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Pró-reitoria de EaD e CCDD 1 Teorias do Conhecimento Aula 4 Professoras Máira Nunes e Nicole Kollross Pró-reitoria de EaD e CCDD 2 Conversa Inicial Olá, Cada vez mais, o avanço tecnológico gera mudanças em nossas vidas. Os dispositivos móveis, as redes sociais e a economia globalizada consolidaram uma cultura do espetáculo, baseada nas mídias, que tem tornado as experiências do cotidiano e nossas relações sociais cada vez mais espetacularizadas. Acabamos determinando nossas identidades, visões de mundo, vínculos sociais e afetos a partir de nossas conexões tecnológicas. Ultrapassamos a fronteira das relações presenciais e, ao estabelecermos um universo virtual, vivemos experiências mediadas por dispositivos tecnológicos. Precisamos pensar, porém, que a mesma estrutura que democratiza o acesso ao conhecimento e cria novas formas de conexão social também pode gerar exclusão e opressão. Enquanto temos uma grande parcela da população consumindo, conectada, temos também um grande grupo de pessoas que não têm acesso a serviços básicos, como água, luz e esgoto. Percebemos, então, que existem diferentes formas de estar no mundo e que o desenvolvimento não representa melhoria de vida para todas as pessoas. É sobre esses fenômenos contemporâneos que trataremos nesta aula. Vamos lá? Contextualizando O conceito de sociedade do espetáculo foi definido por Guy Debord na obra de mesmo nome, publicada em 1967. Para o autor, o sistema capitalista promoveu uma forma de visão de mundo que mediatiza as relações sociais por meio das imagens. Isso significa dizer que estamos imersos em representações, em construções sociais imagéticas e, principalmente, no consumo. O autor fazia parte de um movimento chamado “Internacional Situacionista”, cujo pensamento teve grande impacto nas manifestações de maio de 1968, na França. Suas ideias, mesmo formuladas décadas atrás, ainda têm grande Pró-reitoria de EaD e CCDD 3 pertinência nos dias de hoje, pois traçam uma importante análise e crítica à organização capitalista contemporânea. Tema 1: A Abordagem Analítica do Problema do Conhecimento A epistemologia é o estudo das formas de conhecimento humano, ou da própria possibilidade “de um humano conhecer” algo, pois, nas palavras de John Locke (1973, p. 145) – um dos seus principais autores, filósofo inglês que viveu ente 1632 e 1704 –, “há talvez razão para suspeitar que não há de modo algum tal coisa como a verdade, ou que a humanidade não tem meios suficientes para alcançar dela um conhecimento certo”. Se o conhecimento da verdade, pura e simplesmente, não é possível, a validade do próprio conhecimento científico é posta em cheque, em uma crítica das ciências (humanas, mas também exatas e biológicas), de suas falhas metodológicas e potenciais falhas de rigor. Além de Locke, também se destacam na linha George Berkley (1685- 1753) e David Hume (1711-1776). Todos se opunham ao intelectualismo, encarnado pelos desdobramentos da teoria de René Descartes (em sua primazia do sujeito perante o objeto, ou seja, do racional diante do empírico), para quem há uma “verdade absoluta”, sobre a qual podemos ter conhecimento a partir de nossa capacidade intelectual. Essa diferença de perspectiva estabelece as duas grandes orientações da teoria do conhecimento, conhecidas como racionalismo e empirismo. Para o racionalismo, a fonte do conhecimento verdadeiro é a razão operando por si Pró-reitoria de EaD e CCDD 4 mesma, sem o auxílio da experiência sensível e controlando a própria experiência sensível. Para o empirismo, a fonte de todo e qualquer conhecimento é a experiência sensível, responsável pelas ideias da razão e controlando o trabalho da própria razão. (Chauí, 2000, p. 146) Também havia forte oposição em relação aos céticos do período, com quem Locke (1973, p. 147) debate em seu livro que, “se descrermos de tudo porque não podemos conhecer rigorosamente todas as coisas, deveríamos imitar os que não se utilizam de suas pernas, permanecendo parados e morrendo, porque lhes faltam asas para voar”. Para os empiristas, o sujeito não é mais o do “entendimento puro” do cogito cartesiano, com conhecimentos a priori em sua relação com os objetos; ao contrário, ele conhece apenas a posteriori, ou seja, a partir da experiência, de sua sensibilidade e percepção. Seríamos como “tábulas