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GUIRADO, M. A análise institucional de Georges Lapassade

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2
A análise institucional de Georges Lapassade
Referimo-nos, na abertura deste livro, à diversidade de teorias e 
práticas com Psicologia nas instituições. Apresentamos no primeiro 
capítulo a proposta de J. Bleger, e afirmamos que apenas este autor 
se utiliza do termo Psicologia Institucional para dar nome à inter­
venção do psicólogo nesse contexto. Esta foi, inclusive, a razão pela 
qual o escolhemos para abrir a série das Psicologias Institucionais 
que visamos ora expor.
Georges Lapassade nos permite prosseguir, situando mais uma 
contribuição teórica à prática da Psicologia em instituição. Análise 
Institucional é a denominação que ele mesmo dá a essa forma de 
compreender e intervir em grupos e organizações.
Conforme se poderá notar, trata-se de um discurso diferente do 
de Bleger. Implica, portanto, numa proposta de ação também diferente.
No Brasil, o pensamento de Lapassade passa a ser mais conhecido 
a partir de meados da década de 70. Coloca-se sempre como uma 
abordagem predominantemente sociológica e política ao trabalho insti- 
tucional. muito embora tenha se originado da psicossocioíogia ou da 
psicologia dos grupos. Coloca-se, portanto, como alternativa à abor­
dagem psicanalítica de Bleger.
A análise institucional é trazida, no contexto deste livro, como 
a maneira singular de entender o que são as relações instituídas, 
bem como a forma de “trabalhá-las”, ou agir sobre elas enquanto 
psicólogo.
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Livros
Caixa de texto
GUIRADO, M. A análise institucional de Georges Lapassade. In: Psicologia Institucional. São Paulo: EPU, 1987.null
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Considerada como um “movimento1’, teve sua origem na França, 
na década de 60, com o próprio Lapassade e René Lourau (39).
Parece adequado falar em movimento de Análise Institucional, 
visto que caminharam, sempre pari passu, tanto as intervenções em 
instituições ou organizações quanto as teorizações a respeito.
Proposta como um método para decifrar as relações que indivíduos 
e grupos mantêm com as instituições (40), a Análise Institucional 
tem suas raízes teóricas na intersecção de diferentes disciplinas, como 
a Psicologia Social, a Sociologia e a Pedagogia. E tem procurado 
sempre articular os enfoques teóricos do marxismo e da psicanálise.
Suas bases concretas encontram-se nas experiências da pedagogia 
institucional que, criticando uma pedagogia autoritária, procurou 
constituir uma outra que redimensionasse o espaço, o tempo e a 
relação educador-educando; encontram-se ainda, essas bases, nas 
práticas da psicoterapia institucional, esta apontando para uma ação 
sobre as instâncias institucionais que impedem a cura a que se pro­
põem; encontram-se, por fim, na psicossociologia, compreendida como 
o estudo e o trabalho com pequenos grupos.
A maioria dessas práticas tinha, em comum, algo que a Análise 
Institucional retoma de maneira definitiva: a crítica às instituições. 
E ela o faz, não a partir do questionamento de sua eficácia, ou seja, 
não se discute sua função ou desfunção porque se reconhece que, de 
certa forma, as instituições sempre cumprem sua “função social” (até 
quando aparentam ser ineficazes). Faz, sim, a contestação da “natu­
reza” mesma das instituições. Este movimento se propõe, no dizer 
de Guilhon de Albuquerque (41), à ruptura da lealdade institucional.
Assim, o termo Análise Institucional acaba por nomear, de um lado, 
uma determinada concepção do que seja a instituição e uma teoria 
para sua análise e, de outro, uma forma de intervenção que visa a 
transformá-la, provocando-a, revelando sua estrutura (42), subver­
tendo-a.
Teoria e intervenção, no entanto, estabeleceram-se sobretudo a 
partir de experiências concretas e de sua avaliação crítica. São fre­
qüentemente denunciados, pelos próprios autores e interventores, 
insucessos e falhas ora atribuídas a situações circunstanciais como, 
por exemplo, a variedade de instituições analisadas (o que dificulta 
uma constância nas técnicas utilizadas), ora atribuídas à análise 
institucional em si, enquanto método. De forma talvez até coerente
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com sua proposta de provocar e revelar estruturas, este movimento 
não se-pQUpa. Coloca-se. constantemente em cheque e, quando se revê, 
não se confirma.
Estas avaliações, entretanto, não anulam a importância da proposta 
da Análise Institucional. De um lado, peia força que historicamente 
teve este movimento e, de outro, por se constituir, sobretudo, numa 
forma de análise política da realidade social e institucional (o que 
tem muito a acrescentar àqueles profissionais ligados à psicologia).
Se as implicações práticas desse modelo deixam a desejar àqueles 
mesmos que o criaram e o efetivaram, isto não nos impede de conhe­
cê-lo (até em suas críticas), para, inclusive, redimensionar tais críticas 
a partir de nossa realidade social e profissional.
No momento em que nos dispomos a entender esse movimento, 
tomamos Lapassade, entre tantos, como objeto de estudo. Por quê?
Primeiro, porque Lapassade se encontra na origem do pensamento 
e da prática da Análise Institucional. Depois, porque seus trabalhos 
são melhor divulgados entre nós. Além disso, é ele quem, de forma 
mais harmônica e num discurso mais acessível, articula o nível da 
intervenção ou da análise em situação, ao nível do estudo, da pes­
quisa, da teoria — a Análise Institucional em si. Por fim, porque 
ele é, antes de tudo, um provocador: seus trabalhos, contrariamente 
aos demais, são sempre um convite ao pensar e ao repensar; um 
convite ao tentar. . .
Escolhemos, como textos básicos para a elaboração deste capítulo, 
Grupos, Organizações e Instituições (43) e “El encuentro institu­
cional” (44). Neles o autor situa sua teoria sobre as instituições, os 
grupos e as organizações, buscando, via de regra, retomar as outras 
teorias a respeito e criticá-las. O ponto de partida para a crítica é a 
condição que estas teorias apresentam para que se questione o insti­
tuído, constituinte da vida dos grupos no cotidiano. Com base nisto, 
Lapassade formula a proposta de intervenção por meio da autogestão. 
Aí configura o campo político da Análise Institucional. Mais ainda: 
em meio a todo esse movimento do pensamento e da ação, questiona 
o que ele mesmo propõe, até não mais permitir que esta Análise 
Institucional se sustente enquanto proposta teórica e de atuação. ..
Vejamos, no decorrer dos subitens que se seguem, como isso se dá.
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2.1. Os três níveis da realidade social
A Análise Institucional considera a realidade social como aconte­
cendo em três níveis: o do grupo, o da organização e o da instituição.
Toda relação social se faz, sempre, nos grupos. Estes, por sua vez, 
podem vir a configurar organizações e são, ambos, sobredeterminados 
pelas instituições.
O primeiro nível é o do grupo: é a base da vida cotidiana. Na 
escola, é a classe; no trabalho, é o escritório e a oficina; no resto 
da vida, a família. Este nível já tem a marca da instituição nos 
horários, nos ritmos de operação, nas normas, nos sistemas de con­
trole, nos estatutos e papéis. Seu objetivo é manter a ordem, organizar 
o aprendizado e a produção, segundo Lapassade.
