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25 Evolução das Espécies Cultivadas Mesmo não se sabendo exatamente quando o homem começou a agir como melhorista de plantas, certamente a natureza vem procedendo como tal através do tempo, apesar de o sentido da seleção praticada pela natureza divergir, quase sempre, dos objetivos dos melhoristas. Segundo Allard (1971), as variações herdáveis ocorreram antes e depois do início do cultivo. Eventualmente, raças portadoras de tais variações cresciam ao lado de outras, produzindo-se, assim, híbridos naturais, o que aumentava o número de combinações genéticas. Algumas apresentavam vantagens, enquanto tipos não adaptados a certos ambientes eram eliminados, aumentando assim as oportunidades para os melhores cruzamentos. Os melhoristas atuais receberam os produtos finais de um longo período de seleção natural e artificial. Sem dúvida, a ajuda do homem nesse processo foi significativa, inclusive, em alguns casos, atuando contra a seleção natural para preservar os tipos variantes que lhe interessavam. Portanto, a atuação conjunta da seleção natural e artificial proporcionou ao melhorista moderno um formidável acervo botânico. 2.1. FORMAS DE EVOLUÇÂO As maneiras pelas quais se processou a evolução das espécies de plantas, com certas variações, limitam-se a três categorias principais: mutação, hibridação interespecífica e poliploidia, as quais não são mutuamente exclusivas. 2.1.1. Mutação A diversificação mendeliana é proveniente, basicamente, das mutações gênicas. As recombinações que resultam da hibridação entre formas que carregam mutações diferentes proporcionam maior diversidade genética sobre a qual pode atuar a seleção, natural ou artificial. Por vezes, uma única mutação pode aumentar o valor de uma espécie para o homem. Sabe-se que o repolho, 26 Melhoramento Genético de Plantas: Princípios e Procedimentos a couve-flor, brócolis e a couve-de-Bruxelas, todas da família das Crucíferas, derivaram-se bem diretamente da couve selvagem, planta que ainda vegeta nas costas da Europa e no Norte da África. As grandes diferenças morfológicas que distinguem estes tipos são resultado de diferenças num pequeno número de genes. As mutações gênicas, admite-se, vêm ocorrendo a uma razão mais ou menos constante e têm sido a base para a seleção natural, mas na sua grande maioria são deletérias e recessivas. Por essas razões, à medida que um pequeno grupo delas se expõe ao ambiente, têm que submeter-se às forças seletivas. Este fato deve ocorrer, com maior probabilidade, em populações geneticamente heterogêneas, ou seja, em indivíduos heterozigotos, que carregam e segregam alelos recessivos. Na condição selvagem a grande maioria das plantas reproduzem-se por cruzamento e, por isso, são altamente heterozigotas. Muitas cultivares de importância sócio-econômica foram originadas por mutações dentro de uma única espécie. São exemplos cultivares de centeio, cevada, feijão, linho, milho e tomate. 2.1.2. Hibridação interespecífica Consiste no cruzamento entre diferentes espécies afins, com a manutenção de certos tipos produzidos a partir dos produtos da segregação. O grande número de diferenças genéticas que podem ser obtidas a partir de cruzamentos interespecíficos, além de diferenças na organização cromossômica, resultam geralmente numa grande complexidade nas gerações segregantes. Por outro lado, muitas das recombinações não são equilibradas e, assim, não passam pelo crivo da seleção natural. Por isso é difícil encontrarem-se exemplos em que duas ou mais espécies tenham contribuído conjuntamente para a formação de uma série de cultivares, a não ser em casos de plantas que podem ser reproduzidas por métodos vegetativos. A multiplicação assexuada conserva o vigor que caracteriza muitos híbridos interespecíficos. Cultivares de videiras, rosáceas, como pereiras e cerejeiras, ornamentais, como lírios e rosa, e outras, foram originadas da hibridação interespecífica. Antes do descobrimento da