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ALVES, C. Pescatore; SASS, O. Formação de Professores e Campos do Conhecimento

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FORMAÇÃO DE PROFESSORES E CAMPOS DO CONHECIMENTO
Cecília Pescatori Alves
Odair Sass
Prefácio/7 
Apresentação/11 
Educação continuada: o olhar do professor/13 
Maria Teresa de Moura Ribeiro 
Myrian Boal Teixeira 
Neusa Banhara Ambrosetti 
A aprendizagem da leitura e da escrita sob a ótica da criança/37 
Regina Mary César Reis 
Um duplo aspecto da noção de obstáculo epistemológico na educação matemática/63 
Antonio Marmo de Oliveira 
O projeto político-pedagógico e a formação de professores/79 
Delfina de Paiva Villela 
A formação de professores e o exercício da cidadania/93 
Judas Tadeu de Campos 
O aprendizado da docência: processos de observação, investigação e formação na licenciatura/113 
Maria Aparecida Campos Diniz de Castro 
Saberes didáticos que se fazem necessários na formação de professores/131 
Maria José Milharezi Abud 
A educação especial: dois modelos de atendimento segundo a noção de experiência de dewey/155 
Mércia Aparecida da Cunha Oliveira 
Um breve olhar da sociologia à educação/171 
Carlos Alberto Máximo Pimenta 
Contribuições da psicologia para a formação do professor/193 
Cecília Pescatore Alves 
Odair Sass 
I
EDUCAÇÃO CONTINUADA – O OLHAR DO PROFESSOR
Maria Teresa de Moura Ribeiro
Myrian Boal Teixeira
Neusa Banhara Ambrosetti
A valorização dos saberes da prática é uma tendência relativamente recente na pesquisa educacional e está ligada ao reconhecimento da importância da vida cotidiana, como instância social privilegiada para compreensão da elaboração e reelaboração do conhecimento, no processo histórico de produção do homem e da sociedade.
O interesse pela vida cotidiana, como nota Bovone (1992, p. 264), relaciona-se à “crise das sociologias clássicas totalizantes - positivismo, marxismo, funcionalismo - e, portanto, da sua pretensão racionalista de organizar em macromodelos e macrossistemas os vários aspectos do social".
As teorias do cotidiano emergem, portanto, com a crítica às grandes teorias sociológicas e o reconhecimento de que não é possível compreender o todo social sem se considerar a multiplicidade e a heterogeneidade das ações humanas na esfera cotidiana, dimensão básica da vida social. 
No Brasil, especial mente a partir da década de 1980, inúmeras pesquisas (Gatti, 1981; Mello, 1982; Rosemberg, 1984; Kramer e André, 1984; Penin, 1989; Patto, 1990), lançam o olhar sobre o interior da escola, mostrando, nu contradição e fragmentação do cotidiano escolar, as práticas e os processos que constroem, no dia-a-dia da rotina escolar, o significado social e político da escola brasileira.
Uma das consequências positivas trazidas pelas pesquisas sobre o cotidiano escolar ó o reconhecimento da existência de um saber da experiência, construído pelos professores na e pela própria prática. Considerar que a vida nas escolas e □ prática dos professores produzem um saber que, sendo delimitado pelas condições sociais e institucionais, informado pelas teorias pedagógicas e pelo conhecimento produzido na sociedade, tem existência e características próprias, apropriando-se dessas normas e ideias, reelaborando-as e concretizando-as numa prática cotidiana, leva a considerar a escola como local privilegiado para a realização da formação dos professores.
Pensar a formação de professores sob o enfoque do cotidiano leva ainda a uma nova abordagem nas relações entre a teoria e a prática pedagógica nos processos formativos, que permite superar a visão da prática como campo de aplicação das teorias científicas, reconhecendo- a como âmbito criador de um conhecimento próprio, ligado à ação e construído no próprio exercício da docência. O presente artigo situa-se nesta vertente. Ao analisar uma experiência de formação centrada na escola, buscando compreendê-la a partir do olhar dos participantes, propõe-se a investigar e refletir sobre os aspectos considerados significativos pelos professores durante um processa de educação continuada, procurando responder às seguintes questões:
Que aspectos são percebidos e apontados pelos professores como facilitadores e/ou dificultadores num processo de formação?
Que indicações os professores oferecem quanto a seus interesses e necessidades de formação?
Entendemos que tomar a escola e as práticas escolares como referência na formação de professores supõe, antes de mais nada, conhecer e levar em consideração o ponto de vista desses profissionais sobre a sua própria formação.
FORMAÇÃO CONTINUADA
Nas últimas décadas, a pesquisa educacional brasileira vem abordando um amplo conjunto de problemas relacionados â formação e ao desempenho dos educadores que atuam no ensino básico. E criticada a inadequação dos cursos de formação de professores na preparação de profissionais competentes para o exercício de suas atividades, especialmente aqueles modelos fundados numa concepção de subordinação entre o conhecimento técnico-científico - considerado como conhecimento válido - e o conhecimento construído pelos professores na sua prática, Esses modelos incorporam muitas vezes um discurso crítico, que aponta o papel das práticas escolares na produção do fracasso escolar, sem no entanto apontar alternativas para a construção do sucesso escolar desejado.
