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Richard Serra Deslocamento Richard Serra {São Francisco, 1939} Com extensa obra em escultura e em filmes, realizou sua primeira exposição individual em 1969 (Castelli Warehouse, Nova York, e Françoise Lambcrt, Milão), após um perfodo de formação que teve infcio na Universidade da Califórnia, em literatura inglesa, e se concluiu em Yale, onde Serra estudou com Joseph Albers , graduando-se em 1964. A aproximação com a obra de Brancusi, fundamental para seu próprio trabalho, se deu em uma viagem de estudos a Paris , durante a qual se dedicou a sessões de desenho no ateliê do escultor romeno. Serra interessa-se pelas relações entre os aspectos visual e físico e as tensões decorrentes das ações e operações que se processam em seu trabalho , como manifesta sua conhecida Verb List Compilation ( 1967-68 , publicada em Grégoire Muller, The New Avant-Garde, Londres, Pall Mall, 1972), onde as ações verbais li stadas aparecem como equivalentes lingüísticos de tarefas, questão enfatizada ainda em Hand Catching Lead, filme Rchard Serra, Shift. Para Tony Serra. (1970- 1972 King City, Canadá.) Seis seções de ci- mento retilíneas de 1,50m de altura e ZOem de espessura. A queda do declive determina dire- ção, formato e comprimento de cada seção. Posicionamento determinado pelo in- tervalo mais curto de contorno (declive mais crítico) de 1,5m: posicionamento ponto a ponto. A seção abarca duas colinas gue estão a uma distância de 460m. Dimensão de cada seção: colina Leste: primeira seção, 27m; segunda seção, 73m; terceira seção, 46m; total: 146m. Colina Oes- te: primeira seção, 36m; segunda seção, 32m; terceira seção, 34m; total: 102m; as seis se- ções totalizam 248m. Localizamos a Rodovia Dufferin, gue é a via mais ao leste para se chegar ao site , a par- tir de um mapa de levantamento topológico (lote 2, concessão 3, município de King. Mu- nicipalidade regional de York , escala de 2,Scm para 122m). Cercado em três lados por árvo- res e pântano, o site é um campo de lavoura que con sis te em duas colinas separadas por um vale em ângulo agudo. No verão de 1970, Joan Oonas) e eu passamos cinco dias andan- 325 do pelo lugar. Descobrimos que duas pes- soas, percorrendo a pé a distância do cam- po em sentidos opostos, cada uma tentando manter a outra à vista, apesar da curvatura do terreno, iriam determinar mutuamente uma definição topológica do espaço. Os limites do trabalho se tornaram a distância máxima que duas pessoas podiam tomar uma da outra mantendo ainda , cada uma, a outra à vista. O horizonte do trabalho foi estabelecido pelas possibilidades de manutenção desse ponto de vista mútuo. A partir das fronteiras extremas do trabalho, uma configuração total é sempre enrenciicia À medida que os níveis dos olhos foram alinhados - através da expansão do campo - , as elevações foram localizadas. A ex- pansão do vale , ao contrário das duas colinas, era plana. Eu queria uma dialética entre a percepção que uma pessoa tem do lugar, em totalidade, e a relação que tem com o campo, caminhando. O resultado é uma maneira da pessoa se medir a si mesma, ante a indeterminação do terreno. Não estou interessado em olhar a escultura definida exclusivamente por suas relações in- ternas. Quando você quica uma bola em um solo irregular, ela não volta para a sua mão. Dois meses foram gastos delimitando várias opções que o campo oferecia. No trabalho, há dois grupos de muros escalonados, com três elementos em cada grupo. Os muros abarcam duas colinas que se encontram a uma distân- cia de aproximadamente 460m, de um cume a outro. Cada elemento começa nivelado com o solo e se estende pela distância necessária para que atinja um desnível de l,Sm. A direção é 326 escnros de amstas silencioso (3min) realizado nessa mesma época. Richard Serra teve seus escritos reunidos pelo Museu Hudson River em 1980. Como principais comentadores de seu trabalho, destacamos Rosalind Krauss, em textos como "Richard Serra, Sculpture" (Arstudio, inverno 1986-87), "Richard Serra, Sculpture Re-drawn " (Artforum , nov 1972), " Richard Serra , A Translation ", in Richard Serra (Paris, MNAM, Centre Pompidou, 1982) e "Sense and Sensibility" (Artforum , nov 1972) , e Yves Alain Bois , "Promenade autour de Clara-Clara" (Pans, MNAM, Centre Pompidou, 1982), além do catálogo L'lnforme mode d'emploi (Paris, MNAM, Centre Pompidou, 1996), assinado por Krauss e Bois . No Bras i I, ver Richard Serra (Rio de janeiro, Centro de Artes Hélio Oiticica, 1997/ 98 ) , com ensaio de Ronaldo Brito e a tradução de textos do artista. "Schift" Texto publicado em Arts Magazine (abr 1973) . Traduzido para o franc ês em Richard Serra: écrits et entretiens, 1970-1989 (Paris, Daniel Lelong, 1990) . determinada pelo declive mais crítico do solo. Por conseguinte, o com- primento, a direção e a forma de cada elemento são determinados pelas variações na curvatura e no perfil das colinas. Para medir com exatidão, foi feito um novo levantamento do terreno a intervalos de relevo de 