rasas”, em referência às tábuas cobertas com finas camadas de cera, escritas com um estilete durante o período romano (como “folhas em branco”). Em outras palavras, todo nosso conhecimento ocorre apenas a partir da experiência, inclusive os saberes racionais e lógicos, como a matemática. Por exemplo, para eles, sabemos contar (ou seja, entendemos uma progressão numérica) porque tivemos a experiência com uma coisa, depois com duas e, então, com três a ponto de sentirmos e percebemos que três é mais que um, guardando a informação em nossa memória, ou imaginando as implicações (como a tabuada, em que podemos multiplicar os números entre si). Assim, esses empiristas se propuseram a criar uma teoria do conhecimento, ou o estudo dos diferentes modos de conhecimento humano Pró-reitoria de EaD e CCDD 5 possíveis, para Chauí (2000, p. 66-67), “o conhecimento sensorial ou sensação e percepção; a memória e a imaginação; o conhecimento intelectual; a ideia de verdade e falsidade; a ideia de ilusão e realidade; formas de conhecer o espaço e o tempo, formas de conhecer relações” etc. A epistemologia tem relação com a ontologia, que, nas palavras de Chauí (2000, p. 66), é o “conhecimento dos princípios e fundamentos últimos de toda a realidade, de todos os seres”. O termo é a junção das palavras de origem grega “onto” (ser, ente) e “logia” (saber, entendimento), significando, portanto, o entendimento sobre o ser. De acordo com Chauí (2000, p. 304), “o filósofo alemão [Martin] Heidegger propõe distinguir duas palavras: ôntico e antológico. Ôntico se refere à estrutura e à essência própria de um ente [...] ontológico se refere ao estudo filosófico dos entes, à investigação dos conceitos”. Assim, ôntico se refere a o seu modo de existir, ao passo que ontológico é o estudo sobre como você existe. De acordo com Martin Heidegger (2012), o seu foco é a ontologia, ou “a questão do ser como uma questão privilegiada”. Ele entende que existem muitos modos de ser, ou diferentes entes. O sujeito, por exemplo, é o “ser-aí”, ou, no termo original em alemão, o dasein; já as coisas, em si mesmas, podem ser utensílios ou obras de arte. Nós nos relacionamos com os utensílios a partir da utilidade deles para nós; com as obras, relacionamo-nos justamente porque não têm utilidade e, assim, sua materialidade (suas características) é o único “porquê” de existirem para nós. Por exemplo, antes de se sentar em uma cadeira, você não se preocupa com as características dela (por exemplo, as estéticas), sua única preocupação é se ela será útil, ou seja, se sustentará seu peso e poderá servir de apoio para você. Apenas quando a cadeira quebra, ou deixa de ser útil, é que você repara nela, percebe a cor, a textura, a temperatura, o tamanho, o peso, em outras palavras, sua materialidade. Passa a vê-la, então, como coisa “em si mesma”, e não como uma cadeira em que você se senta. Pró-reitoria de EaD e CCDD 6 Já com a obra de arte, por (idealmente) não ter nenhuma utilidade além de ser “em si mesma”, você se relaciona materialmente, percebendo, já à primeira vista, suas características: emum quadro, as cores; em uma escultura, as formas etc. A partir da filosofia desenvolvida por Edmund Husserl, outros autores contemporâneos, de acordo com Chauí (2000, p. 306) “desenvolveram a nova ontologia. Entre esses filósofos, dois merecem especial destaque: Martin Heidegger [já citado] e o francês Maurice Merleau-Ponty”. Tema 2: O Pensamento Estruturalista O pensamento estruturalista surgiu na França, durante a década de 1960. Dois pesquisadores se destacam no período: o primeiro é Ferdinand de Saussure (1857-1913), linguista suíço, e o segundo é Claude Lévi-Strauss (1908-2009), antropólogo bélgico. A proposta básica é buscar o mesmo reconhecimento científico das ciências físicas e biológicas, respeitando, entretanto, a especificidade de seus objetos, pois, ao contrário das outras duas, o objeto das humanidades – as pessoas – pensa, fala e age por si mesmo (ou seja, constrói e representa significados e valores, independentemente do pesquisador). Pró-reitoria de EaD e CCDD 7 A partir de então, as ciências humanas passaram a ser científicas com métodos específicos para seus objetos, sem explicações mecânicas com relações redutoras de causa e efeito. Para James Williams (2013, p. 14), o estruturalista, “ao notar um padrão repetitivo de signos o cientista [...] espera alcançar alguma compreensão segura [...]