado da justiça que o impõe, o suplício 
deve ser ostentoso, deve ser  constatado por  todos, um 
pouco como seu triunfo. [...]9
Desta  maneira  o  filósofo  traz  o  entendimento  do  que 
representava para o próprio Estado, no exercício de seu poder punitivo, a 
aplicação das penas de suplício, como se estas servissem de dispositivos 
de manutenção do poder oriundo do contrato social.
Para  ele,  a  administração  dos  suplícios  sobre  os  corpos  dos 
condenados, servia de amostra da ‘’[...]força soberana que dá origem ao 
direito de punir, diante da qual, todas as vozes devem­se calar. ’’10
Portanto, dentro da lógica de um sistema embasado na crença 
de  que  a  repressão  dos  atos  delituosos  se  dá  pela  opressão  física  do 
condenado, administrando­lhe castigos graduados conforme a gravidade 
de suas condutas, os estabelecimentos prisionais eram apenas parte de 
todo  o  espetáculo  promovido  pela  justiça,  que  comumente  estava 
‘‘submetida ao arbítrio dos governantes’’11.
Igualmente,  pelo  fato  de  a  política  da  Idade Medieval  ter  sido 
fortemente  influenciada pela religião, criando um sistema judicial em que 
a lei e o místico se fundiam, não raro era possível identificar uma divisão 
dentro deste sistema, levando á existência de espécies de prisões.
9 FOUCAULT, idem, p. 37
10 Idem, p. 55
11 BITTENCOURT, op cit, p. 09
17
Conforme aponta Bittencourt,  ‘‘nessa época surgem a prisão 
de  Estado  e  a  prisão  eclesiástica’’12,  sendo  esta  última  destinada  á 
punição  de  membros  da  Igreja,  que  por  influencia  do  direito  canônico, 
apresentavam  estrutura  e  funcionamento  diferente  da  primeira,  sendo 
inclusive mais branda.
Foi  tão  forte o direito  canônico para a  constituição do sistema 
punitivo­prisional deste período, que é possível identificá­lo facilmente na 
filosofia  de  organização  do  judiciário  medieval,  como  bem  demonstra 
Bittencourt: 
[...]  Santo  Agostinho,  em  sua  obra  mais  importante,  A 
Cidade  de  Deus,  afirmava  que  o  castigo  não  deve 
orientar­se  à  destruição  do  culpado,  mas  ao  seu 
melhoramento.  Essas  noções  de  arrependimento, 
meditação, aceitação íntima da própria culpa, são idéias 
que  se  encontram  intimamente  vinculadas  ao  direito 
canônico  ou  a  conceitos  que  provieram do Antigo  e  do 
Novo Testamento. [...]13
Ocorre  que,  por  força  da  influência  exercida  pela  Igreja  e  o 
Direito Canônico, muitos dos  juízes medievais, passaram a selecionar e 
separar  os  delitos  que  receberiam  a  aplicação  dos  suplícios  dos  que 
poderiam ser cumpridos mediante paga, como ocorria com a venda das 
indulgências. 14
Contudo  a  adoção  deste  sistema,  ainda  excluía  grande  parte 
dos condenados, os quais miseráveis e doentes, não reuniam condições 
de  livrar­se  da  custódia  prisional  para  poderem  cumprir  as  penas 
recebidas. 
Desta  maneira,  o  sistema  medieval,  já  nos  últimos  anos,  na 
tentativa  de  conciliar  os  métodos  de  punição  comuns  com  o  sistema 
eclesiástico, somente acelerou a processo de exclusão daqueles que se 
viam  condenados  e  não  possuíam  bens  pagar  as multas  e  livrar­se  do 
encarceramento,  que  aos  poucos  se  revestiu  de  caráter  seletivo,  o  que 
agrava mais ainda o sofrimento dos condenados.
12  BITTENCOURT, idem.
13 Idem p. 13
14 Idem, p. 10­11.
18
Os princípios de pena medicinal,  nas quais a  reclusão  tinha 
como objetivoinduzir ao arrependimento pelas  faltas e emendar através 
da compreensão da gravidade das culpas15, apesar de ainda restrito ás 
condições pré­fixadas pelo Estado, com base em  interesses  financeiros, 
foram timidamente dando espaço á idéia de reforma do sistema punitivo­
prisional.
E  ainda,  diante  da  gradativa  redução  da  sensibilidade  do 
público aos suplícios, causada pelas guerras religiosas, a grande fome e 
a  peste,  o  foco  do  sistema  punitivo  desviara­se  da  repressão  aos 
bárbaros  escárnios,  para  a  contenção  de  delitos  mais  discretos,  em 
grande  maioria,  voltados  ao  patrimônio,  devido  ao  crescimento  da 
mendicância e das desigualdades sociais.16
Entretanto, seria ingênuo afirmar que esta mudança no sistema 
punitivo e no aparato prisional se deu forma autônoma e desembaraçada 
no período de transição entre a Idade Média e Moderna.
De acordo com os arquivos judiciários,  ‘[...] o duplo movimento 
pelo qual, [...] os crimes parecem perder violência, enquanto as punições, 
reciprocamente,  reduzem em parte sua  intensidade se deu ás custas de 
múltiplas  intervenções’’,  as quais  foram enfrentadas somente a partir  de 
ideais reformadores do próprio sistema punitivo.17
É por causa deste lento processo de transformação, que todo o 
sistema  era  contagiado,  do  início  ao  fim,  pelo  abuso  da  punição,  traço 
marcante deste período.
O  sistema  prisional  já  nascia  fadado  á  caminhar  por  rumos 
tortuosos, pois as penas a que fora destinado a executar, foram impostas 
aos seus sujeitos por um processo confuso e obscuro. A exemplo disto, 
assevera Foucault, na seguinte passagem:
15 BITTENCOURT, Cesar Roberto, idem, p. 13
16 FOUCAULT, Michel, op cit, p. 98
17 Idem, p. 96;
19
Na França, como na maior parte dos países europeus 
[...] todo o processo criminal, até a sentença, permanecia 
secreto: ou seja opaco não só para o público mas para o 
próprio acusado. O processo se desenrolava sem ele, ou 
pelo menos sem que ele pudesse conhecer a imputação, 
os depoimentos, as provas.[...] A forma secreta e escrita 
do processo confere com o princípio de que em matéria 
criminal  o  estabelecimento  da  verdade  era  para  o 
soberano  e  seus  juízes  um  direito  absoluto  e  um  poder 
exclusivo.18
Ora,  resta  evidente  a  complexidade  e  profundidade  da  crise 
enfrentada  pelo  sistema  prisional,  o  qual  tinha  como  tarefa  cumprir  a 
execução  de  penas  desmedidas  extraídas  de  um  processo  arbitrário, 
inquisitivo, o que  logicamente não poderia dar certo, não havendo outro 
fim senão o colapso enfrentado.
Nessa  perspectiva,  para  adentrarmos  no  estudo  do  sistema 
prisional  na  Idade Moderna,  devemos nos atentar  ao  importante  serviço 
prestado pelos reformadores criminais que deram o pontapé inicial para a 
transição da prisão­custódia para prisão­pena. 
Esta análise será feita na seção a seguir.
1.3.3. Idade Moderna
O  início  dos  séculos  XVI  e  XVII  foi  marcado  pela  pobreza 
generalizada, em especial na Europa, o que forçou o Estado a abandonar 
certas  medidas,  e  adotar  outras,  mais  eficazes  para  manter  o  controle 
social.
Deste modo, principalmente por  razões de política criminal, os 
suplícios, ou melhor, as penas corporais e a de morte perderam eficácia e 
se tornaram inviáveis, já que ‘’no ano de 1556 os pobres formavam quase 
a  quarta  parte  da  população’’19,  e  a  delinqüência  crescera 
vertiginosamente,  a  ponto  de  impedir  a  aplicação  das  punições  a  este 
grande número de pessoas.
18 FOUCAULT, Michel, op cit, p.38.
19 BITTENCOURT, Cesar Roberto, op cit, p. 15
20
Estabeleceu­se  então  uma  sensação  de  instabilidade 
generalizada,  principalmente  por  parte  do  Estado,  que  viu  seu  poder 
ameaçado pela multiplicação da pobreza e delinqüência.