30cm. A intenção do trabalho é uma consciência da fisicalidade no tempo, no espaço e no movimento. De pé no topo da colina a leste, a pessoa vê os três primeiros elementos em uma configuração linear em Z. A curvatura do terreno é apenas parcialmente revelada a partir desse ponto de vista, porque a configuração comprime o espaço. Até que a pessoa penetre no espaço da peça, ela não pode enxergar além da elevação, já que a colina decai em seu segundo e terceiro desní- vei s. Isso, mais uma vez, ocorre porque a inclinação do terreno é irregular em sua queda de nível. As colinas foram escavadas; foram fincadas fôrmas de madeira nos lugares escolhidos; uma estrutura de perfis metálicos foi disposta nos pontos de sustentação; e o cimento fo i despejado A borda vertical de l,Sm de cada muro foi posicionada em um ângulo tal que segue o alinha- mento do muro seguinte. Isso foi feito por duas razões: a) para permitir que a descida dos muros fosse contínua, uma vez que cada um mudava de direção em relação ao que vinha antes; b) mais importante, a aresta da face vertical do muro remete o olho para a topologia do terreno, mais do que para as relações planares do próprio muro. O trabalho estabelece uma medida: a relação que se tem com ele e com o terreno . A pessoa anda colina abaixo para entrar na peça. Quando faz isso, os elementos começam a se destacar em relação ao nível dos olhos da pessoa que vem descendo. A primeira descida termina quando se tem o topo do muro diretamente ao nível dos olhos: l,Sm. Ao se ele- var, cada plano vertical parece estabelecer um tipo de linha do horizonte -articulando a relação que se tem com a amplitude do terreno. De fato, a linha da extremidade superior da peça desenha uma seção cruzada no declive elevacional, enquanto a extremidade inferior define a curvatura específica da terra no ponto em que a pessoa se encontra. O próprio pla- no não age de modo algum como uma barreira para a percepção. À medi- da que a pessoa continua a acompanhar o trabalho ao longo do campo, ela é forçada a se deslocar e virar com o trabalho e assim volta o olhar sobre o desnível elevacional. Já que as elevações escalonadas funcionam ri chard serra 327 como linhas de horizonte, cortando e estendendo o horizonte real, elas aparecem como ortogonais nos termos de um sistema de medida pers- pectiva. A maquinaria do espaço da Renascença depende do fato de que a medição permaneça fixa e imutável. Esses passos estão relacionados a um horizonte em contínuo deslocamento, e como medições eles são to- talmente transitivos: elevando, baixando, estendendo, encolhendo, con- traindo, comprimindo e virando. Com os passos, a linha como elemento visual torna-se um verbo transitivo.O procedimento e método- a configuração dos elementos de acordo com as quedas de nível de l,Sm - é exatamente o mesmo em ambos os grupos de muros. Entretanto, por causa da disparidade na forma das coli- nas, o comprimento, a forma [shape] e a direção de cada muro é diferente. A colina do oeste é mais abrupta - uma inclinação íngreme delineia os três elementos em uma relação mais obviamente escalonada. O primeiro grupo de três muros é lido como uma divisão linear contínua; o segundo grupo de três parece ter sido formado [shaped) pela própria configuração da colina. A queda sobreposta dos patamares elevando-se acima do nível dos olhos completa a colina e delineia o céu. O horizonte natural muda à medida que a pessoa sobe a colina. Do cume da colina, olhando para trás sobre o vale, são relembrados pensamentos e imagens despertados pela consciência de tê-los experimen- tado. Essa é uma diferença entre o pensamento abstrato e o pensamento na experiência. O tempo dessa experiência é cumulativo - lento em sua evolução. Experimenta-se um novo tipo de compressão. O terreno é senti- do como um volume, mais do que um plano recessivo, porque a partirdes- se pontO de vista o vale se tornou encolhido. Pela primeira vez, o alinha- mento dos patamares de elevação é aparente. Esse alinhamento contrai os intervalos do espaço- não como desenho (ou configuração linear) , mas como volume (como espaço contido). O espaço entre os dois grupos de muros - em um plano aberto de aproximadamente 36m- faz supor um centro para o trabalho. Esse cen- tro iria coincidir tanto com o centro mensurável do campo quanto com o centro gravitacional ou topológico da massa do terreno. Entretanto, não se trata do centro do trabalho. O trabalho não se preocupa com uma cen- tralização desse modo. A expansão do trabalho permite que a pessoa per- ceba e localize uma multiplicidade de centros. 328 escritos d e a r ti stas Elevações similares - elevações iguais em altura - em um campo aberto, em um solo plano, se deslocam tanto horizontal quanro verrical- mente, em relação à locomoção de uma pessoa. Por causa disso, o centro, ou a questão da centralização, é deslocada do centro físico do trabalho e encontrada em um centro móvel. Tiremos o chapéu, Galileu. richard serra 329
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