. A ideia é que o conhecimento deve começar pela norma e só então considerar a exceção”. Para os estruturalistas, ao contrário dos positivistas (por exemplo), uma dada realidade sociocultural e histórica não é melhor ou mais evoluída que a outra: ela é simplesmente diferente, uma estrutura com outras regras e princípios. Nas palavras de Marilena Chauí (2000, p. 104-105), “não há como dizer que as ideias e as teorias passadas são falsas, erradas ou atrasadas: elas simplesmente são diferentes das outras porque se baseiam em princípios, interpretações e conceitos novos”. Pró-reitoria de EaD e CCDD 8 Desse modo, a própria história não é cumulativa ou “progressiva”; em outras palavras, não é uma linha contínua e estável que vai sendo feita “do mesmo jeito” com o passar dos anos. Ao contrário! É descontínua, acontecendo por “saltos” (fatos característicos), como se a linha tivesse curvas, partes mais leves e outras mais pesadas etc. A própria estrutura da razão, como a manifestada nas ciências, passa pelo mesmo: é histórica, tendo um sentido próprio específico de acordo com a estrutura em que está. A ideia de estrutura (ou sistema) é central para o pensamento estruturalista, pois é com base nela que os elementos que a constituem passam a fazer sentido e ter valor. O todo não é a soma das partes, para Marcondes (2004), é “um conjunto de relações causais entre elementos isoláveis [mas sim] uma totalidade dotada de sentido”. Uma pessoa, por exemplo, não pode ser entendida sem que saibamos qual é sua posição ou função dentro do meio em que se encontra. Pró-reitoria de EaD e CCDD 9 É a partir das relações que estabelece e, principalmente, das diferenças e similaridades que submete e às quais é submetida, que podemos de fato vislumbrar quem ela é, enquanto elemento, dentro da estrutura de que faz parte. [...] de tal forma que os elementos que constituem este todo só podem ser entendidos como partes do todo, a partir das relações em que se encontram com os outros elementos que compõem o todo. Nesse sentido, o todo é sempre mais do que a simples soma de suas partes, já que a estrutura é constitutiva do todo, é o que lhe dá unidade. (Marcondes, 2004) É com fundamento nessas noções que alguns pesquisadores (pós- estruturalistas) se basearam para estudar, sendo alguns deles: Michel Foucault, Giles Deleuze, Jacques Derrida e Jean-François Lyotard. De acordo com Marcondes (2004), “o ponto comum entre esses autores parece ser mais a necessidade de encontrar novos rumos para o pensamento [para] um entendimento de nossa época e de nossa experiência que dê conta de suas rápidas transformações”. Pró-reitoria de EaD e CCDD 10 Todos descrevem e analisam as relações de significação dos elementos, a partir das quais a própria estrutura é feita: principalmente por meio do estudo da linguagem ou, ainda, da diferenciação linguística (verbal e não verbal) que ocorre entre os elementos dentro de uma determinada estrutura. O primeiro citado, Foucault, é, para Marcondes (2004), “um crítico da tradição moderna, na medida em que questiona seus pressupostos epistemológicos [...] suas análises procuram revelar relações até então inexploradas [...] já que visa explicitar o implícito”. Foucault foi autor de alguns livros de referência na área de humanas, como História da sexualidade (em que se opõe à “hipótese repressiva”, na qual o sexo – e o próprio poder – é algo censurado e simplesmente reprimido) e Vigiar e punir, em que aborda, por meio da metáfora do “panóptico”, o poder como capilarizado e presente em todas as relações diárias. Já o último citado, Lyotard, foi quem incluiu por meio do pós- estruturalismo a noção de pós-modernidade, em seu livro A condição pós- moderna, de 1979. Para ele, nas palavras de Marcondes (2004), “os valores centrais da modernidade, a ênfase na ciência como modelo de saber [ou] a formulação de grandes sistemas e quadros teóricos [são] considerados Pró-reitoria de EaD e CCDD 11 esgotados, devendo ser postos de lado em nome de um saber que valorize mais a criatividade”. Tema 3: Questões Culturais Cultura é um daqueles termos complicados com inúmeros significados e que podem ser entendidos tanto como prática quanto como teoria. Para analisarmos questões culturais dentro do campo da teoria do conhecimento, faremos uma abordagem dos significados