Neste sentido, confirma Bittencourt ao relatar o seguinte:
[...].  Eram  muitos  para  serem  todos  enforcados,  e  sua 
miséria,  como  todos  sabiam,  era  maior  que  a  sua  má 
vontade.  [...]  contudo,  como  em  algum  lugar  tinham  de 
estar, iam de uma cidade a outra. [...] Na Europa, cindida 
de  em  numerosos  Estados  minúsculos  e  cidades 
independentes,  ameaçavam,  só  com  uma  massa 
crescente, dominar o poder do Estado. [...]20
Foi  a  partir  deste  quadro  que  ‘’iniciou­se  um  movimento  de 
grande  transcendência  do  desenvolvimento  das  penas  privativas  de 
liberdade,  na  criação  e  construção  de  prisões  organizadas  para  a 
correção dos apenados. ’’ 21
Frise­se  a  idéia  de  correção  embutida  nesta  nova  abordagem 
da  política  criminal  desenvolvida  neste  período,  que  assume  caráter 
reformador a partir do reconhecimento pelo Estado das causas do crime.
Sob  esta  ótica,  verifica­se  o  desenvolvimento  das  primeiras 
linhas do estudo da criminologia, quando são considerados, para métodos 
de  aplicação  das  penas  dentro  de  um  sistema  punitivo,  os  fatores 
contributivos da conduta do criminoso.
Segundo  Foucault,  as  condições  em  que  se  encontrava  a 
massa  marginalizada  e  delinqüente,  maior  parte,  foram  determinantes 
para esta transição do sistema prisional. Assim dispõe:
[...]  os  criminosos  do  século  XVII  são  homens 
prostrados,  mal  alimentados,  levados  pelos  impulsos  e 
pela cólera, criminosos de
Verão;  os  do  XVIII,  velhacos,  espertos,  matreiros  que 
calculam,  criminalidade de marginais, modifica­se enfim 
a  organização  interna  da  delinqüência:  os  grandes 
bandos  de  malfeitores  (assaltantes  formados  em 
20 BITTENCOURT, Cesar Roberto, op cit, p. 15
21 Idem.
21
pequenas  unidades  armadas,  tropas  de 
contrabandistas  que  faziam  fogo  contra  os  agentes  do 
Fisco,  soldados  licenciados  ou  desertores  que 
vagabundeiam juntos)  tendem a se dissociar; mais bem 
caçados,  sem  dúvida,  obrigados  a  se  fazer  menores 
para  passar  despercebidos  —  não  mais  que  um 
punhado de homens, muitas vezes — contentam­se com 
operações  mais  furtivas,  com  menor  demonstração  de 
forças e menores riscos de massacres [...]22
Fazia­se  urgente  a  criação  de  um  sistema  prisional  que 
comportasse o contingente de criminosos, de modo a buscar outro meio 
de  sanção  que  não  fossem  as  penas  capitais,  caso  contrário,  o  Estado 
promoveria  um  extermínio  de  sua  população  sob  a  justificativa  de 
exercício do poder punitivo. 
Uma alternativa encontrada foi a instituição de locais destinados 
ao  recolhimento  e  custódia  destas  pessoas,  que  serviam  inclusive  de 
abrigo  para  miseráveis,  sem­tetos,  os  quais,  todos,  eram  submetidos  á 
métodos  disciplinadores  pertinentes  à  realidade  enfrentada  pela 
sociedade da época.
Estes  estabelecimentos  espalharam­se  rapidamente  pela 
Europa,  muitos  deles  conduzidos  com  pulso  firme  pelo  clero,  que 
recebeu  a  concessão  do  poder  punitivo  do Estado,  já  que  este  sozinho 
não  atingia  a  contenção  suficiente  da  delinqüência  capaz  de  manter  a 
ordem social.
Em geral,  estas  ‘novas prisões’, mantinham a  ‘’  convicção  [...] 
de  que  o  trabalho  e  a  férrea  disciplina  são  um  meio  indiscutível  para 
reforma  do  recluso’’,  demonstrando  a  clara  disposição  de  mudança  da 
lógica punitiva tida até então, que falhara diante das adversidades sociais. 
Na  Inglaterra,  por  exemplo,  em  Londres,  surgiram  prisões 
denominadas workhouses ou houses of correction, que estabeleciam uma 
rotina  de  trabalho  disciplinado,  voltado  para  retirada  de  mendigos  e 
andarilhos  das  ruas  e  emenda  de  ladrões,  através  do  trabalho  e 
produção.23
22 FOUCAULT, Michel, op. cit, p. 96
22
Logo  em  seguida,  em  Amsterdã,  os  países  baixos 
aperfeiçoaram  este  sistema  de  reclusão,  dividindo  em  unidades 
masculinas,  femininase  posteriormente  para  jovens,  em  que  se 
realizavam  atividades  compatíveis  com  as  condições  dos  condenados, 
reservando  os  castigos  físicos  como  punição  somente  àqueles  que 
cometiam delitos mais graves.24
Conclui­se,  portanto,  que  este  contexto  de  mudanças  na 
legislação penal  européia desencadeou a  inquietação de operadores do 
direito,  filósofos, pensadores, cujas  idéias eram norteadas por um sendo 
humanitário  e  racional  exaltados  por  movimentos  sociais  como  a 
Revolução Francesa a o Iluminismo.
1.3.4. Breve histórico das Prisões no Brasil
Os  registros  históricos  sobre  a  justiça  criminal  brasileira,  em 
especial  do  seu  sistema  penitenciário  são  escassos,  principalmente  em 
relação  ao  período  compreendido  entre  o  descobrimento  (1500)  e 
chegada da Família Real (1808). Contudo não é difícil obter um panorama 
do ‘que’ se tratava o mecanismo punitivo do Brasil dos séculos XV a XVIII.  
Amaral, em seu artigo desenvolvido em parceria com o Grupo 
de Estudos Carcerários Aplicados da USP – Universidade de São Paulo, 
faz sucinta análise deste período:
[...] No período que vai do descobrimento à chegada da família 
real ao Brasil (1808), só se pode falar em um sistema penal de 
organização  incipiente, e assim mesmo restrito aos últimos 60 
anos desse período. Menos ainda se pode falar em um sistema 
carcerário. Como em boa parte do Mundo nesse período, aqui 
a  prisão  também  era  usada  como  um  local  infecto  e  lúgubre 
onde  se  aguardava  pelo  julgamento,  ou  onde  os  acusados 
eram  esquecidos  até  que  morressem.  O  aprisionamento  não 
era  pena  autônoma,  mas  medida  de  contenção  do  imputado 
até  que  este  recebesse  uma  pena,  que  quase  sempre  era  a 
capital ou infamante. [...]25
23 BITTENCOURT, Cesar Roberto, op cit, p. 17;
24 Idem.
25  AMARAL, C. A evolução histórica e perspectivas sobre o encarcerado no Brasil 
como sujeito de direitos.2013, p. 02.  
http://www.gecap.direitorp.usp.br/index.php/2013­02­04­13­50­03/2013­02­04­13­48­
23
Como  se  sabe,  durante  a  época  de  colonização  do  Brasil,  o 
país  era  regido  pelas  leis  de  Portugal,  que  durante  os  anos  de  1446  e 
1603  editou  três  ‘Ordenações’,  sendo  a  primeira  as  ‘Ordenações 
Afonsinas’, depois as ‘Manoelinas’ e por último as ‘Filipinas’, já que estas 
vigeram  até  1824,  ano  em  que  foi  editada  a  primeira  Constituição  do 
Brasil.
Em que pese a coroa portuguesa  ter editado  três Ordenações 
ao deste período, não houve grande inovação quanto ao seu conteúdo, já 
que as penas bem como o sistema processual mantinham­se arraigados 
em  princípios  medievais,  sendo  que,  além  disso,  deixava­se  a  encargo 
dos  Governadores  das  Capitanias  Hereditárias  a  livre  aplicação  da  lei 
penal, o que tornava ainda mais abusivo o sistema no Brasil Colônia.
Neste  sentido,  é  interessante  transcrever  as  palavras  de 
Amaral,  as  quais  explicam  um  pouco  da  lógica  da  legislação  que  deu 
origem a todo o sistema criminal brasileiro, e que talvez ajude a explicar a 
atual crise do sistema penitenciário:
[...]  O  Livro  V  das  Ordenações  Filipinas  são  um  modelo  do 
sistema  penal  daquele  período,  prevendo  e  aplicando  penas 
desproporcionais em relação ao delitos, cruéis e injustas, além 
de continuar fazendo da pena de morte comum para os crimes. 