Assim, submetidos que estamos, nos grupos nos quais vivemos (da 
família aos grupos de trabalho), a uma rotina que prevê horas de 
entrada e saída, formas de trabalho e de relação, respostas aceitas e 
premiadas ou rejeitadas e punidas, vivemos cotidianamente o insti­
tuído no contato face a face, na fala direta a outro elemento do 
mesmo grupo. Há sempre, portanto, a mediatização da instituição 
no grupo. Ele é, inclusive por isso, o que Lapassade chama de um 
primeiro nível institucional.Com base nessa compreensão, podemos 
dizer, por exemplo, que o professor é o representante do Estado na 
relação com os alunos.
segundo nível da realidade ou do sistema social é o da orga­
nização, com seus regimentos e regulamentos: um estabelecimento de 
ensino ou administrativo, uma fábrica, e assim por diante. Aqui já 
existem normas jurídicas fazendo a ligação entre a sociedade civil 
e o Estado.
É nesse segundo nível que Lapassade situa a burocracia em sua 
mais concreta dimensão ”, apontando para uma estrutura que é a 
ocasião de relações autoritárias. Nesta medida, determinados grupos 
encontram-se excluídos da elaboração e prescrição dos regimentos e 
das normas de conduta, produção e aprendizagem que traduzem, 
sempre, as leis do Estado. É neste nível que a direção dos estabele­
cimentos, como uma universidade, por exemplo, representa o poder 
central e está em relação direta com ele.
* Deter-nos-emos a entendê-la melhor no próximo item deste capítulo.
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O terceiro nível ê o do Estado, a instituição propriamente dita. 
Ê o Estado, entendido como o conjunto de leis que regem a conduta 
social, quem criva a organização e o grupo.
2.2. A instituição
É interessante notar que Lapassade, definindo dessa maneira os 
três níveis do sistema social, redefine o conceito de instituição.
Em determinado momento dos textos de GrUpos, Organizações e 
instituições, identifica instituição e instituído. Instituição, nesta abor­
dagem, é o conjunto do que -está instituído e, enquanto jurisdição e 
política, pauta toda e qualquer relação.
Assim o conceito é depurado, livrando-se daquilo que é, no senso 
comum, sua identificação maior: a identificação com a organização, 
o estabelecimento, o equipamento. Lapassade atribui ao termo insti­
tuição um sentido específico e o distingue de organização, que seria 
uma forma singular de instituição. Nesse nível (organização), fala-se 
do equipamento, das condições materiais, do espaço físico, do estabe­
lecimento e do organograma (que distribui pessoas e grupos, em 
contato direto, nos diferentes papéis e regiões de poder).
O termo instituição não designa as formas materiais do prédio, 
ou a distribuição hierárquica mais imediata de uma empresa, escola 
ou hospital.
Instituição é algo como “o inconsciente de Freud ( . . . ) não loca- 
lizável e ( . . . ) imediatamente problemático” (45). Ou seja, está pre­
sente nas ações aparentemente menos significativas e isso não nos é 
dado à consciência.
Ê aígo como uma forma geral das relações sociais.
Em “El encuentro institucional” (46), Lapassade mostra a impor- 
zação). Caso contrário, corre-se o risco de se estar fazendo uma 
análise “organizacional” e não “institucional”. Cita, como exemplo, 
tância da distinção entre os dois conceitos (de instituição e organi- 
as práticas de Psicoterapia Institucional do início da década de 40: 
os profissionais que faziam a intervenção chamavam de instituição 
o estabelecimento em que iriam atuar. Com isso, estabeleciam-se como 
meta o “cuidado com a instituição que oferecia certos cuidados” , 
mobilizando seus serviços terapêuticos e permitindo que se curassem 
os doentes no interior mesmo das práticas de institucionalização. 
Nesse processo, está se confundindo, segundo Lapassade, as institui­
ções com os dispositivos e as instalações materiais, e o trabalho
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institucional com a preservação das instituições, apenas modifican­
do-as. Deve-se ír além desses limites para poder pensar as instituições. 
No caso da Joucura, por exemplo, o isolamento, a separação entre 
loucos e normais, a instituição da doença mental é que deve ser 
considerada a instituição, e não um hospital em particular. Eáte é 
apenas um dispositivo material para que a separação se dê. A este 
nível se definirá o objeto da análise institucional. A análise organi­
zacional implicaria na análise da situação de um hospital em parti­
cular. Os hospitais são as formas de se particularizar tal instituição; 
eles a instrumentam.
Da mesma maneira, poder-se*ia falar das instituições de ensino e 
do seu modo de produção como instituição. Não as escolas ou as 
fábricas, mas aquilo que sobredetermina o tipo de relação pedagógica 
ou relação de trabalho é que seria chamado de instituição.
Não se deve, entretanto,, ignorar que essa sobredeterminação signi­
fica a “presença” da Instituição nas formas organizacionais e grupais 
de relação. Por isso Lapassade usa, às vezes, 3 termos distintos, para 
significar 3 níveis da realidade social: grupo, organização, instituição. 
Às vezes, fala em um primeiro, um segundo e um terceirf) níveis 
institucionais (o grupo seria o primeiro nível institucional, a orgiani- 
zaçao o segundo e a instituição o terceiro).
No curso da conceituação de instituição, ainda, Lapassade faz uma 
distinção entre dois outros termos: instituído e instituinte. O primeiro 
significa o que está estabelecido; é o caráter de fixidez e cristalização 
das formas de relação. O segundo significa o movimento de criação: 
é a capacidade de inventar novas formas de relação.
Embora usúalmente se identifique a instituição com o instituído, 
Lapassade ressalta que o instituinte é também um movimento da 
instituição; é ele que garante, em última instância, a possibilidade 
de mudança. No processo de institucionalização, o instituinte acaba 
instituído. Mas permanece sempre?. ainda que sob controle, na con­
dição de retornar como o reprimido, numa analogia a Freud (47).
Compreendendo a instituição como o que assim criva o funciona­
mento do grupo, Lapassade faz a crítica do “lugar” que as instituições 
ocupam no método marxista de análise da realidade social (48).
Na teoria de Marx, como parte integrante das superestruturas, as 
instituições nada mais são do que um reflexo ou uma forma secun­
dária (derivada) do modo de produção. O que Lapassade procura 
destacar é que as próprias relações de produção são instituídas; que, 
como dissemos acima, o modo de produção é uma instituição.
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Ainda, h. Althusser íaz uma disiinçáo cnue a infra c a superes­
trutura, situando, naquela, as condições materiais e as relações econô­
micas e nesta, as instâncias jurídico-políticas. Tal distinção não permite 
perceber que a Escola — uma das instituições privilegiadas, no 
entender althusseriano, para a reprodução das relações de produção
— é onde se entrecruzam as dimensões econômica (ela tem um lugar 
na produção), política (supõe relações de poder e está vinculada ao 
Estado) e ideológica (produz e veicula a ideologia do saber científico 
como saber neutro, bem como a da educação “neutra”).
