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Nem preto nem branco muito pelo contrário: cor e raça na intimidade.
Lilia Mortiz Schwarcz
HISTÓRIAS DE MISCIGENAÇÃO E OUTROS CONTOS DE FADAS.
A autora começa fazendo um paralelo com a literatura infantil cujo tema era o branqueamento, entre os quais Contos para crianças (publicado no Brasil em 1912 e na Inglaterra em 1937), cujo tema central é como uma pessoa negra pode tornar-se branca, tema quepe também o núcleo narrativo do conto "A princesa negrina".
De modo que nestes a insistência na ideia de branqueamento, o suposto quanto mais branco melhor, fala não apenas de um acaso ou de uma ingênua coincidência, presente nesse tipo de narrativa infantil, MAS DE UMA SÉRIE DE VALORES DISPERSOS NA SOCIEDADE E PRESENTES NOS ESPAÇOS PRETENSAMENTE MAIS IMPRÓPRIOS. A cor branca é explicitada, é quase uma benção. 
Quanto a essa temática outros autores estavam prontos para defendê-la, por exemplo, João Batista Lacerda, diretor do Museu Nacional do Rio de janeiro que apesar de estar distante dessa literatura de ficção, suas conclusões não eram muito distintas da mesma. Ao participar do I Congresso Internacional de Raças, em julho de 1911, expôs uma mensagem clara: "é lógico supor que na entrada do novo século, os mestiços terão desaparecido no Brasil, fato que coincidirá com a extinção da raça entre nós". Um artigo sem dúvidas em defesa do branqueamento.
Também o antropólogo Roquete Pinto, como presidente do I Congresso Brasileiro de Eugenia, de 1929, previa, anos depois e despeito de sua crítica às posições racistas, um país cada vez mais branco: em 2012 teríamos uma população composto de 80% de brancos, 20% de mestiços; nenhum negro e nenhum índio. A cor negra no contexto do momento era feia na mesma medida que no contexto dos contos.
Raça no Brasil jamais foi um termo neutro, ao contrário associou-se com frequência a uma imagem particular do país. Muitas vezes, na vertente mais negativa do séc. XIX, a mestiçagem existente no país parecia atestar a falência da nação. Nina Rodrigues médico da escola baiana, adepto do darwinismo social e do poligenismo, acreditava que a miscigenação era ao mesmo tempo sinal e condição de degeneração. Como ele Euclides da Cunha, em sua famosa obra Os sertões oscilava entre considerar o mestiço como forte ou desiquilibrado, mas acabava por julgar “mestiçagem extremada um retrocesso", em razão da mistura de raças muito diversas,
Já a versão romântica do grupo que se reunia em torno do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, elegeu os bons nativos como modelos nacionais e basicamente se esqueceu da população negra. Mestiçagem que era comparada a um grande rio no qual se misturavam as três raças formadoras.
Já na representação vitoriosa dos anos 30 o mestiço transformou-se em ícone nacional, em um símbolo de nossa identidade cruzada no sangue, sincrética na cultura, isto é, no samba, na capoeira, no candomblé e no futebol. Valorização que, no entanto, não ocorre no cotidiano, cuja valorização do nacional é apenas uma retórica que não tem contrapartida na valorização das populações mestiças discriminadas. De modo que se comparado ao período anterior quando a miscigenação significava no máximo uma aposto no branqueamento, esse contexto destaca-se na valorização diversa dada à mistura, sobretudo, cultural que repercute em momentos futuros.
Nas tantas expressões que insistem em usar a noção, nas piadas que fazem rir da cor, dos ditos que caçoam na quantidade de termos, são revelados indícios de como a questão racial se vincula de forma imediata ao tema identidade, de uma identidade que desde a época da colonização foi marcada pela falta. Nem bem colonos, nem bem colonizados, nem portugueses, nem escravos. Desde os primeiros momentos uma questão pareceu acompanhar os debates locais: O QUE FAZ DO BRAZIL, BRASIL? A partir de então muitos dos quais que se propuseram a definir uma especificidade nacional selecionaram "A CONFORMAÇÃO RACIAL" ENCONTRADA NO PAÍS, DESTACANDO A PARTICULARIDADE DA MISCIGENAÇÃO.