Um  autêntico  balaio  de  gatos  entre  moral,  religião  e  direito. 
Pior, a desigualdade de tratamento penal conforme o sexo e a 
posição social era uma instituição, como se pode verificar, por 
exemplo,  na previsão de que  “achando o homem casado sua 
mulher  em  adultério,  licitamente  poderá  matar,  assi  a  ella, 
como  o  adúltero,  salvo  se  o  marido  for  peão  e  o  adultero 
Fidalgo  ou  nosso  Desembargador,  ou  pessoa  de  maior 
qualidade”.26
Com o advento do  iluminismo, ocorreu a mitigação das penas 
cruéis,  previstas  nas  Ordenações  portuguesas,  e  ainda,  devido  aos 
acontecimentos  sócio­políticos  entre  o  Brasil  colônia  e  a  coroa,  que 
embalaram os anos de 1800 e seguintes, abriu­se caminho para a edição 
do marco legislativo em matéria de direito penal: a Constituição de 1824.
55/artigos­publicados/13­artigo­evolucao­historica­e­perspectivas­sobre­o­encarcerado­
no­brasil­como­sujeito­de­direitos>
26 AMARAL,C.,  op cit, p. 3
24
Com a edição da Constituição de 1824,  ‘criaram­se todas as 
condições  para  [...]  uma  legislação  penal  mais  humana  e  gerada  no 
Brasil’27, e ainda, pode­se afirmar que nela esteve registrada o embrião 
do Princípio da Presunção da  Inocência dentro do ordenamento  jurídico 
brasileiro, ao que se constata da análise do art. 79,  inciso IX da referida 
Carta:
 
IX.  Ainda  com  culpa  formada,  ninguem  será  conduzido  á 
prisão, ou nella conservado estando já preso, se prestar fiança 
idonea, nos casos, que a Lei a admitte: e em geral nos crimes, 
que não tiverem maior pena, do que a de seis mezes de prisão, 
ou  desterro  para  fóra  da  Comarca,  poderá  o  Réo  livrar­se 
solto.28
Pelo mesmo viés, é importante citar outro dispositivo inserido na 
Constituição  de  1824,  que  inaugurou  uma  legislação  voltada  para  a 
melhoria das instalações carcerárias, como meio próprio de se assegurar 
a  eficácia  do  cumprimento  da  pena  prisão,  qual  seja,  o  art.  179,  inciso 
XVIII,  que  em  linhas  gerais,  prescrevia  as  condições  físicas  em  que 
deveriam ser mantidas as penitenciárias, de forma a manter a segurança, 
higiene, celas adequadas, além de prever  a fiança como meio alternativo 
para os crimes de menor ofensividade.29
Apesar de a Carta de 1824  ter  inserido  timidamente princípios 
penais mais brandos, pouca foi a repercussão de seus dispositivos sobre 
o  mundo  prático  da  execução  penal,  já  que  desde  aquele  tempo 
enfrentava­se  o  problema  da  administração  insuficiente  das  prisões,  no 
que  muitas  das  vezes,  constatava­se  péssimas  condições  de 
habitualidade  nas  cadeias  pelas Comissões Fiscalizadoras  envidas  pelo 
governo para verificar o cumprimento da lei.
Por  conseguinte,  é  relevante esclarecer que,  no ano de 1830, 
foi  editado  o  primeiro  Código  Penal  do  país,  dotado  de  um  perfume 
humanista  típico  daquele  período,  este  ainda  não  trouxe  as  mudanças 
esperadas, já que não abolira a pena de morte, muito menos as cruéis ou 
infamantes.
27 AMARAL,C., op cit, p. 03.
28 Idem.
29 Idem.
25
Contudo,  tal  dispositivo,  se  prestava  a  condicionar  as  prisões 
brasileiras, em seu aspecto externo, já que, claramente influenciado pelos 
ideais  de  Bentham,  tratava  da  organização  arquitetônica  das 
penitenciárias mais do que da própria política criminal, o que na verdade é 
compreensível, já que o pais ainda não dispunha de um aparato prisional 
pleno e eficaz.
Se por um lado o Código Penal de 1830 avançou em relação á 
infraestrutura  prisional,  o  Código  que  o  sucedeu,  no  ano  de  1890, 
confirmou  o  que  há  muito  já  vinha  sendo  proposto  mundo  afora,  a 
condução  de  um  sistema  penal  mais  qualitativo  e  eficaz,  o  que  se 
evidenciou  com  o  afastamento30  da  pena  de  morte  como  pena  usual 
dentro do mecanismo punitivo brasileiro.
Igualmente,  foi  o  Código  de  1890  que,  além  de  estipular  as 
espécies de penas­prisão,  foi o primeiro a  traçar  ‘[...] as primeiras  linhas 
para um sistema progressivo’, na qual se previa a possibilidade evolução 
do  isolamento  total para a autorização de exercício de alguma atividade 
laboral, tal como ocorria no sistema auburniano31.
Mais  adiante,  os  reformadores  brasileiros  adotaram  o  sistema 
penitenciário Progressista Irlandês, que consistia numa espécie de fusão 
dos sistemas pensilvânico e auburniano, o que se verifica nitidamente nos 
arts.45 e 50 do referido código, cuja análise faz oportuna:
Art.  45.  A  pena  de  prisão  cellular  será  cumprida  em 
estabelecimento  especial  com  isolamento  cellular  e  trabalho 
obrigatorio, observadas as seguintes regras:
a)  si  não  exceder  de  um  anno,  com  isolamento  cellular  pela 
quinta parte de sua duração;
b) si exceder desse prazo, por um periodo  igual a 4ª parte da 
duração da pena e que não poderá exceder de dous annos; e 
nos  periodos  sucessivos,  com  trabalho  em  commum, 
segregação nocturna e silencio durante o dia.
Art. 50. O condemnado a prisão cellular por  tempo excedente 
de  seis  annos  e  que  houver  cumprido  metade  da  pena, 
mostrando  bom  comportamento,  poderá  ser  transferido  para 
alguma penitenciaria agricola, afim de ahi cumprir o restante da 
pena.
30 AMARAL,C., op cit, p. 03
31 Idem.
26
§ 1º Si não perseverar no bom comportamento, a concessão 
será  revogada e voltará a cumprir a pena no estabelecimento 
de onde sahiu.
§  2º  Si  perseverar  no  bom  comportamento,  de modo  a  fazer 
presumir  emenda,  poderá  obter  livramento  condicional, 
comtanto  que  o  restante  da  pena  a  cumprir  não  exceda  de 
dous anos.32
Além disso, de acordo com Amaral, ‘o código de 1890 também 
previa o livramento condicional, deixando clara a ideia de que deve haver 
o ganho de uma liberdade vigiada durante o cumprimento da pena, caso o 
condenado assim faça por merecer. ’33
Ocorre que os códigos penal e de processo penal da república 
já se encontravam distantes da realidade carcerária do Brasil, sendo que 
Engbruch e Santis apontam, como tentativa de corrigir eventuais desvios 
entre  a  lei  e  realidade,  o  art.  409  do  mesmo  código  que  permitia  a 
execução da pena de prisão em locais diversos das penitenciárias, caso o 
magistrado  constatasse  que  estas  não  cumpriam  com  os  requisitos 
mínimos de infraestrutura. 34
Sob  esta  ótica,  os  dispositivos  supramencionados  muito  se 
assemelham  com  os  dispositivos  que  regulamentam  a  progressão  de 
regimes prisionais do moderno Código de Processo Penal, porém não se 
pode dizer que  foram suficientes para  resolver os entraves da execução 
penal da época.
A  exemplo,  verifica­se  que  desde  antes mesmo  da  edição  do 
Código de 1890, já se enfrentava o problema da falta de estabelecimentos 
prisionais que comportassem o grande número de detentos, além de que 
suas instalações já estavam prejudicadas pela ação do tempo, carecendo, 
em sua maioria, de reformas.
