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FACULDADE MAURICIO DE NASSAU
CURSO DE ADMINISTRAÇÃO
Profº Dr Stanley Braz
TÓPICOS INTEGRADORES
SUMÁRIO
ARQUIVO ORDEM
Plano de Aula
01
Cronograma
02
TEXTO ORDEM
Educação e direitos humanos: desafios para a escola contemporânea 03
Diversidade sexual e de gênero: a construção do sujeito social 04
Política de cotas no brasil: política social? 05
Comunicação de massa: algumas questões teóricas e metodológicas
06
Ementa: Conhecimentos Gerais, Direitos Humanos, Processos Sociais,
Diversidade social, problemas socioeconômicos;
COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS:
• Analisar a EDH no Contexto nacional;
• Compreender as diversidades sociais
• Refletir sobre os desafios da sociedade contemporânea
• Construir pensamentos críticos sobre a diversidade socioeconômica.
• Problematizar historicamente temas e questões contemporâneas,
pertinentes a construção critica profissional;
.
CONTEÚDO PROGRAMÁTICO:
UNIDADE I
Educação em direitos humanos: delimitações teóricas e metodológicas;
Diversidade Social;
Problemas socioeconômicos;
• UNIDADE II
Cotas e o seu contexto socioeconômico
PLANOS DE ENSINO
DATA
06/02/2018
CURSO:
ADMINISTRAÇAO DE EMPRESAS
NÚMERO:
PERÍODO
DISCIPLINA CARGA HORÁRIA
TÓPICOS INTEGRADORES 60 Prática
Gênero e suas implicações nas relações sociais;
• Globalização, migração ;
Metodologia do Ensino e Aprendizagem:
• As aulas serão ministradas com uso de estratégias diferenciadas de ensino, tais
como:
Círculo de debate e reflexão; Flipclass, situação problema.
• Apresentação de textos pelos alunos (seminário);
• Aulas expositivas dialogadas;
• Trabalhos em equipe: debates dirigidos;
• Discussões a partir da análise de filmes e músicas..
B) Recursos audiovisuais:
( X ) Lousa branca;
( X ) Laboratório de informática;
( X ) Projetor Multimídia;
C) Metodologia de Avaliação:
Formativa: avaliação processual com base na participação do aluno nas
atividades propostas e na sua intervenção em sala de aula.Somativa: Produção
de relatório com apresentação oral no final do semestre. O relatório diz respeito à
realização de pesquisa de campo com finalidade de observação do trabalho de
professores de história no ambiente de sala de aula. É válido ressaltar que esses
critérios estão seguindo a normatização dessa IES que determina que o
aluno: Estará automaticamente aprovado quando obtiver média igual ou superior
a 7,0 (sete); Estará automaticamente reprovado o aluno que obtiver média inferior
a 4,0 (quatro) e atingir o equivalente a 25% (vinte e cinco por cento) de faltas.
Observação: Priorizamos, quase sempre, a realização de atividades coletivas
durante o semestre, considerando que um dos objetivos do curso é possibilitar a
socialização de conhecimentos e horizontalizar as relações de aprendizagem.
BIBLIOGRAFIA BÁSICA:
BOBBIO, Noberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campos, 2004.
CANDAU, Vera M.; ANDRADE, Marcelo; LUCINDA, Maria da Consolação;
PAULO, Iliana; SACAVINO, Susana; AMORIM, Viviane. EDUCAÇAO EM
DIREITOS HUMANOS E FORMAÇAO DE PROFESSORES(AS). Coleção
Docência e Formação. Ed. Cortez. 1a ed., São Paulo, 2013.
CAPUCHO, Vera. Educação de Jovens e Adultos - Práticas Pedagógica e
Fortalecimento da Cidadania. Coleção Educação em Direitos Humanos. Ed.:
Cortez, São Paulo, 2012. RAYO, José Tuvilla. Educação em Direitos Humanos
Rumo a uma Perspectiva Global. 2 ed., Editora: Artmed, 2003.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
Brasil. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de
Educação em Direitos Humanos: Brasília: Secretaria Especial dos Direitos
Humanos, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO,2007 .
Declaração Universal dos Direitos Humanos . UNIC / Rio / OO5 – Dezembro
2000. Direitos humanos e globalização [recurso eletrônico] : fundamentos e
possibilidades desde a teoria crítica / org. David Sánchez Rúbio, Joaquín Herrera
Flores, Salo de Carvalho. – 2. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre :
EDIPUCRS, 2010.
ESTEVÃO, Carlos V. DIREITOS HUMANOS, JUSTIÇA E EDUCAÇÃO. Rev.
Educação, Sociedade e Culturas, no 25, 2007, 43-81.
SONIA, Kramer; BAZILIO, Luiz Cavalieri. INFANCIA, EDUCAÇAO E DIREITOS
HUMANOS. Ed.: Cortez, 201, São Paulo.
OLIVEIRA, Erival da S. Direito Constitucional Direitos Humanos. 2 ed. Editora
Revista dos Tribunais, 2011.
CRONOGRAMA
DATA CONTEÚDO ATIVIDADE ALUNO
07/02/2018
Apresentação do Plano Participação
08/02/2018
Leitura e Atividade sobre o texto
EDUCAÇÃO E DIREITOS HUMANOS:
DESAFIOS PARA A ESCOLA
CONTEMPORÂNEA
Atividade – retirada dos pontos
para a discussão
14/02/2018
Discussão do Texto EDUCAÇÃO E
DIREITOS HUMANOS: DESAFIOS
PARA A ESCOLA CONTEMPORÂNEA
Posicionamento através das
questões levantadas pelos
discentes
15/02/2018
Discussão do Texto EDUCAÇÃO E
DIREITOS HUMANOS: DESAFIOS
PARA A ESCOLA CONTEMPORÂNEA
Síntese do texto colocações do
professor
21/02/2018
Atividade Escrita do Texto :
EDUCAÇÃO E DIREITOS HUMANOS:
DESAFIOS PARA A ESCOLA
CONTEMPORÂNEA
Atividade Escrita
22/02/2018
Leitura e Atividade sobre o texto
Diversidade sexual e de gênero: a
construção do sujeito social
Atividade – retirada dos pontos
para a discussão
28/02/2018
Discussão do Texto: Diversidade sexual e
de gênero: a construção do sujeito social
Posicionamento através das
questões levantadas pelos
discentes
01/03/2018
Discussão do Texto: Diversidade sexual e
de gênero: a construção do sujeito social
Síntese do texto colocações do
professor
07/03/2018
Atividade Escrita Atividade Escrita
08/03/2018
Leitura e Atividade sobre o texto
Política de cotas no brasil: política social?
Atividade – retirada dos pontos
para a discussão
07/03/2018
Discussão do Texto Política de cotas no
brasil: política social?
Posicionamento através das
questões levantadas pelos
discentes
08/03/2018
Discussão do Texto : Política de cotas no
brasil: política social?
Síntese do texto colocações do
professor
14/03/2018
Atividade Escrita Atividade Escrita
15/03/2018
Leitura e Atividade sobre o texto
Comunicação de massa: algumas questões
teóricas e metodológicas
Atividade – retirada dos pontos
para a discussão
21/03/2018
Discussão do Texto: Comunicação de
massa: algumas questões teóricas e
metodológicas.
Posicionamento através das
questões levantadas pelos
discentes
22/03/2018
Discussão do Texto : Comunicação de
massa: algumas questões teóricas e
metodológicas.
Síntese do texto colocações do
professor
28/03/2018
Atividade Escrita Atividade Escrita
29/03/2018
Revisão Avaliação Revisão Avaliação
04/04/2018
Avaliação Avaliação
05/04/2018
Oficina de questões Oficina de questões
11/04/2018
Oficina de questões Oficina de questões
12/04/2018
Oficina de questões Oficina de questões
18/04/2018
Filme sobre migração Assistir Filme
19/04/18
Atividade Escrita sobre o filme Atividade Escrita
25/04/18 Oficina de questões Oficina de questões
26/04/18 Oficina Situação Problema Construção projeto
02/05/2018 Oficina Situação Problema Construção projeto
02/05/2018
Oficina SituaçãoProblema Construção projeto
03/05/2018 Oficina Situação Problema Construção projeto
09/05/2018 Oficina Situação Problema Construção projeto
10/05/2018 Apresentação Situação Problema Apresentação Projeto
16/05/2018 Apresentação Situação Problema Apresentação Projeto
17/05/2018 Apresentação Situação Problema Apresentação Projeto
23/05/2018 Apresentação Situação Problema Apresentação Projeto
24/05/2018 Apresentação Situação Problema Apresentação Projeto
30/05/2018
Apresentação Situação Problema Apresentação Projeto
30/05/2018 Revisão avaliação Revisão avaliação
06/06/2018 Avaliação Avaliação
07/06/2018 Revisão 2 Chamada Revisão 2 Chamada
13/06/2018 2 Chamada 2 Chamada
14/06/2018 Revisão Av final Revisão Av final
20/06/2018 Avaliação final Avaliação final
21/06/2018 Discussão Avaliação final Discussão Avaliação final
27/06/2018 Entrega avaliações Entrega avaliações
28/06/2018 Entrega avaliações Entrega avaliações
EDUCAÇÃO E DIREITOS HUMANOS: DESAFIOS PARA A ESCOLA
CONTEMPORÂNEA
ANGELA VIANA MACHADO FERNANDES* MELINA CASARI PALUDETO**
RESUMO: A educação voltada aos direitos humanos ainda não faz parte da
prática nem do currículo da escola brasileira. Em momen- tos de crise de valores
públicos e privados e da sociedade como um todo, torna-se imperativo que as
temáticas da igualdade e da dig- nidade humana não estejam inscritas apenas de
textos legais, mas que, igualmente, sejam internalizadas por todos que atuam
tanto na educação formal como na não formal.
Palavras-chave: Direitos humanos. Educação. Formação de professores.
EDUCATION AND HUMAN RIGHTS:
CHALLENGES FOR CONTEMPORARY SCHOOL
ABSTRACT: Education focused on Human Rights is not yet part of the practice or
curriculum of the Brazilian schools. In times when public and private values, and
the whole society are in crisis, the issue of equality and human dignity has not
only to be part of texts, but also to be internalized by anyone who works either in
formal or non-formal education.
Key words: Human rights. Education. Teachers training.
* Doutora em Educação e professora do Departamento de Ciências da Educação
e do Pro- grama de Pós-Graduação em Educação Escolar da Universidade
Estadual Paulista (UNESP, campus de Araraquara). E-mail:
angela@fclar.unesp.br
** Graduada em Sociologia pela UNESP e membro do Grupo de Pesquisa
“Educação, Juventu- de e Direitos Humanos”. E-mail:
mel_paludeto@yahoo.com.br
Cad. Cedes, Campinas, vol. 30, n. 81, p. 233-249, mai.-ago. 2010 233 Disponível
em <http://www.cedes.unicamp.br>
Educação e direitos humanos: desafios para a escola contemporânea
discussão internacional sobre direitos humanos iniciou-se logo após o
genocídio imposto pelo nazismo na Segunda Guerra, culminando com a
Declaração Universal dos Direitos Humanos
de 1948 e ratificada na Declaração Universal de Direitos Humanos de Viena, em
1993. Estas declarações introduzem uma concepção de direitos humanos
universais e indivisíveis. Entretanto, a discussão so- bre cidadania nos parece
preceder a dos direitos.
O estudo clássico de T. H. Marshall (1967) discorre sobre a evo- lução dos
direitos do cidadão diante das desigualdades inerentes à so- ciedade de classes.
É a cidadania, apoiada na igualdade entre os cidadãos e na participação plena
do indivíduo, em todas as instâncias, que per- mitirá que as desigualdades dos
sistemas de classes possam ser confron- tadas, ou seja, a desigualdade pode
ser aceitável, desde que a igualdade da cidadania seja reconhecida. Através do
desenvolvimento histórico dos direitos do cidadão na sociedade inglesa, o autor
focaliza o concei- to segundo uma tríplice dimensão: o direito civil, o político e o
social.
Os direitos civis referem-se às liberdades individuais, liberdade de ir e vir,
liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propri- edade e à conclusão
de contratos válidos e o direito à justiça. São os tribunais de justiça que
garantirão os direitos civis, através da igualda- de perante a lei.
Os direitos políticos garantem a participação dos indivíduos no exercício do poder
político, ora como membros de um organismo in- vestido de autoridade política
(partidos, sindicatos, associações), ora como eleitores dos membros de tal
organismo. As instituições encarre- gadas de garantir estes direitos são o
Parlamento e as câmaras represen- tativas locais.
Finalmente, os direitos sociais referem-se ao bem-estar econômi- co e segurança
ao direito de participar, por completo, na herança soci- al, levando uma vida de
ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade
(consumo, lazer, segurança). O sistema edu- cacional e os serviços sociais
deverão garantir estes direitos. A educação é um pré-requisito necessário à
liberdade civil, pois os direitos civis se destinam a ser utilizados por pessoas
inteligentes e de bom senso, que aprenderam a ler e escrever.
O autor discute a incorporação dos direitos civis, no século XVIII, dos direitos
políticos, no século XIX, e dos sociais, no século XX. são membros integrais da
sociedade. Os que o possuem são iguais com respeito aos direitos e deveres
pertinentes a este status. Indepen- dente da desigualdade de classes, a
igualdade de status é mais impor- tante que a igualdade de renda. Nesta
evolução, os direitos são enten- didos sempre como concessões e não como
conquistas.
É a partir destas categorias que o sistema internacional de pro- teção aos direitos
do homem enfatiza o que veio a ser denominado “era dos direitos”. Bobbio (1992)
afirma que o problema do funda- mento do direito está no que se tem de fato e no
que se gostaria de ter. Os direitos humanos são coisas desejáveis e merecem
ser persegui- dos. Pode-se afirmar que, de acordo com o contexto histórico,
novos direitos devem ser assegurados, o que nos leva a certo relativismo.
Pinsky (2003), por sua vez, afirma que ser cidadão é ter direito à vida, à
liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei, ou seja, ter direitos civis. É
também ter direitos políticos (votar e ser votado) e direitos civis, o que garante a
participação de todos na riqueza coletiva: trabalho, educação de qualidade,
salário justo, saúde, uma velhice tranquila, a informação não manipulada, a
proteção do planeta, infor- mações sobre a bioética e suas consequências,
alimentação saudável e para todos, enfim, o respeito às suas escolhas.