Apesar de parecer como um tema debatido dentro do país, na verdade o tema raça no Brasil é quase um tabu. Apenas de maneira jocosa ou mais descomprometida, pouco se fala sobre a questão- livros não despertam interesse, filmes ou exposições passam despercebidos. 
A situação parece de forma estabilizada e naturalizada, sugerindo que as posições sociais desiguais fossem praticamente um desígnio da natureza sem nenhuma conexão com o decorrer histórico, bem como se as atitudes racistas fossem algo minoritário e excepcional dentro da sociedade brasileira (descaso para com o preconceito racial naturalização do mesmo). Na ausência de uma política discriminatória oficial estamos envoltos num país de “boa consciência “que nega o preconceito ou o reconhece menos pesado”“. De modo genérico e sem questionamento é afirmado UMA HARMONIA RACIAL E JOGA-SE PARA O PLANO PESSOAL, OU PRIVADO, OS POSSÍVEIS CONFLITOS.
Há uma problemática de se lidar com o tema: ora ele desaparece, ora aparece disfarçado na figura de outro. O que é atestado pelos resultados das pesquisas realizadas em São Paulo, em 1988, e 1995 na Folha de São Paulo, as quais atestam que os todos os brasileiros parecem se sentir, portanto como uma ilha de democracia racial cercados de racistas por todos os lados, ou ainda que apesar de grande porcentual da população admitir existir preconceito de cor no país apenas uma minoria ínfima admite tê-lo. Sem contar que as investigações de preconceito de cor em diferentes núcleos brasileiros têm apresentado resultados divergentes; nas pequenas cidades costuma-se apontar a ocorrência de racismo apenas nos grandes conglomerados, de forma contrária, nas grandes cidades a visão é de que é nas pequenas vilas que se concentram os mais radicais. Isso sem contar o uso do passado de modo que existe a situação de que quando entrevistados alguns brasileiros jogam para o período escravocrata os últimos momentos de racismo.
Contudo, ainda que distintas na aparência as conclusões se fazem paralelas: NINGUÉM NEGA QUE EXISTA RACISMO NO BRASIL, NO ENTANTO, SUA PRÁTICA É SEMPRE ATRIBUÍDA AO OUTRO. SEJA DA PARTE DE QUEM AGE DE FORMA PRECONCEITUOSA, SEJA DAQUELA DE QUEM SOFRE PRECONCEITO, O DÍFICIL É ADMITIR A DISCRIMINAÇÃO E NÃO O ATO DE DISCRIMINAR. (A DISCRIMINAÇÃO É TOMADA COMO INEXISTENTE PELO FATO DAQUELE QUE A FAZ NÃO QUESTIONAR SUA EXISTÊNCIA E AQUELE QUE SOFRE COM ELA TER RECEIO DE ADMITIR QUE É ATINGIDO PELA MESMA). 
O problema está em afirmar oficialmente o preconceito que é reconhecido na intimidade. O que indica que estamos diante de um tipo particular de racismo, o racismo silencioso e sem cara que se esconde por trás de uma suposta garantia de universalidade e da igualdade de leis, e que lança para o terreno do privado a discriminação. Com efeito, em uma sociedade marcada historicamente pela desigualdade, pelo paternalismo das relações e pelo clientelismo, o racismo só se afirma na intimidade, sendo da ordem do privado não se gula pela lei, não se afirma explicitamente. Contudo, depende da esfera pública para a sua explicitação, numa complicada demonstração de etiqueta que mistura raça com educação e posição social e econômica. Tema que é ainda mais complexo na medida em que no país inexistem regras fixas ou modelos de descendência biológica aceitos de maneira consensual pelo fato de que a linha de cor pode variar de acordo com a condição social do indivíduo, o local e mesmo a situação. 