32  ENGBRUCH,  W.;  SANITS,  B.  M.  D,  A.,  A  evolução  histórica  do  sistema  prisional  e  a 
Penitenciária  do Estado de São Paulo,  Revista  Liberdades,  IBCCRIM  –  Instituto Brasileiro  de 
Ciencias  Criminais,  2012,  p.3.  Disponível  em:< 
http://www.ibccrim.org.br/revista_liberdades_artigo/145­HISTRIA>
33 AMARAL,C., op cit, p. 03
34 BRASIL. Código Penal. 1890  ­ Art. 409. Enquanto não entrar em  inteira execução o systema 
penitenciario,  a  pena  de  prisão  cellular  será  cumprida  como  a  de  prisão  com  trabalho  nos 
estabelecimentos penitenciarios existentes,  segundo o  regimen actual; e nos  logares em que os 
não houver, será convertida em prisão simples, com augmento da sexta parte do tempo.
27
Contudo,  fora  somente  no  ano  de  1905  que  surge  nova 
alternativa  para  a  crise  que  se  instalara  no  sistema  prisional,  com  a 
iniciativa de edição de nova lei (Lei nº. 267­A, de 24/12/1905), no Estado 
de  São  Paulo,  a  fim  de  substituir  uma  da  maiores  e  mais  antigas 
penitenciárias do Brasil, a do estado de São Paulo, a qual fora finalmente 
inaugurada  em  1920,  tendo  como  projeto  vagas  para  1.200  detentos, 
celas individuais com espeço adequado, boa ventilação e iluminação.35
É relevante citar a evolução desta penitenciária pelo fato de ter 
sido  considerada  entre  as  décadas  de  20  e  40  uma  prisão modelo,  em 
que  ‘’a  organização  laboral  foi  um  dos  carros­chefes  para  a  boa 
opinião’’36 do público, fazendo contraponto com a má impressão causada 
pelo  sistema  implantado  pelo  Código  de  1830  que  se  externava  pelas 
‘’Casas de Correção’’.
Os pesquisadores apontam como  fatores preponderantes para 
a mudança de opinião em relação ao estabelecimento prisional do estado 
de São Paulo, que à época representava o que havia de mais moderno no 
aparato  estatal  quando  se  falava  em  controle  social  e  criminológico,  os 
fatores a seguir transcritos:
[...]o  indivíduo  preso  teria  um  pouco  mais  de  dignidade  no 
aspecto  da  saúde,  onde  não  teriam  celas  com  pessoas 
amontoadas  como  se  objetos  inanimados  fossem  e  onde, 
precipuamente, regenerar­se­iam seres humanos, de sorte que 
poderiam  recompor  o  corpo  social,  cria­se  a  melhor  das 
expectativas.  [...]  Nada melhor  aos  olhos  da  sociedade  (frise­
se: a elite paulista, em especial) do que um preso trabalhando, 
produzindo,  estando  fora  do  estado  ocioso  para  pensar  no 
cometimento de novos crimes ou algo do gênero (pensamento 
ainda constante na sociedade brasileira). [...]Além de auxiliar a 
economia  paulista,  tinha­se  a  ideia  de  autossustentabilidade 
econômica (instituições dessa natureza custam muito ao erário 
público)  da  Penitenciária  e,  de  forma  subsidiária,  ao  próprio 
Estado,  fornecendo  riquezas  e  produtos  aos  órgãos  públicos. 
[...] voltando à esfera pedagógica, entendia­se que a disciplina 
laboral auxiliava a própria disciplina do preso com seus pares e 
com  a  própria  administração  e,  em  um  plano  futuro,  com  a 
sociedade.  Outra  característica  positiva  era,  ainda  na 
organização  laboral,  o  cultivo  de  alimentos  naturais  via  horta 
cultivada  pelos  próprios  presos  e  que  servia  o  presídio  em 
quase sua totalidade. [...]37
35 ENGBRUCH, W.; SANTIS, B. M. D, A, op cit, p.4
36 Idem, p. 5
37 ENGBRUCH, W.; SANTIS, B. M. D, A, op cit, p.5
28
Essa nova maneira de conduzir uma penitenciária repercutiu 
positivamente na sociedade naquele  tempo, de  forma que a nova prisão 
de  São  Paulo  chegou  a  ser  considerada  além  de  modelo,  um  sistema 
‘perfeito’ de prisão, pois além de enclausurar criminosos, traziam­lhe nova 
perspectiva ao inserir em seu regime de cumprimento de pena a atividade 
laboral,  em  especial  a  produção  industrial,  casando  perfeitamente  os 
interesses  socioeconômicos  da  sociedade  em  expansão  econômica 
daquele período.
Contudo,  é  importante  destacar  que,  em  que  pese  os  muitos 
elogios  tecidos  ao  sistema  de  São  Paulo,  a  tese  de  um  sistema 
penitenciário  perfeito  se  viu  mitigada  diante  dos  entraves  práticos 
encontrados durante seu funcionamento.
Assim,  apesar  de  implantar  o  sistema  de  reclusão  aliada  ao 
trabalho, e de propor uma arquitetura voltada para a melhor acomodação 
dos  presos,  visando  a  manutenção  de  sua  saúde,  evitando  mortes  e 
rebeliões,  infelizmente,  a  própria  mentalidade  no  modo  de  conduzir  o 
sistema  de  execução  penal  paulista  não  permitiu  que  na  prática  se 
atingisse as maravilhas lançadas no projeto daquela penitenciária.
Ilustrativamente, a desconstrução do ‘mito’ de prisão modelo se 
deu pela involução da maneira como os indivíduos que estavam inseridos 
no  sistema eram vistos,  e  na própria  deficiência  do Estado em conciliar 
seus  interesses com os direitos  individuais dos detentos. Assim afirmam 
Engbruch e Santis:
A  liberdade  de  expressão  era  suprimida  na  Penitenciária  do 
Estado.  Em  análise  histórico­documental,  autores  afirmam  a 
existência  de movimentos  de  presos  a  fim  de  reivindicar  algo 
(ato  de  expressão  natural,  inerente  à  pessoa  humana),  mas 
não  de  forma  violenta,  apenas  de  forma  petitória.  Tais 
manifestos eram a “força motriz deflagradora” para a imposiçãode punições  internas  (notem: em contraposição à  lei penal da 
época), como privação de alimentos, submissão à degradação 
da pessoa mediante a enclausuração por tempo indeterminado 
ou,  a  mais  branda  de  todas,  perda  de  vantagens 
regulamentares.38
38 ENGBRUCH, W.; SANTIS, B. M. D, A, op cit, p.6
29
Não  obstante,  outros  problemas  de  gestão  de  política 
criminal começaram a aparecer no funcionamento da penitenciária, dentre 
eles,  o  mais  relevante,  foi  a  dificuldade  encontrada  pelos  detentos  em 
progredir  de  regime  quando  atingiam  os  requisitos  para  pleitear  este 
direito,  que  no  fundo  representava  a  evolução  de  sua  ressocialização  e 
uma  boa  alternativa  para  desafogar  as  celas,  que  já  estavam  com 
números maiores de detentos do que o previsto.
Tal entrave se encontra bem descrito em estudo aprofundado 
que Engbruch  e  Santis  realizaram  sobre  o  aparato  do  sistema  prisional 
paulista, que se segue:
[...]  Os  estágios  do  regime  progressivo  nem  sempre  eram 
concedidos de “ofício” pelo juiz. Muitas vezes o preso ou seus 
representantes  legais  requeriam  ao  Magistrado  a  progressão 
do  regime. Quando  deste  pedido,  é  de  rotina  que  se  expede 
um exame criminológico do preso, ora requerente. No caso da 
Penitenciária  do  Estado,  tais  exames  eram  exarados  pelo 
competente da área médica designado e pela diretoria. Espera­
se, do Estado – ora aprisionador ora detentor – que adote, no 
mínimo,  justos  critérios  ao  expedir  tal  exame,  reservadas  as 
ordens técnicas do instituto em comento. A diretoria, durante o 
período observado, utilizou critérios espúrios, quando não eram 
apócrifos,  nos  pareceres  tendentes  a  rejeitar  a  maioria  dos 
pedidos  de  progressão  de  regime,  em  especial  a  liberdade 
condicional. [...]
Cumpre  esclarecer  que  o  problema  apresentado  na 
penitenciária de São Paulo não se limita somente a esta instituição, já que 
ainda hoje vemos isto acontecer nos estabelecimentos modernos, porém 
a diferença provavelmente resida no fato de que ainda não foi encontrada 
uma  forma  de  construir  um  sistema  prisional  que  se  adapte  às 
necessidades da justiça criminal, e nem que se expanda para comportar a 
demanda  de  presos,  o  que  consequentemente  incha  os  presídios  e 
também o Judiciário, que por isso não consegue julgar em tempo hábil os 
processos criminais.