Estes só podem ser assegurados se houver um Estado democrá- tico que
entenda que todos são cidadãos livres e iguais em dignidade e direito. A
dignidade, nesse sentido, torna-se um valor fundamen- tal, essencial aos seres
humanos. Enquanto a Organização das Nações Unidas (ONU) construíam as
bases para sua Carta de Direitos Huma- nos, no Brasil vivíamos a total violação
dos direitos com a ditadura militar.
Miranda (2006, p. 33-36) afirma que foi durante a Ditadura que os direitos
humanos começaram a ser reivindicados pelos movi- mentos da sociedade civil.
Dentre estes, destacam-se: o Movimento Feminino pela Anistia e a luta da
Arquidiocese de São Paulo contra a tortura, abrigando humanamente os
perseguidos políticos em seu estabelecimento. A resistência a atos arbitrários
estendeu-se pelo país: de 1974 a 1978, muitos deputados e senadores ligados
ao partido MDB, oposição na época, conseguiram se eleger e denunciar
institucional- mente a violação dos direitos humanos.
Vários foram os fatos que marcaram os anos de 1970 e 1980. Em meados de
1985, o movimento pelas “Diretas Já” reuniu dife- rentes segmentos da
sociedade para eleições diretas para presidente da República. Mesmo não
obtendo sucesso, os diferentes grupos, movimentos sociais e comunidades de
base conseguiram participarda elaboração da Constituição, por meio das
emendas populares, plebis- cito e audiências públicas. Logo após a Constituição
de 1988, no Brasil, houve em 1989 a ratificação da Convenção de Haia, dos Di-
reitos da Criança e dos Adolescentes e, em 1990, foi aprovado o Esta- tuto da
Criança e do adolescente (ECA) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB
n. 9.394/1996).
O ECA (Lei n. 8.069 de julho de 1990), em suas disposições pre- liminares,
afirma que esta lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.
Considera-se criança até 12 anos incompletos e ado- lescente de 12 a 18 anos.
É dever da família, comunidade, sociedade e do poder público assegurar os
direitos à vida, saúde, alimentação, edu- cação, esporte, lazer, profissionalização,
cultura, dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar. Estes direitos serão
prioritários nas po- líticas públicas. Nenhuma criança ou adolescente deve sofrer
negligên- cias, discriminação, exploração etc.
A criança e o adolescente têm direito à liberdade, que compre- ende: direito de ir
e vir; de opinião e expressão; de crença e culto religioso; de brincar, praticar
esportes e divertir-se; de participar da vida comunitária sem discriminação. É
dever de todos velar pela dig- nidade de ambos, pondo-os a salvo de qualquer
tratamento desuma- no ou violento.
Ao mesmo tempo, o Estatuto prevê que toda criança e adoles- cente tem direito à
educação, sendo de sua obrigação visar o pleno desenvolvimento da pessoa,
preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho,
assegurando-lhes: igualdade de condi- ções para o acesso e permanência na
escola; direito de ser respeitado por seus educadores; direito de contestar
critérios avaliativos; direito de organização e participação em entidades
estudantis; acesso à esco- la pública e gratuita nas proximidades de sua
residência; é também dever do Estado assegurar ensino fundamental obrigatório
e gratuito (Artigo 208 da Constituição). Da mesma forma, os pais têm a obriga-
ção de matricular seus filhos na rede regular de ensino e os dirigentes de
estabelecimentos de ensino fundamental, o dever de comunicar ao Conselho
Tutelar (criado a partir desta lei) quando houver maus tra- tos, faltas injustificadas
e elevados níveis de repetência. Nesse sentido, deverão ser respeitados os
valores culturais, artísticos e históricos pró- prios do contexto social das crianças.
É proibido qualquer trabalho à criança até 14 anos (alterado para 16), ao
adolescente aprendiz até 14 anos é assegurada bolsa de aprendizagem. É
vedado trabalho noturno, insalubre e em horários que não permitam a frequência
à escola. Todos devem prevenir a viola- ção dos direitos das crianças e
adolescentes. As emissoras de rádio e tevê somente exibirão, no horário
recomendado, programas com finalida- des educativas. É proibida a venda de
armas, bebidas alcoólicas, fogos de artifício, bilhetes lotéricos etc.
O ECA afirma que a lei deveria ser implementada por meio de um conjunto de
ações governamentais e não governamentais, da União, estados, Distrito Federal
e municípios, por meio dos conselhos municipais, estaduais e nacional dos
direitos da criança e do adolescente.
O Estatuto trata, ainda, da prática de atos infracionais, dos direi- tos e garantias
das crianças e adolescentes mediante estes atos e das me- didas a serem
tomadas neste contexto de infração; define também as competências do
Conselho Tutelar; da justiça da infância e da juven- tude. De acordo com Miranda
(2006), cabe ao Conselho Tutelar iden- tificar crianças em situação de
negligência, miséria, abandono, explo- ração, violência, em qualquer lugar,
mesmo no ambiente doméstico, e encaminhá-las à rede de proteção dos direitos.
Após a elaboração e aprovação do ECA, pudemos observar dife- rentes
movimentos tanto de apoio e ampliação da lei como contra o espírito do estatuto.
A ideologia que perpassa os grupos que acredi- tam que esta lei é protecionista
está fundamentada tanto na meno- ridade penal, que passaria de 18 para 16
anos, como nas diferentes concepções sobre o trabalho infantil.
Contudo, antes de aprofundarmos nossa análise sobre direitos humanos e como
este aparece nos documentos oficiais, como os PCNEM e o PNEDH,
descreveremos nosso entendimento sobre educação como sendo este conceito,
em si mesmo, um direito humano. É na educa- ção como prática de liberdade, na
reflexão, que o indivíduo toma para si seus direitos como fatos e realidade. O
grande diferencial, neste momento, encontra-se no processo educativo, ou seja,
na transmissão de conhecimentos anteriormente adquiridos em vivência social,
que cada região ou país carrega consigo como história. E é por isso que a
educação, seja ela familiar, comunal ou institucional, se constitui como um direito,
um direito humano. É, pois, através dela que reconhece- mos o outro, os valores,
os direitos, a moral, a injustiça, nos comuni- camos, ou seja, os elementos que
nos cercam enquanto indivíduos so- ciais. Aliás, o movimento da história se faz
possível através da transmissão às novas gerações das aquisições prévias da
cultura huma- na, isto é, através da educação.
Entendendo que a educação é um direito, as lutas pela educação pública,
gratuita, obrigatória e laica ganham espaço no contexto naci- onal. Observa-se, a
partir do final da década passada e início desta, a expansão do ensino
fundamental e a abertura para novas vagas no ensi- no médio; o Estado começa
a focar na educação básica, influenciado pelas exigências das instituições
financeiras internacionais, como FMI e Banco Mundial.
O direito ao acesso à educação básica, pelos dados do IBGE de 2000, ainda não
tinha sido universalizado, pois 3,95% da população de 7 a 9 anos e 6,39% de 10
a 14 anos estavam fora da escola; dos analfabetos funcionais e absolutos,
42.844.220 de pessoas acima de 10 anos, ou seja, 31,4% da população desta
faixa etária, ainda não liam nem escreviam.
Além do acesso, a permanência, que deveria ser mantida, não o foi. Os índices
de evasão e repetência eram de 19,5% em 2002. De 100 alunos que tinham
acesso ao ensino fundamental, apenas 59 ter- minavam a oitava série e 40
chegavam ao final de ensino médio (MEC/ INEP, 2002).
Assegurar o direito à educação significa não só o acesso e per- manência, mas a
qualidade do ensino, estruturas escolares adequadas, condições básicas de
trabalho aos profissionais da escola, enfim, tor- nar as leis um fato, ou seja, sair
do texto e se direcionar para o con- texto.
Sendo assim, o acesso e a permanência se configuram como sendo uma das
discussões que permeiam os direitos humanos volta- dos à educação. Porém,
existem aquelas que se concentram no âmbi- to moral e ético, defendendo que
estes valores deveriam se apresentar como inerentes ao processo educativo, ou
seja, não se trata do como ensinar ou do que ensinar, mas a partir de quais
princípios está base- ada a educação.
Assim, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) afirmam, logo em sua
introdução, que a cidadania deve ser compreendida como produto de histórias
sociais protagonizadas pelos grupos sociais, sen- do, nesse processo,
constituída por diferentes tipos de direitos e ins- tituições. O debate sobre a
questão da cidadania é hoje diretamente relacionado com a discussão sobre o
significado e o conteúdo da demo- cracia, sobre as perspectivas e possibilidades
de construção de uma sociedade democrática. A democracia pode ser entendida,
em um sen- tido restrito, como um regime político. Para Bobbio (1986, p. 18), ela
deve ser entendida como
(...) um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem
está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedi- mentos. (...)
A regra fundamental da democracia é a regra da maioria, na qual sãoconsideradas as decisões coletivas.
Um dos primeiros princípios é o da igualdade. De acordo com Comparato (2004),
a desigualdade é a marca registrada da sociedade brasileira, desde seus
primórdios. Além da desigualdade econômica, o autor afirma que nossos
costumes e nossa ordem social possibilitam as diferenças sociais e, no Brasil,
não existe um respeito pela lei; ela é uma regra geral abstrata que põe todos em
pé de igualdade, o que não coin- cide em nada com a realidade. Vivemos em um
regime de organização patrimonialista que não se propõe a igualdade, mas a
indiferença pelos pobres, pelos moradores de rua, pelas favelas, pelos negros,
pelos “com” educação e “sem” educação.
Outro princípio é o da tolerância e respeito à diversidade cultu- ral. A ideia de
cidadania contempla direitos civis, sociais, políticos e econômicos, os quais são a
base da democracia. Bobbio (2002) afirma que a tolerância implica o uso da
persuasão perante os que pensam di- ferente de nós, e não a imposição. A
tolerância implica o reconheci- mento de conviver com ideias opostas sem tornar
as opiniões irredu- tíveis. Soares (2006) compreende que os direitos humanos
estão ligados a valores culturais e, por isso, é importante o olhar multicultural em
relação ao outro.
O modo de produção capitalista tornou a educação um instru- mento de
reprodução das desigualdades inerentes ao sistema de clas- ses. E a sociedade
de consumo trouxe consigo a ideia de concorrência, na qual os consumidores
tornaram-se mercadorias. Neste sentido, Saviani (2004, p. 157) justifica a falta de
investimento no setor edu- cacional decorrente da prioridade política brasileira,
que teria maior in- teresse em investir em setores privados ou até mesmo em
outros seto- res, do que na educação, devido a um caráter “da própria estrutura
da sociedade capitalista que subordina invariavelmente as políticas sociais à
política econômica”, adquirindo esta um caráter financeiro que pas- sará a
assumir as políticas sociais, dando origem à “abordagem neoliberal das políticas
públicas”. Igualdade e direitos humanos em um mundo pela globalização
neoliberal excludente não se coadunam, daí a necessidade do respeito a ideias
como o multiculturalismo.
O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), de 2006, afirma
que a educação em direitos humanos é compreendida como um processo
sistemático e multidimensional que orienta a for- mação do sujeito de direitos,
articulando as seguintes dimensões:
a) apreensão de conhecimentos historicamente construídos so- bre direitos
humanos e a sua relação com os contextos interna- cional, nacional e local;
b) afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expres- sem a cultura dos
direitos humanos em todos os espaços da so- ciedade;
c) formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer presen- te nos níveis
cognitivo, social, ético e político;
d) desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de construção
coletiva, utilizando linguagens e materiais didáti- cos contextualizados;
e) fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e
instrumentos em favor da promoção, da proteção e da defesa dos direitos
humanos, bem como da reparação das viola- ções. Sendo a educação um meio
privilegiado na promoção dos direitos humanos, cabe priorizar a formação de
agentes públicos e sociais para atuar no campo formal e não formal, abrangendo
os sistemas de educação, saúde, comunicação e informação, jus- tiça e
segurança, mídia, entre outros. (Brasil, 2006)
O documento assinala que, desse modo, a educação é compre- endida como um
direito em si mesmo e um meio indispensável para o acesso a outros direitos. A
educação ganha, portanto, mais impor- tância quando direcionada ao pleno
desenvolvimento humano e às suas potencialidades, valorizando o respeito aos
grupos socialmente excluídos. Essa concepção de educação busca efetivar a
cidadania ple- na para a construção de conhecimentos, o desenvolvimento de
valo- res, atitudes e comportamentos, além da defesa socioambiental e da justiça
social.
Nos termos já firmados no Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos
(PMDH, 2005, p. 25),
(...) a educação contribui também para: a) criar uma cultura universal dos direitos
humanos; b) exercitar o respeito, a tolerância, a promoção e a valorização das
diversidades (étnico-racial, religiosa, cultural, geracional, territorial, físico-
individual, de gênero, de orientação sexual, de nacio- nalidade, de opção política,
dentre outras) e a solidariedade entre povos e nações; c) assegurar a todas as
pessoas o acesso à participação efetiva em uma sociedade livre.
Os temas transversais – contidos nos PCN – enfatizam a impor- tância do
trabalho com valores que, por sua vez, requerem uma refle- xão ética como eixo
norteador, por envolver posicionamentos e concep- ções a respeito de suas
causas e efeitos, de sua dimensão histórica e política.
A ética é um dos temas mais trabalhados do pensamento filosó- fico
contemporâneo (Brasil, 1996). A reflexão ética traz à luz a discus- são sobre a
liberdade de escolha. A ética interroga sobre a legitimidade de práticas e valores
consagrados pela tradição e pelo costume. Abran- ge tanto a crítica das relações
entre os grupos, dos grupos nas institui- ções e ante elas, quanto a dimensão das
ações pessoais. Trata-se, por- tanto, de discutir o sentido ético da convivência
humana nas suas relações com várias dimensões da vida social: o ambiente, a
cultura, o trabalho, o consumo, a sexualidade, a saúde.
“A educação em direitos humanos, ao longo de todo o processo de
redemocratização e de fortalecimento do regime democrático, tem buscado
contribuir para dar sustentação às ações de promoção, prote- ção e defesa dos
direitos humanos, e de reparação das violações” (Bra- sil, 2006, p. 26).