A importância dada à questão da formação dos docentes pelas políticas educacionais, na busca da qualidade do ensino, está ligada à percepção do papel dos fatores intraescolares, entre eles a competência do professor quanto ao objetivo de assegurar aos alunos acesso, permanência e aprendizagem bem-sucedida.
Gatti (1997) aponta que, com a grande expansão das redes de ensino em curto espaço de tempo e a ampliação consequente da necessidade de docentes, a formação destes não logrou, pelos estudos e avaliações disponíveis, prover o ensino com profissionais com qualificação adequada (p. 1).
E fundamental, portanto, voltar as atenções para a formação dos educadores na construção de uma cultura de sucesso escolar, na qual professores e alunos possam desempenhar-se de maneira significativa.
Isto implica também pensar a formação como um processo contínuo em que a formação inicial é entendida como um momento de um processo mais amplo, que se inicia antes da preparação formal e deve permear u prática profissional do professor (Coll e Knoles, 1993, apud Reale, 1995).
Como observa Candau (1996) a preocupação com a formação continuada dos professores não é nova e tem estado presente, ao longo do tempo, em todos os esforços de renovação pedagógica. No entanto, no contexto do nosso sistema educativo, a expressão “formação continuada de professores" é um conceito relativamente recente - década de 1980. Surge, frequentemente, associado à ideia de sistematicidade, regularidade e sequência na ocorrência das ações, em oposição ao caráter casual e episódico atribuído, de um modo geral, a modelos de formação de cunho mais tradicional. Mais que uma continuidade no trabalho, porém, a expressão sugere opções metodológico-investigativas embasadas na análise e na interpretação da realidade, numa perspectiva crítica decorrente das necessidades do sistema educativo.
Lançar as bases de um processo educativo responsável pela formação de professores competentes não passa somente pela escolha criteriosa de currículos e de métodos de ensino especiais, mas, também, pela articulação teoria e prática dentro de uma dimensão circular, ação-reflexão-ação, que considere os professores como sujeitos de sua própria formação e a prática profissional como fonte de reflexão teórica nesse processo.
Essa maneira de conceber a formação docente revela-se consoante com o que é direcionado por Gatti (1997) para uma concepção de ensino.
Uma visão mais globalizada da função social de cada ato de ensino, sempre confrontada e reconstruída pela própria prática e pelo trata com os problemas concretos dos contextos sociais em que se desenvolvem, poderio ser a chave de foque que acionaria uma nova postura metodológica. p. 57)
Parece-nos importante realçar, também, que esta dimensão subjacente aoconceito de formação continuada nos remete para três componentes, a considerar nesse processo; a escola como lócus de formação, o saber docente e a pessoa do professor.
UMA FORMAÇÃO CENTRADA NA ESCOLA
A escola, como organização social, precisa ser vista como um local de aprendizagem para alunos e professores, um espaço onde todos aprendem e todos ensinam, um lugar de aplicação de saberes científicos, e também de produção de saberes oriundos da prática pedagógica.
Pata Marin (1995), considerar a escola conto lócus de formação é superar o modelo clássico e construir uma nova perspectiva na área de formação continuada de professores, mais completa, mais aceita e mais valorizada,
Todo processo de formação continuada de professores, como modalidade específica de formação de adultos, precisará integrar e mobilizar, nos seus contextos formativos, a ideia de que o professor é um profissional portador de um capital de saberes, de saber-fazer e de saber-ser que não estagnou, pelo contrário, cresce constantemente, acompanhando a experiência e, sobretudo, a reflexão sobre a experiência (Perrenoud, 1997, p. 186).
Considerar a formação continuada como modalidade centrada na escola e nos professores implica também considerar quais são as necessidades dos professores. Essas necessidades não são abstratas e não são só individuais; são também do grupo a que pertence o professor. O que nos conduz a um conceito de formação orientado para as necessidades concretas sentidas pelos professores, coletivamente e individualmente, nas suas práticas escolares, quando procuram soluções possíveis para os problemas identificados.
Dentro dessa perspectiva, o conhecimento precisa ser construído em um contexto significativo, onde se aprende fazendo, participando, vivenciando sentimentos, adotando condutas, valores, atitudes diante de fatos, escolhendo as formas de alcançar determinados objetivos. Trata-se, então, de transformar a escola em uni espaço destinado à aprendizagem e ao sucesso escolar.
Isto implica em pensar a formação de forma articulada com o projeto coletivo da escola, considerando-a não só como espaço de trabalho, mas também de formação dos professores ou seja, um local onde os saberes possam ser produzidos e partilhados, num processo formativo permanente e integrado à prática docente. Consiste numa possibilidade de atender àquelas necessidades identificadas pelo professor no seu trabalho cotidiano, favorecendo uma atuação reflexiva e crítica por parte deste e garantindo uma grande sintonia com a clientela que atende. Desta forma, é a escola que decide sobre o conteúdo e a metodologia u serem adotados na capacitação. Estas ações apontam para a importância de se pensar o processo de formação como uma busca que deve ser feita pelo educador e estimulada pela escola, de forma a favorecer a construção da competência docente.