Essa própria discussão é de certo modo recente: o conceito "raça" data do séc. XVI, e as teorias são mais jovens ainda tendo surgido em meados do século XVIII. Antes de se ligar a biologia tal noção compreendia "grupos ou categorias de pessoas conectadas por uma origem comum". É só no século XIX que os teóricos do darwinismo racial, fizeram dos atributos externos e fenotípicos, elementos essenciais definidores de moralidade e devir dos povos. Sob a capa da raça introduziram-se considerações de ordem cultural, na medida em que a noção se associavam crenças e valores. Fazendo com que o conceito deixassede ser natural, uma vez que denotava uma classificação social baseada em uma atitude negativa para com determinados grupos.
O fato é que no Brasil a mestiçagem e a aposta no branqueamento da população geraram um racismo à La brasileira que percebe antes colorações do que raças, que admite a discriminação apenas na esfera privada e difunde a universalidade das leis. Onde a cidadania é defendida com base na garantia de direitos formais, sendo ignoradas as limitações impostas pela pobreza, pela violência cotidiana e pelas distinções sociais e econômicas.
De modo que é preciso pensar nas especificidades da história brasileira que fez da desigualdade uma etiqueta internalizada e da discriminação um espaço não formalizado.
PELA HISTÓRIA: UM PAÍS DE FUTURO BRANCO OU BRANQUEADO.
As teorias raciais chegam aqui em meados do século XIX no momento em que a abolição da escravidão se torna irreversível. Num país de larga convivência com a escravidão, um contingente do vulto de africanos trazidos pra cá acabou alterando as cores e os costumes e a própria sociedade local. Em primeiro lugar a escravidão legitimou a inferioridade e enquanto durou inibiu qualquer discussão sobre a cidadania. O trabalho limitou-se exclusivamente aos escravos e a violência se disseminou nessa sociedade de desigualdades e de posses de um homem sobre o outro.
Em distância com a metrópole e mesmo a partir de 1822 com a montagem de um Estado mais centralizado, criou-se progressivamente uma sociedade dicotômica no qual o clientelismo se colocava acima do poder público enfraquecido. Um uso relaxado das leis e instituições públicas se manifestou na medida em que as leis formais beneficiava a poucos, em especial aqueles mais desfavorecidos, raciocino que vale apenas para os homens livres, contudo uma quantidade significativa da população esteve excluída da lei- os escravos, impedidos de desfrutar dos benefícios do Estado, tendo em seu senhor o arbítrio absoluto de seu destino.
Foi só com a proximidade do fim da escravidão e da própria monarquia que a questão passou para a agenda do dia, até então o escravo como propriedade não era cidadão. No Brasil é com a entrada das teorias raciais que as desigualdades sociais se transformam em matéria de natureza. 
A raça era introduzida assim com base nos dados da biologia da época e privilegiava a definição de grupos segundo seu fenótipo o que eliminava a possibilidade de se pensar o indivíduo e no próprio exercício da cidadania. Diante da promessa de uma igualdade jurídica a resposta foi comprovada cientificamente de uma desigualdade biológica entre os homens. A ciência positiva e determinista enquanto seu fundamento pretendeu explicar com objetividade uma suposta diferença entre os grupos.
Essas teorias, no entanto, não foram apenas introduzidas e traduzidas o Brasil, que ocorreu uma releitura particular: ao mesmo tempo em que se absorveu a ideia de que raças significavam realidades essenciais, negou-se a noção de que a mestiçagem levava sempre a degeneração. Casando os modelos evolucionistas com as teorias darwinistas, no Brasil as teorias ajudaram a explicar a desigualdade como inferioridade, mas também apostaram em uma miscigenação positiva, contanto que o resultado fosse cada vez mais branco. De forma que paralelamente com o fim da escravidão iniciou-se uma política de imigração ainda nos últimos anos de império marcada pela intenção do branqueamento do país. 
 De modo que o processo de abolição brasileiro carregava consigo algumas particularidades:
-A crença enraizada de que o futuro levaria a uma nação branca; 
- O alívio decorrente de uma libertação que se fez sem lutas nem conflitos e, sobretudo evitou distinções legais com base na raça (diferente do que ocorreu em outros países onde o final de escravidão desencadeou um processo acirrado de lutas internas, a abolição comparada com uma dádiva gerou resignação);
-Ao contrário de estabelecer ideologias raciais oficiais e criação de categoriais de segregação, como nos EUA, no Brasil projetou-se a imagem de uma democracia racial que legitimava a imagem de uma escravidão benigna.