Entretanto, o modelo educacional decorrente dos va- lores sociais não tem sido
bem visto pela sociedade e por técnicos que atuam no contexto educacional. A
instituição escolar não tem conse- guido se transformar, ainda que seja um
espaço privilegiado para atua- ção e reflexão.
Não existem agentes institucionais que dêem conta de trabalhar temas como
prevenção a drogas, violência, sexualidade, alteridade, éti- ca, entre outros.
Porém, o documento afirma que a “consciência sobre os direitos individuais,
coletivos e difusos tem sido possível devido ao conjunto de ações de educação
desenvolvidas, nessa perspectiva, pelos atores sociais e pelos(as) agentes
institucionais que incorporaram a pro- moção dos direitos humanos como
princípio e diretriz” (idem, ibid.). A implementação do PNEDH visa, sobretudo,
242
(...) difundir a cultura de direitos humanos no país, o que prevê a dis- seminação
de valores solidários, cooperativos e de justiça social, uma vez que o processo
de democratização requer o fortalecimento da sociedade civil, a fim de que seja
capaz de identificar anseios e demandas, trans- formando-as em conquistas que
só serão efetivadas, de fato, na medida em que forem incorporadas pelo Estado
brasileiro como políticas públi- cas universais. (Brasil, 2006, p. 26)
São objetivos gerais do PNEDH:
a) destacar o papel estratégico da educação em direitos humanos para o
fortalecimento do Estado democrático de direito; b) enfatizar o papel dos direitos
humanos na construção de uma sociedade justa, equitativa e de- mocrática; c)
encorajar o desenvolvimento de ações de educação em di- reitos humanos pelo
poder público e pela sociedade civil, por meio de ações conjuntas; d) contribuir
para a efetivação dos compromissos inter- nacionais e nacionais com a educação
em direitos humanos; e) estimular a cooperação nacional e internacional na
implementação de ações de educação em direitos humanos; f ) propor a
transversalidadeda educa- ção em direitos humanos nas políticas públicas,
estimulando o desenvol- vimento institucional e interinstitucional das ações
previstas no PNEDH nos mais diversos setores (educação, saúde, comunicação,
cultura, segu- rança e justiça, esporte e lazer, entre outros); g) avançar nas ações
e pro- postas do Programa Nacional de Direitos Humanos, no que se refere às
questões da educação em direitos humanos; h) orientar políticas educa- cionais
direcionadas para a constituição de uma cultura de direitos hu- manos; i)
estabelecer objetivos, diretrizes e linhas de ações para a elabo- ração de
programas e projetos na área da educação em direitos humanos; j) estimular a
reflexão, o estudo e a pesquisa voltados para a educação em direitos humanos;
k) incentivar a criação e o fortalecimento de institui- ções e organizações
nacionais, estaduais e municipais na perspectiva da educação em direitos
humanos; l) balizar a elaboração, implementação, monitoramento, avaliação e
atualização dos planos de educação em di- reitos humanos dos estados e
municípios; m) incentivar formas de aces- so às ações de educação em direitos
humanos a pessoas com deficiência. (Brasil/PNEDH, 2006, p. 26-27)
Por outro lado, os PCN elaborados em 1997 indicam, entre ou- tros, como
objetivos do ensino fundamental, que os alunos sejam ca- pazes de:
compreender a cidadania como participação social e política, assim como
exercício de direitos e deveres políticos, civis e so- ciais, adotando, no dia a dia,
atitudes de solidariedade, coo- peração e repúdio às injustiças, respeitando o
outro e exigin- do para si o mesmo respeito; posicionar-se de maneira crítica,
responsável e construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo
como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas; conhecer
características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais, materiais e
culturais, como meio para construir progressivamente a noção de identidade
nacional e pessoal e o sentimento de pertinência ao país.
A temática da
pluralidade cultural nos temas transversais, nas Diretrizes Curriculares do
governo federal, diz respeito ao conheci- mento e à valorização de características
étnicas e culturais dos diferentes grupos sociais que convivem no território
nacional, às desigualdades socioeconômicas e à crítica às relações sociais
discriminatórias e excludentes, que permeiam a sociedade brasileira, oferecendo
ao aluno a possibilidade de conhecer o Brasil como um país complexo,
multifacetado e, algumas vezes, paradoxal. Este tema propõe uma concepção
que busca explicitar a diversidade étnica e cultural que compõe a sociedade
brasileira, compreender suas relações, marcadas por desigualdades
socioeconômicas, e apontar transformações neces- sárias, oferecendo elementos
para a compreensão de que valorizar as diferenças étnicas e culturais não
significa aderir aos valores do ou- tro, mas respeitá-los como expressão da
diversidade, respeito que é, em si, devido a todo ser humano, por sua dignidade
intrínseca, sem qualquer discriminação. A afirmação da diversidade é traço
funda- mental na construção de uma identidade nacional que se põe e se re- põe
permanentemente, tendo a Ética como elemento definidor das re- lações sociais
e interpessoais.
Ao contrário, principalmente no que se refere à discriminação, segundo o
documento, é impossível compreendê-la sem recorrer ao contexto
socioeconômico em que acontece e à estrutura autoritária que marca a
sociedade. As produções culturais não ocorrem “fora” de rela- ções de poder:
são, por sua vez, constituídas e marcadas por ele, envol- vendo um permanente
processo de reformulação e resistência. Ambas, desigualdade social e
discriminação, articulam-se no que se conven- cionou denominar “exclusão
social”, ou seja, impossibilidade de acesso aos bens materiais e culturais
produzidos pela sociedade e de partici- pação na gestão coletiva do espaço
público – pressuposto da democra- cia (Brasil, 1996).
Entretanto, assinala o documento, apesar da discriminação, da injustiça e do
preconceito que contradizem os princípios da dignidade, do respeito mútuo e da
justiça, paradoxalmente, o Brasil tem produzido também experiências de convívio
e reelaboração das culturas de origem, constituindo algo intangível que se tem
chamado de brasilidade, que permite a cada um reconhecer-se como brasileiro.
Por isso, no cenário mundial, o Brasil representa uma esperança de superação
de fronteiras e de construção da relação de confiança na humanidade. A
singularidade que permite esta esperança é dada por sua constituição histórica
peculiar no campo cultural.
O que se almeja, portanto, ao tratar de pluralidade cultural, não é a divisão ou o
esquadrinhamento da sociedade em grupos culturais fechados, mas o
enriquecimento propiciado a cada um e a todos pela pluralidade de formas de
vida, pelo convívio e pelas opções pessoais, assim como o compromisso ético de
contribuir com as transformações necessárias à construção de uma sociedade
mais justa. Reconhecer e valorizar a diversidade cultural é atuar sobre um dos
mecanismos de discriminação e exclusão, entraves à plenitude da cidadania para
todos e, portanto, para a própria nação (Brasil, 1996).
Formação de professores para/em direitos humanos
Em relação à formação de professores para/em direitos humanos, podemos
constatar que ainda é recente e, num certo sentido, tímida a introdução desta
temática ao conteúdo formativo dos docentes em geral. Isso se deve ao fato de
serem poucos os sistemas de ensino, os centros de formação de educadores e
de organizações que trabalham nesta perspectiva. Somado a isso, a
desvalorização docente parece senso comum.
O documento do PNEHD propõe que o professor insira a educação em direitos
humanos nas diretrizes curriculares; integre esta educação aos conteúdos,
metodologias e formas de avaliação dos sistemas de ensino; estimule os
professores e colegas à reflexão e discussão do mesmo; desenvolva uma
pedagogia participativa; torne a educação em direitos humanos um elemento
relevante aos alunos, em todos os níveis; fomente a discussão de temas como
gênero e identidade, raça e etnia, orientação sexual e religião, entre outras; apoie
a formação de grêmios e conselhos escolares. Enfim, são 27 pontos de
orientação para que a equipe escolar trabalhe a temática com os alunos e a co-
munidade.
A inclusão de novos conteúdos a serem trabalhados por profes- sores na
educação formal prescinde da ideia que os mesmos tenham sobre o ECA ou
mesmo sobre direitos. Infelizmente, no Brasil, ainda não superamos a ideia de
que propostas, leis e ações programáticas devem ser discutidas com os
docentes. São estes os atores dos quais podemos obter ou não adesão frente a
um novo paradigma. A educação infor- mal, ou seja, em grupos marginalizados
por etnia, gênero, dependen- tes químicos, jovens oriundos da Fundação CASA,
classe social, entre ou- tros, parece obter maior resultado quando se discute
valores, direitos e deveres.
Nesse aspecto, nos aponta Candau (2008, p. 83), um ponto de partida que se
considera fundamental é não conceber os profes- sores como “meros técnicos,
instrutores, responsáveis unicamente pelo ensino de diferentes conteúdos e por
funções de normalização e disciplinamento”. Para que haja, de fato, a formação
de professores em direitos humanos, é necessário que estes sejam percebidos
como profissionais mobilizadores de processos pessoais e grupais de natureza
cultural e social.
É difícil implementar uma política sem que haja um engaja- mento maior, não só
de professores, mas da família da comunidade e, principalmente, do Estado.
Como discutir impunidade com alunos que assistem a um “tudo acaba em pizza”
por parte de quem está no poder? A relação escola-sociedade é dialéticae exige
profundas refle- xões em tempos de medo, da publicidade do que é privado, da
inércia de diretores, professores e pais que parecem desistir da moral, da ética. A
educação multicultural vem introduzindo novos valores, como africanidades
brasileiras e igualdade para todos, e tenta ressignificar o olhar para os
marginalizados. Nesse sentido, o Plano Nacional de Di- reitos Humanos pode e
deve contribuir não só para o debate, mas para a implementação de políticas
inclusivas na rede de ensino regular.
A propagação dos PNEDH vem obrigando as universidades e ou- tros centros de
formação de professores a cada vez mais discutirem e tomarem posição em
relação ao conteúdo abordado neles, principal- mente no que concerne aos
temas transversais e à relação entre trans- versalidade e interdisciplinaridade
como causa primária da organização curricular. Assim, para uma prática em
direitos humanos, não se faz ne- cessário que se introduza uma disciplina
específica, mas que se entenda o currículo ora como interdisciplinar, ora como
transversal. Ou seja, a necessidade é que se compreenda a problemática dos
direitos humanos como algo capaz de impregnar todo o processo educativo,
questionar as diferentes práticas desenvolvidas na escola, desde a seleção dos
conteú- dos até os problemas de organização escolar. Sem dúvida que este não
é papel único do docente em sala de aula, mas de uma sociedade que se diz
democrática e que pode possibilitar uma educação libertadora. En- tretanto, isso
só ocorrerá quando assumirmos nossos preconceitos e nos- sas dificuldades em
aceitar o outro tal qual se configura.
Considerações finais
Ao que nos parece, já caminhamos um pouco para uma prática que efetivamente
contenha os princípios dos direitos humanos, basta referirmo-nos aos PNEDH,
aos PCNEM, a projetos de organizações não go- vernamentais (ONGs) que
trabalham em locais onde o Estado não chega, como as periferias urbanas que
acolhem os sem-trabalho, os sem escola, os sem casa, os sem direitos. Outros
representam as incansáveis tentativas de implementação desta problemática nas
licenciaturas por todo o país, principalmente em função daquilo que o Brasil tem
representado no cenário mundial: uma esperança de superação de fronteiras e
de construção da relação de confiança na humanidade. Dados reais bastante
representativos, mas que ainda não contemplam a totalidade da realidade
brasileira. A educação voltada para os direitos humanos ainda não faz parte da
prática nem do currículo da escola como deveria. Em momentos de crise de
valores públicos e privados e da sociedade como um todo, torna-se imperativo
que a temática da igualdade e da dignidade humana não faça parte apenas de
textos legais, mas que, igualmente, seja internalizada por todos que atuam tanto
na educação formal como na não formal. E aqui podemos propor não só revisão
curricular, mas a formação docente para que inclua em seu programa os direitos
humanos, que são para todos e cuja proposta aconteça de fato e de direito.
Recebido em abril de 2010 e aprovado em agosto de 2010.
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ATIVIDADE
TRECHO DO TEXTO CONCEPÇÃO DO DISCENTE SOBRE O TRECHO
TRECHO DO TEXTO CONCEPÇÃO DO DISCENTE SOBRE O TRECHO
Atividade Escrita
Posicione-se criticamente sobre a temática do texto, levando em consideração
os aspectos científicos e evitando falas do senso comum.
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DIVERSIDADE SEXUAL E DE GÊNERO: A CONSTRUÇÃO DO SUJEITO
SOCIAL
SEXUAL DIVERSITY AND GENDER: THE SOCIAL CONSTRUCTION OF
THE
SUBJECT
Ariana Kelly Leandra Silva da Silva
Universidade Federal do Pará (UFPA)
Resumo
O artigo discute a Diversidade Sexual e de Gênero enquanto
possibilidade de construção de sujeitos sociais críticos, que reproduzam
em sociedade uma nova mentalidade em relação à orientação sexual,
dirimir o preconceito e encontrar mecanismos para que a violência de
gênero sejamitigada. O objetivo é ponderar sobre a construção do sujeito
crítico e participante em sociedade. O método de pesquisa é a análise
qualitativa sobre o tema. Os resultados apontam à reflexão filosófica
sobre estigmas da sexualidade humana. Concluímos informando que a
educação de gênero e diversidade é um caminho eficaz para suscitar
debates em torno da negatividade do preconceito sexual e que relações
de poder em sociedade possam ser reexaminadas como decorrência de
um país mais harmonioso socialmente.
Palavras-chave: diversidade; sexualidade; gênero; construção social.
Abstract
The article discusses the Sexual and Gender Diversity as a possibility of
building critical social subjects, which reproduce a new mentality in
society in relation to sexual orientation, dispel prejudice and find ways that
gender violence is mitigated. The goal is to ponder the construction of
critical subject and participant in society. The research method is
qualitative analysis on the subject. The results point to the stigma of
philosophical reflection on human sexuality. He concluded by stating that
education and gender diversity is an effective way to provoke discussion
around the negativity of sexism and power relations in society can be
reviewed as a result of a more socially harmonious.