Com este raciocínio, Lapassade chama a atenção para o fato de 
que “a nível de superestrutura de uma instituição, o que se encontra 
é apenas o aspecto institucionalizado da instituição. E a lei, é o 
cddigo, é a regra escrita. H a constituição” (49).
Para ele, no entanto, a instituição vai além desses limites, para 
supor-outros instituídos não diretamente percebidos, como, a exemplo, 
á questão dos horários e das rotinas dos grupos e das organizações.
Lapassade afirma que a instituição não é “um nível ou uma mani- 
festação^^pgnação social” (50), mas é a maneira mesma como a 
realidade' süaaf se organizar sobredeterminada como está pela me- 
diaiçãé^^fesfado.
Além disso, no marxismo, perde-se de vista o movimento do insti- 
tuinte nas instituições. Enfatiza-se apenas o instituído, e como reflexo 
das relações econômicas.
- Pará Lapassade, quando se admitem os movimentos do instituído 
e do instituinte, o conceito de instituição se trans-formae passa a ser 
um importante instrumento de análise das contradições sociais (50.
Esse esforço de eliminação de certas ambigüidades do conceito é 
uma preocupação central deste autor; isto para que se possam usar, 
com algum rigor, palavras e termos que permitem definir com maior 
clareza .o que é o objeto de intervenção na Análise Institucional.
Antes, porém, de nos determos na compreensão do que seja este 
método de análise, convém entender outros conceitos presentes na 
formulação lapassadiana do Sistema Social. Por essa razão, desta­
camos a seguir ideologia, Estado e burocracia.
2.3. Estado e Ideologia
Lapassade considera o Estado a instituição primeira, aquela que 
legitima toda e qualquer outra instituição. Em sua condição de
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instrumenio privilegiado das classes dominantes é a lei e, por ela, a 
repressão.
Até aqui nâo há qualquer novidade. Mas vai surgir quando Lapas- 
sade originalmente afirma que o que o Estado reprime (e o faz 
permanentemente) é o sentido daquilo que se faz, o sentido da ação. 
Não se trata aqui, necessariamente, da repressão física ou policial. 
Acontece que a prática repetitiva e referida a uma determinada lei, 
a um conjunto de regramentos, é uma prática que se aliena e aliena 
os sujeitos nela envolvidos. O impedimento exterior passa a ser 
interior, esmiuçando como se encontra em infinitas normas que 
permeiam o vivido.
É esse mecanismo coletivo de repressão, determinante do desco­
nhecimento social, que é a ideologia. Assim, a ideologia não será uma 
“simples ignorância das estruturas e do funcionamento da sociedade” 
por parte de seus membros, mas, sim, um “desconhecimento do sen­
tido estrutural de seus atos, do que determina suas opções, suas prefe­
rências, rejeições, opiniões e aspirações, pela ação do Estado, através 
das mediações institucionais que penetram em toda a sociedade” (52).
é este um desconhecimento provocado pela repressão social do 
sentido daquilo que fazemos, pensamos ou falamos no cotidiano. E 
quem faz esta repressão do sentido é o Estado, a instituição por 
excelência que, controlando a educação, a informação e a cultura, 
nos grupos e nas relações face a face, instaura a autocensura e impede 
a “verdadeira comunicação” .
No momento em que Lapassade atribui este “controle central” ao 
Estado, denuncia a vertente mais radical e ao mesmo tempo mais 
envolvente de seu pensamento, de sua elaboração teórica. Ele diz 
que, com isto, o Estado reprime a Revolução.
"O cjue é mais reprimido é a Revolução. £ para evitá-la que as ideologias 
e as instituições dominantes funcionam e mantêm a adesão coletiva ao 
domínio, ao mesmo tempo em que evita o conflito e a luta que poderiam 
pôr lermo à dominação" (53).
Seu discurso sobre a Revolução, como a libertação da palavra 
social dos grupos, termina (ou começa?) por propor a destruição do 
Estado burguês. O Estado é a “cabeça” da sociedade capitalista, e 
segundo ele, quando esta for decapitada, deixará de existir.
O caminho para isto, em sua concepção, não é o golpe de Estado, 
mas sim a construção de um novo sistema institucional. O Estado 
seria substituído por uma “sociedade polimorfa” , uma sociedade
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revolucionária, em que não se permitiria a cristalização em instituições 
dominantes, nem a centralização do domínio.
Lapassade concretiza estas novas formas de vida social quando 
cita os clubes, as associações, tudo o que permite a expressão e o 
exercício da ação coletiva (como, por exemplo, as assembléias gerais 
permanentes). Estas são as instituições da revolução.
A revolução supõe, portanto, não apenas a destruição do que existe, 
mas o esforço instituinte de novas pautas para o exercício social; 
pautas estas que não se transformarão em instituições acabadas. A 
regra que se exige cumprir parece ser, inclusive, a de impedir o 
enrijecimento das novas formas instituídas. Trata-se de uma revolução 
permanente, gerando instâncias que se articulem de tal forma que 
“a soberania coletiva não se aliene em instituições que novamente se 
tomam autônomas” (54).
Tal proposta prevê que os grupos se regulem, tenham suas normas. 
Mas que as tenham não voltadas para as exigências de instituições 
dominantes centralizadas no Estado e, sim, para garantir sempre o 
movimento de continuar instituindo e possibilitando a criação. As 
regras existem sim, mas para regular a não alienação no instituído.
Adverte ele, no entanto, sobre o risco de se criarem novas formas 
de repressão social no seio da revolução permanente: é a contra- 
-revolução; é o refluxo, a “distorção do sentido, no interior da ideo­
logia revolucionária, para transformar um discurso verdadeiro sobre 
a sociedade em ideologia dominante” (55).
Da relação entre a força instituinte e o instituído nasce a neces­
sidade de luta e de ação dos grupos sociais,
2.4, Burocracia e poder
Na concepção de organização da vida social, criada pelo Estado, 
Lapassade atribui um lugar fundamental à burocracia.
Normalmente, quando se fala em burocracia pensa-se em papéis, 
ofícios, demoras e memorandos. Lapassade, no entanto, tem uma 
concepção diferente. Vai além, situando a burocracia, antes de tudo, 
como uma questão política: é um certo tipo de relação de poder que 
atravessa toda a vida social, desde as relações de produção até o lazer, 
passando pelos partidos políticos, pela pesquisa científica e pela 
educação. Não se identifica apenas com o corpo administrativo do 
Estado (como diria Marx), ou da empresa (como se costuma pensar).
33
Mas existe onde quer que se separe a decisão da execução, e o 
pensar do fazer.
Lapassade afirma, com isso, que a burocracia é a ‘'organização 
da separação’1.
Vejamos como se dá essa separação, nas diferentes instâncias da 
vida social.
As excursões programadas pelas agências de viagens, as propa­
gandas que encorajam o consumo das diversões e do descanso, com 
temas de “volta à natureza” ou com temas de “desconiração”, ao 
mesmo tempo em que popularizam o lazer, burocratizam-no. O 
“prazer” do turista é “planejado” fora e antes dele, pela agência. 
Orienta-se o que ele pode “admirar”, em que ritmo e como.