O SABER DOCENTE
Entender a escola como lócus de formação implica reconhecer os professores como possuidores e produtores de saber, o que tem levado a pesquisa educacional a tomar o saber docente como objeto de estudo, buscando compreender os processos através dos quais os professores constroem seus conhecimentos.
O reconhecimento da existência de um saber docente representa um avanço nas pesquisas da realidade escolar, uma vez que o conhecimento da prática vinha sendo tratado, até recentemente, na literatura pedagógica, com uma conotação negativa. Mello (1982) descreve o processo por meio do qual os professores se apropriam das teorias pedagógicas como um 'folclore pedagógico", um senso comum fragmentado, mas nem por isso pouco poderoso como guia de ação (p. 41).
Essa abordagem do conhecimento prático do professor como senso comum, associada a uma atitude de preocupação com a pureza das teorias e sua distorção na passagem para a prática, que tem marcado a formação de professores — especialmente os cursos de formação em serviço, que divulgam novas teorias a professores que já desenvolveram uma prática às vezes de muitos anos - é responsável, a nosso ver, por boa parte das dificuldades na sua apropriação pelos docentes.
A constatação desse distanciamento entre o conhecimento científico em educação e a prática dos professores em sala de aula, bem como o reconhecimento da insuficiência das teorias para explicar o que ocorre na prática docente cotidiana tem levado, nos últimos anos, à emergência de uma série de estudos sobre o conhecimento prático dos professores. Estes estudos buscam compreender as relações entre os docentes e os conhecimentos elaborados pelas teorias pedagógicas, bem como a natureza dos saberes desenvolvidos pelos professores no exercício de sua profissão.
A discussão dessa temática se amplia no Brasil a partir dos anos 1990. Tardif, Lessard e Lahaye (1991) destacam que os saberes da experiência, constituídos no interior da profissão docente, exercem uma função crítica na relação dos professores com os saberes curriculares, os saberes das disciplinas e da formarão profissional.
Pode-se definir o saber docente como um saber plural, formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional, dos saberes das disciplinas, dos currículos e da experiência (Tardif, Lessard e Lahaye, p. 218).
Esses conhecimentos atuariam como uma espécie de filtro, através do qual os professores avaliam e assimilam os demais saberes, submetidos a um processo de validação pela prática cotidiana.
A compreensão desse processo de reelaboração dos conhecimentos provenientes de várias fontes, na prática do professor, graças ao qual tanto as teorias como a prática se modificam qualitativamente, proporciona um novo enfoque para análise do saber docente, que pode então ser considerado como um saber válido, que se efetiva num plano próprio, ligado à ação e construído no exercício da docência.
A PESSOA DO PROFESSOR
Compreender o professor como sujeito do processo de formação implica, antes de tudo, compreendê-lo como uma pessoa que ensina. Nóvoa (1992, p. 7) resume bem esta questão quando afirma que não é possível separar o “eu” pessoal do “eu” profissional. Assim, ao pensarmos na formação do professor, não podemos desconsiderar a importância de sua experiência e nem de sua identidade pessoal na construção do saber docente.
A formação não se constrói por acumulação (de cursos de conhecimento ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexibilidade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal. Por isso, é tão importante investir na pessoa e dar um estatuto ao saber da experiência (Nóvoa, 1992, p. 25).
Pensar a importância da dimensão pessoal num processo de formação implica também entender a construção recíproca da consciência individual e do ambiente coletivo, ou seja, entender a escola como lócus fundamental no desenvolvimento pessoal e profissional de seus professores. Nesse contexto, o professor poderá desenvolver-se, enriquecendo-se de experiências significativas.
Talvez pudéssemos falar desse processo como uma identidade que se constrói. Como salienta Nóvoa (1995), a construção da identidade profissional implica um triplo A; adesão a princípios e valores, ou seja, a adoção de um projeto que envolve princípios e crenças sobre a educação das crianças; ação do sujeito, o que envolve escolhas e decisões no domínio pessoal e profissional; e, ainda, autoconsciência, porque essas decisões devem se fundar no processo de reflexão que o professor realiza sobre sua própria ação.
A identidade, portanto, não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e de estar na profissão (Nóvoa, 1995, p. 34).
Dessa forma, defender a ideia de uma formação centrada na pessoa do professor implica em favorecer espaços de interação entre as dimensões pessoais e profissionais, permitindo a ele apropriar-se dos seus processos de formação e dar-lhes uni sentido, no quadro de sua história de vida (Nóvoa, 1992).
Criar espaços parareflexão proporciona ao professor (re)construir seu conhecimento. Tardif (2001) salienta que o professor é um sujeito que assume sua prática a partir dos significados que ele mesmo lhe dá, um sujeito que possui conhecimentos e um saber-fazer provenientes de sua própria atividade e a partir dos quais ele a estrutura e a orienta (p. 115).
Essa reflexão nos remete a uma característica básica num processo de formação de professores: que o professor possa ver-se e possa ser visto como pessoa. Santos Neto (1998) aponta que os educadores sentem que só o saber técnico não basta, é preciso ativar a totalidade da pessoa para dar conta dos desafios educacionais contemporâneos. p. 221).