Após 1888, a inexistência de categorias explícitas de dominação racial incentivava a imagem de um paraíso racial, recriando uma história em que a miscigenação aparecia associada a uma herança portuguesa particular e a sua suposta tolerância racial, revelada em um modelo escravocrata mais brando e ao mesmo tempo mais promíscuo. No Brasil sua história escravocrata tentou ser reconstruída de uma maneira positiva, muito diferente da realidade ocorrida, mesmo encontrando pouco respaldo nos dados e nos documentos. O certo é que se tentava apagar um determinado passado e que o presente significava um começo a partir do zero. O que estabeleceu uma narrativa romântica sobre senhores severa mais paternal e escravos submissos e prestativos, a qual encontrou terreno fértil ao lado de um novo argumento que afirmava à miscigenação ser um fator impeditivo as classificações muito rígidas. 
Ali quanto mais branco melhor, quanto mais claro mais superior, onde o branco não é visto só como uma cor, mas como uma qualidade social: o que sabe ler, que é mais educado e que ocupa uma posição social mais elevada. 
Neste contexto em que o tema para nunca ser dito é complicado identificar o problema, de modo que ele se modifica nos anos 30 em matéria de exaltação. 
NOS ANOS 30 A ESTATIZAÇÃO DA DEMOCRACIA RACIAL: SOMOS TODOS MULATOS. 
A literatura brasileira já carregava a estabilidade da democracia racial e a visão da mistura das três raças. Macunaíma de Mário de Andrade, por exemplo, parecia resultar de um período fecundo de estudos e de dúvidas sobre a cultura brasileira, assim como trazia uma série de intenções, referências figuradas e símbolos que no conjunto definiam os elementos de uma psicologia própria de uma cultura nacional e de uma filosofia que oscilava entre otimismo em excesso e o pessimismo em excesso.
Incorporando em sua obra toda uma cultura não letrada, onde a expressão herói de nossa gente veio substituir o termo herói de nossa raça, numa demonstração de como o romance dialogava com o pensamento social da época. 
Estava em curso um movimento que negava o argumento racial e o pessimismo advindo das teorias darwinistas sociais que falavam mal da miscigenação aqui existente. Autores como Nina Rodrigues, Silvio Romero, João Batista Lacerda, Oliveira Vianna e mesmo Paulo Prado interpretaram com ênfases e modelos diferentes, os impasses e problemas advindos do cruzamento experimentado no Brasil. 
Contudo, o contexto dos anos 30 parecia propício para arriscar explicações de ordem cultural sobre este país que ainda interrogava se a mestiçagem estava condenada ao sucesso ou ao fracasso?
A cultura mestiça nos anos 30 despontava como representação oficial da nação. No Brasil a criação de símbolos nacionais nasce num domínio em que os interesses privados assumem sentidos públicos. O próprio discurso da identidade é fruto dessa ambiguidade que envolve concepções privadas e cenas públicas, no sentido de que a narrativa oficial se serve de elementos disponíveis como a história, a tradição, rituais formalistas e aparatosos, e por fim seleciona e idealiza um “povo” que se constitui a partir da supressão das pluralidades.
No Brasil dos anos 30, dois grandes núcleos aglutinam conteúdos particulares de nacionalidade: O nacional popular e, sobretudo a mestiçagem, não tanto biológica como cada vez mais cultural. É nesse contexto que uma série de intelectuais ligados ao poder público passa a pensar em políticas culturais que viriam ao encontro de uma “autêntica identidade brasileira”. Com esse objetivo é que são criadas ou reformadas diversas instituições culturais visando resgatar ou selecionar costumes e festas assim como um tipo de história. De modo que é só no Estado Novo que projetos oficiais são implementados no sentido de reconhecer na mestiçagem a verdadeira nacionalidade.