Burocratizam-se também os trabalhos acadêmicos, à medida em que 
esíes se organizam nas “panelas” que ratificam o professor “realizado” 
e o “principiante” , ou à medida em que se baseiam “na recomen­
dação, no nepotismo, na admiração, na participação em fundos de 
pesquisa” (56). Até mesmo um certo tipo de pesquisa social evidencia 
esse .traço de trabalho burocratizado: aquele empirista, em que o 
processo se caracteriza pela racionalização de cada fase do estudo, 
baseado como está na estatística, em entrevistas fechadas e resultados 
computadorizados. Idealiza-se aqui o rigor metodológico e submete-se, 
com isto, o próprio pensamento.
Quanto aos partidos políticos, Lapassade afirma que eles se tornam 
tão organizados que os eleitos se excedem na autoridade sobre os 
eleitores, e os delegados sobre os que delegam. A organização do 
partido torna-se um fim em si, e “esquece-se o projeto inicial, para 
trabalhar no desenvolvimento do próprio partido. Tudo para o par­
tido: tal passa a ser o lema, Passa-se a recrutar membros a qualquer 
preço, a fazer alianças, a fortalecer, de todas as maneiras, a orga­
nização” (57).
Nas relações de trabalho, a burocratizaçâo se manifesta no con­
trole da gestão produtiva pela forma de trabalho mecanizado, padro­
nizado, sujeito à cronometragem e à racionalização das normas. Todos 
os movimentos do homem que produz (o operário) são decididos, 
normatizados e controlados a partir (e em função) do exterior. A 
mesma alienação vai se dar nos trabalhos em escritório,enquanto 
existe uma divisão e especialização cada vez maiores e enquanto se 
limitam a tarefas repetitivas padronizadas, mecanizadas e, da mesma 
forma» controladas pelo (e referidas ao) exterior; exterior em relação 
ao grupo de trabalho que executa a tarefa.
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Na educação, o traço burocrático se apresenta basicamente na
resistência a que os alunos assumam o processo como deles. Este
parece ser do domínio dos educadores, nas suas mais diferentes 
instâncias, desde o professor que mantém relação direta com o aluno, 
até os ministérios da educação que mediatizam tal relação. As decisões 
fundamentais (programas e nomeações) são tomadas pela cúpula do 
sistema hierárquico. Para o professor, de um lado, fica a impressão 
de que decide a respeito dos conteúdos e normas e, de outro, o “lugar” 
de representante do Estado. É “da competência” do aluno (é espe­
rado dele), seguir normas e assimilar conteúdos. E, do conformismo 
(que é também uma forma de resistência) ao conflito (que é seu 
contraponto), constitui-se o campo de luta possível para a transfor­
mação desse (des)equilíbrio de forças.
É nessa discussão sobre a burocratização da pedagogia e do tra­
balho que Lapassade denuncia com mais clareza o que, para ele, é 
o traço definidor da burocracia: uma forma de organização do poder, 
em que hã uma alienação da condição de decisão sobre o fazer 
cotidiano, em favor de grupos (ou dirigentes) que, embora em relação, 
não alinham seus interesses aos dos grupos ou indivíduos executores.
A relação burocratizada é, pois, uma relação entre desiguais quanto 
ao poder para definir o que deve ser feito, bem assim o como deve 
ser feito.
Essa desigualdade e a alienação, que é seu corolário, são de alguma 
forma representadas, internalizadas, pelas pessoas. Por isso Lapassade 
afirma:
‘Tenho subitamente o sentimento de uma impotência, c parece-me que as
decisões são, com freqüência, tomadas em outro lugar, sem que eu seja con­
sultado” (58).
Na quase totalidade das vezes, entretanto, sequer esta impressão 
de estar sendo lesado na sua capacidade de decisão chega à cons­
ciência do sujeito. É o fechamento do ciclo desigualdade/poder/ 
decisão/alienação.
Apresentada, portanto, como a organização da separação, a buro­
cracia, em Lapassade, sai do âmbito das organizações econômicas e 
políticas, para significar a organização, no poder, que “penetra todos 
os poros da existência social”.
Com raízes no modo de produção, a burocracia extrapola os limites 
do capitalismo, atingindo toda e qualquer organização da produção 
em que determinados grupos (ou classes) distinguem-se dos demais,
35
para fazer o controle da política, da educação, da informação e da 
economia, entre outros.
Compreendendo desta forma a burocracia, Lapassade detém-se, num 
certo momento, a conjeturar sobre o destino do mundo: seria ele o 
da burocratização, ou de alguma outra forma de organização social? 
Se Hegel está certo, o caminho é o da burocratização generalizada e 
progressiva, porque a organização é a Razão. Se é Marx quem está 
correto, ela será dialeticamente superada, porque a organização é a 
Desrazão. Lapassade se pergunta, então, sobre a significação de um 
sistema não burocrático, sobre como imaginá-lo. E afirma que a 
questão continua em aberto.
Parece interessante, no entanto, destacar como todo o curso de seu 
pensamento aponta para a definição de uma “burocracia tradicional”, 
mas acena com a possibilidade de uma neo-burocracia (“mais flexível 
e capaz de presidir à mudança”) com jovens dirigentes, o que permi­
tirá, em seu seio, o movimento autogestionário organizativo das bases. 
Isto porque considera irrealizável o sonho da burocracia, segundo o 
qual é possível a existência de formas sociais acabadas que se re­
cusem à transformação e que se “preservem em seu ser” (60).
O inacabado estará, sempre, também presente, de forma mais ou 
menos implícita., nos diferentes tipos de poder paralelo, de conflito, 
de ato criador “de novas normas que definem novos estados, consi­
derados como relativos e como suscetíveis de evolução” ,
t “méísamos hoje ein dia, ao mesmo tempo, descobrir a importância e a 
relativa autonomia dos grupos, das organi2ações, das empresas e das insti- 
■“ v ' tuições sociais, e descobrir também que esses conjuntos são sempre inaca­
bados, que a sua finalidade se inscreve igualmente em outra parte, na socie­
dade global c na história” (61).
Com este discurso sobre o inacabado e o instituinte, Lapassade 
não chega, entretanto, a negar que em determinado momento da 
História e, especialmente, no momento atual em países do Terceiro 
Mundo, o instituído e a ordem burocrática mostram-se em toda sua 
força e vigor. É nessa situação que se expressam aquelas que são as 
características fundamentais da burocracia tradicional.
Lapassade assim as descreve:
1. A burocracia não é uma “doença”, um mau funcionamento ou 
um desfuncionamento de uma gestão; e o conflito não é uma desordem 
na auto-regulação do corpo social (modelo biológico de compreensão
36
do social). Pelo contrário, é uma forma determinada de estruturação 
das relações de poder.
,2. ‘‘A burocratização implica uma alienação das pessoas nos papéis 
e dos papéis no aparelho” (62), isto porque os papéis são sempre 
previstos e distribuídos de maneira impessoal, ganhando sentido 
apenas em função da organização para a qual forem definidos. “O 
universo burocrático é impessoal” (63).
3. As decisões são sempre tomadas por instâncias anônimas, des­
conhecidas.
4. As comunicações dão-se, via de regra, num sentido apenas — 
de cima para baixo — e o retorno não é esperado, recebido ou 
efetivado; os porta-vozes da base podem até existir, mas não são 
ouvidos; suas mensagens são “empanadas”; não existeift canais para 
tanto.