Considerando tais ideias para o desenvolvimento profissional do professor, reafirmamos mais uma vez que é preciso um novo olhar, com base na pessoa do professor, um ser cognitivo, afetivo e social que necessita expressar seus sentimentos.
UMA EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO CONTINUADA
Durante dezoito meses, de junho de 1997 a dezembro de 1998, uma equipe de professores da Universidade de Taubaté (Unitau) esteve envolvida num projeto de formação de professores da rede pública estadual de São Paulo, que ficou conhecido como PEC-UNITAU. O projeto fez parte de um programa mais amplo, o Programa de Educação Continuada (PEC), desenvolvido pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, através de parcerias com várias universidades e instituições capacitadoras, O Projeto PEC-UNJTAU desenvolveu um conjunto de ações de educação continuada, que chegaram a envolver cerca de 3500 participantes, das nove Delegacias de Ensino situadas no Vale do Paraíba e Litoral Norte do Estado de São Paulo.
O PEC-UNITAU envolveu ações muito diversificadas. Parte delas, denominadas “ações centralizadas'”, eram voltadas para as lideranças educacionais - Supervisores de Ensino, Assistentes Técnico-Pedagógicos, Diretores de Escola e Professores Coordenadores Pedagógicos. Outra forma de ação foram as chamadas “ações descentralizadas”, voltadas para a formação de professores do Ensino Fundamental, que foram desenvolvidas em 40 escolas da região, situadas em 16 municípios.
A experiência analisada a seguir enfoca apenas as “ações descentralizadas”, que tiveram características que consideramos diferenciadas em relação a outros trabalhos de formação.
Ao eleger a escola como espaço privilegiado para a formação profissional dos educadores, o PEC-UNITAU propôs às Delegacias de Ensino um trabalho realizado nas próprias escolas, envolvendo o conjunto de seus professores e voltado à discussão de temas ligados ao cotidiano escolar.
A maioria das Delegacias aceitou entusiasticamente a proposta, percebendo-a como um avanço em relação às formas de capacitação então vigentes, em que os professores eram reunidos por disciplina, em grupos isolados de seu ambiente de trabalho.
O trabalho desenvolveu-se em encontros mensais de 8 horas. Foram 12 encontros que totalizaram 96 horas de formação continuada.
Os conteúdos trabalhados nos encontros convergiam para a elaboração do projeto político-pedagógico das escolas, organizados em tomo de quatro eixos temáticos: 
I - A escola como construção coletiva; 
II - Questões do cotidiano escolar; 
III - Professores e alunos; ensinando e aprendendo; 
IV - A sala de aula. 
A sistemática de trabalho comum a todos os encontros estimulou a investigação do cotidiano escolar como base para a reflexão e discussão das questões levantadas pelos participantes e o planejamento de ações de intervenção, desenvolvidas nos locais de trabalho, registradas e relatadas aos encontros seguintes, num processo de ação-reflexão-ação (Ambrosetti, 1998).
Durante o desenvolvimento do projeto, os professores faziam, ao final de cada encontro, uma folha de avaliação das atividades do dia. Esses registros tinham o objetivo de possibilitar à equipe o acompanhamento das ações e a adequação do trabalho às expectativas e necessidades dos participantes.
Entendemos que a análise desses registros, ao trazer o olhar do professor em formação sobre sua própria experiência, pode trazer contribuições para a reflexão em tomo da formação continuada de professores- Como lembra Gatti (1996) as políticas e ações de intervenção educacional muitas vezes tratam o professor como uma "entidade abstrata, um protótipo idealizado”, ignorando-o como uma pessoa que constrói suas formas de pensar e agir nas circunstâncias reais de vida e de trabalho.
Ele é uma pessoa de um certo tempo e lugar. Da tudo e situado, feita de relações vividas, de uma dada ambiência que o expõe ou não a saberes, que podem ou não ser importantes para sua ação profissional, (...) Os professores têm sua identidade pessoal e social que precisa ser compreendida e respeitada. Com elas é que se estará interagindo em qualquer processo de formação de base ou continuada, e nos processos de inovação educacional (p. 88),
O que se buscou neste trabalho foi conhecer e compreender o professor concreto, formando-se e refletindo sobre sua formação no ambiente escolar, no qual se desenvolvem as ações e relações sociais, se constroem valores e atitudes e emergem as necessidades imediatas de sua prática profissional.
O PROCESSO DE FORMAÇÃO VISTO PELOS PROFESSORES
Os aspectos mais valorizados pelos professores:
reconhecer os professores como sujeitos de sua própria formação; 
considerar a escola como lócus de formação; e 
considerar a dimensão pessoal na formação profissional
RECONHECER OS PROFESSORES COMO SUJEITOS DE SUA PRÓPRIA FORMAÇÃO
Importância que eles atribuem aos momentos em que podem falar sobre sua experiência e serem ouvidos pelos colegas, refletindo coletivamente sobre as questões do seu cotidiano.
Uma questão que perpassa esses depoimentos é a dificuldade que os professores têm em dizer os seus saberes, talvez porque não se percebam possuidores e produtores de saber.