A obra Casa-grande e Senzala de Gilberto Freyre, cuja primeira edição data de 1933, sinaliza essemovimento de conformação de ícones da identidade, Retomando a temática a experiência de convivência entre as três raças, Freyre trazia para seu livro a experiência privada das elites nordestinas e fazia desta um exemplo de identidade. A obra oferecia um modelo para a sociedade multirracial brasileira, invertendo o antigo pessimismo e introduzindo os estudos culturalistas como alternativas de análise. A mestiçagem era tomada como uma questão de ordem geral que atingia a todos. Era que o cruzamento de raças passava a singularizar a nação nesse processo que leva a miscigenação a parecer sinônimo de tolerância e hábitos sexuais da intimidade a se transformarem em modelos de sociabilidade. Sua obra era assim uma história da sexualidade brasileira, cujo resultado era uma cultura homogênea apesar de resultante de raças tão diversas.
Mantinha intocados na sua obra os conceitos de superioridade e inferioridade, assim como não deixava de descrever a violência e o sadismo presente durante o período escravagista. Senhores severos mais paternais ao lado de escravos fiéis pareciam simbolizar uma “boa escravidão”. A novidade era a intimidade do lar virar matéria de ciência enquanto certa convivência cultural parecia se sobrepor à desigualdade social, quem o acompanhava eram os estudos de Pierson sobre as relações raciais em Salvador.
Pra além do debate intelectual, nos anos 30 no discurso oficial o mestiço vira nacional, ao lado de um processo de desafricanização de vários elementos culturais simbolicamente clareados. É o caso da feijoada que se torna “prato típico da culinária brasileira”, conhecida a princípio como comida de escravos se torna prato nacional, carregando consigo a representação simbólica da mestiçagem. A capoeira é também oficializada como modalidade esportiva nacional em 1937. O sambo também passou da repressão à exaltação da dança do preto, nos anos 30 saindo da marginalidade e ganhando as ruas. O novo regime também introduz, nesse período, novas datas cívicas: o dia do trabalho, a aniversário de Getúlio Vargas, do Estado Novo, é o dia da raça criado para exaltar a tolerância de nossa sociedade. O momento coincide ainda com a escolha de Nossa Senhora da Conceição Aparecida para a padroeira do Brasil.
NAS FALÁCIAS DO MITO: FALANDO DE DESIGUALDADE SOCIAL
O impacto e a penetração desse tipo de interpretação que destaca a situação racial não verdadeira vivenciada no país levaram em 1951 à aprovação de um projeto de pesquisa influenciado pela UNESCO, que impactado pelas análises de Pierson e de Freyre, tomou como propósito de usar “o caso brasileiro” como material de propaganda e com tal objetivo inaugurou o Programa de Pesquisas sobre Relações sociais no Brasil. Sustentava como hipótese que o país representava um EXEMPLO NEUTRO NA MANIFESTAÇÃO DE PRECONCEITO RACIAL E QUE SEU MODELO PODERIA SERVIR DE EXEMPLO PARA AS NAÇÕES CUJAS RELAÇÕES RACIAIS ERAM MENOS “DEMOCRÁTICAS”. Para isso foram contratados vários especialistas reconhecidos que deveriam pesquisar “a realidade racial brasileira”.
Da parte da UNESCO a expectativa era de que tais estudos realizariam um elogio da mestiçassem e enfatizassem a possibilidade de convívio harmonioso entre etnias nas sociedades modernas. Entretanto, se algumas obras confirmaram tais expectativas como é o caso da obra, As elites de cor (1955) da autoria de Thales de Azevedo, outras que passaram a realizar uma revisão dos modelos assentados, como é o caso das análises de Costa Pinto para o Rio de Janeiro e de Roger Bastide e Florestan Fernandes para São Paulo, estas nomearam falácias no mito: em vez de democracia surgiram indícios de discriminação, não se tinha harmonia, mas preconceito para com a questão racial.
São reveladoras as análises de Florestan Fernandes, que abordam a temática racial tendo como fundamento o ângulo da desigualdade. 