América, os horticultores europeus cultivavam espécies selvagens de moranguinho, sem obterem progressos satisfatórios no seu melhoramento, talvez por falta de variabilidade necessária no germoplasma até então disponível. Em princípios do século XIX, quando os ingleses fizeram cruzamentos entre Fragaria virginiana, americana e Fragaria 27 Evolução das Espécies Cultivadas chiloensis, européia, começaram a aparecer resultados satisfatórios. Os cruzamentos entre essas duas espécies, retrocruzamentos e produtos segregantes, possibilitaram a combinação de seus caracteres desejáveis, como tamanho grande dos frutos de F. chiloensis com a fertilidade alta, melhor sabor e outras qualidades do fruto de F. virginiana. Outra forma de hibridação interespecífica, chamada hibridação introgressiva ou introgressão, parece ter tido importância em certos casos. Trata- se de uma hibridação seguida de retrocruzamentos com uma das espécies parentais, de modo a se transferirem algumas características de uma espécie para outra, sem perda da identidade taxonômica desta. Na realidade, ocorre um ligeiro enriquecimento de uma espécie com genes provenientes da outra. Isto torna mais ampla a variabilidade da espécie recorrente , aumentando o número de recombinantes. A hibridação interespecífica, neste caso, é difícil de detectar-se, principalmente quando a introgressão tenha sido pouco expressiva. Há, pois, necessidade de maiores estudos sobre o assunto. O exemplo clássico e que parece evidente, é o cruzamento do milho com planta de Tripsacum, gênero silvestre da América Central, taxonomicamente próximo de Zea mays. Provavelmente houve contaminação de milho sul-americano com genes de Tripsacum. Resumindo, esta teoria pressupõe que uma variedade de milho começou a ser cultivada na região andina da Bolívia e Peru e, estendendo-se para o norte, chegou à América Central. Aí encontrou outra variedade que havia sido cultivada exclusivamente no México, semelhante aos tipos norte-americanos, mas com características diferentes das do milho sul americano. Em algumas dessa regiões teriam ocorrido os cruzamentos em questão. Tripsacum é semelhante ao milho norte-americano e o produto de seu cruzamento com o milho é estéril. Portanto, se Tripsacum for um dos genitores do milho atual, os descendentes férteis do cruzamento, semelhantes ao milho, devem ter se originado de sucessivos retrocruzamentos com plantas de milho. Estudos citogenéticos elucidaram a origem do trigo cultivado Triticum aestivum. O gênero Triticum consiste numa série de espécies diplóides (2n=14), tetraplóides (2n=28) ou hexaplóides (2n=42), sendo, portanto, o número básico de cromossomos n=7. O relacionamento das espécies diplóides, tetraplóides e hexaplóides foi determinado principalmente a partir da comparação do comportamento dos cromossomos durante o pareamento nos híbridos entre essas espécies. Esses estudos permitiram demonstrar que as espécies podiam ser diferenciadas pelos seus genomas, simbolizados por A, B e D. Diplóides 28 Melhoramento Genético de Plantas: Princípios e Procedimentos são AA, tetraplóides AABB e hexaplóides AABBDD. Os tetraplóides originaram- se da hibridação entre espécies diplóides que contribuíram com os genomas A e B, seguida de duplicação cromossômica, resultando nas formas AABB. Posteriormente houve hibridação entre tetraplóides AABB e uma terceira espécie diplóide, doadora de D, seguida de duplicação dos cromossomos e, finalmente, originando as espécies hexaplóides AABBDD. A Figura 2.1. mostra as espécies envolvidas na evolução do trigo. FIGURA 2.1. Filogenia do trigo T. aestivum (Riley, 1965). 