Como observa Tardif (2001), considerar os professores como sujeitos ativos do seu processo de formação implica repensar as relações entre a teoria e a prática que tem dominado a formação de professores, superando uma concepção tradicional que valoriza o conhecimento teórico, produzido pela ciência ou pela pesquisa acadêmica, enquanto a prática é vista como portadora de um falso saber, baseado em crenças e preconceitos. Segundo Tardif (2001), é preciso que o trabalho dos professores de profissão seja considerado como um espaço especifico de produção, de transformação e de mobilização de saberes, e, portanto, de teorias, de conhecimentos e de saber-fazer específicos ao oficio de professor (p. 119).
A parceria entre escola e universidade pode ser extremamente profícua nessa tarefa, favorecendo processos que permitam aos professores tomar consciência de seus saberes, refletir teoricamente sobre eles e organizá-los num corpo coerente de conhecimentos, capaz de informar e formar outros professores. Mas essa construção não pode ocorrer em relações de subordinação e desigualdade, E tarefa que só pode ser realizada se assumir um caráter de parceria, o que supõe respeito e conhecimento mútuos.
CONSIDERAR A ESCOLA COMO LOCUS DE FORMAÇÃO
Valorizar os conhecimentos produzidos pelos professores na sua prática implica em valorizar e reconhecer o espaço em que eles são construídos. 
Um dos aspectos destacados pelos participantes do PEC como favorável foi à realização dos encontros nas próprias escolas, reunindo o conjunto dos professores e favorecendo a investigação da realidade escolar e a discussão coletiva de questões originadas dessa realidade. Como observa Santas Neto (1998), a escola é o lócus privilegiado da formação continuada do professor. É mergulhada entre os problemas e desafios concretos daquela especifica realidade escolar que a formação continuada do professor poderá ser melhor organizada e desenvolvida (p. 337).
Pode-se ler, nas entrelinhas dos registros, a solidão e a fragmentação do trabalho docente nas escolas: professores que, trabalhando na mesma escola, não se conheciam; professores, diretores e coordenadores que, educandoas mesmas crianças, não tinham a experiência de sentarem juntos e discutirem problemas comuns. O que se insinua nos depoimentos é o despertar para a força do trabalho coletivo.
O desenvolvimento de um processo de formação centrado na escola e baseado na investigação do cotidiano escolar parece ter favorecido a constituição do que Silva (1996) denomina de sujeito coletivo.
Um sujeita coletivo à um grupo de pessoas que possui uma identidade comum, um juízo comum sobre a realidade e reconhece-se participante do mesmo " nós-ético ”, ou seja, percebe-se jazendo parte de uma mesma realidade comportamental por assim dizer extensão de suas próprias pessoas. O grupo procura viver em comum unidade, não necessariamente sob a mesma determinação geográfica. O que o unifica é. propriamente o juízo comum sobre a realidade. A existência de sujeitos coletivos nas instituições ê o que as sustenta e as conduz numa ou noutra direção (p. 95).
Como Silva (1996), ressalta, constituir-se em sujeito coletivo não é uma transformação espontânea. Um grupo de pessoas não chega a ser sujeito coletivo se não houver intencionalidade, uma deliberada ação rumo ao objetivo de constituir-se em realizadores e interlocutores sociais (p. 94). Sua constituição se inicia pelo encontro entre as pessoas, o que normalmente é marcado mais pela afetividade do que pela razão.
As marcas desse primeiro contato costumam ser consideráveis e certamente influirão na fase seguinte: assumir uma tarefa comum. O próximo passo, envolvendo o comprometimento pessoal e coletivo com os objetivos e metas propostos, é fundamental para garantir coesão e identidade ao grupo, o que garantirá um sentimento e um sentido de nós que terá força ética, que será condicionadora do comportamento das pessoas mesmo quando estejam agindo isoladamente (Silva, 1996, p. 97).
Ao que parece, o PEC-UNITAU, ao abrir espaços para o encontro e o conhecimento do grupo de professores, ao estimular a investigação da realidade escolar, a discussão das necessidades identificadas, a reflexão e as decisões coletivas, possibilitou um avanço em direção à constituição da escola como um sujeito coletivo, que passou a orientar o estar e o agir dos participantes no espaço escolar.
CONSIDERAR A DIMENSÃO PESSOAL NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Outro aspecto que se mostra nas avaliações é a importância atribuída pelos professores aos aspectos afetivos e relacionais num processo de formação. Até mesmo detalhes aparentemente menores na organização dos encontros, como o capricho no lanche oferecido, são considerados nas avaliações. 
Teixeira (2002) aponta a importância de se estabelecer um clima afetivo positivo dentro do grupo num trabalho de formação continuada, defendendo a ideia de uma formação centrada na pessoa do professor. O que se mostra no conjunto dos registros são pessoas extremamente sensíveis a todos os aspectos que evidenciem atenção e respeito aos participantes. Momentos de expressão de vivências e possibilidades de conhecimento mútuo - como as dinâmicas de grupo, programadas em todos os encontros — estão entre os mais valorizados pelos professores, que perceberam o programa de formação como um processo de crescimento pessoal/ profissional.
Outra questão fundamental é a importância da escolha do professor formador. São frequentes, nos registros, referências à pessoa do capacitador.