5. A estrutura de poder em dois andares alimenta~s(; na ideologia 
do saber e apóia-se numa pedagogia diretiva: na cúpula, estão os que 
sabem, na base, os que ignoram; para se atingir o saber tem-se que 
passar pelo “batismo burocrático1’. Ou seja, serão “ensinados para 
que amadureçam” , e a condição de aprendizagem exige que se iniciem 
nos procedimentos da burocracia, que se coloquem no lugar de quem 
não sabe, A desigualdade é assim perpetuada. Este sesforço peda­
gógico” vai formar nos grupos, cada vez mais, indivíduos heterô- 
nomos, “armados, segundo Riesman, de um radar para se adaptar e 
se conduzir no terreno social” (64).
6 . Com isso, desenvolve-se o conformismo, preserva-se a falta de 
iniciativa e ratifica-se a separação nos dois níveis da organização 
burocrática.
7. Os indivíduos e os grupos heterônomos, voPados para o cumpri­
mento de normas estabelecidas de fora, a pedagogia da heteronomia, 
bem como as características até agora apresentadas, ccntribuem para 
que a autonomia seja, na verdade, a da própria organização. Ela se 
torna não um meio para que um fim seja atingido (comc, por exemplo, 
a educação de um grupo de crianças), mas sim, um fim em si mesmo. 
Há um deslocamento de objetivos. Com isso, a fidelidade dos membros 
e grupos à organização acaba sendo uma exigência par* que se tenha
•satisfações e valores próprios” ; uma exigência que acaba sendo 
“percebida” como do sujeito: ele se sente pertencendo ao conjunto, 
quando se toma usuário do discurso e das atitudes desenvolvidas no 
interior da burocracia.
37
8. A burocracia supõe, portanto, continuamente, a resistência à 
mudança; mesmo quando certas estruturas ou formas de funciona­
mento se mostram inadequadas. Assímila-se mais do que se busca 
modificar. Há aqui, uma recusa do tempo, da história, uma rigidez 
ideológica, uma reação à crítica e ã novidade, oposição e conflito.9. Assim, a burocracia é a fonte do comportamento desviante e dos 
grupos fragmentários ou informais. Toda e qualquer forma de organi­
zação que não “pertença” a esta, que não comungue de seus “vícios” 
básicos”, será percebida como excluída, como banida. E, no término 
desse processo, a fração não chega a ser sequer uma fração do grupo; 
transforma-se num grupo exterior, num corpo estranho à organização. 
Formam-se subunidades, isto é, subgrupos que acabam por se dedicar 
a objetivos particulares.
10. Por fim, há que se destacar, na burocracia tradicional, o movi­
mento dos que se servem da organização para configurar uma “car­
reira” que brota da função ou do papel ocupado; isto se dá quando 
um profissional procura, de todas as formas, subir, fazendo conces­
sões aqui, contornando ali, para obter uma boa posição.
Citadas essas dez características, podemos dizer que é a partir de 
tal compreensão de burocracia que Lapassade desenha o quadro das 
relações políticas e da dominação ideológica. A inserção dos sujeitos 
e dos subgrupos nos procedimentos burocráticos é a via preferente 
para que o cotidiano seja a singularização das instituições sociais. 
É a maneira privilegiada de os grupos e sujeitos submeterem-se à 
sobredeterminação institucional (a que nós referíamos no início do 
presente capítulo). Viver a ordem burocrática é viver a dimensão 
oculta e, portanto, determinante do que se dá a nível dos grupos e 
das organizações. A inserção nesta ordem e a fidelidade a ela são a 
maneira pela qual se dá a conformação ao Estado e suas leis.
De uma forma ou de outra, as condições burocratizadas de vida e 
de trabalho são a alienação primeira, que faz com que pareçam 
naturais e necessárias todas as outras, e que traijstòrma, em neces­
sidade Absoluta, o que é necessidade de uma determinada organização 
social, política e econômica.
A burocracia é, portanto, o ritual de iniciação no universo 
institucional. . .
38
2.5. A Análise Institucional
É com vistas à suspensão das instituições dominantes (enquanto 
dominantes), “provocando” as relações de poder rígidas e hierarqui­
zadas, que Lapassade propõe a Análise Institucional.
É portanto, com vistas ao rompimento do ciclo burocrático que ela 
se define. Não será fácil, no entanto, apresentar de forma didática e 
compreensiva ao leitor como Lapassade define Análise Institucional. 
Seu pensamento muda muito, em função da sua prática e do momento 
histórico.
De início, uma breve colocação a respeito dessas mudanças. Ao 
que parece, no decorrer da década de 60, Lapassade anuncia a 
importância de tal tipo de trabalho para que se transforme a natureza 
mesma das instituições sociais. A rebelião de 1968 na França parece, 
entretanto, ter-lhe mostrado as limitações do método. E Lapassade, 
com a mesma força com que o propõe, desacredita-o. Nem sempre 
fica claro, no entanto, se sua crítica, nessa hora, atinge a Análise 
Institucional como um todo ou a forma como vinha sendo levada 
(nos seminários de Formação nas Universidades). Tudo indica que 
a explicitação da dimensão institucional oculta nas açòes cotidianas, 
a seu ver, deva acontecer (é a finalidade última da análise). Mas a 
Análise Institucional, tal conw a pensavam até então seus criadores 
e os que participavam do movimento como técnicos-analistas, não se 
mostrava mais o instrumento adequado.
É importante, no entanto, esclarecer que Lapassade revê a Análise 
Institucional enquanto prática e não enquanto teorização (que aqui 
apresentamos) sobre a burocracia: os três níveis de realidade social, 
o conceito de instituição de Estado e de Ideologia. Estes permane­
cem. Ele questiona o alcance de transformação que o método de 
Análise Institucional possa ter nesse sentido.
Os escritos de 1973 trazem Lapassade fazendo intervenções sócio- 
-analíticas novamente. Quase não usa mais o termo análise institucio­
nal, exceto como análise institucional em situação, e modifica a técnica. 
Mas permanece o lugar do analista. Agora, como o detonador da 
análise. Tem-se a impressão de que a crítica, feita anos antes, com 
relação ao papel do técnico-analista não se mantém: este profissional 
pode continuar existindo, desde que reformule os meios para a análise, 
e desde que não crie vínculos de dependência; deve ao contrário 
desencadear, com força, a incisão, um processo que o dia-a-dia dos 
grupos em organizações se encarregarão de prosseguir, fazer ou 
recriai.
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Além disso, na mudança da proposta observa-se também uma osci­
lação do referencial teórico: logo após 68, a análise sociológica e 
política do papel do analista é o ponto de partida das críticas de 
Lapassade; um ou dois anos depois, resgata a compreensão psicana- 
lítica das relações instituídas e do possível lugar do analista; dois ou 
três anos mais, depois, revê a análise concebida desta forma e a 
redimensiona com base na teoria das técnicas da psicologia existen- 
cial-humanista e da bioenergética (a via de libertação das amarras 
institucionais não será a palavra, mas o corpo).