Nesta  trilha,  retomando  a  sequência  histórica  de 
desenvolvimento  do  sistema  prisional  brasileiro,  cumpre  mencionar  que 
posteriormente,  no  ano  de  1937  foi  editada  nova  Constituição,  que 
segundo  historiadores  representou  um  ‘’retrocesso  penal  e 
humanitário’’39 ao restabelecer a pena de morte.
30
Em seguida  no  ano  de  1940,  foi  criado  o  novo Código Penal 
brasileiro,  o  qual  vige  até  hoje,  que  não  manteve  a  pena  de  morte, 
mantendo  sistema  progressivo  no  regime  de  cumprimento  das  penas, 
contudo ainda não  trazia  disposições específicas  sobre  a  execução das 
penas no Brasil.40
Seguindo uma linha cronológica, o desenvolvimento do sistema 
prisional brasileiro  temos como um dos períodos mais marcantes, o que 
compreende a metade final do século XX, especialmente entre os anos de 
1964 a 1985, pois foi este o de instituição da Ditadura Militar no país.
Assim,  Mattos,  estudioso  sobre  o  tema  que  desenvolveu 
trabalho  conjunto  com  o  Conselho  de  Serviço  Social  de  Minas  Gerais, 
pondera que a crise do sistema prisional brasileiro, acentuou­se devido ao 
regime militar,  período da história  brasileira  que  foi muito  bem  retratada 
em suas palavras:
Se a tortura não foi inventada pelos militares, ela foi certamente 
institucionalizada  pela  ditadura  militar,  que  a  adotou  como 
método  de  governo,  como  política  de  Estado.  Vinte  e  um 
longos  anos  de  ditadura  militar:  aumento  desenfreado  dos 
meios  de  violência  do  Estado,  que  nunca  abre  mão  de  suas 
conquistas neste  terreno. Estão aí como evidencias empíricas 
o  pau­de­arara,  os  choques  elétricos,  afogamentos,  os 
desaparecimentos forçados, as execuções ditas extralegais [...] 
A  tortura  tornou­se  a  instituição  central  da  ditadura  militar  e 
permanece  como  uma  das  instituições  mais  sólidas  e  mais 
longevas do país. [...]41
Com  vistas  ao  que  expôs  o  autor,  verifica­se  que  neste 
período, a  justiça criminal brasileira, caminhou para um modelo prisional 
que  muito  se  assemelhava  às  práticas  punitivas  da  Idade  Média, 
transformando o que deveria ser o exercício de um dever­poder  legitimo 
do  Estado,  em  abuso  escancarado  dos  direitos  fundamentais  daqueles 
que  estavam  sob  sua  custódia,  em  nome  de  possíveis  transgressões 
contra o ordenamento jurídico.
39 AMARAL,C., op cit, p. 03
40 Idem.
41 MATTOS, Virgílio. Desconstrução das Práticas Punitivas. Editora e Gráfica O 
Lutador, 2010, p.29.  
31
Complementarmente,  o  autor  demonstra  que  o  mecanismo 
punitivo desenvolvido pelo Estado militar, deixou frutos envenenados que 
hoje, repercutem em nosso atual sistema, tais quais  ‘ a cultura do terror, 
do extermínio, da impunidade, do sigilo’42, e que inclusive correspondem 
às  mais  recorrentes  dificuldades  enfrentadas  por  aqueles  que  desejam 
promover uma reforma basilar do sistema prisional moderno no país.
Adiante,  no  ano  de  1984,  foi  elaborada  a  Lei  de  Execução 
Penal (Lei nº 7.210/84), que apesar de viger  já no final do regime militar 
brasileiro,  perpetuou  a  mentalidade  encarceradora  e  castigadora  que 
movia  o  sistema  criminal  do  Regime,  perceptível  ao  longo  de  sua 
redação, a começar pela ‘primeira das faltas qualificadas como graves’43, 
constante no inciso I do art. 50 da referida lei44.
Neste viés, segundo o autor, os  termos  inseridos no corpo do 
texto da nova  lei,  representavam na verdade, modalidades de abuso do 
poder punitivo em sede de execução das penas, no que as penalidades 
impostas  àqueles  que  infringem as  regras  de  conduta  dentro  da  prisão, 
como o isolamento na própria cela, p.ex., levam a um mundo paralelo, um 
subsistema em que há uma espécie de  ‘prisão dentro da prisão’,  o  que 
constitui encarceramento duplo dos apenados. 45
Isso porque, segundo Mattos ‘’ [...] o isolamento na própria cela 
[...]  vulnera  o  postulado  da  proporcionalidade,  ao  impor,  para  meras 
transgressões  disciplinares,  condições  de  privação  de  liberdade  ainda 
mais rigorosas do que [...] as impostas diante da prática de crimes. ’’46
De  forma  semelhante,  ainda  cita  a  Lei  nº  10.792/2003,  que 
instituiu  o  sistema  de  regime  disciplinar  diferenciado,  cujo  problema 
apontado  também  foi  a  previsão  de  infração  disciplinar,  que  também 
incide no vocábulo ‘subversão da ordem ou disciplina’, só que desta vez, 
aplicada à presos provisórios e outros indivíduos considerados nocivos ao 
42 MATTOS, Virgílio, 2010, op cit, p. 21;
43 Idem.
44 BRASIL. Lei 7.210/84 – ‘Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade 
que:  I ­ incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina; ’
45 MATTOS, Virgílio, 2010, op cit, p. 21;
46 Idem.
32
próprio  sistema,  promovendo  o  que  denomina  de  ‘alargamento  da 
prisão dentro da prisão’.47
Cumpre  transcrever  a  justificativa  pela  qual Mattos  defende  a 
inconstitucionalidade  de  tais medidas  inseridas  no  sistema de  execução 
penal, instituídos a partir das referidas leis:
[...]  sua  aplicação  [...]  desautorizadamente  prevê  a  imposição 
de uma pena antecipada seja para quem apenas é atribuída a 
prática  de  um  crime  sem  que  haja  reconhecimento  definitivo 
desta prática em um processo regularmente desenvolvido, seja 
para quem é vagamente apontado como perigoso.Por conseguinte, em relação ao breve apanhado histórico que 
se pretende fazer nesta seção, não há como falar em história do sistema 
prisional  no  Brasil,  sem  passar  por  um  dos  acontecimentos  que  mais 
marcaram a história das penitenciárias no país, o massacre do Carandiru, 
ocorrido em 02 de outubro de 1992.
O  evento  ocorrido  na  prisão,  que  era  considerada  uma  das 
maiores  da  América  Latina  e  contava  com  mais  de  7  mil  detentos, 
recebeu o nome de massacre, pois segundo o escritor do livro ‘Carandiru’ 
e  médico  da  Casa  de  Detenção  na  época,  Dráuzio  Varella,  ‘’qualquer 
massacre, qualquer contenda, que  resulte em 111 mortes, sem nenhum 
ferido, não recebe outro nome que não seja massacre’’48.
Em verdade  o massacre  representa  o  excesso  cometido  pela 
Estado brasileiro no exercício do seu poder punitivo, pois, ao tentar conter 
as  infrações  disciplinares  de  certos  detentos,  as medidas  adotadas  sob 
comando  do  conjunto  de  profissionais  que  deveriam  bem  administrar  a 
prisão,  causaram  impacto  considerável,  já  que  violaram  gravemente 
direitos  humanos  em  detrimento  do  frio  cumprimento  de  regulamentos 
administrativos­disciplinares.
47 MATTOS, Virgílio, 2010, op cit, p. 21;
48 GARCIA, J; FUJITA, G. Massacre do Carandiru foi um marco, mas cadeias ainda não recuperam 
presos,  diz  Drauzio  Varella.  2013.  Acesso:  junho/2015.  Disponível  em: 
<http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas­noticias/2013/04/06/massacre­do­carandiru­foi­
um­marco­mas­cadeias­ainda­nao­recuperam­presos­diz­drauzio­varella.htm>
33
Dentre  todas  as  informações  divulgadas  sobre  o  evento,  o 
que mais chama a atenção são as circunstâncias e as condições em que 
se encontrava a Casa de Detenção, no estado de São Paulo, ensejadoras 
do  massacre,  as  quais  revelam  as  falhas  que  mais  afetam  o  sistema 
prisional transpondo­o a um patamar caótico.