Considerar a escola como lócus de formação — num processo baseado na investigação e reflexão sobre a realidade escolar, no qual o professor é estimulado a expressar seus saberes e suas necessidades - implica na presença de um formador que tenha não apenas o conhecimento teórico e o conhecimento da realidade da escola de ensino fundamental, mas que seja também um bom ouvinte. Como observa Teixeira (2002), esse ouvinte precisa ser uma pessoa especial, ou seja, um autêntico formador. Aquele que acredita no que faz, que sabe o que faz e o porquê de o fazer (p. 132).
A questão que perpassa os depoimentos dos professores é a importância dos aspectos relacionais num processo de formação. Os professores perceberam os encontros do PEC como momentos em que o dialogo tornou-se possível num clima de comunicação formadora. Nesses encontros, os saberes puderam ser ditos e escutados. 
Tardif, Lessurd e Lahaye (1991) salientam a importância desse processo, observando que, quando os professores são levados a transmitir seus saberes a seus pares, ao sistematizá-los para elaborar um discurso da experiência, são levados a tomar consciência desses saberes, objetivando-os tanto para os colegas como para si mesmos.
Reconhecerem-se como possuidores de saber é condição fundamental para que os professores sejam capazes de partilhar esses saberes, trabalhá-los conceitualmente e transformá-los.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados da análise desta experiência lançam luz sobre três aspectos relevantes a serem considerados num processo de formação: reconhecer os professores como sujeitos de sua própria prática; considerar a escola como lócus de formação; considerar a dimensão pessoal na formação profissional. Os dados analisados apontam para a importância de projetos que privilegiem o exercício da reflexão coletiva no contexto das escolas e suas comunidades, consideradas não apenas como local de trabalho, mas também como espaço de formação profissional.
Propostas de formação que atuem isoladamente com segmentos profissionais - sejam professores, diretores, coordenadores — deslocados do contexto de suas comunidades escolares seriam pouco efetivas, levando-nos a concordar com o já apontado por Gatti (1997) ao salientar que a formação continuada (...) deve ser oferecida ao conjunto das equipes escolares e não a professores isolados, preferencialmente (p. 99-100).
A experiência nos mostra que o professor necessita de liberdade para expressar-se sem medo de censura ou retaliação. É a partir dessa possibilidade de expressão, aceitação e confiança, no interior da própria escola, que podemos manter acesos o deseja e a necessidade de trabalhar com a construção e reconstrução dos próprios conhecimentos.
AMBROSETTI, N. B. A prática competente na escola pública. São Paulo, Tese de Doutorado, PUC/SP, 1996.
AMBROSETTI, N. B. PBC-UNITAU: a parceria universidade-escola pública na formação continuada de educadores. Educação e Formação. Taubaté: UN1TAU/SEESP, 1998.
BOVONE, L. Teorias da cotidianidade; busca de sentido ou negação de sentido? Revista da Faculdade de Educação. São Paulo: 18 (2) 264-283, juUdez., 1982.
CANDAU, V. M. E Formação continuada de professores: tendências atuais. In: REALI, A. M. de M. R. e MIZUKAWI, M. G. (org.). Formação de professores: tendências atuais. São Carlos: EDUFSCar, 1996.
II
A APRENDIZAGEM DA LEITURA E DA ESCRITA SOB A ÓTICA DA CRIANÇA
Regina Mary César Reis
O ensino escolar das primeiras letras tem desafiado educadores, ores da educação e gestores de políticas educacionais. Isto se deve ao fato de que o processo de escolarização não vem garantindo uma aquisição significativa da leitura e da escrita a um grande contingente de alunos para que estes possam prosseguir no próprio aprendizado escolar e, sobretudo, continuar crescendo e se desenvolvendo.
Esse é o panorama de fundo que nos leva a repensar a formação do professor alfabetizador, do qual novas competências são requeridas, num tempo de mudanças profundas decorrentes do acesso rápido às informações e às fontes do conhecimento. Apesar de todo o avanço da ciência e da técnica, alfabetizar continua sendo uma atividade profissional complexa, que envolve o educador e sua capacidade de compreender e interpretar a especificidade da linguagem humana, os processos de aprendizagem do educando e todo o contexto sociocultural que circunda sua pessoa, a escola e os seus alunos.
Grande número de estudos e pesquisas tem evidenciado que a criança, ao chegar à escola hoje, já possui uma enorme bagagem de informações e experiências com a linguagem escrita, vi vendada em seus ambientes familiares. Onde residem, de fato, as dificuldades encontradas por essascrianças na escola?
Com o objetivo de subsidiar a análise e a reflexão de professores alfabetizadores, fizemos uma investigação sobre o ensino da leitura e da escrita, da forma como esse processo pode ser percebido, por crianças que se alfabetizam. A pesquisa foi realizada em uma escola pública estadual da cidade de Taubaté, município do Vale do Paraíba, interior do Estado de São Paulo. A escola localizava-se num bairro residencial, não muito distante do centro da cidade, e grande parte de sua clientela provinha de bairros populares próximos. O nível socioeconômico e cultural dessa clientela variava entre médio e baixo, pois a maioria dos pais apresentava pouca escolaridade.