do vocábulo cultura em sua conceituação histórica, bem como uma relação das principais escolas teóricas que se baseiam no estudo da cultura. Segundo Marilena Chauí (2010, p. 61), A cultura é a criação coletiva de ideias, símbolos e valores pelos quais uma sociedade define para si mesma o bom e o mau, o belo e o feio, o justo e o injusto, o verdadeiro e o falso, o puro e o impuro, o possível e o impossível, o inevitável e o casual, o sagrado e o profano, o espaço e o tempo. A Cultura se realiza porque os humanos são capazes de linguagem, trabalho e relação com o tempo. A Cultura se manifesta como vida social, como criação das obras de pensamento e de arte, como vida religiosa e vida política. Raymond Williams (2012, p. 110) nos explica que a ideia de cultura surgiu como uma prática relacionada ao cultivo agrícola: “conduzir o trigo à maturidade”. Esse sentido de cuidado e cultivo manteve-se até o princípio do século XVIII, período no qual a ideia de cultura passa a estar relacionada ao desenvolvimento geral da pessoa. “Cultura” normalmente se referia ao conhecimento em geral, fosse artístico, literário ou musical. Até hoje, uma pessoa “culta” é uma pessoa que possui amplo conhecimento. Ainda no século XVIII, podemos perceber dois movimentos na definição e no estudo da cultura: cultura popular e cultura erudita. Os primeiros pesquisadores da cultura popular foram intelectuais europeus interessados em recuperar canções tradicionais ou histórias da sabedoria popular. Surgiu, então, o folclore – folklore, em inglês –, presente em obras como as dos Irmãos Grimm (autores dos nossos conhecidos contos de fada). Esse movimento propôs-se a coletar elementos da tradição oral em vários países da Europa, criando um vasto repertório de cantigas, baladas, contos, cerimônias, provérbios e superstições que representavama tradição de Pró-reitoria de EaD e CCDD 12 camponeses, aldeões e trabalhadores urbanos. A cultura erudita, por sua vez, representava o “espírito cultivado pela instrução”. Para os Iluministas a cultura estava relacionada aos saberes acumulados ao longo da história, sendo também um sinônimo de progresso, razão e educação. (Canedo, 2009, p. 2) Essa visão persistiu ainda no século XIX, período no qual a cultura estava relacionada com a história das civilizações, sendo uma forma de desenvolvimento humano. As diferenças culturais dos povos seriam explicadas por seu “progresso” ou “atraso” em termos de civilização. Outra visão recorrente na época era a de que a cultura representaria “o espírito de um povo”, sendo a base do nacionalismo. Segundo Regis de Morais (1992, p. 23), Edward Tylor é considerado o primeiro a elaborar, em 1871, um conceito científico de cultura como sendo “[...] Pró-reitoria de EaD e CCDD 13 todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, lei, costumes, assim como todas as capacidades e hábitos adquiridos [...]”. Ainda na virada do século XIX para o século XX, presenciamos o surgimento do campo científico chamado antropologia cultural, como parte do processo de organização das ciências e disciplinas científicas – sociais e naturais. É nos anos de 1930, entretanto, que surge a primeira escola teórica a relacionar a cultura e a comunicação de massa: a Escola de Frankfurt. Sediada na Alemanha e contemporânea da ascensão do nazismo no período entre guerras, teve como principais representantes Theodor Adorno, Max Horkheimer e Walter Benjamin. Um conceito fundamental estabelecido pelos teóricos frankfurtianos é o de “indústria cultural”, referindo-se, segundo Rüdiger (p. 138), “à conversão da cultura em mercadoria, ao processo de subordinação da consciência à racionalidade capitalista, ocorrido nas primeiras décadas do século XX.” O conceito nomeia uma prática e uma forma de produção que transforma os produtos culturais em mercadorias a serem consumidas, interferindo nos processos de consciência e subjetividade. A cultura de massa passa a representar, então, a forma como consumimos produtos estandardizados de uma cultura que banaliza e padroniza elementos das culturas popular e erudita a fim de torná-los mais aptos ao consumo das massas. Para os autores, mais do que democratizar a cultura, esse processo de padronização geraria manipulação e alienação. Uma visão menos negativa dos produtos da indústria cultural foi desenvolvida pelos teóricos da Escola de