Keywords: diversity; sexuality; gender; social construction.
Resumen
El artículo aborda la diversidad sexual y de género como una posibilidad
de la construcción de sujetos sociales críticos, que reproducen una nueva
mentalidad en la sociedad en relación con la orientación sexual, disipar
prejuicios y encontrar mecanismos de la violencia de género se mitiga. El
objetivo es reflexionar sobre la construcción de sujetos y participante
fundamental en la sociedad. El método de investigación es un análisis
cualitativo sobre el tema. Los resultados apuntan a la reflexión filosófica
sobre los estigmas de la sexualidad humana. Concluimos afirmando que
la educación y la diversidad de género es una forma eficaz de aumentar
los debates sobre la negatividad del sexismo y relaciones de poder en la
sociedad puede ser revisado como consecuencia de un país socialmente
más armonioso.
Palabras clave: diversidad; sexualidad; género; construcción social.
Introdução
A tutela da diversidade das culturas1 (Lévi-Strauss, 2006) em nossa
contemporaneidade confere aos processos de convivência social uma atitude
reflexiva do que entendemos ou interpretamos, necessariamente, a guisa da
“diversidade”, qual seja: social, cultural, política, sexual, econômica, jurídica,
estrutural, ambiental, biológica, de gênero, de gostos, de raças, etnias, credos e
assim sucessivamente.
O âmbito da discussão engloba variados aspectos da vida social – de
sociabilidades2 (Simmel, 2006) – que, a priori, fazem parte de uma construção
social (GDE, Mod. 2, Un. 1, Texto 4) que lida com todas as formas de
comportamento em sociedade: gestos, práticas culturais, estilos de vida,
religiosidades, ética, ritos, crenças, valores morais e etc., além de discursos
sobre sexualidade, educação, saúde – individual e coletiva –, gênero e cultura
em geral.
1 “[...] a noção da diversidade das culturas humanas não deve ser concebida de maneira estática. Esta diversidade não é a
mesma dada por um corte de amostras inerte ou por um catálogo dissecado. É indubitável que os homens elaboraram
culturas diferentes em virtude do seu afastamento geográfico, das propriedades particulares do meio e da ignorância em
que se encontravam em relação ao resto da humanidade, mas isso só seria rigorosamente verdadeiro se cada cultura ou
cada sociedade estivesse ligada e se estivesse desenvolvido no isolamento de todas as outras. Ora isso nunca aconteceu
[...]. Por conseguinte, a diversidade das culturas humanas não nos deve induzir a uma observação fragmentária ou
fragmentada. Ela é menos função do isolamento dos grupos, que das relações que os unem”. (Lévi-Strauss, Raça e
História, 2006, p. 15-16).
2 “[...] Kant estabeleceu como princípio do direito que cada qual deveria ter sua medida de liberdade na coexistência com a
liberdade do outro. Quando nos atemos ao impulso sociável como fonte ou também como substância da sociabilidade,
vemos que o princípio segundo o qual ela se constitui é: cada qual deve satisfazer esse impulso à medida que for
compatível com a satisfação do mesmo impulso nos outros. Expressando esse princípio a partir do êxito, e não do
impulso, torna-se possível formular da seguinte
A compreensão da sexualidade (Foucault, 2003) – que é diversa – e suas
relações sociais da atualidade requerem a discussão de par em par de
abordagens educativas com o intuito de contextualizar simbologias, técnicas,
experiências e representações sociais que envolvam a Escola, a Família, o
Estado, as Políticas Públicas, os campos Jurídico e da Saúde, assim como as
articulações e organizações da Sociedade Civil no que tange aos Direitos
Humanos, Direitos Sexuais, Preconceitos e Discriminações – muitas vezes
veladas –, como também regulamentações através de Leis, Normas e padrões
de comportamento que impõem regras sociais e relações de poder que, por
vezes, contribuem para a reprodução de violências e deturpação da realidade
social, especialmente nos casos de agressões físicas e emocionais a alguns
grupos como de mulheres, homossexuais, afrodescendentes, indígenas, entre
outros. maneira o princípio da sociabilidade: cada indivíduo deve garantir ao
outro aquele máximo de valores sociáveis (alegria, liberação, vivacidade)
compatível com o máximo de valores recebidos por esse indivíduo. Assim como
a lei kantiana é inteiramente democrática, esse princípio também mostra a
estrutura democrática de toda sociabilidade”. (Simmel, G. Questões
fundamentais da sociologia, 2006, p. 68-69).
As relações de gênero3 (Scott 2009; GDE, Mod. 2, Texto 2, 2009) moldam os
sujeitos sociais que compõem o cenário da diversidade sexual (França, 2005) e
são categorias de análise que devem ser levados aos diversos espaços públicos
a fim de fomentar discussões e debates a respeito dos mesmos, no qual a Escola
é o lugar sui generis de estabelecimento de uma retórica que seja pensada a
partir da própria diversidade, repleta de nuances e classificações que devem
acompanhar fatos, cotidianos, escalas econômicas, aspectos socioculturais e a
vivência de alunos e alunas das redes públicas e privadas.
As anunciadas diferenças – em sentido literal – entre meninos e meninas na
sociedade são evidenciadas desde o nascimento: meninas usam roupas "rosas";
meninos, "azuis"... Durante o desenvolvimento cognitivo, ambos são educados a
brincar de "boneca" ou de "carrinho"; de "panelinha" ou de "futebol", demarcando
a “delimitação do espaço" de cada um, ou seja, a "boneca" (personificação de um
bebê de colo, do ato da maternidade) e a "panelinha" (a “cozinha”) assim como o
"carrinho" ("homem" ao volante) e o "futebol" (esporte "de homem") influenciam e
reforçam a ideologia que reproduz a "submissão" feminina e a sobreposição
masculina no status quo que designa a decodificação dos "papéis sociais" e as
atitudes "inconscientes", finalizando na inculcação do "modo de vida" das
relações de gênero dispostas tradicionalmente, apenas para exemplificarmos as
situações que ocorrem ao
3 “Sexualidade e gênero são dimensões diferentes que integram a identidade
pessoal de cada indivíduo. Ambos surgem, são afetados e se transformam
conforme os valores sociais vigentes em uma dada época. São partes, assim, da
cultura, construídas em determinadoperíodo histórico, ajudando a organizar a
vida individual e coletiva das pessoas. Em síntese, é a cultura que constrói o
gênero, simbolizando as atividades como masculinas e femininas” (GDE, Mod. 2,
Gênero, Um. 1 Texto 2, Gênero e outras formas de classificação, p. 3, Ministério
da Educação, UFPA, 2009). longo do processo de formação da criança, como
provavelmente muitos de nós nos deparamos na infância.
No tocante ao espaço educacional, os "papéis" continuam a se reproduzir,
principalmente nos acontecimentos "lúdicos" de dança, teatro, esportes e outras
manifestações que ocorrem na Instituição Escola. As "territorialidades" são
exemplificadas através de atividades para "meninos" e "meninas" como regras
sociais, com códigos e significados que indicam "feminilidade" e "masculinidade"
– no sentido estrito –, de "normalidade" (GDE, Mod. 3, Texto 1, 2009), de funções
sociais previamente determinadas e categoricamente indiscutíveis, logo,
culturalmente impostas. Se uma menina se inscreve no time de futebol ou um
menino no grupo de dança a "normalidade" é vista de forma pejorativa,
"instintivamente" preconceituosa, ferindo de maneira ampla a "feminilidade" e a
"masculinidade" indicada como regra e a partir desse juízo de valor – e de outros
–, criam-se estigmas, fofocas, rótulos, dúvidas, depreciações e julgamentos sem
precedentes.
O preconceito sexual – que se estimula
– através de "piadinhas", "brincadeiras" e várias maneiras de bullying4 surge
como que automatizado e, muitas vezes, encontra-se estereotipado à luz do
comportamento conservador que ainda está presente em diversos "Aparelhos
Ideológicos do Estado"
(Althusser, 2007) como nas Escolas, nas Igrejas, na própria Família, etc. Sobre o
preconceito, a segregação e o estigma é fato que precisamos "descongelar" as
atitudes que causam violências e interiorizações na sociedade e congelar,
combater, impedir a diversidade sexual e de gênero: a construção do sujeito
social intolerância de tal forma que possamos orientar a capacidade cognitiva e
formativa do ser humano para que, finalmente, seja um indivíduo eminentemente
humano. Reitero dizendo que o ser humano precisa se “humanizar”, conhecer
direitos, desenvolver aspectos sociais da vida cidadã, manifestar suas
inquietudes e conquistar referências de respeito mútuo, especialmente entre as
chamadas minorias sociais5.
É inconcebível que no Sistema Educacional não façamos tamanha
discussão. A própria Escola enquanto Instituição precisa aprimorar
conhecimentos e compreender que a sociedade é dinâmica, que caminha em
constante transformação histórica e que os aclamados processos educacionais
baseados na Teoria da Educação necessitam de práxis social – sem
"pragmatismos" forçados – para que ações concretas, eficazes, de diálogos e
reconhecimentos de que podemos – e devemos – transmutar o desnivelamento
social, cultural e simbólico que ainda "habita" o ensino brasileiro (assim como o
todo social) sejam de fato, fatos.
4 Bullying é o uso do poder ou da força para intimidar ou perseguir os outros na escola (school place bullying) ou no
trabalho (work place bullying). As vítimas dessa intimidação repetida e recorrente são normalmente pessoas que sem
defesas são incapazes de motivar outras para agir em seu apoio. Site:
http://www.observatoriodainfancia.com.br/rubrique.p hp3?id_rubrique=19
Nesse contexto, o processo que deve ser iniciado começa por mudanças de
valores sociais que se mostrem conservadores, com a “quebra” de paradigmas
que reproduzam preconceitos e que devem ser conquistados através de
modificações profundas das estruturas estruturantes, como diria Bourdieu (2003),
englobando a sociedade em longo prazo, sendo inegável o sintoma das relações
de poder que perpetuam violências e regras sociais específicas, como os
padrões culturais “heterossexuais”, a saber: o Casamento, a Família Tradicional,
o sexo “apenas” entre pessoas de gêneros opostos e demais formas de
padronização de comportamentos sexuais e sociais.
Ressignificar valores como a ética, o respeito mútuo e atitudes práticas de
combate às delimitações e estereótipos de "masculinidade" e "feminilidade", são
possibilidades educacionais necessárias para que os comportamentos citados
sejam revistos e (re) avaliados na vida social e cultural, e, finalmente, as
rotulações e as imposições ideológicas e simbólicas entrem em debate. O
aprendizado da liberdade humana "está dentro da cabeça” 6, como diria o poeta.
Não vamos longe: não é à toa que Marta7, no “país do futebol” masculino – leia-
se Brasil – é a melhor jogadora de futebol do Planeta, pelo quinto ano
consecutivo, quebrando um "paradigma", confundindo a regra da coerção dos
fatos sociais de "normalidade" apenas com o seu "talento natural" e, a partir de
fatos como esse, como num “ponta pé”, é urgente que a abertura de discussões
seja analisada em torno das relações de gênero e dos preconceitos velados – e
anunciados – na Sociedade Brasileira.
5 “Numa sociedade global uma minoria é uma sociedade particular caracterizada por aspirar a um modo de viver próprio
que a distingue do conjunto e que, de certo modo, a põe à parte. Uma minoria não está necessariamente afastada ou
isolada da sociedade nacional. É por isso que nem sempre se identifica com um grupo marginal e não é necessariamente
objeto de segregação. Uma minoria constitui-se como coletividade ou comunidade particular na base da raça, da língua,
da religião ou de um gênero de vida e de cultura muito diferentes do resto do país ou conjunto. Deste modo se criam
ligações afetivas e afinidades que tendem a afastar este grupo do resto da população ainda que ele se encontre disperso”
(Dicionário de Ciências Sociais Alain Birou, Publ. D. Quixote, nº5, Lisboa 1982).
2. Preconceito enquanto dinâmica social
O entendimento sobre preconceito é algo dinâmico, pois envolve relações de
poder em diversas instâncias: sociais, políticas, econômicas, culturais, simbólicas
e também o que aprendemos a conceituar por "raça" ou"etnia", “cor”, “classe”,
“gênero”, “diversidade”, etc. No entanto, todas essas relações sociais que
resultam em inúmeros "preconceitos" são, antes de tudo, ausências de respeito à
diversidade sexual – e cultural – entre os homens/mulheres de sociedades
diferentes, que entraram em contato e obtiveram trocas sociais desde o princípio
do processo de transformação cronológica e tecnológica da humanidade, entre
conquistadores e conquistados, colonizadores e colonizados, estabelecidos e
não-estabelecidos (Elias e Scotson, 2000) e que atualmente moldam a chamada
"diversidade": sexual, de gênero, cor, religião, cultural, social e etc. O respeito e a
tolerância – à La Freire8 – à diversidade devem ser dados a passos largos para
que os preconceitos possam ser discutidos por todos a fim de sua supressão em
sociedade.
Muito se ouve falar acerca da pedofilia – espécie de perversão ou atração
sexual que envolve crianças ou adolescentes classificada como uma desordem
mental e de personalidade do adulto – inclusive em sites divulgados na Internet
de caráter duvidoso, como a famigerada “Pedofilia do Hamas”9, entre outros sites
que lucram com o abuso e a exploração sexual de menores. Pergunta-se: de
qual cultura estamos falando em relação à pedofilia? Da cultura Ocidental? Da do
Oriente Médio? Não corremos o risco de sermos etnocêntricos ao
“denunciarmos” o casamento entre os Islâmicos de forma tão enfática?
6 Música: “Liberdade Pra Dentro Da Cabeça” – Grupo: Natiruts - Composição: Alexandre Carlo. Letra:
“Liberdade Prá dentro da cabeça... Desigualdadesque a luta, A fim de encontrar, A liberdade e a paz, Que a alma precisa
ter...”.
7 Marta Vieira da Silva, mais conhecida como Marta (Dois Riachos, 19 de fevereiro de 1986), é uma futebolista brasileira
que joga como atacante. Hoje, atua na Suécia. Melhor jogadora do mundo pela FIFA: 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010.