No momento da realização da pesquisa, a escola, que foi reorganizada em 1996, atendia somente alunos do 1o ciclo do Ensino Fundamental. O corpo docente era composto de 22 professoras e duas estagiárias; na administração, contava com uma diretora e uma vice-diretora e tinha o apoio de uma coordenadora pedagógica.
Realizamos uma pesquisa de tipo etnográfico. Entrevistamos 60 alunos, de quatro classes de primeiro ano do ensino fundamental, perguntando sobre as atividades que desenvolviam em sala de aula, para a construção da leitura e da escrita.
As perguntas versavam sobre temas como: o que as crianças mais gostavam de fazer em sala de aula, as suas preferências em termos de leitura e de escrita; as atividades consideradas mais fáceis e as mais difíceis na sua opinião. 
Na transcrição que apresentamos no texto, as falas das crianças vêm acompanhadas pela inicial de seu nome próprio e da classe à qual pertenciam, a saber, classe - CL1, classe 2 - CL2, classe 3 - CL3 e classe 4 - CL4. Quando forem feitas referências às professoras dessas classes, designaremos por Prof. A, Prof. B, Prof. C e Prof. D, respectivamente.
O GOSTAR EM SALA DE AULA
Sobre o que mais gostavam de fazer em classe, as 60 crianças de nosso estudo responderam de forma variada, manifestando algumas vezes, mais de uma opinião, a saber: 26 disseram gostar de escrever letras, palavras e frases, 16 preferiam desenhar ou pintar, 11 revelaram a preferência pela leitura de livrinhos e historinhas, 11 optaram por atividades de matemática; o brincar e o movimento (fazer educação física, etc.) obtiveram 4 respostas e as demais deram outros tipos de respostas como, conversar, ajudar a tia e fazer as lições. Na opinião de 61% dessas crianças, as preferências envolveram atividades de linguagem escrita.
Na CL 1, houve um maior número de respostas indicando uma preferência por atividades de leitura, escrita, desenho e pintura. No contato que tivemos com a Prof. A e seus alunos, em sala de aula, observamos um trabalho bastante diversificado com a linguagem, envolvendo a reprodução de histórias lidas ou contadas, notícias divulgadas pela televisão ou jornais da cidade, relatos de filmes assistidos ou experiências vividas pelos alunos, que eram incentivados a falar, escrever e ilustrar com desenhos e pinturas. 
Os alunos da CL2, não revelaram, em suas respostas, uma preferência mais específica em relação ao conhecimento ou atividades realizadas em sala. A professora desta classe empregava procedimentos variados de ensino, com base em textos funcionais, mas também propunha tarefas sistematizadas envolvendo sílabas e palavras.
Na CL3, as respostas evidenciaram mais as questões relativas à leitura e escrita, com uma preferência pelas atividades de leitura, provavelmente porque a maior parte dos alunos desta sala já se encontrava no nível alfabético de compreensão do sistema de escrita naquele momento. As situações de ensino oferecidas pela Prof. E davam grande ênfase à leitura feita pelos alunos, individualmente, em grupos ou em coro, pela classe toda. 
Os alunos da CL4 deram respostas muitos variadas, mas com nítida preferência pela escrita. A professora dessa classe, mesmo sem fazer uso de cartilhas ou de qualquer manual de sistematização da língua escrita, revelou desenvolver um trabalho mais voltado para a mecanização de sílabas e palavras.
Analisando as preferências das crianças evidenciadas nas respostas sobre o que mais gostavam de fazer em sala de aula, é possível confirmar que uma grande parte dos programas de alfabetização valoriza mais a escrita do que propriamente a leitura. Isso decorre do fato de que o professor pode acreditar que é escrevendo que se aprende a ler. Assim, é comum que nas situações escolares, acabe dando maior destaque para as atividades de escrita.
Não há dúvida de que a escrita está na origem da institucionalização do ensino. Foi o advento da escrita que permitiu uma nova relação com o conhecimento, uma nova forma de aprender e um local apropriado para o aprendizado, originando assim, a escola. 
Segundo Landsmann (1998, p. 57), “é a escrita que cria a escola, e não o contrário”. Ao possibilitar que as informações pudessem ser reproduzidas e armazenadas, a escrita levou a uma profunda transformação nas relações humanas, nas formas discursivas e nos seus próprios conteúdos. Isso ocorre porque a linguagem escrita em si e seus produtos constituem instrumentos que, quando internalizados, podem ser representados. Ao aprender a reproduzir, se aprende a armazenar, a arquivar, a transformar, mas se aprende reproduzindo, arquivando e transformando.
Neste sentido, é possível entender que a escrita funciona como uma espécie de ferramenta que os sujeitos podem manejar para trabalhar, comercializar, transportar e se divertir.
Vygotsky (1989, p. 131) já considerava que a escrita, não apenas facilita, mas provoca formas superiores de pensamento. Não a escrita por si mesma, mas pelas possibilidades de desenvolvimento que ela proporciona ao indivíduo, é o uso da escrita numa multiplicidade de funções, que afeta nossas formas de pensar e de desenvolver o intelecto.