Conforme  registros,  o  local  onde  se  iniciou  uma  briga  entre 
detentos,  o  Pavilhão  09,  servia  de  alojamento  de  presos  primários,  os 
quais, em maioria, ainda aguardava  julgamento, sendo ainda o pavilhão, 
assim  como  todos  os  outros,  mantido  em  rarefeitas  condições  de 
habitalidade,  colocando  os  internos  em  completa  carência  de  direitos 
básicos, o que no mínimo despertava sua revolta e servia de combustível 
para conflitos entre si e, principalmente, com os carcerários e policiais49.
Não  obstante,  a  forma  como  era  conduzida  a  relação  entre 
dominador  e  dominado,  ou  seja,  o  tratamento  dispensado  aos  detentos 
pelos  carcerários  e  policiais,  igualmente  contribuiu  para  o  embate, 
expondo  também  outro  problema  dentro  do  sistema  penitenciário  que 
ainda persiste, o pensamento maniqueísta construído fora dali, que divide 
os  sujeitos  entre  maus  (os  detentos)  e  bons  (o  resto  da  sociedade)  e 
incita  o  ódio,  afastando  ainda  mais  da  concretude  o  ideal  de 
ressocialização do egresso.
É plausível concluir, a exemplo do massacre do Carandiru e de 
seu  emblemático  julgamento,  ocorrido  em  2013,  que  os  problemas 
enfrentados pelo sistema prisional  são apenas  reflexos de um problema 
maior,  o  colapso  da  justiça  criminal  brasileira,  que  se  apega  ainda  a 
princípios  punitivos  antiquados  que  pouco  servem  para  afastar  a 
violência,  e  dispõe  de  estruturas  pouco  desenvolvidas  para  abrigar  a 
demanda de presos, estimulada pelo ânimo encarcerador.
Por  fim,  é  interessante  trazer  à  baila  deste  trabalho,  no 
encerramento  desta  seção,  a  opinião  de  dois  grandes  pensadores 
brasileiros,  que  expressam  com  competência,  a  situação  de  ‘extermínio 
da juventude negra e pobre’50 que representa a mais aguda relação entre 
49 GARCIA, J.;FUJITA,G.2013, op cit.
34
as desigualdades sociais e as relações de poder que foi o massacre do 
Carandiru, assim descrita: 
“E  quando ouvir  o  silêncio  sorridente  de São Paulo  diante  da 
chacina
111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos
Ou  quase  pretos,  ou  quase  brancos  quase  pretos  de  tão 
pobres
E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os 
pretos” (Caetano Veloso e Gilberto Gil)
1.4.  A  reforma  do  sistema  prisional  e  as  contribuições  para  a 
contemporaneidade
Muitos  foram  os  pensadores  dispostos  á  promover  a 
discussão e desenvolvimento de teses sobre o sistema prisional do século 
XVIII,  porém  destacaram­se  os  que  trouxeram  análise  mais  profunda  e 
liberta dos conceitos conservadores da época.
Dentre  eles,  destacam­se  Beccaria,  Howard  e  Benthan,  que 
dedicaram  parte  de  sua  vida  á  compreensão  do  funcionamento  do 
sistema criminal e seu aperfeiçoamento.
Dada  às  relevantes  contribuições  trazidas  por  cada  um deles, 
passa­se a estudar suas teses separadamente:
1.4.1. A Reforma de Cesare Beccaria
Alguns  autores  definem  a  tese  criminal  de Beccaria  com  uma 
junção  do  contratualismo  com  o  utilitarismo,  contudo  suas  idéias  são 
inovadores  em  relação  ao  estudo  penológico  que  demonstrou  em  sua 
50  Justiça Global. Após 20 anos do Massacre do Carandiru pouca coisa mudou no sistema penitenciário 
brasileiro e no tratamento de jovens negros e pobres.  Rio de Janeiro. 2012. Acesso em: Junho/2015. 
Disponível em: < http://global.org.br/programas/apos­20­anos­do­massacre­do­carandiru­
pouca­coisa­mudou­no­sistema­penitenciario­brasileiro­e­no­tratamento­de­jovens­
negros­e­pobres/>
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célebre  obra  Dos  Delitos  e  Das  Penas,  segundo  o  qual,  o  sistema 
penitenciário deve despir­se do caráter confuso e abusivo para alcançar a 
ressocialização de seus internos e prevenir a propagação da violência.51
Nesta  seara,  aborda  a  temática  da  pena  com  base  na 
administração de forma proporcional aos atos praticados, recomendando 
que sua aplicação estivesse anteriormente prevista, propagando um dos 
princípios do processo penal, a anterioridade da lei penal.
Assim explica Beccaria acerca da  tendência por ele  lançada a 
respeito da proporcionalidade das sanções penais:
[...] para não ser um ato de violência contra o cidadão, a 
pena  deve  ser,  de  modo  essencial,  pública,  pronta 
necessária,  a  menor  das  penas  aplicáveis  nas 
circunstâncias  referidas,  proporcionada  ao  delito  e 
determinada pela lei’’. 52
Ademais, traz a luz da nova mentalidade criminal, a restrição da 
pena  de  morte,  não  a  sua  exclusão,  mas  o  seu  condicionamento  á 
circunstâncias  cuidadosamente  verificadas  pelo  magistrado  ao  longo  o 
processo. 
 
Complementarmente  á  este  pensamento,  é  oportuno  citar  a 
observação  que  o  autor  faz  a  respeito  de  um  silogismo,  de  autoria  de 
Viceno Facchinei de Corfu, do convento de Vallombreuse, citado em sua 
obra, que permite compreender claramente do que se trata a reforma por 
ele proposta:
Não  se  deve  impor  a  pena  de  morte,  se  esta  não  é 
realmente  útil  e  necessária;  contudo,  apena  de  morte 
não  é  necessária  nem  realmente  útil.  Portanto,  não  se 
deve inflingir a pena de morte.53
Esta observação trazida por Beccaria é pertinente á reforma do 
sistema prisional pelo  fato de este silogismo  representar a economia do 
poder de castigar54, desenvolvido na obra de Foucault, demonstrando a 
51  BITTENCOURT, Cesar Roberto, op cit, p. 32­33
52 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas, tradução de Torrieri Guimarães, São 
Paulo, Ed Hemus, 1983, p. 33.
53 BECCARIA, C., op cit, p. 37
36
relação de eficácia que a sanção penal guarda com a administração da 
pena exercida pelo Estado através da execução da pena.
Embora  as  idéias  de  Beccaria  tenham  se  concentrado  na 
reforma  da  filosofia  do  sistema  criminal,  também  trouxe  importantes 
considerações  sobre  a  estruturae  organização  das  prisões, 
argumentando  sempre  que  nos  estabelecimentos  prisionais  ‘não  devem 
predominar  a  sujeira  e  fome,  defendendo  uma  atividade  humanitária  e 
compassiva na administração da justiça’.55
Cumpre  ressaltar  que  os  ideais  implantados  pela  proposta  de 
reforma  de  Beccaria  são  atemporais,  tendo  inclusive  inspirado  outros 
grandes  reformadores,  que  inspirados  em  sua  teoria,  aperfeiçoaram  o 
sistema prisional.
1. 4. 2  John Howard e o Penitenciarismo
John  Howard  foi  um  reformador  inglês  que  desenvolveu  seu 
trabalho  baseado  na  proposta  de  humanização  das  prisões,  tendo 
inclusive se inspirado nas idéias de Beccaria, citando­o muitas vezes em 
suas obras.
Segundo  Bittencourt,  Howard  inspirou  a  ‘’  corrente 
penitenciarista,  preocupada  em  constituir  estabelecimentos  apropriados 
para o cumprimento da pena privativa de  liberdade’’56, sendo o pioneiro 
no  estudo  do  aparelho  prisional,  considerando  seu  melhoramento  uma 
modalidade de política criminal. 
Atribuem­lhe um enorme senso humanitário, pelo fato de nunca 
conformar­se com ‘’ as condições deploráveis em que se encontravam as 
prisões  inglesas’’57, e  já naquele  tempo, enfrentava o problema da  falta 
de interesse dos governantes pelo tema.