Birmingham, organizada nos anos 1950-1960, na Inglaterra. A fundação dos chamados “Estudos Culturais Britânicos” inaugurou uma nova abordagem sobre a cultura popular e os meios de comunicação de massa. Autores como Richard Hoggart, Raymond Williams, Edward Thompson e Stuart Hall desenvolveram importantes pesquisas sobre a cultura operária, a cultura jovem, a recepção dos produtos culturais de massa como novelas, filmes, programas de rádio, entre outros. Nesse sentido, Pró-reitoria de EaD e CCDD 14 A operacionalização de um conceito expandido de cultura, isto é, que inclui as formas nas quais os rituais da vida cotidiana, instituições e práticas, ao lado das artes, são constitutivos de uma formação cultural, rompeu com um passado em que se identificava cultura apenas como artefatos. A extensão do significado de cultura – de textos e representações para práticas vividas e suas implicações na rígida divisão entre níveis culturais distintos – propiciou considerar em foco toda a produção de sentido. E, ao enfatizar a noção de cultura como prática, se dá relevo ao sentido de ação, de agência na cultura. Essa nova visão sobre os produtos culturais permite a estruturação do conceito de “cultura das mídias”, a forma como os produtos midiáticos (televisão, cinema, publicidade, imprensa etc.) nos ajudam a forjar nossa identidade e nossos comportamentos sociais, fornecendo “o material com que muitas pessoas constroem o seu senso de classe, de etnia e raça, de nacionalidade, de sexualidade, de ‘nós’ e ‘eles’.” (Kellner, 2001, p. 9) Tema 4: A Sociedade do Consumo O consumo faz parte de nossas atividades diárias: compramos comida, roupas e objetos necessários à nossa sobrevivência e bem-estar. Mas pense um pouco: você nunca comprou nada supérfluo? Algo de que realmente não precisasse? Cada vez mais, adquirimos coisas de que não necessitamos, gastamos mais do que podemos, tentando nos encaixar em um modelo de consumo que é determinante em nossa sociedade. Muitos autores como Jean Baudrillard e Gilles Lipovetsky analisam o fenômeno de formação e consolidação da sociedade de consumo e a forma como nos inserimos e interagimos nela. Percebemos que esses fatores fazem parte do processo histórico de desenvolvimento do sistema capitalista, relacionando economia, cultura e práticas sociais. São essas características que analisaremos agora. Podemos afirmar que o capitalismo contemporâneo desenvolveu-se plenamente a partir da II Revolução Industrial, na segunda metade do século XIX, momento em que houve o início da produção em escala internacional, do sistema industrial bancário, das empresas multinacionais e do imperialismo. Se até então os códigos das classes sociais mais abastadas se diferenciavam da Pró-reitoria de EaD e CCDD 15 população trabalhadora por títulos (nobreza) ou por cultura e conhecimento (burguesia), cada vez mais esses códigos passaram a estar presentes em objetos de consumo. Atualmente, existem vestimentas, objetos decorativos de design, automóveis, aparatos tecnológicos, são inúmeras as formas que temos para demonstrar distinção social. A publicidade trabalha, inclusive, com nossas subjetividades, tornando os objetos materializações de nossas personalidades e estilos de vida. Se antes o “objeto-símbolo tradicional” – utensílios, móveis ou casa – trazia consigo uma história, servindo como mediador de uma relação vivida, agora, o “objeto de consumo”, por seu lado, é um signo que apenas tem sentido em uma relação abstrata com outros objetos signos, não mais tirando seu significado da relação concreta entre pessoas. Nesse sentido, eles formam um código que sujeita toda uma sociedade empenhada em consumir e não mais em acumular, como outrora. Ao se converter em signo, o objeto se despe de sua concretude e se torna apenas substância significante. (Santos, 2011, p. 127) Os meios de comunicação têm um papel fundamental em nossa lógica de consumo. As imagens e os comportamentos são banalizados diariamente nos produtos da indústria cultural. Para Baudrillard (2008), nossa relação, enquanto consumidores, com o mundo real, a política, a cultura e a história não se dá por interesse ou responsabilidade, mas por curiosidade. Desconhecemos a realidade e eliminamos a tensão da vida na busca pela felicidade individual. Passamos a descartar o passado em busca de novas experiências e nos tornamos desapegados, acostumados