Em meio a toda esta variação, para que se possa dar a conhecer 
ao leitor a análise institucional de Lapassade com um mínimo de 
continuidade, apresentaremos seus textos na ordem quase inversa do 
tempo em que foram escritos. Partimos do Chaves. . . (1971) e do 
“El encuentro institucional’' (1973), para chegar ao “Prólogo à 2.“ 
Edição de Grupos, Organizações e Instituições (1970). Esta é uma 
linearidade meramente formal, construída da nossa perspectiva 
enquanto estudiosos de Lapassade, visando a facilitar a compreensão 
do conceito.
Ê importante, no entanto, reafirmar que isto em nada corresponde 
ao movimento mesmo do pensamento e da prática lapassadiana.
Tanto quanto possível, tentar-se-á retornar a esse movimento.
Convida-se assim, o leitor, ao tortuoso caminho desta linearidade 
forjada. . . Refaz-se o convite, para que não se prenda a ela, a fim 
de que não perca a riqueza das contribuições de Lapassade.
2.5./. A análise institucional c o Estado
Em Chaves da Sociologia (1971), Lapassade define a análise insti­
tucional como um métodQ_ de análise da realidade social, bem como 
um método de intervenção.
Enquanto método de análise, a análise institucional, conforme 
dissemos anteriormente, redefine o conceito de instituição, afastan­
do-se. até certo ponto, da teoria marxista clássica. Com isso, permite 
compreender o que se passa nos grupos e nas organizações como 
sobredeterminado pelas instituições de uma sociedade. Permite .com­
preender a experiência cotidiana como estando aprisionada num_ 
sistema institucional.
Enquanto intervenção« propõe-se ser a condição concreta para que 
se revele a determinação institucional, oculta pela repressão do sen­
tido e pelo encobrimento ideológico. Provocando o grupo a falar e
40
atuar, promove-se a análise em situação e desvendam-se as instituições 
determinantes do discurso e da ação grupai.
Como se pode notar, ao definir Análise Institucional em 1971, 
(em Chaves da Sociologia) Lapassade confirma muitos dos pressu­
postos sobre organização social que desenvolve em 1970 no “Prólogo 
à 2.“ edição” de Grupos, Organizações e Instituições. Ele considera 
a sobredeterminação do que se passa nos grupos, a redefinição do 
conceito de instituição, a repressão do sentido e o envolvimento 
ideológico. E é sobre isto que se dará a intervenção ou ação do 
analista institucional.
Lapassade afirma, em 1970, que '‘há uma dimensão oculta, não 
analisada e, portanto, determinante” , nos grupos: a dimensão insti­
tucional. A análise institucional é o método que “visa a revelar nos 
grupos, esse nível ocultode sua vida e de seu funcionamento” (65).
Com isso, o que a análise institucional faz é chegar ao Estado que 
criva o cotidiano das instituições. Mas o Estado a que se chega é o 
Estado de Classes. Assim, a análise institucional, uma vez efetiva, 
atingirá, em cada grupo, a questão das relações sociais de classe.
Lembramos que a repressão do sentido acontece nos grupos, para 
que neles se cale a possibilidade de revolução e que o símbolo da 
revolução é o rei decapitado, porque se corta à sociedade o poder 
centralizador do Estado.
Ora, a análise institucional, em princípio, é esse caminho para 
destacar a presença desse Estado no fazer diário dos grupos e das 
organizações. Esta é a instituição por excelência que se quer desvendar.
É, no entanto, sobretudo nesse momento — ainda sob o efeito 
do fervilhar dos movimentos sociais de 1968 na França — que 
Lapassade menciona o Estado como alvo da Análise Institucional. 
Em outras ocasiões, especialmente nos trabalhos posteriores a 1971, 
são as “instituições mediadoras” as que mais cita: a educação, a 
sexualidade, o casamento, os partidos políticos, a Igreja entre outros. 
Parece claro, no entanto, que permanece como objetivo da análise 
institucional a revelação da presença da “instituição-primeira” .
Além dessas colocações sobre o fim último da análise institucional, 
outras nos parecem também significativas e a elas nos dedicamos a 
partir de agora.
2.5.2. Análise Instiiucional x Análise Organizacional
Em Chaves da Sociologia (1971), Lapassade estabelece uma dife­
renciação entre a análise institucional e a organizacional. Embora
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no primeiro caso seja o grupo, ial como se configura nas organizações, 
o lugar da intervenção, devc-se, no trabalho com ele, colocar em 
questlo sua dimensão institucional e não, buscar a reorganização ou 
a recuperação da burocracia.
A análise organizacional parece calcada numa concepção das orga­
nizações como totalidades fechadas, a-histórícas, “Tem, muito fre­
qüentemente, a tendência a tratar a empresa como uma ilhota social 
e cultural, com suas leis próprias, sua vida interna, algo parecido 
com o que os biólogos chamam de meio interior do organismo, com 
sua auto-regulação relativamente independente do meio exterior' (66). 
Daí, até fazer da análise um instrumento de reorganização das rela­
ções e de recuperação da estrutura é apenas um passo sutil.
Com isso, este trabalho nega sua finalidade última, que é o de 
explicitar o quanto as relações que se criam na empresa sofrem um 
corte transversal de outras instituições, sobretudo do Estado. Deixa-se 
de lado todo o movimento histórico que perpassa o conjunto das 
relações instituídas e, com ele, o interjogo da contradição no “interior” 
de uma dada organização (como uma empresa, uma escola, um 
hospital).
Para Lapassade, “o sentido das organizações e dos grupos é sempre 
externo a eles; está na história, no modo de produção e na formação 
social em que esta organização é constituída” (67). Por essa razão, 
ele propõe a análise institucional como um instrumento de análise 
das contradições sociais*, enquanto, como dissemos, revela a dimensãç 
oculta do que se passa nos grupos.
Ele enfatiza que esse “aspecto oculto nada tem de misterioso ou 
metafísico”. Ê o que não se sabe; e o não saber é determinado pelo 
lugar que se ocupa na produção e nas relações de classe. Desse lugar, 
o que é conhecido só o é da perspectiva que esse lúgar permite e, 
jamais, da perspectiva de quem está acima da estrutura e com a “visão 
do todo” . Assim, pela posição que se ocupa no modo de produção, 
pela classe a que se pertence, tem-se determinada possibilidade de 
“saber” sobre o que se passa nas. relações. E isso é verdadeiro até 
para aqueles que ocupam lugares privilegiados na ordem das coisas. 
Há, sempre, e para todos, uma região de “não-saber” .
Desenvolvendo este raciocínio em Chaves da Sociologia, Lapas­
sade requinta o seu entender sobre o que é objeto de análise nos 
grupos. Ele afirma que o que é analisável é, exatamente, a “relação 
com o não-saber”.
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“A análise institucional assume por objetivo o fazer surgir na sua reali­
dade concreta (na expressão dos atores), o aspecto dialético, ao mesmo 
tempo positivo e negativo de todo grupamento organizado’' (p. 151).
A tarefa da análise institucional é “provocar” (suscitar) a palavra 
social liberta, torná-la audível, de tal maneira que esses ‘'atores” 
tenham diante de si “o negativo da imagem que formam de si mesmos 
e da sociedade” (68). Aquilo que não se sabe, uma vez defrontado, 
faz mover a prática social.