54  FOUCAULT, Michel. op cit, p. 101
55 BITTENCOURT, Cesar Roberto. op cit, p. 38
56 Idem, p. 40
57 BITTENCOURT, Cesar Roberto. Op. cit, p. 40
37
Apesar  de  ter  se  esforçado  para  reestruturar  o  sistema 
prisional, não obteve êxito pelo  fato de  faltar estrutura capaz de por em 
pratica sua teoria e promover a ressocialização ao invés mero controle e 
punição.
Contudo,  seu  pensamento  inovou  quando  trouxe  á  discussão 
do sistema, uma estrutura de prisões celulares, em que o ponto principal 
de sua tese é o ‘’ isolamento noturno, que se mantém em vigor’’58 sendo 
inclusive  adota  pela  Convenção  de  Direitos  Humanos  de  Genebra  de 
1955.
Demonstrou  também  a  necessidade  de  recrutar  pessoal 
específico para vigiar a carceragem dos condenados, explicando que os 
carcerários devem ter como principal qualidade a honra e humanidade.
Além disso, evidenciou que convém á organização das prisões, 
a sua fiscalização a fim de manter seu funcionamento organizado, que se 
faria na pessoa de um juiz criminal especializado na execução das penas.
Este  sistema  também  é  adotado  atualmente,  de  forma 
aperfeiçoada é claro, sendo defendido por ele nos seguintes termos:
[...]  A  administração  de  uma  prisão  é  coisa  muito 
importante  para  abandoná­la  completamente  aos 
cuidados de um carcerário. Em cada condado, em cada 
cidade, é preciso um inspetor eleito por eles ou nomeado 
pelo Parlamento cuide da ordem das prisões.59
Impende destacar que a contribuição de Howard para o atual 
sistema  penitenciário  foi  extremamente  relevante  para  o  direito  penal, 
pois,  ao  subdividir  o  direito  penal,  em  direito  material  e  direito  de 
execução penal, facilitou a sistematização do estudo deste sistema.
58 BITTENCOURT, Cesar Roberto. Op. cit, p. 40
59 Idem, p. 43
38
Igualmente,  ao  apresentar  a  proposta  de  um  sistema 
carcerário celular, baseado no  isolamento,  inclusive noturno, bem como, 
ao adotar o  fim reformador da prisão, conseguiu definir o marco  ‘da  luta 
interminável  para  alcançar  a  humanização  das  prisões  e  a  reforma  do 
delinquente’’, dando origem ao que hoje se conhece por penitenciarismo.
1.4.3 Jeremy Bentham e o Desenho do Panótico
Bentham  (1748­1832)  citado  por  Bittencourt60,  trouxe 
profundas  modificações  para  o  sistema  prisional  através  de  sua  obra, 
voltada  mais  para  o  aparato  prisional  do  que  para  a  mudança  de 
pensamento e conceituação da penologia.
Entretanto,  não  se pode negar  que  também contribuiu  para  o 
assentamento  da  teoria  da  finalidade  reformadora  da  pena,  já  que  não 
considerava ‘’a crueldade da pena um fim em si mesmo’’ afastando­se da 
tese de que a pena deveria causar profunda dor e sofrimento61. Contudo, 
sua  tese  filosófica  não  abria  tanta  margem  para  a  investigação  quanto 
suas  considerações  sobre  o  instrumento  que  compõe  o  sistema 
carcerário.  
Desta feita, Bentham foi o pioneiro no desenvolvimento de um 
estudo  voltado  para  a  estrutura  física  do  sistema  prisional,  ‘’  já  que  as 
prisões  ­    considerava  ­  ‘’  com  suas  condições  inadequadas  e  seu 
ambiente  de  ociosidade,  despojavam  o  réu  de  sua  honra  e  hábito 
laboriosos’’62. 
O  autor  acreditava  que  a  prisão  servia  como  meio  para 
alcançar  a  regeneração  do  recluso,  era  um  mal  necessário  para  evitar 
danos  maiores  á  sociedade.  Sendo  assim,  desenvolveu  o  projeto  do 
panótico, uma nova modalidade  de  arquitetura  prisional,  que  influenciou 
consideravelmente  a  construção  das  prisões  ao  redor  do  planeta  e 
permanece ditando regras para o sistema atual63. 
60  BITTENCOURT, Cesar Roberto, op cit, p. 43;
61 Idem, p. 49;
62 Idem.
39
Nas  palavras  de  Foucault,  ‘’  o  efeito  mais  importante  do 
Panoptico era induzir no detento um estado consciente e permanente de 
visibilidade que assegurava o funcionamento automático do poder [...]’’ e 
complementa,  explicando  que  o  sistema  desenvolvido  por  Bentham 
tornava  dispensável  que  o  detento  fosse  vigiado  o  tempo  todo,  já  que 
causava­lhe a sensação de estar sempre observado devido à arquitetura 
da prisão.64  
Na verdade, o sistema do panotico desenvolvido por Bentham, 
constituía­se  em uma  construção,  de  acordo  ainda  com Foucault, muito 
semelhante  a  um  zoológico,  em especial  o  de  Le Vaux,  pertencente  ao 
palácio de Versalhes na França, tendo como base para seu desenho ‘’ a 
preocupação  com  a  observação  individualizadora  e  com  disposição 
analítica do espaço.’’ 65
Sob esta análise, o projeto arquitetônico de Bentham permitia 
que a autoridade penitenciária  vigiasse o maior  número de pessoas,  de 
modo a controlar melhor e garantir a segurança do estabelecimento, além 
de  conceder  aos  detentos  condições  mínimas  de  humanidade  para 
suportar a pena de reclusão. 
É  possível  observar  com  clareza  essas  características 
marcantes  no  sistema  arquitetônico  desenvolvido  pelo  cientista  criminal, 
através das figuras inseridas na obra de Foucault, que se seguem:
Figura 1 – ‘Projeto de Penitenciária’66
63 BITTENCOURT, Cesar Roberto. Op cit Idem, p. 46­50
64 FOUCAULT, Michel. Op cit, p. 224
65BITTENCOURT, Cesar Roberto, op cit, p. 50;
66 FOUCAULT apud N. Harou­Romain. Projetos de penitenciárias, idem, p. 47
40
Fonte: FOUCAUL, 1999, p. 47
Figura 2 – ‘Composição celular de isolamento do Panoptico’67
Fonte: FOUCAUL, 1999, p. 48
É  justamente  o  objetivo  principal  do  projeto  arquitetônico  que 
deu  nome  á  arquitetura  por  ele  desenvolvida,  pois  de  acordo  com 
Bittencourt:  ‘’  [...]  o  nome  ‘panótico’  expresso  em  uma  só  palavra  sua 
utilidade essencial, é a faculdade de ver com um olhar, tudo o que nele se 
faz’’68. 
Complementarmente à  finalidade de onipotência da vigilância, 
o projeto também se direcionava á promoção do resgate dos condenados 
através  de  atividades  laborais,  intelectuais,  recreativas  e  espirituais  ao 
longo do dia, evitando que os  internos  ficassem  isolados o dia  todo nas 
células que compunham as galerias da prisão.
67 FOUCAULT apud N. Harou­Romain. Projetos de penitenciárias, idem, p. 48
68 BITTENCOURT, Cesar Robert, op cit, p. 51;
41
Pelo  mesmo  viés,  Bentham  aliava  ao  projeto, 
recomendações,  ainda  na  esfera  prática  e  funcional,  que  acreditava 
surtirem efeitos relevantes para a reabilitação dos detentos, dentre eles: ‘’ 
uma  disciplina  severa,  uma  vestimenta  humilhante  euma  alimentação 
grosseira’, que considerava ‘castigos moderados’ capazes de gerar bons 
resultados  tanto  do  ponto  de  vista  da  prevenção  geral  quanto  da 
especial’’69. 
Com  base  nos  conceitos  acima  analisados,  pode­se  concluir 
que  o  panótico  de  Bentham  alterou  substancialmente  a  essência  dos 
sistemas  prisionais,  que  a  partir  de  então,  agilizou  a  implementação  da 
prisão­pena,  ao  passo  em  que  se  estabeleceu  como  ‘’  uma  espécie  de 
laboratório do poder’’70. 
Neste sentido, Bittencourt explana que o desenho do panótico 
representa algo além de simples arquitetura prisional, ele ‘’ proporciona os 
elementos  básicos  das  prisões  atuais’’71,  o  que  é  bem  verdade,  posto 
que nos estabelecimentos contemporâneos é  fácil  identificar a presença 
de tais elementos, que sofreram alterações tecnológicas apenas. 