com o descarte. Isso quer dizer que essa caracterização da sociedade atual considera elevada a importância que as novidades têm para os consumidores modernos. O conceito de valorização do novo implica automaticamente na [sic] desvalorização do antigo. A Pró-reitoria de EaD e CCDD 16 nossa cultura de hoje incentiva a supervalorização do produto novo. Consequentemente, o produto anterior, mesmo que ainda desempenhe suas funções, perde seu espaço, é excluído. Um bom consumidor atualmente precisa se guiar por esses valores e mais alguns outros. (Andrade, 2008, p. 21-22) O resultado dessa prática é uma paixão pelo consumo,que faz com que desejemos sempre o novo. Precisamos comprar o último modelo de smartphone, um carro zero, uma bolsa de marca. Nesse sentido, os produtos de mídia estão, diariamente, bombardeando-nos com objetos que representam estilos de vida e nos estimulam a consumir. Desde o corte de cabelo, passando pelas roupas, até a nossa personalidade e individualidade são determinados pelo consumo. As tendências de mercado e da moda permitem termos uma infinidade de opções de compra, e o fato de essas tendências se atualizarem cada vez mais rápido faz com que mudemos constantemente nosso perfil de compras. Da mesma forma, o discurso publicitário nos convence constantemente de que precisamos consumir para que possamos atingir a felicidade. Lipovetsky (2007, p. 14) afirma que: De um consumidor sujeito às coerções sociais da posição, passou-se a um hiperconsumidor à espreita de experiências emocionais e de maior bem-estar, de qualidade de vida e de saúde, de marcas e de autenticidade, de imediatismo e de comunicação. O autor analisa que o espírito do consumo está presente em todas as áreas de nossas vidas – família, religião, política – e que, ao mesmo tempo em que temos o poder de escolha, também estamos condicionados pelo sistema Pró-reitoria de EaD e CCDD 17 mercantil. Richard Sennet (2006, p. 125), por sua vez, amplia a discussão e se questiona: será que as pessoas realmente vão fazer compras de políticos como fazem compras de roupas? Em vez de considerar o cidadão apenas como um eleitor indignado, poderíamos encará-lo como um consumidor de política, pressionado a comprar. Independente das visões negativas sobre a sociedade de consumo, é importante compreendermos esse fenômeno e refletirmos sobre o tipo de conhecimento que construímos com ele. Os desenvolvimentos econômico e social trouxeram uma série de benefícios, de bem-estar, e o consumo está presente em todas as áreas de nossas vidas. Os meios de comunicação e de produção de informações cada vez mais seguem a lógica do consumo e participam da forma como entendemos e interagimos no mundo. Tema 5: A Pós-Modernidade A pós-modernidade surgiu da ideia de que a sociedade e a cultura não são mais determinadas pela história, ou pelo progresso. Nas palavras de Anthony Giddens (2005, p. 573), ela “é extremamente pluralista e diversificada; nenhuma ‘grande narrativa’ [...] orienta seu desenvolvimento”. Ou seja, não há mais concepções generalistas que façam sentido (mesmo que apenas idealmente) para todos. Um dos primeiros pesquisadores a usar o termo foi Jean-François Lyotard (1924-1998), em seu livro A condição pós-moderna (ou, dependendo da edição, apenas “O pós-moderno”); para o autor (1988), ele “designa o estado da cultura após as transformações que afetaram as regras dos jogos das ciências, da literatura e das artes a partir do final do século XIX”. Quanto às “grandes narrativas” ou “metanarrativas” na pós-modernidade: Simplificando ao extremo, considera-se “pós-moderna” a incredulidade em relação aos metarrelatos. É, sem dúvida, um efeito do progresso das ciências; mas este progresso, por sua vez, a supõe [...]. A função narrativa perde seus atores [...] os grandes heróis, os grandes perigos [...]