Sendo sensacionalismo ou não, o fato é que notícias desse modo são
amplamente divulgadas na rede mundial de computadores e, muitas vezes,
crianças e adolescentes são os principais alvos da violência sexual. É óbvio que
qualquer tipo de violência contra menores de idade é inadmissível e inaceitável
pela própria condição humana e cultural, além dos tabus que deflagram o
ambiente da civilização ocidental, no entanto, é necessário que possamos não
estigmatizar a realidade do contexto social e histórico dos casamentos no Islã ou
de outras formas de rituais de casamento em culturas diversas.
A pedofilia é crime e é um fato. O que devemos nos perguntar é: até que
ponto é válido interferir na cultura "do outro" sem parecermos "salvadores do
mundo" e da cultura alheia? Pedofilias e espancamentos existem no Brasil.
Inúmeros. Incontáveis. Diários. E não é necessário existir "contrato social" para
isso. Dentro de infinitas casas e famílias brasileiras crianças são molestadas sem
precisar assinar papel algum. Logo, não devemos "condenar" uma cultura em
detrimento de outra. Direitos humanos em todos os lugares do mundo deve ser a
palavra de ordem do dia, da semana, do momento, em todos os instantes e com
cautela. O crime de pedofilia deve ser banido em qualquer parte da sociedade,
todavia, comecemos por nossos lares, estabelecimentos de ensino e creches
brasileiras e que, por fim, suscitem a discussão da sexualidade dentro e fora da
escola.
A discriminação contra homossexuais, negros, indígenas, meninas e meninos
tímidos ou recatados, mulheres lésbicas, transexuais, bissexuais e outras formas
de orientação sexual é latente, manifestada através de piadas, brincadeiras de
mau gosto, olhares, gestos e atitudes preconceituosas que precisam ser
seriamente discutidas na Escola.
8 Freire, Paulo. Pedagogia da Tolerância. Ed. UNESP, São Paulo, 2004.
9 Blog: http://www.pulpitocristao.com/2009/09/pedofilia-do-hamas.html, visita: 12/10/2010, entre outros sites e endereços
eletrônicos via Google.
Diariamente acontecem situações desagradáveis em sala de aula contra
alunos e alunas homossexuais, com anedotas machistas, palavras de baixo
calão, estereótipos ofensivos, deboches e atitudes aparentemente "inofensivas",
mas que servem como estigma (Elias e Scotson, 2000) ao homossexual e às
diversas maneiras de home erotismo ou homo afetividade.
O "papel social” do professor e da professora é discorrer sobre o preconceito,
falar abertamente, sem medos. Falar com sutileza, sem ofender os que cometem
o crime da intolerância. Com afetividade e boa argumentação conseguimos
barrar não apenas o preconceito, como também, fazemos as pessoas que
cometem hostilidades perceberem o quanto são ingênuas ou ideologicamente
conduzidas ao reproduzir o que a própria sociedade reproduz e a partir dai
sensibilizar o alunado ao caminho da tolerância e do respeito mútuo.
A diversidade sexual é um tema atual que necessita, de fato, de uma ampla
discussão. Afirmar que o preconceito sexual é "sinônimo" de discriminação é
simplificar o contexto do preconceito e da discriminação, sendo que um leva ao
outro ou vice-versa, logo, não podemos considerá-los como atitudes com o
mesmo sentido semântico, no entanto, envolvem conotações similares e que,
dependendo do significado e da ação em que ambos ocorrem, podemos
classificá-los como intolerâncias que devem ser discutidas e contestadas.
Discriminar alguém por sua classe social, cor, religião ou orientação sexual leva
ao preconceito contra o "pobre", o "preto", o "macumbeiro", a “entendida”, a
“mulher da vida” e o "gay", todos sinônimos de estigmas sociais (Goffman, 1980)
que estão cercados de relações que envolvem não apenas aspectos econômicos
ou de "raça", entre "ricos" e "pobres", entre "heteros" ou "homos", como também
situações históricas de segregação e desrespeito com o "diferente", fora dos
"padrões tradicionais" da Sociedade Ocidental.
Os movimentos sociais da cena política brasileira envolvem mulheres,
negros, prostitutas, homossexuais, religiões de matriz africana ou
afrodescendente, sem-terra, sem-teto e demais "minorias" que formatam as lutas
cotidianas de busca por cidadania e participação democrática. No tocante, são
exemplos de resistências sociais que precisam ser ouvidos e estabelecidos no
corpo social e educacional não como parcelas de uma sociedade à margem, mas
sim como sujeitos sociais que constroem identidades e inscrevem a própria
história, a história do Brasil, que devem ser discutidos em sala de aula e, a partir
de novas idéias, a tarefa do educador é estimular a construção social daqueles
sujeitos, para que sejam verdadeiramente inseridos na sociedade de direitos a
fim de aprimorar novas visões de mundo.
Diversos sistemas de classificação envolvem categorias que, entre outros,
compreendem a sociedade em geral: o contrato social (Rousseau, 2008), a
família, regras e relações de poder – a serem cumpridos –, relações sociais e de
parentesco, o tabu do incesto, a "infantilização" da criança no compasso da
Modernidade, a apropriação de conceitos escolares como medida de Controle
Social, a violência/abuso sexual contra crianças e adolescentes, a prostituição
infantil (exploração sexual), os transtornos mentais sexuais (adultos), a
erotização e a banalização do sexo no "Ocidente" (especialmente a partir do
Século XVIII) entendido como "perda de valores sociais", o crime sexual – a
pedofilia –, a necessidade de proteção através da criação de leis e punições, os
"papéis" do Estado e do "indivíduo", os simbolismos e imaginários em práticas de
sedução infantil, e, finalmente, relações culturais que são dinâmicas, sendo que,
à medida que a História escreve os seus "capítulos", os processos sociais que
antes eram menos complexos, hoje estabelecem situações limites e que,
necessariamente, precisam ser avaliados a partir do cotidiano social para que os
critérios de sexualidade e diversidade possam ser compreendidos à luz de nossa
contemporaneidade (Mota, 2009).
A inquietude reside justamente em tentar elucidar, através da crítica social, a
idéia inculcada da violência vista com normalidade em sala de aula e também na
própria sociedade, em frases aleatórias como: "Isso é até normal!", ou "Acontece
todo dia", ou ainda, "A violência não tem mais jeito" e outras reproduções
derivadas de uma "natureza" da banalização e do conformismo, assim como se
reproduzem as normalidades da corrupção e da falta de ética, da alienação
social, das relações de poder e de agravantes semelhantes – comportamentos
intolerantes e sem precedentes –, sendo que o resultadode todas as
observações e estranhamentos sociais, partindo do pressuposto que a
interpretação dos modos de ser e de agir sociais é dinâmica, deve suscitar o
pensamento crítico, englobando atitudes coerentes para que mais e mais
violências sejam evitadas.
Existem variadas formas de ver o "Outro10", de compartilhar experiências
culturais diferentes, de compreender universos sociais, sexuais, políticos e
econômicos baseados em relações humanas de tolerância, respeito, amizade,
solidariedade e cidadania no que tange ao pleno reconhecimento de que é
preciso conquistar a igualdade partindo da garantia de “ter direito” à diferença, de
serdiferente, de introduzir um diálogo amplo, sincero, aberto, amoroso, concreto
e sem estigmas, que normalmente estão baseados em preconceitos
absolutamente intolerantes, ou como diria Vera Candau (2008: 5): “É necessário
garantir a igualdade a partir do reconhecimento da diferença e,
consequentemente, do respeito a ela”. Desse modo, a pedofilia, a homofobia11,
as inúmeras violências no espaço escolar, o preconceito social e outras formas
latentes de "relações anômicas" na sociedade, de rompimento com o que é
eminentemente "humano", de perda de identidades sociais que contribuem para
a guetização das ditas "minorias", são assuntos que devem ser abordados em
sala de aula de forma interdisciplinar para que a diversidade seja tratada como
uma prática social pela Instituição Escola.
10 A concepção Geertziana a respeito do Outro, significa o modo de pensar o mundo do nativo, daquilo que Clifford Geertz
(2000: 87) chamou de “experiência próxima”, qual seja, a vivência peculiar de um grupo local. O antropólogo norte
americano também convocava os sujeitos sociais a conhecerem a si mesmos antes de estranharem o Outro: o
comportamento cultural de diversos povos nas inúmeras sociedades humanas.
11 A homofobia (homo= igual, fobia=do Grego φόβος "medo"), é um termo utilizado para identificar o ódio, a aversão ou a
discriminação de uma pessoa contra homossexuais e, consequentemente, contra a homossexualidade, e que pode incluir
formas sutis, silenciosas e insidiosas de preconceito e discriminação contra homossexuais. Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Homofobia
As relações de gênero, de separações históricas entre "meninos" e "meninas"
e que ainda hoje causam polêmicas dentro das escolas são atitudes
conservadoras que refletem a quase inexistência de um debate que problematize
determinados comportamentos que são incompreensíveis na Pós-Modernidade.
O que mais maltrata o ser humano que sofre alguma forma de opressão é a
"naturalização" de determinadas "marcas" – estigmas – que deixam profundas
cicatrizes sociais, causando transtornos na saúde mental –
emocional/sentimental – do indivíduo afetado, e por essa razão precisamos
debater diuturnamente as relações sociais apontadas para que consigamos
naturalizar, entre todos e todas, o respeito, a dignidade e a tolerância humana.
Quando falamos em Direitos Humanos12, Sexualidade, Preconceito,
Discriminação, "Normalidade", "Anormalidade", o que é ou não é natural entre
duas pessoas na sua vida amorosa ou afetiva, nos remetemos a complexas
formas de apropriação da sexualidade. No entanto, discutir a Sexualidade implica
também discutir sexo, amor, respeito, tabu, IST's – Infecções Sexualmente
Transmissíveis –, gravidez, preservativo e uma série de conceitos que tem um
caráter multitransversal e que, lamentavelmente, a grade curricular do Sistema
de Ensino Brasileiro caminha a passos lentos na consolidação dos mesmos, ou
por falta de programas adequados ou porque talvez não encontre "necessidade"
para os assuntos em questão, afinal, são situações que podem trazer à tona a
"orientação sexual" dos sujeitos sociais in loco e que, por preconceitos diversos,
permanecem "secretos" no obscurantismo da discriminação. Para tanto, a
formação da cidadania deve começar por discussões como a Sexualidade, com
aprendizagem mútua e a busca de informações, para que as temáticas sejam
adotadas em sala de aula.
12 Os Direitos Humanos são os direitos e liberdades básicos de todos os seres humanos. Normalmente o conceito de
direitos humanos tem a idéia também de liberdade de pensamento e de expressão, e a igualdade perante a lei. Fonte:
http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_i nter_universal.htm
3. Orientação Sexual, Sexualidade e Construção
Social
A sociedade brasileira tem buscado encontrar formas de inserir discussões
sobre Sexualidade na Estrutura Educacional (Parâmetros Curriculares Nacionais
– PCN's, palestras, debates, etc.) que, muitas vezes, soam longe, sem que seu
eco seja percebido consistentemente. Essa nuance sobre o que vem a ser
Sexualidade está posta implicitamente, ainda dominada por padrões de
comportamento que envolve dogmas até mesmo de um "puritanismo" que
engessa a realidade sobre o problema em questão, todavia, é preciso que a
Escola, através da representação Estado, protagonize a questão e suas variantes
para que inúmeros conceitos e pré-conceitos sejam esclarecidos, como, por
exemplo: dúvidas sobre prevenção de IST's, tabus sobre homossexualidade,
gravidez na adolescência, amor, paixão, o conhecimento do próprio corpo e do
corpo do Outro, namoro, casamento, paquera (ou na linguagem atual, o "ficar"),
HIV/AIDS, métodos anticonceptivos, respeito, combate à discriminação
homofóbica, discussões sobre preconceito sexual, planejamento familiar e social,
cultura machista, padrões de comportamento, etc.
A mulher, na sua condição de mulher, trabalhadora, intelectual, mãe, esposa,
filha, professora, psicóloga, enfermeira, guardiã, "exemplo a ser seguido",
referência feminina e uma infinidade de conceitos atribuídos ao reconhecimento
da força-de-trabalho e sociabilidades que adquirimos na vida social, também
necessita entrar em debate a fim de esclarecer o combate à violência sexual e
doméstica, o respeito e o direito de escolhas com o seu corpo, a proteção
integral, valorização, afetuosidade, carinho, tolerância, enfim, diversos
"conhecimentos", inúmeros
fatores que envolvem – ou pelo menos deveriam envolver – a condição sexual,
sentimental, religiosa, social, econômica, cultural e educacional que perpassam,
também, pelo debate da Sexualidade.
Orientar a Educação Sexual13 de crianças e jovens requer uma consolidação
de competências didáticas, debates constantes, abertura de fóruns, criação de
blogs na própria escola, desmistificação de discriminações, preconceitos,
estereótipos e "padrões sexuais", construir a disseminação do respeito entre os
alunos e professores assim como entre alunos e alunas, indicar o que vem a ser
tolerância, diversidades, conceitos de "homo", "hetero", "trans", "bissexuais" e
demais orientações sexuais (ou "condição", "desejo", "escolha afetiva"), traduzir
para a contemporaneidade o "vir a ser", o ser, o querer, o escolher, o fazer, o
esperar e outros anunciados eventos que certamente irão fomentar caminhos
saudáveis e plenos de cidadania na Escola, na comunidade, no bairro e na vida
de todos os que participarem efetivamente das discussões. Não falamos de
Sexualidade, mas de Sexualidades, no plural, assim como "plural" é a
Diversidade na Escola e em nossa sociedade.
O ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente –, a Constituição Federal, a Lei
Maria da Penha – proteção de violência contra a mulher –, os PCN's e outras
Leis que ordenam a vida social também precisam ser conhecidos e colocados em
debate. Muitos cidadãos não as conhecem e mesmo para uma faixa etária inicial,
é necessário contextualizar o discurso e demonstrar a elas e eles que a
Orientação Sexual e a Sexualidade são garantias de todo cidadão e que a busca
da Cidadania, da Sexualidade e do Respeito implica a discussão dos mesmos.
