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Sociedade contra o Estado

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Universidade Federal Fluminense
Faculdade de Cinema e Audiovisual
Disciplina: Introdução a Antropologia I
Thomas Borrmann Figueiredo
2014
Niterói
Sobre o texto 'Sociedade contra o Estado': Discorra sobre as duas noções de sociedade sem Estado apresentado no texto.
 As sociedades indígenas não são simplesmente sociedades “sem” Estado, e sim “contra” o Estado na medida em que reconhecem a possibilidade de emergência de um poder político, que está, segundo a definição da filosofia política clássica, atrelado ao exercício da coerção, da violência. Na avaliação de Pierre Clastres sobre sociedade indígena se demonstrava uma sociedade sem estado por causa de duas noções, que giram em torno de uma mesma figura – que serviria de inspiração a Clastres – a do chefe indígena. 
 A primeira noção é a que o chefe indigena não detém poder algum, prisioneiro do grupo. Mesmo dotado de privilégios como a poliginia, esse chefe está submetido a uma série de obrigações que pressupõem certas habilidades, dentre as quais, as mais importantes são a generosidade e o dom da oratória. Essa sua fala reúne os homens ao seu redor sem, no entanto, mostrar-se eficaz para cooptá-los. Em suma, é uma fala vazia, pois não tem poder de mando, mantém o chefe numa posição de poder que é de fato aparente. 
 O argumento de Pierre Clastres vai mais longe. Não se trata simplesmente de afirmar que o chefe indígena não detém o poder, pois, para o autor, a sociedade indígena não é estranha ao poder. O chefe não detém o poder porque é impedido pela própria sociedade, essa sim a detentora de um certo poder, que não consegue, no entanto, constituir-se como esfera política separada – ou seja, como Estado. O poder ali permanece difuso. 
 Clastres localiza a recusa do poder político coercitivo na figura do chefe ameríndio, “chefe sem poder”. Salta daí uma filosofia política particular baseada na disjunção entre chefia e poder político coercitivo, algo que contrasta fortemente com a imagem do homem de Estado, aquele que controla os aparelhos de violência. A chefia seria, assim, apenas o lugar aparente do poder, nesse sentido ele representa o grupo à medida que o faz aparecer. As sociedades ameríndias, para Clastres, são aquelas que recusam a subordinação – por isso, controlam o seu chefe, que não impõe leis nem executa sanções. Isso não reflete sociedades desorganizadas, fragmentadas, como muito se pensou. Pelo contrário, revela um alto nível de organização a tal ponto de tornar inviável o aparecimento de um Estado. Essa escolha pela liberdade é o que Clastres quer sublinhar nas paisagens que percorreu e, assim, formular uma lição para o Ocidente, em que a dominação encontra-se por toda parte.
 Já a outra noção que Clastres cria é a da “maquina de guerra”. Para Clastres, as sociedades indígenas recusam a unificação política em nome de comunidades pequenas e autônomas do ponto de vista político e econômico; e a maneira de manter essa autonomia seria a perpetuação de um estado de guerra, responsável por um processo contínuo de fragmentação social. A guerra – em seu sentido tanto físico como metafísico – é, para Clastres, o que “multiplica o múltiplo”. 
 A guerra é, nesse sentido, contra o Estado, e as “sociedades primitivas”, “para-a-guerra”. Essas comunidades indígenas autônomas e autárquicas eram descritas pelo autor como “comunidades indivisas”, isto é, como não baseadas em relações entre dominantes e dominados. Para ele, sequer a diferença entre homens e mulheres poderia ser pensada ali como divisão, uma vez que não está baseada na expropriação ou na dominação, mas sim na complementaridade. A violência guerreira aparece em “Arqueologia da violência” como interrupção de um ciclo de trocas – desta vez entre as diferentes comunidades –, trocas que podem agir em prol da unificação política.
 Clastres deixou muitas vias abertas, e isso inclui a ambiguidade de certas noções por ele manuseadas, como a noção de “poder político”, bem como a proliferação de certos paradoxos identificados nos diferentes devires das sociedades indígenas. Um deles é a possibilidade da guerra, mecanismo por excelência de recusa do Estado, se converter em instrumento de unificação e concentração de poder.

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