. Após os metarrelatos, onde se poderá encontrar a legitimidade? O critério da operatividade é tecnológico; ele não é pertinente para se julgar o verdadeiro e o justo. (Lyotard, 1988) Assim, de acordo com esse argumento, na modernidade teríamos Pró-reitoria de EaD e CCDD 18 “narrativas” universalizáveis, ou seja, explicações de como as coisas sempre funcionaram e, a partir disso, qual seria a tendência de funcionamento daqui pra frente. Um exemplo recorrente é o pensamento de um dos principais teóricos modernos, Karl Marx – que, junto com Sigmund Freud e Charles Darwin, revolucionou o modo de entender o homem e o mundo modernos –, segundo o qual, a partir de um processo dialético, a história ocorreria por etapas. Cada etapa conteria em si características que, levadas ao extremo absoluto (decorrente de seu desenvolvimento inerente), ocasionaria seu fim e, consequentemente, o começo da etapa seguinte. Marx pensou nessa teoria a partir de um estudo aprofundado da história, tentando entender sua “racionalidade” (sua razão, lógica interna). É, por exemplo, como ele entende a passagem de uma etapa capitalista para uma socialista: em algum período, poucos teriam tanto, que muitos se revoltariam contra o sistema (pois não usufruiriam mais nada dele), tomando para si o que foi acumulado e redistribuindo entre os que mais precisassem. Seria a partir de uma das principais características do capitalismo – a acumulação – que, por meio de seu extremo absoluto, o sistema não se sustentaria mais, já que ele apenas se mantém enquanto atende, Pró-reitoria de EaD e CCDD 19 minimamente, às demandas das pessoas que fazem parte dele. Esse é um exemplo de “metanarrativa”, uma teoria que busca explicar as coisas por meio de ideias universais, que englobam a tudo e a todos. Atualmente, porém, as pessoas não tendem mais a acreditar nesse tipo de teoria, inclusive porque, pela globalização e segmentação dos meios de comunicação, temos relação com pessoas e informações de todas as partes e, também, de diferentes períodos históricos. Nas palavras de Giddens (2005, p. 536), “entramos em contato com muitas ideias e valores, mas tais ideias e valores guardam pouca relação com a história da região que habitamos, ou mesmo com nossa própria história pessoal. Tudo parece estar em fluxo constante”. Assim, não nos relacionamos mais com “verdades absolutas” ou ideias universais, as “grandes narrativas”, mas, sim, com informações que são, muitas vezes, contraditórias entre si. Desenvolvemos, então, um saber “relacional”, que nada mais é que outro “ponto de vista”, dentre muitos. Assumimos que possuímos informações pontuais, específicas e relativas, assim como todos os demais; não temos mais uma base estável e segura de saber, como acontecia em sociedades modernas e, também, tracionais (em cada uma, a seu jeito). O que ganhamos com a perda de Pró-reitoria de EaD e CCDD 20 segurança? Você ganha alguma coisa e, em troca, perde alguma outra coisa: a antiga norma mantém-se hoje tão verdadeira quanto o era então. Só que os ganhos e as perdas mudaram de lugar: os homens e as mulheres pós-modernos trocaram um quinhão de suas possibilidades de segurança por um quinhão de felicidade [...]. Os mal- estares da pós-modernidade provém [sic] de uma espécie de liberdade de procura do prazer que tolera uma segurança individual pequena demais. (Bauman, 1998, p. 10) Hoje, abrimos mão de nos sentir seguros – dentro de metanarrativas, que explicariam a nós mesmos, aos outros e ao mundo – em prol da busca por um prazer em potencial, presente a partir de novas experiências que, até então, não tínhamos a perspectiva (ou mesmo o interesse genuíno) de ter. Trocando Ideias Fórum: Sabemos que a sociedade do espetáculo é um fato dado, estamos imersos na cultura do consumo e das mídias. Agora, vamos refletir: quais são os aspectos positivos e negativos dessa conjuntura? Síntese Nesta aula, discutimos aspectos referentes à sociedade contemporânea do espetáculo. Falamos sobre as formas de produção do conhecimento e as relações entre o pensamento estruturalista e a pós-modernidade. Também discutimos aspectos importantes sobre a cultura, a indústria cultural e a sociedade do consumo. Finalmente, refletimos sobre as formas como a natureza do conhecimento, na atualidade, influencia nossavisão de mundo. Referências ANDRADE, P. da S. M. A veloz obsolescência dos aparelhos celulares: o que pensam e sentem jovens usuários dessa tecnologia. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. Pró-reitoria de EaD e CCDD 21 BAUDRILLARD, J. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 2008. BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. BURKE, P. Cultura popular na Idade Moderna. Europa, 1500-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2012. ESCOSTEGUY, A. C. Os estudos culturais. In: HOHLFELDT, A.; MARTINO, L. 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