13 A educação sexual busca ensinar e esclarecer questões relacionadas ao sexo, livre de preconceito e tabus.
Antigamente e ainda hoje, falar sobre sexo provoca certos constrangimentos em algumas pessoas, mas o tema é de
extrema importância, pois esclarece dúvidas sobre preservativos, DST’s, organismo masculino e feminino,
anticoncepcionais e gravidez. O objetivo principal da educação sexual é preparar os adolescentes para a vida sexual deforma segura, chamando-os à responsabilidade de cuidar de seu próprio corpo para que não ocorram situações futuras
indesejadas, como a contração de uma doença ou uma gravidez precoce e indesejada. Site:
http://www.brasilescola.com/sexualidade/educacao-sexual.htm
A sexualidade é uma reflexão que ainda é uma espécie de "tabu" e que
remete muito mais o lado "reprodutivo", do "papel da procriação", dos métodos
anticoncepcionais, do combate à natalidade, do que propriamente ao exercício de
autoconhecimento, do respeito ao outro e da "significação" do que vem a ser
"sexo", "sexualidade", "prazer", "HIV", "hetero ou homo", "orientação sexual"
(conforme reza o PCN), assim como uma infinidade de conceitos que fazem
parte do cenário do que conhecemos por "Sexualidade", de maneira ampla.
Discutir a sexualidade é discutir a vida (direito fundamental do ser humano
garantido por Lei). É discutir o preconceito sexual, a violência contra a orientação
sexual "homo", a discriminação, a exclusão de grupos ditos "minoritários" (e que,
na verdade, compostos por um sem número de pessoas) e, especialmente, é
discutir o amor ao outro, o respeito, o ser tolerante e, sobretudo, conviver em
harmonia com todos os grupos e sujeitos sociais que compõe a grande massa de
cidadãos-trabalhadores que foram culturalmente "educados" sob a pecha do
machismo, do behaviorismo e de nuances que, ao contrário de combater o ódio
social contra o que a sociedade intitula de "diferente" ou "anormal", aprofunda
ainda mais a reprodução do preconceito e da falta de informação que condiciona
o "padrão" coercitivo que culminam nos fatos da discriminação social e da
negligência intelectual e política e que na, verdade, precisam de uma "libertação
social" que tanto buscamos e que, por vezes, nos acomodamos por motivos
diversos.
O exercício do conhecimento começa através da socialização do mesmo.
Devemos por em prática o nosso aprendizado, as nossas teorias, monografias,
textos, artigos e discutir, sem medo, todos os aspectos da Sexualidade e assim
contribuir para a disseminação do respeito, do amor mútuo e com a diminuição
das violências na Escola e também dos espaços que estão fora de seus muros.
Joan Scott (2009) reflete a realidade social que, ao longo do processo de
constatação humana da categoria "gênero", amadurece a discussão em torno do
conceito, antes visto como sinônimo de "mulheres", "feminismo", "marxismo",
mas que, na verdade, formulam construções de sujeitos sociais que simbolizam,
significam e contextualizam categorias que legitimam as relações de gênero que
hoje conhecemos:
A linguagem é o centro da teoria lacaniana; é a chave do acesso da criança à
ordem simbólica. Através da linguagem a identidade de gênero é construída.
Segundo Lacan, o fato é o significante central da diferença sexual, mas o
sentido do falo tem que ser lido de forma metafórica [...]. O princípio de
masculinidade baseia-se na repressão necessária dos aspectos femininos –
do potencial bissexual do sujeito; e introduz o conflito na oposição entre o
masculino e o feminino. Desejos reprimidos estão presentes na unidade e
subvertendo sua necessidade de segurança. Ademais, as idéias conscientes
do masculino e do feminino não são fixas, já que elas variam segundo os
usos do contexto [...]. Essa interpretação implica também que o sujeito se
encontra num processo constante de construção e oferece um meio
sistemático de interpretar o desejo consciente e inconsciente, referindo-se à
linguagem como um lugar adequado para a análise. Enquanto tal, considero-
a instrutiva (Scott, 2009, p. 10-11).
A desconstrução do preconceito contra mulheres, negros e negras,
homossexuais, pobres, indígenas, sem-terra e despossuídos é um fato a ser
construído. A exclusão social atinge, especialmente, o gênero "mulher" que ainda
grita por condições de "igualdade" sociopolítica e humana. O contexto social da
Educação é uma das vias de acesso aoconhecimento crítico da realidade
sociocultural que fazemos parte e que compreende etapas, como: Capital versus
Sociedade Excludente versus Relações de Poder, e a partir do entendimento dos
processos citados devemos nos encaminhar na construção uma história
diferente, a nossa própria história.
4. Dimensão simbólica da sexualidade
As noções conceituais de "homem" e de "mulher" na sociedade brasileira
abrigam o que, a partir da categoria "Gênero", entendemos por "masculino" e
"feminino" no entorno da sexualidade, por assim dizer. No entanto, a dimensão
simbólica dos termos engloba, a priori, aspectos da vida social que compõem
percepções de caráter público e privado em sua totalidade e que, na medida do
possível, precisam ser esclarecidos e interpretados de acordo com o contexto
social em que estão inseridos.
O caráter privado da sexualidade humana compreende escolhas (com quem
devemos nos relacionar sexualmente, sentimentalmente, intimamente, etc.),
parcerias de casamentos, namoros ou companheirismo, identidades sexuais da
"pessoa" ou do "indivíduo" (para usar termos sociológicos) e o direito à liberdade
de expressão garantida por Lei (CF), adentrando no caráter público (da
sexualidade e da cidadania), que, entre outros prevê a proteção integral contra
qualquer tipo de discriminação de cor, credo, manifestação política e, finalmente,
sexual; que ecoa por todos os cantos a necessidade de viver dignamente sem
preconceitos e que, aqueles direitos sexuais (como a luta contra a Homofobia)
sejam, de fato, reiterados e seguidos pelos aparelhos ideológicos de Estado
(sendo Althusseriana) e, entre eles, a Escola.
Os estereótipos de "masculinidade" e "feminilidade" que a sociedade impõe a
determinados sujeitos, "gays" e "lésbicas", como o "homem afeminado" e a
"mulher masculinizada", contribuem para a
reprodução do preconceito e da discriminação de um aspecto que é privado, o
"modo de ser de cada um de nós" (que deve, para o "padrão heterossexual", ser
"eminentemente homem macho" e "mulher fêmea" em "papéis sociais pré-
determinados") como, por exemplo, no jogo de futebol feminino, na celeuma que
afirma: "O "goleiro" não é menina" e, numa atitude estapafúrdia, grupos de
pessoas duvidam da identidade biológica de uma jogadora que, ao querer
exercitar o seu "direito" ao lazer (direito de todo cidadão e de toda cidadã),
culmina na marginalização da "pessoa individualizada" em seu caráter privado na
humilhação de "ter que provar publicamente" que é "mulher", como acontece
rotineiramente em escolas, olimpíadas, copas, campeonatos e outros eventos
esportivos.
O corpo, tanto do homem quanto da mulher, possui diversos significados:
simbólicos, sociais, culturais, psicológicos, emocionais, etc. e é dotado de
desejos, prazeres, valores, sentimentos, identidades sexuais, direitos públicos e
privados e, principalmente, engloba dimensões que são construídas ao logo do
tempo histórico (que é dinâmico, mutável, pós-moderno) e que, simbolicamente,
resguardam para cada ser humano, a possibilidade de um reconhecimento
coletivo da liberdade de ir e vir e da convivência social harmônica, do
desenvolvimento de habilidades culturais e da compreensão da realidade social
que compreende o mundo como diverso, diversidade que precisa envolver a
Escola e que através de "modelos de conduta" que deixam transparecer "efeitos
de verdade", deve-se ressignificar histórias pessoais através do olhar reflexivo do
combate à violência da discriminação sexual.
A sexualidade é, sem dúvida, uma construção. Construção de valores
"modernos", de condutas éticas, de um processo contínuo da percepçãode
quem somos em condições históricas, culturais e de inter-relações humanas
específicas, portanto, contextualizadas localmente (como diria Geertz, 2000),
sendo que o simbolismo da vida sexual – e humana –está coadunado com a
conformação familiar, escolar, pessoal, pública, privada, de abstração da
realidade e da concretização de atitudes de combate à discriminação, como atua
o Movimento LGBT Brasileiro que luta pelo direito à livre expressão e por Direitos
Humanos, assim como da idéia do que vem a ser sexo (prática sexual), o sexo
do corpo (gênero e fisiologia), a identidade de gênero (quem eu sou na
sociedade), a orientação sexual (condição biossocial), e também, o significado
cultural e político de visibilidade dessa construção de sujeitos históricos, logo,
sujeitos políticos e comprometidos com a dinâmica social, que deve ser
exercitada também, na Escola (assim como em toda a construção da vida
cotidiana), que levante a bandeira contra toda forma de dominação ideológica e
hegemônica de poder, como diria Michel Foucault (1993) em "História da
Sexualidade I: A Vontade de Saber":
Dizendo poder, não quero significar 'o poder', como um conjunto de
instituições e aparelhos garantidores da sujeição dos cidadãos em um estado
determinado. Também não entendo poder como um modo de sujeição que,
por oposição à violência, tenha a forma de regra. Enfim, não o entendo como
um sistema geral de dominação exercida por um elemento ou grupo sobre o
outro e cujos efeitos, por derivações sucessivas, atravessem o corpo social
inteiro. A análise em termos de poder não deve postular, como dados iniciais,
a soberania do Estado, a forma da lei ou a unidade global de uma
dominação; estas são apenas e, antes de mais nada, suas formas terminais.
Parece-me que se deve compreender o poder, primeiro, como a
multiplicidade de correlações de forças imanentes ao domínio onde se
exercem as constitutivas de sua organização; o jogo que, através de lutas e
afrontamentos incessantes as transforma, reforça, inverte; os apoios que tais
correlações de força encontram umas nas outras, formando cadeias ou
sistemas ou ao contrário, as defasagens e contradições que as isolam entre
si; enfim, as estratégias em que se originam e cujo esboço geral ou
cristalização institucional toma corpo nos aparelhos estatais, na formulação
da lei, nas hegemonias sociais (1993, p. 88-89).
Desse modo, a construção da sexualidade é diária. Constante. Contra todas
as formas de poder, de discriminação, de preconceitos, de (i) legitimidade sexual
e de imposições culturais, que devem ser analisadas na Escola (e na sociedade)
de maneira clara, objetiva, madura, rotineira, sem medos ou valores tradicionais
para que possamos por em prática todo o conteúdo teórico que adotamos como
significante da vida social e, assim, ter alunos e alunas, cidadãos e cidadãs,
realmente livres de toda forma de discriminação.
5. Direitos Humanos e Sexuais na Diversidade: Considerações Finais
A regulação da sexualidade através de normas jurídicas, de políticas de
cuidado com a saúde, com programas juvenis de aconselhamento familiar para
mães e pais jovens, a realidade de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST's
e AIDS) e a deflagração de direitos reprodutivos e sexuais demarcam
sobremaneira o que a sociedade brasileira adotou como "regulamentação" a fim
de estabelecer linhas de ação nas políticas públicas na área da saúde (Lei do
SUS - 8080/90) e na área jurídica (Direitos Humanos).
A sexualidade juvenil é uma questão que necessita de discussão acerca do
contexto social em que jovens das diversas classes sociais estão inseridos,
através de fatos, valores morais e éticos, práticas culturais, visões de mundo
locais e globais, grupos de pertença e construção de personalidades que possam
vir a identificar o "homem" e a "mulher" em torno da garantia de sua própria vida
sexual, que é diversa, qual seja: hetero, homo, bi ou transexual.
Muitas práticas sociais que violam direitos humanos podem ter indícios nos
processos de segregação social em que homens e mulheres com menor poder
aquisitivo (e de poder) estão sujeitos e são submetidos a todo tipo de violência:
simbólica, física, social, cultural e humana. A homossexualidade – para
tomarmos um exemplo – é alvo de "noções herdadas" de algo que, de acordo
com Pierre Bourdieu (2007), seria uma espécie de "dominação pelo capital
cultural" e que, entretanto, expõe à margem da cidadania diversos grupos sociais
que deveriam ter, por Lei e pela própria constituição democrática de "liberdade",
seus "direitos" sociais, políticos, jurídicos, sexuais e o "direito a ter direito"
garantidos, o que, lamentavelmente, não vem ocorrendo.
Apesar disso, a luta engajada de movimentos sociais – década de 70 até
hoje – como o Feminista e o LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis,
Transexuais e Transgêneros –, ao longo de processos de revisões de
concepções obsoletas (mudanças) nos campos biomédico, jurídico, político e
social tem, na medida do possível, avançado no debate, porém, o preconceito
persiste e ainda convivemos com uma espécie de desvalorização da diversidade
sexual, além da de cor, classe, raça, etnia, gênero, etc.; grupos fadados a toda
forma de exclusão social, classificados como "os fora da ordem" e que "não se
adaptam às normas" – aos padrões culturais hetero – e, a partir da reprodução
social – que acontece, inclusive, na própria escola através de agressões
silenciosas – contribui para que a produção da "distinção social" de gostos, de
classes, de estilos de vida e de poder: aquisitivo, de prestígio, acadêmico,
coletivo – estimulem o apego a normas e convenções arbitrárias de sexualidade.
O direito reprodutivo – e discriminado – de mães com HIV, a homofobia –
estigma do preconceito homossexual –, a reprodução simbólica da violência
dentro da própria escola – com mensagens normatizadoras, silenciosas e de
consentimento da violência sexual, como hierarquia, caricaturas, desigualdades,
insultos, ofensas e mecanismos de exclusão –, o controle de conduta e a
adaptação a regras de gênero dominantes – sexismo –, que reproduzem a
inferiorização da pessoa humana, com alunos hostilizados e que comprometem o
rendimento escolar e trajetórias de vida, marginalizando o (a) cidadão (ã) a uma
espécie de "morte ou invisibilidade social" e de negação de sexualidades
diversas, como agressões físicas a transexuais – que culminam no abandono
escolar e prostituição futura, entre outras consequências, como a morte – são
alguns pontos que devem servir a reflexões das estruturas sociais.