Fica cada vez mais definida, então, a diferença entre a Análise 
Institucional e a Análise Organizacional. São métodos de compre­
ensão e de intervenção na realidade social, com fins e justificativas 
teóricas, se não opostas, no mínimo, diversas.
Julgamos oportuno trazer à luz tais diferenciações, considerando-se 
a utilização cada vez mais freqüente da Análise Organizacional por 
profissionais de Psicologia, dizendo-se fazer Análise Institucional.
2.5.3. As vias de Análise: palavra x ação
Além das questões relativas à definição da Análise Institucional, 
de seu objeto e de seu âmbito, existem outras ainda, trazidas por 
Lapassade — sempre em função da reflexão que ele faz sobre sua 
prática. Por isso, em geral, conflitivas.
Uma delas, a que nos interessa mais de perto no momento, pelo 
lugar central que ocupa no movimento da Análise Institucional, é a 
questão das “vias” de análise, ou seja, das técnicas mesmas pelas 
quais se procede a análise.
Até a escritura de Chaves da Sociologia (1971), a intervenção dos 
analistas nos grupos apresenta-se como calcada na palavra, visando 
inclusive a libertação da palavra social.
Quando, entretanto, lê*se “Hl encueníro institucional” (1973), essa 
direção não se mantém. Embora permaneça como “norte” a revelação 
do oculto (institucional) e, como contraponto da cristalização do 
instituído, a autogestão dos grupos, Lapassade revê a maneira de se 
atingir isto. Propõe a utilização de técnicas^originadas da Bionergétíca 
e da. Psicologia do Potencial Humano, em oposição ao que ele passa 
a chamar Socioanálise, baseada no discurso, na linguagem.
A Socioanálise, segundo ele, só romperá com a cultura e estabele­
cerá a novidade e a possibilidade de transformação quando se utilizar 
do trabalho com o corpo, quando se utilizar do grito, dos momentos 
críticos de transe, da terapia de ataque à exacerbação das emoções.
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dos elementos da gestait-terapia e da bioenergia. Assim, ela provoca 
a autogestão em ato e não só em palavras; uma ação política, de 
fato. Assim, ela é mais “ativa”, mais subversiva. E o rompimento 
a este nível é o verdadeiro rompimento, para Lapassade. É a condição 
de análise das “amarras institucionais”, ao mesmo tempo em que se
dá sua efetiva negação.
Note-se, inclusive, que o autor, nesta data, 1973, já quase não 
fala em Análise Institucional. Prefere o termo Sócio-análise, definido 
como análise institucional em situação, mais especificamente, como 
um encontro institucional (conforme se esclarecerá adiante).
Lapassade retorna, nesta redefinição da técnica, os grupos de en­
contro de Rogers (com maratonas e happenings). Como uma forma 
de intervenção, originalmente concebida para promover mudanças 
individuais e grupais, passa a ser pensada como uma força de inter­
venção que possibilita mudanças na organização e na instituição. 
Para isso, é necessário reconsiderar os grupos de encontro da perspec­
tiva teórica que formula a relação entre organização e instituição, 
É necessário ainda, fazer, o enxertoa estas técnicas de trabalho 
corporal.
Conservando, portanto, os fins últimos da sócio-análise, transfor- 
mam-se as vias de acesso, tendo em vista um rompimento que se dê 
pelo impacto e pela provocação. Só assim se reverte a apatia, a
inatividade e a desistência que, segundo Lapassade, é o mal das
instituições no momento histórico em que escreve sobre isto (década 
de 70). Má alguns anos (provavelmente a década de 60), as carac- 
íerísticas do movimento social eram outras e, portanto, as técnicas 
podiam ser outras também. Agora não. Para quebrar o “fazer nada”, 
só por meio de um “fazer direto, breve e ruidoso”.
Afirma, então, categoricamente;
Que fazemos?
Crise-anãlise. Instituímos, no tempo breve (três dias ao ritmo de mara­
tonas) de uma intervenção, uma crise na organização-cliente e pensamos 
que logo eles poderão apropriar-se da análise e começar a praticá-la. Este 
é o aspecto didático de nossas intervenções. Não sabemos, exatamente, 
como é desencadeada artificialmente esta crise; às vezes, de fato, no limite 
do transe coletivo; assim, obtemos efeitos análogos ao que ocorre em certos 
grupos de encontro ( . . . ) onde já se sabe desde o início que haverá muitos 
gritos, lágrimas e ‘teatro’. Vêm a nós para serem provocados, para encontrar 
os provocadores institucionais ( . . . ) e seus amigos, seu clã, os ‘impugnados 
do lugar’. Com freqüência, nossas intervenções são também ocasião de 
reencontros da família institucionalista. São ocasião de uma festa. O cliente,
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atônito, sobretudo se se compòe de adultos instalados nas instituições (fami­
liares, profissionais), sente-se culpado e não quer parecer reacionário ou 
reformista, ou ainda, agente da repressão (sexual, cultural). Como também 
se questiona sobre sua 'instituição', provoca e festeja.
Se descrevo assim nossas situações, não é para deplorá-las. Pelo contrário, 
penso que devemos levá-las mais longe ainda e que os ‘potencialistas’ o 
fazem, com efeitos interessantes. Mas, nesse movimento, há técnicas espe­
cíficas, elaboradas sobretudo para conduzir grupos, como se vê nos grupos 
de encontro, de gestalt e de bioenergia. Hm socioanálise, no contrário, com 
muita freqüência, permanece-se na composição, pratica-se como diz R. Hen, 
à deriva institucional” (42).
Os recursos às técnicas corporais e de grupos de encontro, bem 
como a duração breve (maratonas de fins de semana), retiram da 
intervenção a idéia “analítica” de mudança progressiva e de longa 
duração.
A “análise” institucional, portanto, transforma-se num “encontro” 
institucional e, enquanto intervenção, Lapassade lhe atribui o mesmo 
sentido de remeximento das instituições, como se o fato de ser uma 
análise ou um encontro não alterasse as condições de possibilidade, 
a natureza e a intensidade da mudança provocada.
Fica claro, ao contrário, que no “encontro” o lugar do analista 
é o de “provocador” de um processo que, pretende-se, seja tomado 
nas mãos pelos atores institucionais, finda a intervenção. Daí, como 
afirma Lapassade, o seu caráter didático. Se ele é o detonador da 
mudança, a hipótese é a de que a análise seja uma ação do grupo 
sobre si mesmo (e especialmente) na ausência do analista.
2.5.4, A crítica ao movimento e ao conceito de Análise Institucional
Como vimos, no texto de “Hl encuentro institucional” (1973), 
Lapassade critica a questão da técnica, ou melhor, critica a íorma 
pela qual vinha se dando a análise institucional. No “Prólogo à 2.a 
Edição” de Grupou, Organizações e Instituições (1970), no entanto, 
acontece, surpreendentemente, no mesmo texto em que se define o 
conceito, a mais cristalina “derrubada” da análise institucional, por 
seu criador.
Isto causa surpresa até porque a “derrubada” é anterior à proposta 
de “Encontro” , o que sugere que Lapassade, em certa medida, recon­
siderou o destino a que lançara a análise institucional em 1970.