Para o autor a ausência de tensões abertas e de conflitos permanentes não é por si só um indicador de boa organização das relações sociais, em outras palavras indicadores de um país neutro com relação à questão racial. No enfrentamento dos impasses gestados por essa sociedade recém-egressa da escravidão, Florestan problematiza a noção de “tolerância racial” vigente no país. Em lugar de análises culturalistas, a inovação de sua escola estava nas visadas sociológicas, centradas no tema da modernização do país e fazendo uma investigação da passagem do mundo tradicional ao mundo moderno, o que abria espaço para uma ampla discussão sobre a situação das classes sociais no Brasil.
O autor notava a existência de UMA FORMA PARTICULAR DE RACISMO NO PAÍS: “UM PRECONCEITO DE NÃO TER PRECONCEITO”. A tendência do brasileiro era de continuar discriminando ainda que considerasse tal atitude ofensiva para quem sofre e degradante para quem a pratica. Sendo resultado da derrubada da ordem tradicional, vinculada à escravidão e a dominação senhorial essa divisão de atitudes era consequência da permanência de um etos católico. De modo que seriam os mores cristãos os responsáveis por uma visão de mundo dividida que levava a seguir uma orientação prática diversa das obrigações ideais. Por isso o preconceito de cor era idealmente condenado, mas na prática continuava intocável.
O racismo aparece como uma expressão íntima reservada ao recesso do lar, a vida privada a um estilo de vida. Como se os brasileiros repetissem o presente traduzindo o racismo em sua esfera privada. Extinguir a escravidão, dar universalidade as leis e ao trabalho não afetou o padrão de acomodação racial, apenas resultaram em camuflá-lo. Por meio de análises diversas a especificidade do preconceito no Brasil se mantinha evidenciada no seu CARÁTER PRIVADO E POUCO FORMALIZADO. Confundia-se miscigenação com ausência de estratificação, e a construção de uma idealização voltada para o branqueamento. A qual não era só o mais branco o melhor, mas o melhor seria também o negro de alma branca, que, sobretudo, nos anos 70 representou a figura do negro leal, devotado ao senhor e a sua família, assim como à própria ordem social. Havia um paradoxo da situação racial no Brasil: se uma persistente mobilidade social eliminou algumas barreiras existentes no período escravocrata, a mesma criou outras de ordem econômica e moral, seja para aqueles que não se adequavam ou que se opunham a certos códigos morais vividos internamente. Um racismo dissimulado e assistemático era diagnosticado por Florestan. O preconceito de raça era substituído pelo preconceito de cor, gerando um processo de exclusão social.
A chegada dos anos 70 traz um movimento de contestação aos modelos vigentes que eram questionados na política oficial ou alternativa, na literatura, na música. Data dessa época o surgimento do movimento Negro Unificado (MN) que ao lado de outras organizações paralelas passava a discutir as formas tradicionais de poder, apoiado nas conclusões de Florestan Fernandes o MN DEMONSTROU A EXALTAÇÃO DAQUELES QUE DENUNCIAVAM A FORMA MÍTICA DA DEMOCRACIA RACIAL DO PAÍS QUE NÃO EXISTIA NA REALIDADE DO MESMO MODO QUE EXISTIA NO DISCURSO.
Nas diferenças ao acesso à educação, ao lazer, na distribuição desigual das rendas estavam as marcas da discriminação racial ocorrida na realidade. Os primeiros estudos dos anos 50 foram importantes para a desmontagem do mito, mas uma série de estudos nos anos 80 quantitativos investiram na investigação das profundas desigualdades que separam negros dos demais grupos e brancos de não brancos.
QUANDO A DESIGUALDADE É DA ORDEM DA INTIMIDADE E ESCAPA À LEI.
O caráter não oficial do preconceito no Brasil é sua maior marca. Se em outros países foi adotado regras jurídicas que garantiam a descriminação dentro da legalidade, no Brasil desde a proclamação da República, a universalidade da lei foi afirmada de maneira taxativa: nenhuma cláusula nenhum referência a qualquer tipo de diferenciação pautada na raça. 