2.1.3. Poliploidia Maiores detalhes sobre a poliploidia podem ser vistos no capítulo específico sobre o assunto. Procura-se estudar aqui apenas a contribuição desse fenômeno citológico sobre a evolução das plantas cultivadas. Indivíduos haplóides, triplóides, tetraplóides, ou com níveis mais altos de ploidia, podemser obtidos, normalmente, por erros nos processos de reprodução dos diplóides. Autopoliplóides e alopoliplóides são resultantes, respectivamente, da união de genomas idênticos duplicados e de genomas ou espécies diferentes. A autopoliploidia não tem contribuído muito para a evolução natural, por induzir um comportamento anormal de cromossomos, que geralmente produz alto grau de esterilidade. A limitada produção de sementes faz com que espécies 29 Evolução das Espécies Cultivadas autopoliplóides se reproduzam assexuadamente. Com freqüência têm partes da planta maiores do que nos diplóides, como flores, frutos, etc. A triploidia é a forma mais simples da poliploidia; originados por desequilíbrio nos jogos cromossômicos, os triplóides são altamente estéreis e reproduzem-se por via assexuada. Calcula-se que aproximadamente 25% das cultivares americanas de maçãs são triplóides, o mesmo acontecendo com as peras européias. As cultivares de bananas comerciais têm 33 cromossomos, enquanto os tipos diplóides possuem 22. A triploidia na banana é importante porque resulta na falta de produção de sementes, indesejáveis no fruto. Produz, ainda, aumento do tamanho e vigor da planta e tamanho do fruto. Existem cultivares diplóides e tetraplóides de batata, todas da espécie Solanum tuberosum, além de alguns tipos triplóides. É provável que as espécies tetraplóides originaram-se por autopoliploidia, principalmente. Segundo Allard (1971) foram descobertas pelo menos 15 variedades de uvas tetraplóides espontâneas, formadas a partir de plantas diplóides. Entretanto, esses novos tipos apresentavam, paralelamente, características indesejáveis. Portanto, nem sempre a autopoliploidia produz tipos superiores e sua contribuição para a evolução das plantas foi realmente limitada, conforme o autor. Ao contrário, a alopoliploidia foi mais eficiente no processo de evolução das plantas cultivadas. Consiste na hibridação entre espécies afins, com posterior duplicação do número de cromossomos. Verificou-se que os híbridos estéreis tornavam-se férteis pela duplicação dos genomas, fator de especial importância na hibridação interespecífica. Esses tipos, chamados anfidiplóides, são férteis e geralmente produzem descendentes férteis. Segundo muitos autores, os anfidiplóides constituem os próprios F1 s do cruzamento entre diferentes espécies. O produto da duplicação dos genomas desses anfidiplóides são também férteis e constituem os alopoliplóides, sem um termo específico para designá-los. Há quem considere os dois termos sinônimos. Provavelmente, a metade das plantas cultivadas e 70% das gramíneas forrageiras são alopoliplóides (Allard, 1971). A poliploidia foi importante no desenvolvimento de plantas como o trigo, fumo, algodão e café. O fumo comercial (Nicotiana tabacum) tem 48 cromossomos, e originou-se do cruzamento de duas espécies silvestres, N. sylvestris x N. tomentosa, ambas com 24 cromossomos. O gênero Coffea, por exemplo, é constituído por aproximadamente 100 espécies. Dessas, apenas a espécie Coffea arabica L. é alotetraplóide, com 44 30 Melhoramento Genético de Plantas: Princípios e Procedimentos cromossomos, sendo autofértil e predominantemente autógama. As demais espécies são diplóides, com 22 cromossomos, todas autoincompatíveis e, portanto, alógamas. Estudos de quimiotaxonomia, evolução e hibridação interespecífica evidenciaram que a espécie C. arabica deve ter se originado do cruzamento de duas espécies diplóides (C. eugenioides com C. canephora, C. congensis ou C. liberica), seguida da duplicação do número de cromossomos. A espécie C. arabica é hoje explorada comercialmente em todas as regiões cafeeiras e cerca de 75% de todo o café comercializado no mundo é oriundo de cultivares dessa espécie. Importante contribuição da poliploidia foi produzir maior potencial de variação, aumentando o número de alelos idênticos e, conseqüentemente, as possibilidades de ocorrerem mutações, resultando em aumento da variabilidade genética.
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