Direitos humanos, sexuais e de reprodução são normas jurídicas que
necessitam de uma abordagem, impreterivelmente, de afirmação de papéis
sociais, de afirmação da diversidade sexual, de avanços, lutas e conquistas
cotidianas. Como afirma Rios (2006), em seu texto "Para um direito democrático
da sexualidade", é na sistematização e organização de normas e condutas éticas
de Direitos Reprodutivos, Democracia, Cidadania, Direitos Humanos e Sexuais,
numa concepção que o autor conceitua como "direito democrático da
sexualidade" que, entre outros avanços, constam a ampliação de direitos sociais,
políticos, econômicos e humanos em seu sentido universal.
A gravidez na adolescência possui uma simbologia de valorização social da
maternidade, como um "rito de passagem" que transforma a "menina" em
"mulher", que refaz o caminho da perpetuação do "papel da mulher como
reprodutora" e que, no contexto social de jovens de classes menos abastadas, a
atitude de ser mãe representa a constituição da vida familiar felize segura que
não encontra dentro da própria família, carregada de incertezas e
descontentamentos de toda sorte e que, no entanto, pouco está relacionado ao
"direito reprodutivo" propriamente dito, pois reflete justamente um comportamento
baseado em limitações de relações de poder estruturantes e que estabelecem
regras de desigualdades sociais acentuadas.
O engendramento de abordagens educativas é fundamental, que trabalhe o
contexto social e cultural de jovens para que possam discutir o papel da
maternidade, da paternidade, fertilidade, esterilidade, AIDS, estigmas,
orientações sexuais, prazer, corpo – e o reconhecimento do mesmo –, erotismo,
solidariedade, práticas econômicas, creches, educação dos filhos, emprego,
renda e principalmente, novas emoções físicas, de envolvimentos, de amor,
companheirismo e até mesmo de noções de religiosidade – e lembrar sempre
que o Estado é laico, autônomo e que deve refletir na articulação de
representações da sociedade civil.
Por fim, as políticas de educação, saúde, saneamento, entretenimento,
juventude, oportunidade de renda, direitos sexuais, cultura, desportos, lideranças
religiosas, ONG's e etc., devem contextualizar o que pode ser feito em termos de
Direitos Humanos e atitudes solidárias, de reflexões da realidade social e
também da construção de um pensamento crítico que possa relativizar (DaMatta,
1981), o "romantismo" da vida amorosa, sexual, social, política e cultural pautada
em relações de poder que moldam comportamentos e impõem regras, a fim de
estabelecer caminhos fortuitos que consigam substancialmente discutir direitos
de cidadania e de busca por um espaço democrático propriamente dito que
possa garantir a diversidade sexual de fato, tão notoriamente aclamada e urgente
na atualidade.
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Nota sobre a autora
Ariana Kelly Leandra Silva da Silva: Bacharel e
Graduada em Ciências Sociais, Ênfase em
Ciência Política – Universidade Federal do
Pará (UFPA). Especialista em Sociologia e
Educação Ambiental. Mestre em
Antropologia/Bioantropologia – Programa de
Pós-Graduação em Antropologia/PPGA-UFPA.
E-mail: arianabelem@gmail.com.
Recebido em: 11/05/2013
Aceito em: 31/07/2013
ATIVIDADE
TRECHO DO TEXTO CONCEPÇÃO DO DISCENTE SOBRE O TRECHO
Atividade Escrita
Posicione-se criticamente sobre a temática do texto, levando em consideração
os aspectos científicos e evitando falas do senso comum.
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PESQUISA TEÓRICA
Política de cotas no Brasil: política social?
Janete Luzia Leite
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Política de cotas no Brasil: política social?
Resumo: Este artigo discute as políticas de ação afirmativas – notadamente a política de
cotas – como mais uma estratégia do capitalismo em seu estágio atual para passivizar a
classe trabalhadora na luta pela ampliação de direitos sociais. Parte da hipótese de que
segmentos historicamente explorados têm a sua não integração na sociedade como
resultante da “questão social”, e não de determinações particularistas. Para tanto, utiliza a
teoria social crítica para analisar a emersão e o evolver das políticas sociais no Brasil e de
que forma estas se metamorfoseiam sob a égide do governo Luís Inácio Lula da Silva. O
sistema de cotas étnico-raciais para o ingresso no ensino superior público é aqui
contrastado com a defesa de políticas públicas de caráter universal. Conclui que a
assistencialização das políticas sociais é mais um instrumento para eliminar a luta política
dos trabalhadores e escamotear as expressões da questão social.
Palavras-chave: Políticas sociais. Ações afirmativas. Cotas. Brasil.
Quota Policy in Brazil: Social Policy?
Abstract: This article discusses affirmative action policies – notably quotas – as a current
strategy of capitalism to pacify the working class in the struggle for expansion of social
rights. It begins with the hypothesis that the lack of integration intosociety of historically
exploited segments is a result of the “social question” and not of particular determinations.
It therefore uses critical social theory to analyze the emergence and development of social
policies in Brazil and understand in what way they were transformed under the aegis of
the government of President Luís Inácio Lula da Silva. The system of ethnic and racial
quotas for entrance into public higher education is contrasted here with the defense of
public policies of a universal character. The article concludes that social policies focused
on providing assistance are tools designed to eliminate the political struggle of workers
and hide social expressions.
Key words: Social policies. Affirmative action. Quotas. Brazil.
Explorando caminhos
Tomando como ponto de partida o final dos anos 1970, momento em que as
camadas populares res-surgem na cena política nacional, organizadas em sindicatos
e em movimentos populares, pode-se ob-servar a trajetória percorrida por segmentos
hoje autodenominados oprimidos1, estejam eles articu-lados em grupos, sejam eles
intelectuais atuando na academia.
Nesse percurso, o período compreendido entre o final dos anos 1970 e o final da
década de 80 marca o (res)surgimento de novos movimentos sociais no Bra-sil,
lutando por conquistas no campo dos direitos soci-ais e pelo retorno da democracia
no país. Norteados pelos paradigmas da modernidade, adotando um es-forço
militante na construção da alternativa socialista.
Isso, apesar da influência dos movimentos que des-pontaram no ocidente europeu e
no norte da América, na década de 1960, que eram críticos aos ideais mo-dernos.
Prevaleceu a coesão em torno do que era con-siderado como bem comum; ou o que,
em nome do direito, deveria ser direito de todos na caminhada em direção à
edificação de uma sociedade justa e iguali-tária e da emancipação humana.
Nessa trajetória, verifica-se a existência de um atalho por onde seguiram setores
desta intelectua-lidade e alguns grupos que estabeleceram um reposicionamento
político, na medida em que foram transformando estes novos movimentos em um
“novíssimo movimento”. Mas é também um reposicionamento ideológico, uma vez
que acaba transferindo aquilo que estava no campo da modernidade para o espaço
hoje ocupado pelo pós-moderno. Este contexto desloca a presença histórica destes
grupos na sociedade brasileira – uma situa-ção antes compreendida como inscrita na
própria luta de classes – marco da questão social 2 –, para colocá-la no que vem a ser
chamado de “nova questão soci-al” ( CASTEL, 1993; ROSANVALLON, 1995),
caracte-rística de uma suposta sociedade sem classes.
Ao raiar dos anos 1990, uma onda “mo-dernizadora” impõe nova direção à
sociedade brasi-leira. Esse processo de mudança social é parte do cenário de
“alterações contemporâneas por que pas-sa o capitalismo que Mandel chamou de
tardio, com a substituição (de acordo com a terminologia de Harvey) de um padrão
de acumulação rígida por um de ‘acumulação flexível’” (PAULO NETTO, 1996, p.
24). Essas alterações se espraiam em todas as áreas da vida da sociedade brasileira e,
no que diz respeito aos movimentos sociais, reflete-se em uma nova for-ma de
organização e concepção social. Surge o que Abramo (1994) denominou de
“novíssimos movimen-tos sociais”, que não buscam atingir as causas soci-ais dos
problemas que atacam, ainda que, às vezes, as reconheçam ou explicitem. Antes,
trabalham sobre bases do campo do emocional e do afetivo, mais do que no plano
racional, a fim de pressionarem a implementação de políticas sociais que privilegiem
os segmentos por eles abarcados. Assim, suas ações se colocam no âmbito da
elevação da autoestima, con-siderando uma subjetividade “rasa”, sem trabalhar as
condições objetivas concretas que a engendram. Seus alvos são metas factíveis e, de
preferência, quantificáveis, como por exemplo, cotas étnico-raci-ais para o ingresso
ao ensino superior ou ao serviço público. Colocam-se, portanto, no centro da pós-
modernidade, na medida em que se impregnam de
Correntes que negam a existência de estruturas e conexões estruturais, bem como a
própria possibi-lidade de ‘análise causal’. Estruturas e causas fo-ram substituídas por
fragmentos e contingências. Não há um sistema social (como, por exemplo, o sistema
capitalista), com unidade sistêmica e ‘leis dinâmicas’ próprias; há apenas muitos e
diferentes tipos de poder, opressão, identidade e ‘discurso’. [...] Os pós-modernistas
enfatizam a ‘diferença’: identidades particulares, tais como sexo, raça, etnia,
sexualidade; suas opressões e lutas distintas, par-ticulares e variadas (WOOD, 1999,
p. 37).
Dessa forma, encontramos hoje aqueles setores dos movimentos sociais e da
intelectualidade su-praelencados, tomando o atalho para novas posições, que passaram a
ser apresentadas como as mais “fa-voráveis” para os segmentos oprimidos.
A existência de desigualdades em nossa socie-dade é real, principalmente para estes
grupos que, no geral, possuem menos escolaridade, salário, saú-de, emprego e moradia.
Entretanto, a superação dessas desigualdades não passa pela afirmação de preceitos
constitucionais, que servem de base para uma concepção (neo)liberal de sociedade, e que
acabam por escamotear a ausência de direitos a todos. Não é suficiente basear a luta contra
o pre-conceito e a discriminação que atingem a estes se-tores em um imperativo moral que
se estabelece exaltando a particularidade.
Seguindo este raciocínio, a hipótese a ser explora-da neste texto é a de que a integração
(ou não integração) destes grupos na sociedade brasileira é fruto da questão social, e não
dessas determinações que, na atualidade, procuram estabelecer um novo posi-cionamento
nessa busca de integração. Assim, as atu-ais iniciativas – a que se dá o nome de
políticassociais
– que, a pretexto da “igualdade” e da “justiça social”, buscam minimizar os efeitos da
discriminação por meio de medidas de exceção, na verdade invertem os ter-mos da
questão, sem resolvê-la. Estas políticas, ou-trossim, configuram uma “discriminação ao
contrário”, que atende tão somente às diretrizes impostas pelo modelo neoliberal e seus
organismos financeiros internacionais, induzindo saídas individuais e negando a di-
mensão coletiva da sociabilidade.
A fim de explorar esta assertiva, o caminho a ser percorrido inicialmente explicitará a
relação medular entre questão social e política social para, então, ve-rificar de que maneira
a proposta de universalização desta última derivou em políticas particularistas, de-
nominadas Políticas de Ação Afirmativa (PAA) e a sua configuração no caso brasileiro.
Para tanto, o exemplo utilizado será o da reivindicação de cotas étnico-raciais para o
ingresso de negros na universi-dade pública.
Questão social e políticas sociais
As políticas sociais têm sua gênese no final do século 19, a partir da emersão da
chamada questão social, espraiando-se internacionalmente no século 20 como o resultado
da consolidação da transição do capitalismo concorrencial para o monopolista (PAU-LO
NETTO, 1992; BEHRING; BOSCHETTI, 2006). Nes-te sentido, a atenção à questão
social na sociedade capitalista vem sendo pensada como uma forma de regular os conflitos
com a intenção de obter a legitimação da ordem e o consenso social, dando res-postas a
algumas das reivindicações dos setores su-balternos que possam colocar em perigo a
ordem capitalista e a necessária coesão social.
É evidente que as políticas sociais não podem ser analisadas exclusivamente a partir do
Estado (como mecanismo de dominação dos grupos no poder), nem tampouco unicamente
a partir da sociedade civil (como produto das pressões e vindícias dos setores subalternos
frente ao Estado). Devem,sim, ser com-preendidas como uma relação, como uma
mediação entre o Estado e a sociedade civil, depositários de uma dupla característica de
coerção e consenso, de concessão e conquista ( PASTORINI, 1997).
Para que as políticas sociais pudessem ser viabilizadas, o modelo do laissez-faire3 deu
lugar ao protecionismo estatal. O Estado foi chamado a inter-vir na economia e um pacto
social foi estabelecido com a classe trabalhadora. Entrava em cena o Estado de bem-estar
social, baseado no modelo fordista-keynesiano, que inaugurou os chamados “30 anos glo-
riosos do capitalismo”. É óbvio que este modelo deve ser considerado à luz de cada país
no qual se instau-rou. No Brasil, nas lúcidas palavras de Francisco de Oliveira (2003), o
que tivemos chegou muito mais per-to do que poderíamos chamar de um Estado de mal-
estar social devido à formação político-social do país.
Em face de uma nova crise internacional do capi-talismo, nos anos 1970, a resposta
encontrada foi a instauração do neoliberalismo, baseado principalmente no enxugamento
do Estado no que diz respeito às políticas sociais; no solapamento dos direitos sociais,
conseguidos no que concerne a modelos de proteção social no trintenário anterior; e na
desorganização dos trabalhadores. Paulatinamente, as experiências de condução política
neoconservadoras retiram da órbita do Estado as funções de proteção social consideradas
“ineficientes” do ponto de vista mercantil, buscando outros “responsáveis” para sua
produção e administração. Desta forma, as crises e a crítica do Estado permitiram o
avanço da tese liberal-conservadora no campo das políticas sociais, reforçando o processo
de reforma do Estado mediante a justificativa da necessária redução da esfera pública.
Tudo isso tem como chão uma crise cronificada, que manifesta um pico de exasperação
do movimento social; o tecido social se crespa e está quase rompido. Está-se falando de
um tensionamento que vai aumentando lentamente até se incorporar ao cotidiano, não
causando mais qualquer reação; torna-se natural. As resultantes mais visíveis encontram
eco nos movimentos dos trabalhadores (uma enorme dominância corporativista) e no
conjunto do movimento social (uma atomização e uma pulverização absolutas).
Simplesmente joga -se na fragmentação e transfere -se para organismos da ressignificada
sociedade civil o ônus de projetos estrategicamente dirigidos pelo Estado, entrando aí um
soberano desprezo por este.