Contudo, o racismo foi resposto tanto de maneira científica, com base no consentimento da biologia, e depois pela própria ordem do costume. Para constatar esse último,temos que em 1951 é sentenciada a lei Afonso Arinos, que tinha como objetivo punir o preconceito, o que acaba por formalizar a sua existência. Contudo, por falta de cláusulas impositivas e de punições mais severas a lei não surtiu efeito mesmo ao combate de casos de discriminação bem divulgados. Caso ainda mais significativo é o da Constituição de 1988, que afirma ser o racismo crime inafiançável. Com a ressalta de que só são consideradas discriminatórias atitudes preconceituosas ocorridas em público. Atos privados ou ofensas de caráter pessoal não são julgadas, mesmo porque precisariam de testemunha para a sua confirmação. (Ora, mas se o racismo era de ordem privada, camuflado como essa lei poderia puni-lo?) O primeiro artigo da lei já indica a confusa definição da questão no país: “Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes de preconceito contra a raça e cor”, isto é, raça aparece como sinônimo de cor, de modo que os termos aqui se revelam análogos.
A lei em primeiro lugar é pródiga em três verbos; impedir, recusar e negar. O racismo nesse sentido é o ato de proibir alguém de fazer alguma coisa por conta de sua cor de pele. Contudo, esse caráter descritivo e direto da lei pouco ajuda quando é preciso punir. A letra da lei fica claro que o racismo no Brasil só é passível de punição quando reconhecido publicamente. Não há referências quanto à punição do racismo no interior do lar ou em locais de maior intimidade. Além disso, ainda que a lei mantenha descrição detalhada dos locais ou veículos que o racismo pode ser punido, é pouca específica no que se refere a delimitar a ação da justiça. Só é possível ocorrer prisão quando há flagrante ou testemunhas e a confirmação do próprio acusado. Apesar de bem intencionada a lei não dá conta do lado intimista do racismo, do seu lado particular, do seu caráter de ser um racismo não admitido.
De modo que a lei poucos são os casos de racismo que chegam apesar de inúmeros serem efetuados diariamente. Neste sentido, se diante da lei tudo parece comprovar um país de convivência racial democrática, a luz dos dados recentes essa afirmação soa estranha uma vez que os números demonstram que não há, na sociedade brasileira, sobretudo, no que se refere à população negra uma distribuição equitativa dos direitos. Nos espaços públicos no circuito geográfico, do trabalho, e da renda dos grupos a desigualdade se manifesta na superioridade dos brancos em relação aos negros. No angulo das praticas penais brasileiras também é possível ver uma desigualdade racial. Partindo do pressuposto de que a igualdade jurídica é uma das bases da sociedade moderna, a qual supõe que todo indivíduo independentemente de sua classe, gênero, geração ou etnia deve gozar de direitos civis, políticos e sociais, Sérgio Adorno constatou em sua pesquisa uma pratica penal que varia pautando-se na cor (se é negro é mais perigoso, se é branco não é tanto) o que demonstrou também que o preenchimento dos formulários criminais resultavam em um embranquecimento (exemplo de que as pessoas sentem o quanto a cor tornou-se um caráter moral, uma qualidade social dos indivíduos). O mesmo vale para o acesso à justiça criminal e ao direito penal.
No quesito intimidade a desigualdade racial atua no âmbito da mortalidade, dos casamentos, da fecundidade. O que demonstra que a lei não dá conta do lado dissimulado da discriminação brasileira. No entanto se a questão fosse qualificar o racismo silencioso esta já estaria completa, a questão mais importante para além do lado político tem como um obstáculo formal: como identificar quem é negro e quem é branco no país? Como determinar isto se a questão da cor está ligada a questão moral, para além da questão fenotípica?
PARA TERMINAR: “A DESCENDÊNCIA DA FALTA OU LEVANDO A SÉRIO O MITO”.
No Brasil existe uma tentativa contínua de descrever e entender a cor, que na impossibilidade de explicar a especificidade da convivência racial segue produzindo versões. O branqueamento enquanto modelo, foi uma descoberta local da mesma forma que no Brasil raça se apresenta como uma situação passageira e volúvel, em que se pode empretecer ou embranquecer dependente do contexto, situação econômica, local.

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