Em 1970, numa revisão crítica do movimento de 1968 na França, 
Lapassade contrapõe à análise institucional (tal como desenvolvida 
nos Seminários de Formação nas universidades e mobilizada por
45
especialistas ou técnicos) a ação direta dos grupos cuja palavra social 
é reprimida. É esta ação que libera, não a análise. É ela que trans­
forma. É ela a prática subversiva.
Há, fundamentalmente, aqui, o questionamento de um tipo de 
prática em que os técnicos se colocam como preceptores da mudança, 
repetindo, muitas vezes, a relação de poder que condenam, ou que 
sc propõem terminar. Há, também, o questionamento da própria 
análise, quando entendida como um ‘‘fazer pela palavra” e na ação 
“artificial” de grupos monitorados por esses técnicos. Ela não téria 
a força transformadora da ação que é diretamente pensada e exe­
cutada pelos grupos a quem as decisões são impedidas.
Embora não fique claro neste “Prólogo...", parece, entretanto* 
que o que ele critica é a experiência sócio-analítica ou de análise insti­
tucional por meio dos chamados Seminários de Formação em que o 
sociólogo ou psicólogo denunciava a “traição dos dirigentes” ou 
apontava para os “defeitos burocráticos da instituição” (69). Se 
chamamos de análise institucional ao trabalho a nível da autogestão 
(ou seja, a nível da aproximação entre o decidir e o executar, o pensar 
e o fazer, num mesmo grupo) há, também ao que parece, o que 
resgatar nesse movimento. Mesmo assim, permanece a crítica à artifi­
cialidade desses trabalhos, no caso de a autogestão acontecer pela 
ação liberadora primeira do analista, determinando, com sua pre­
sença, a “condição de possibilidade*’ da autogestão.
Essa critica encontra-se forte e “calorosamente” colocada pelo autor 
em alguns trechos de seu discurso. Vamos reproduzi-los, para que o 
leitor se coloque em contato com seu estilo:
"Utopia, reformismo, ilusões quanto às possibilidades de intervenção socio- 
anaíítica: eis o que se tornou evidente quando a transformação que pensá­
vamos preparar com a nossa prática institucional veio de outra parte, de 
outra origem — quando outros descobriram a primeira brecha. A nossa 
contestação permanecia encerrada em artigos, em livros, em seminários, 
nos guetos dos ideólogos e dos que se ocupam da prática, nossos colegas 
que a tratavam — aliás como uma aberração — até o dia em que con­
troles institucionais estouraram no nível de um poder que as nossas inter­
venções não chegaram jamais a atingir. Quando os estudantes e os operários 
praticaram a ação direta, a ocupação dos lugares institucionais do poder, 
a libertação da criatividade de instituir, em vão esperada nos grupos de 
análise, invadiu a vida de todos os dias (70).
“Algumas tentativas experimentais ( . . . ) dos Seminários de Formação e 
das intervenções sócio-analíticas já sugeriam que as sociedades poderiam e 
deveriam ser o contrário rigoroso do funcionamento social habitual. A per­
cepção experimental dessas possibilidades era, no entanto, reprimida por
46
todo um aparato técnico e conceituai das ciências e de suas aplicações prá­
ticas. Viu-se isto muito bem quando as primeiras tentativas de autogestão 
se chocaram com a burocracia universitária. Cinco anos depois, nas facul­
dades ocupadas, a autogestão tornou-se o programa aceito por todos, durante 
os meses de ocupação. Ao mesmo tempo, experimentava-se a autogestão nas 
práticas. Em todo lugar, a ordem burocrática era ameaçada.
Redescobrimos e experimentamos o que significava a ‘volta à base’, não 
mais na linguagem burocrática, da consulta ou da eleição, mas como uma 
prática de todos os dias que se situa na 'base', a fonte única de soberania. 
Rejeitou-se assim a instituição da separação em todos os níveis da vida 
social e política. A partir daí, a alienação da soberania popular em favor 
de um pequenonúmero de eleitos não apareceu mais como uma evidência, 
como uma necessidade natural. Aprendemos a ver nela apenas uma forma 
de organização característica de um certo tipo de sociedade” (71).
A ação direta, da transgressão ã autogestão, parece ser para 
Lapassade, então, a alternativa possível de retomada do sentido do 
que acontece no cotidiano.
2.6. Eis um livro ambíguo. . .
É com esta frase que Lapassade inicia o último parágrafo do 
“Prólogo à 2.a edição” de Grupos, Organizações e Instituições.
Considerando “sua” análise institucional que, num esforço de cla­
reza buscamos apresentar neste capítulo, considerando o movimento 
de seu pensamento, bem como as lacunas que permanecem a um 
leitor atento de seus trabalhos e a um profissional que procura em 
suas idéias respaldo e ocasião de reflexão, poderíamos diíer que o 
que ele chama de ambigüidade, estende-se não apenas ao livro em 
questão, mas ao conjunto de seu discurso, aos três trabalhos que 
aqui utilizamos para compreender a análise institucional.
Lapassade, o político-anarquista do “Prólogo à 2? edição” que 
propõe a decapitação do rei, a destruição das instituições dominantes, 
a autogestão e o emparelhamento entre o decidir e o executar, parece 
ter pouco a ver com o autor ponderado do capítulo sobre Burocracia 
no mesmo livro. Parece, ainda, ter pouco a ver com o analista que 
assina o capítulo sobre análise institucional no Chaves da Sociologia, 
falando sobre o “negativo e o positivo” nos grupos, e sobte o caráter 
“fantástico” do desconhecimento das determinações institucionais. 
Parece, finalmente, ter pouco a ver com aquele que propõe a “ revo­
lução Mo sentido” pela libertação do corpo, no “El encuentro insti­
tucional”.
47
Causa surpresa e sensação de insuficiência, perceber que depois 
de sua formulação sobre os três níveis de realidade social, sobre 
burocracia e autogestão, Lapassade atribui a uma maratona de fim 
de semana o papel de promover a análise e a transformação. Pare­
ce-nos que atribuir ã crise-análise, tal como a propõe, a condição 
de fazer contraposição à ordem institucional e social e de romper 
com ela é, no mínimo, uma questão de fé . . .
Em nenhum momento, no entanto, deixa de ser desafiador e 
apaixonante o contato com seus trabalhos.
Entre o anarquista e o analista, Lapassade nos confunde.
Talvez esteja aqui o grande valor de se conhecerem suas idéias. 
Talvez, inclusive, esteja aqui sua coerência: ele sempre provoca! 
E finaliza:
‘ Eis um livro ambíguo.
A publicação de uma obra sobre esses domínios ainda incertos justifica-se 
essencialmente por sua capacidade de provocação, ainda mais do que por 
sua função de informação. Em lermos mais tranqüilizadores, dir-se-á que tal 
obra, de intenções essencialmente críticas, justifica-se basicamente na medida 
em que rçode provocar mudanças. O futuro dirá se essa função ainda lhe 
cabe, ou se devemos considerar este livro e, sobretudo, aquilo de que 
trata, como a expressão de uma etapa já ultrapassada na história de uma 
crise da qual conhecemos apenas os pontos iniciais” (73).

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