Foucault  evidencia  essa  característica  de  múltipla  utilidade  e 
praticidade do panótico, quando diz que ‘’ o desenho de Bentham resolve 
os  problemas  de  vigilância,  não  só  das  prisões,  mas  de  hospitais, 
indústrias,  escolas,  [...]  porque  consegue  estabelecer  uma  relação 
importante entre arquitetura e poder.’’72 
Em que pese Bentham ter dispendido esforços durante grande 
parte de sua carreira cientifica, no sentido de buscar soluções para a crise 
do sistema prisional, a materialização do panótico restou frustrada, porém 
o  desenho  representa  um  divisor  de  águas  dentro  do  sistema  prisional. 
Sua  proposta  de  reforma  abriu  precedentes  para  o  aperfeiçoamento  de 
outros sistemas penitenciários ao redor do mundo.
69 BITTENCOURT, Cesar Robert, op cit, p. 53;
70 FOUCAULT, op cit, p. 228
71BITTENCOURT, op cit, p. 54
72 FOUCAULT, Michel. Op cit, p. 11;
42
Assim, em análise mais atenta às instituições prisionais já na 
Idade  Contemporânea,  tanto  na  Europa  quanto  na  América,  esta, 
principalmente nos Estados Unidos, constata­se a indubitável contribuição 
dos  juristas reformadores para o aperfeiçoamento dos seus mecanismos 
de execução das penas.
Neste  sentido,  verifica­se  que  nestes  sistemas  jurídicos  a 
adoção de princípios  penais  conjugados  com uma política  criminal mais 
aberta  para  as  condições  sociais,  tais  quais  a  tentativa  de  reforma  do 
delinquente, através da reclusão em si, cominada com a rígida disciplina e 
direcionamento  para  o  trabalho  e  atividades  produtivas,  começou  a 
apresentar resultados satisfatórios.
Cumpre  destacar  dois  expoentes  do  século  XIX,  ambos 
sistemas  norte­americanos,  que  incorporaram  ideais  progressistas 
reformadores,  o  sistema de  ‘congregação’  de Auburn  (Nova  Iorque)  e  o 
sistema  ‘de  isolamento’ da Filadélfia  (Pensilvânia),  os quais  serviram de 
parâmetro para críticas ao sistema francês.73
Estes  dois  sistemas  penitenciários  contemporâneos,  foram 
estudados em 1838 por Alexis de Tocqueville, historiador francês, que em 
viagem  para  a  américa  observou  as  prisões  estadunidenses  mais 
famosas,  tendo  identificado  inclusive  certa  competição  entre  os  estados 
de  Nova  Iorque  e  Pensilvânia  pelo  título  de  mais  eficiente  e  segura 
penitenciária.74
Em seu estudo, Tocqueville descreveu a ‘Auburn State Prision’ 
como  uma  instituição  em  que  os  detentos  ficavam  isolados  apenas  a 
noite, sendo que durante o dia, executavam trabalhos coletivos, os quais 
geravam  lucros  para  industriários  que  exploravam  sua  mão  de  obra  e, 
para a própria penitenciária.
73 SANTOS, M. S.A prisão dos ébrios, capoeiras e vagabundos no início da Era 
Republicana. 2004,p. 141. Disponível: 
<http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/Topoi08/topoi8a4.pdf>
74 Idem.
43
Já  o  sistema  pensilvânico,  adotado  pela  penitenciária  da 
Filadélfia,  assumia a  postura  de  isolamento  integral  dos  internos,  sendo 
permitido a eles a execução de trabalhos menos  lucrativos e  individuais, 
apresentando inclusive custo mais elevado do que a sistema de Auburn e 
maiores índices de mortalidade, contudo segundo Tocqueville, este último 
sistema se prestava melhor ao  fim de  recuperação dos detentos,  já que 
sua capacidade de intimidação e transformação moral eram maiores. 75
Se  faz  necessário  ressaltar  que  as  conclusões  extraídas  do 
estudo  e  observação  de  Tocqueville  permitiram  implantar  dentro  do 
sistema  europeu,  inicialmente  na  França,  aperfeiçoamentos  que 
otimizaram os sistemas prisionais do século XIX.
Complementarmente, é  interessante citar o exemplo da prisão 
de  Norfolk,  também  localizada  no  estado  da  Pensilvânia  nos  Estados 
Unidos, criada ainda no período colonial, que se destacou por conjugar os 
dois  sistemas  penitenciários,  o  de Auburn  e  o  da  Filadélfia,  criando  um 
sistema ‘misto’ baseado na adoção de métodos que levassem à evolução 
de estágios da pena prisão dos condenados, criando assim, precedentes 
para o que hoje denomina­se ‘progressão de regime’.
Os autores Engbruch e Santis explicam através de publicação 
realizada  no  boletim  periódico  do  IBCCRIM  –  Instituto  Brasileiro  de 
Ciências Criminais, doravante IBCCRIM, que a prisão de Norfolk conduzia 
seu sistema da seguinte maneira:
[...]O regime inicial funcionava como o Sistema da Filadélfia, ou 
seja, de  isolamento  total do preso; após esse período  inicial o 
preso  então  era  submetido  ao  isolamento  somente  noturno, 
trabalhando durante os dias sob a regra do silêncio (sistema de 
Auburn). Nesse estágio, o preso ia adquirindo “vales” e, depois 
de  algum  tempo  acumulando  esses  vales,  poderia  entrar  no 
terceiro estágio,  no qual  ficaria em um  regime semelhante ao 
da  “liberdade  condicional”  e,  depois  de  cumprir  determinado 
prazo  de  sua  pena,  seguindo  as  regras  do  regime,  obteria  a 
liberdade em definitivo. [...]76
Ainda  de  acordo  com  os  pesquisadores,  este  sistema  de 
Norfolk, obteve tanto êxito, que foi capaz de levar a inovação do sistema 
75 SANTOS. M.S., op cit, p. 141­142
76 ENGBRUCH, W.; SANITS, B. M. D, A. op cit, p. 02. 
44
penitenciário nele instituído, da colônia para a metrópole, a Inglaterra, e 
posteriormente  para  a  Irlanda,  onde  foi  lapidado,  dando  origem  a  um 
‘quarto  sistema’  o  qual  também  foi  adotado  pela  Suíça,  em  que  os 
prisioneiros trabalhavam em locais sem barreiras físicas, ao ar livre, e em 
seguida recebia a ‘liberdade condicional’.77
Fotografias  históricas  retratam  o  cotidiano  vivido  nesta 
instituição  localizada  na  colônia  inglesa  da  Pensilvânia,  traduzindo  o 
espírito  de  ressocialização  projetado  pelos  reformadores,  como  bem  se 
observa a seguir:
Figura 3 – Jogo de baseball no pátio da prisão de Norfolk78
Fonte: Sweeney, 2013.
Figura 4 – Detentos trabalhando em marcenaria dentro da Norfolk Prison.79
Fonte: Sweeney, 2013.
77 ENGBRUCH, W.; SANITS, B. M. D, A, 2012, op cit.
78 SWEENEY, E. Warden’s son recalls life at state prison. 2013. Acesso: Maio/2015.  
Disponível em: < http://www.bostonglobe.com/metro/regionals/west/2013/01/13/secrets­
norfolk­talksecrets­norfolk­secrets­barsnorfolk­prison­warden­recalls­unorthodox­
childhood­norfolk­prison­secrets­behind­talksecrets­norfolk­secrets­prison­
behind/Th1V3ZsB3LgMrIP2iPlC4H/story.html>
79 SWEENEY, op cit, 2013.
45
Nesta  trilha,  um  caminho  de  refinamento  dos  sistemas 
prisionais  iniciou­se  na  Europa,  dando  origem  a  vários  outros  sistemas, 
tais  como  o  ‘Sistema  de  Montesinos  na  Espanha  que  tinha  trabalho 
remunerado e previa um caráter  ‘regenerador’ da pena’80, que  inclusive 
pode  ser  considerado  como  o  embrião  das  modernas  Colônias  Penais 
Industriais ou Agrícolas.
É  possível  afirmar  que  os  referidos  sistemas  trouxeram 
importante  contribuição  para  a  administração  dos  recursos

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