Escrever, portanto, não é apenas uma habilidade motora, mas um conhecimento complexo. Se, na concepção do professor, é através da escrita que se aprende a ler, pode ocorrer o que encontramos com certa frequência em classes de alfabetização: crianças que apenas copiam, sem terem aprendido a ler, ou o excesso de atividades de escrita em detrimento de atividades de leitura.
Tradicionalmente, a didática da alfabetização diferencia atividades de escrita de atividades de leitura. Na realidade, a leitura refere-se à busca de sentido, de interpretação das marcas gráficas; e a escrita, à produção, por parte do aluno, dessas marcas, e não apenas à sua reprodução. Quando a escola privilegia atividades de reprodução de escritas e não atividades de produção de escritos, a distinção fica mais nítida. Uma metodologia que enfatiza a escrita em si mesma, enquanto objeto de conhecimento, sem valorização dos seus usos funcionais em situações e vivências cotidianas, pouco se ocupa de atividades de interpretação, e a leitura toma-se mera decodificação, destituída de significado.
AS ATIVIDADES DE ESCRITA
Considerando que inúmeras situações didáticas envolvendo a escrita e a leitura estiveram presentes nas falas das crianças envolvidas neste estudo, quisemos identificar de forma mais precisa o que elas queriam dizer quando falavam de atividades escritas, por isso indagamos sobre o que elas gostavam de escrever.
Em termos de linguagem escrita, as crianças manifestaram gostar de escrever letras, sílabas, palavras e frases. Nesta questão, mais uma vez apareceu a preferência pela escrita de palavras e frases, que realmente são mais predominantes nas atividades desenvolvidas com as crianças deste estudo, em especial as da CL4. Curiosamente, os alunos dessa classe não disseram gostar de escrever historinhas, pois essa era uma atividade praticamente ausente. Entretanto, uma criança referiu-se à escrita de cartas e apontou para um varal onde estavam expostas as cartinhas que eles haviam escrito. O objetivo da atividade pareceu-nos distante da função social do objeto carta, constituindo mero exercício de escrita.
Os alunos da CL1 confirmaram o dado obtido pela questão anterior sobre a preferência por atividades deescrita e, provavelmente, pela variedade de situações proporcionadas pela professora, encontramos respostas bastante diversificadas, em termos das escritas que essas crianças disseram que mais gostavam de produzir.
Pelas respostas dos alunos da CL3, há uma maior variedade nas propostas didáticas que eram oferecidas e a ausência de respostas para o ditado, por exemplo, confirmou ser este um exercício pouco frequente nesta classe.
Na CL2, a preferência dos alunos pela escrita de historinhas ficou bastante evidente.
A metodologia didática deve considerar que a linguagem escrita é uma atividade intelectual que pode ser representada graficamente por meio de um sistema que tem uma estrutura interna, uma forma própria de organização e que supõe contextos diversificados de uso.
Em nossa língua, o ato de escrever se realiza por meio de signos alfabéticos que são grafados utilizando-se uma forma manual, impressa ou eletrônica, para registrar, informar ou influir na conduta de outras pessoas. Além de possibilitar comunicação, a escrita possui uma função de auxiliar na memorização, de produção com uma intenção estética, de regulação dos comportamentos e de controle social. Essas funções são, na realidade, exteriores à escrita e estabelecem sua relação com o mundo enquanto um meio para o alcance de determinados fins.
Como não se realiza naturalmente nas experiências cotidianas dos sujeitos, a linguagem escrita precisa ser ensinada.
O modelo de ensino de linguagem escrita geral mente adotado pela escola não leva em consideração a maneira pela qual a criança realmente processa as informações que recebe do mundo à sua volta. O contexto sociointerativo de sala de aula diverge das situações nas quais a criança interage com a língua escrita em outros contextos. As atividades de ensino muito dirigidas e mecânicas deixam pouca margem para o desenvolvimento da criatividade e da competência infantil.
Ao levarem conta a realidade do aluno, é preciso considerar que, é justamente para aqueles em cujo contexto a escrita está quase ausente, que o seu aprendizado se faz mais necessário. São as situações funcionais de uso da escrita (canas, por exemplo) e a possibilidade do registro que transcende limites de tempo e de espaço (como uma lista de compras, uma música ou poesia, u m documento) que a tomam relevante para todos os indivíduos.
O aluno, enquanto sujeito da aprendizagem da escrita, internaliza as formas e relações que vivência nas situações de ensino-aprendizagem em sala de aula e das passam a fazer parte de sua consciência. A partir da ênfase dada pelo professor a esta ou aquela atividade de escrita, o aluno percebe e passa também a valorizá-la. Nesse sentido, parece oportuna e necessária a incorporação pedagógica da linguagem escrita na sua funcionalidade em todos os ambientes em que se pretende alfabetizar.
AS ATIVIDADES DE LEITURA
Quando indagamos das crianças especificamente sobre a leitura em sala de aula, encontramos 50% de respostas para a leitura de livrinhos e historinhas; 30% para a leitura de frases, letras, palavras e escritas; 13% para a leitura de gibizinhos, e as demais respostas foram para leitura de revistas, da Bíblia e “coisas da lousa”. Cinco crianças disseram não saber ler. 
Grande parcela das crianças ouvidas, portanto, se encontrava na fase inicial do processo de alfabetização, momento das entrevistas para este estudo.
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