Há uma expansão mundial da “desproteção social”. O desemprego estrutural
(fomentado principalmente pela reestruturação produtiva) e o aumento da pobreza e da
miséria sociais (causados pela conjugação de desemprego, retirada de direitos e demo-
lição de políticas sociais), provocam a ascensão de uma franja social que começou a ser
considerada “desnecessária” ao capital, ou seja, não se inseriria na economia – seja ela
formal ou informal. Esta franja social manifesta-se por meio de uma horda de
neofamélicos e neomiseráveis, que não só colocam em xeque as maravilhas propaladas
pelos arautos do neoliberalismo, como também ameaçam a sua continuidade, pois são a
prova cabal da falência do novo modelo. São estes os segmentos mais pauperizados da
sociedade e, não raro, aqueles também mais historicamente marginalizados. Novamente, a
subjetividade dos trabalhadores precisa ser capturada e reconfigurada a partir de um
padrão de individualismo no qual a luta de classes deve ser obscurecida, dando lugar a um
estranhamento interclasse.
Sem desconhecer as especificidades de cada país, essa década marca um giro
extremamente importante em nível mundial, enquadrado pelo avanço da ofensiva
neoliberal em duas das suas principais características: o desmonte da responsabilidade
pública em relação às grandes problemáticas sociais e a proposta de Estado mínimo.
Contudo, em todos os quadrantes do planeta, é notório que a ofensiva neoliberal exige a
reconfiguração do Estado.
Para tanto, instaura-se um período de investida do pensamento conservador que
não encontra precedentes antes dos últimos 30 anos do século 20. O conservantismo
consegue de tal forma obnubilar o real, que o traveste de uma irracionalidade pós-
moderna, caucionando o fragmentário, o caótico, as novas “identidades sociais” e os
“novos movimentos sociais”. O capitalismo incorpora essa irracionalidade. Isto
porque o problema é superar não uma racionalidade, tomada como tal, mas uma
racionalidade que foi instrumentalizada pelo capital. Mas isto significa colocar em
questão a ordem vigente , e é próprio dos pensadores pós-modernos caucionar a
ordem vigente. Porque sustentar o fim ou a exaustão do modelo societário
precedente é sus-tentar também todo um bloco sociocultural que foi extremamente
funcional ao capital.
A conjugação destes elementos implica em uma nova sociabilidade, que se inicia
com o redimensionamento da classe trabalhadora e envolve o aprofundamento da
questão social.
Políticas sociais sob a égide do neolibera-lismo no Brasil
Até a década de 1980, na maior parte dos países latino-americanos, foi o Estado,
por meio de suas políticas sociais, quem assumiu prioritariamente a atenção das
sequelas da questão social. É a partir deste decênio que, em um claro ataque aos
princípios do Estado social, os neoliberais promoveram a redução de qualquer
intervenção estatal no interior da dinâmica do mercado, em particular aquelas
portadoras de mecanismos democráticos que pudessem controlar o movimento do
capital. Não há um aumento significativo, em nenhum país latino-americano, do
mercado de trabalho formal. Cresce a informalidade. O que se assiste, dos anos 1980
para frente, é um estímulo claro à organização dos informais.
Uma das transformações mais importantes foi a redução da ação reguladora do
Estado . Os estratégias neoliberais argumentam, tout court, que somente um Estado
mínimo pode propiciar uma administração racional, que incorpore os diversos
segmentos sociais aos bens socialmente produzidos por meio da integração ao
mercado. Argumentam que a ótica patrimonialista e extremamente onerosa do
Estado (especialmente o Estado de bem-estar) é, na verda-de, ineficaz, e produz
efeitos contrários aos deseja-dos, criando desigualdades onde supostamente se pre-
tendia obter uma maior equidade.
Assim, entra em curso a tendência a transformar os regimes universais de proteção
social em uma par-ticularização de benefícios sociais. Tem-se, por um lado, a
redução e a focalização da ação estatal para aque-les casos mais imediatos e urgentes
(consubstanciando o princípio da subsidiariedade do Estado); e, por outro lado, a
privatização e a consequente transformação em mercadoria dos serviços sociais a
serem adquiri-dos no mercado pelo “cidadão consumidor” ( MOTA, 2005). Essas
mudanças foram comandadas pelo Con-senso de Washington, que estabeleceu
regras a serem implementadas nos países periféricos para enfrentar a crise do
capitalismo.
A pobreza, caracterizada pelas franjas anteriormen-te aludidas, passa a ser vista como
algo inarredável e ineliminável, posto que faz parte do ordenamento social. Desta forma,
há que mantê-la em níveis suportá-veis, ou seja, há que se combater a pobreza absoluta4.
É esta que é posta em condições de ser erradicada. O fundamental passa a ser “controlar a
pobreza”.
Neste contexto, é incentivado o surgimento de segmentos sociais, agrupados quer por
suas “identi-dades”, quer por suas “necessidades” e “diferenças”, que começaram a ganhar
proeminência para a inter-venção de políticas sociais específicas para cada um destes
segmentos. Seguindo o receituário neoliberal e das agências financeiras internacionais
multilate-rais, estas políticas não mais seriam conduzidas ex-clusivamente pelo Estado, e
sim pela “sociedade ci-vil”,pelas organizações não governamentais ( ONG), pelas
empresas e pelo denominado Terceiro Setor. Assim, o combate à pobreza absoluta se dá
por meio de políticas denominadas de “ações afirmati-vas” (PAA).
Políticas de ação afirmativa à brasileira
No Brasil, o pioneirismo do Partido dos Trabalha-dores (PT), em relação aos seus
irmãos sul-ameri-canos, no tocante à eleição de governantes oriundos de partidos de
esquerda, materializado na legitimida-de conferida nas urnas, em outubro de 2002, à
candi-datura de Lula da Silva, não impediu uma política de aprofundamento das medidas
de caráter neoliberal. E isto se verificou, notadamente, no que diz respeito à continuidade
de uma política macroeconômica ab-solutamente favorável ao capital financeiro – tão cara
aos governos anteriores, aos quais o PT, agora no governo, criticou sempre exacerbada e
enfaticamente (LEITE et al., 2008).
Eleito pela esperança de 53 milhões de brasileiros para levar adiante um projeto
alternativo às medidas ditadas pelos organismos internacionais (FMI, BM etc.) e pelo
governo dos Estados Unidos, Lula da Silva con-templou a população brasileira com um
conjunto de ações que, hoje, surpreendem até os seus formuladores originais
(COGGIOLA, 2004). Esta foi a opção do PT , anunciada desde antes das eleições: honrar
todos os contratos com o capital. Nenhum contrato foi honrado com os trabalhadores
(PAULO NETTO, 2004). O PT chega, portanto, ao governo, da mesma forma como se
executa uma melodia ao violino: segura com a mão esquerda e toca com a direita.
Reformas que não medraram no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) foram
encaminhadas açodadamente no primeiro mandato do governo petista. Nesse sentido, a
reeleição de Lula da Silva não aportou, no todo, maiores novidades – internas ou externas.
No processo eleitoral, o Bolsa Família foi a principal moeda de troca, notadamente entre
os segmentos mais pauperizados da população. Aliás, as políticas assistencialistas foram
cuidadosamente ministradas aos brasileiros, ao mesmo tempo em que políticas
macroeconômicas de corte o mais ortodoxo possível os empobrecia. Produziu-se, assim,
uma química altamente apassivadora de prováveis conflitos advindos de uma horda de
miseráveis DIAS,( 2006). Some-se a isso um discurso messiânico de péssima envergadura
e tem-se, facilmente, a maior parte dos votos que reelegeram Lula da Silva.
Destarte, esse assistencialismo prima: não somente retira, paulatinamente, toda e
qualquer responsabilidade do Estado, no que diz respeito ao financiamento e à gestão das
políticas sociais, como também joga, pesadamente, essa responsabilização sobre as
famílias e comunidades (outorgando-lhes, ainda, uma boa dose de culpabilização pela sua
própria situação de penúria social).
Garante-se, assim, a continuidade (sempre aprofundada) do projeto inicial de Fernando
Collor (que desorganiza o Estado), assumido por FHC (que o desmonta) e que,
provavelmente, será coroado por Lula da Silva (cuja missão é redesenhar o Estado).
Portanto, o fenômeno que se delineia e consolida, nos últimos 8/10 anos, é a
assistencialização do conjunto das políticas sociais, ou seja, essas políticas, antes
universalistas, passam a assumir um cariz nitidamente assistencialista, focalizado, pontual,
segmentado, clientelístico e descentralizado (descentraliza-se a tarefa, e não o recurso) (
PAULO NETTO, 2004; IAMAMOTO, 2007). Trata-se, antes de mais, de ordená-las
segundo as prioridades que podem tornar mais perigosas as classes perigosas.
Nenhum dos programas que, hoje, está em voga, oferece qualquer porta de saída.
Apresentar esse tipo de solução como algo mais que emergencial, não é apenas um
equívoco. É muito mais que isso: é uma orientação política de natureza claramente
ideológica. Dá-se aos pobres o seu lugar para conservá-los como tais.
Neste quadro de assistencialização do conjunto das políticas sociais, o que se tem é uma
cronificação do combate à pobreza. E, na medida em que este conjunto se cronifica e se
transmuta em políticas sistemáticas, os resultados para a sociedade brasileira e a sua
grande massa de trabalhadores – empregados ou não – serão deletérios.
É justamente por operar neste mosaico ideológico que as PAA, notadamente a política
de cotas (seja qual for o seu naipe), prometem, em nome de “reparações sociais”, uma
suposta mobilidade social ascendente adquirida a partir de uma desigualdade de gênero,
etária, étnica etc. Tudo. se transforma em um problema do idoso, da mulher, do jovem, do
índio...
Ou seja, nulifica-se a classe social, porque tudo pas-sa a derivar de grupos específicos, que
são descola-dos de uma totalidade social (LEITE, 2008).
Um caminho – a luta coletiva
Em 1995, foi realizada, em Brasília, a I Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo,
pela Cidadania e pela Vida. Entre os anos 2000 e 2001, ocorreu uma frenética
mobilização, que culminou com a participação na III Conferência Mundial das Nações
Unidas contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata
(Durban, África do Sul), que deixou como saldo um processo que agora auge com os
manifestos pró e contra a adoção do sistema de cotas (VITÓRIA , 2004, 2007).
Este é o resultado mais visível do processo de organização do movimento negro no
Brasil, sobre o qual será feita uma breve digressão.
Em meados dos anos 1970, o regime militar começa a dar mostras de exaustão.
Presencia-se o ressurgimento da sociedade civil, a partir de militantes das Comunidades
Eclesiais de Base, vinculadas à Igreja Católica, sensível às organizações de esquerda e
sindicatos. Articula-se uma rede de movimentos populares urbanos que buscam
representar as mais diferentes reivindicações em espaços como fábricas, associações de
moradores, movimentos por moradia, contra o aumento do custo de vida, movimento
estudantil, entre outros. E aí se encontram, também, as organizações do movimento negro.
Em 1978 é fundado o Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial.
Em um primeiro momento, as organizações sociais e sindicatos buscam estabelecer uma
posição de autonomia frente a partidos políticos, instituições, igrejas etc., sendo frequentes
as tensões entre os movimentos e partidos ou entre os movimentos e a Igreja.
Na relação destes movimentos com o Estado, o potencial deste último como indutor de
demandas, acaba por ficar oculto no discurso das organizações, que destacam a autonomia
e o caráter ante Estado dos movimentos sociais, configurando uma relação de negação do
Estado ditatorial e de oposição ao governo militar. O Estado procura garantir alguma
legitimação pelo consenso passivo e passa a responder às reivindicações dos movimentos
mediante a efetivação de políticas sociais nas áreas de saúde, saneamento básico, sistemas
de transporte, dentre outras, o que redunda na ampliação das demandas populares. Essas
medidas, já no início da década de 1980, em função da crise econômica e das
manifestações de ação direta, encontram um Estado incapaz de dar respostas rápidas aos
anseios dos setores sociais atingidos pela recessão.
No enfrentamento desses dilemas, a sociedade brasileira vai apurando a construção
de um novo padrão de organização, que ganha um corpo político.
Pessoas antes sem nenhuma participação política surgem em cena com uma
disposição militante diferente daquela existente na lógica populista anterior . É fundado o
PT que, no leque de partidos políticos gerados pela reforma partidária de 1979, viria a
representar um canal institucional de participação das camadas populares que para ele
acorreram por meio dos novos movimentos sociais e sindicais. É também criada a Central
Única dos Trabalhadores (CUT), em 1983, articulando as forças do novo sindicalismo,
nas-cido,principalmente, nas greves do ABC paulista.
No PT e na CUT, entidades construídas como ins-trumentos da luta de classes, a
geração de militantes negros oriunda dos anos 70 encontra seu espaço para continuar
desenvolvendo sua luta antirracial. Nesse cenário, as questões trazidas pelos mili-
tantes negros eram vistas como mais uma das consequências da divisão da sociedade
em classes sociais, inerente ao capitalismo e, desta forma, inseridas no que, desde o
século 19, conhece-se como questão social.
Até o final da década de 80, percebe-se que a mobilização política da população
negra logrou alcançar espaços de participação política institucional por meio dos
Conselhos de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, órgão que
surge primeiro em São Paulo, sob o governo de Franco Montoro, e que depois
servirá de modelo aos demais governos estaduais. Outra mostra do avanço da luta
negra é o fato de a existência da discriminação racial ter sido admitida, no interior
do processo de elaboração da Constituição de 1988, não como contravenção penal
(como aparecia na Lei Afonso Arinos, de 1951), mas sim, tipificada como crime
inafiançável e imprescritível.
Toda esta construção começa a ruir quando, inicialmente com o Comunidade
Solidária, de FHC, e posteriormente mediante a implementação, a granel, das PAA,
pelo governo de Lula da Silva, os setores menos politizados do movimento negro
anteviram formas mais céleres e menos “trabalhosas” (como a luta coletiva) para
alcançarem seus objetivos. O negro, de segmento historicamente explorado, passa a
ser portador de uma dívida histórica, hipotecada pelo seu caráter de opressão. O ne-
gro, doravante, não mais pertence à parcela dos explorados pelo capital – portanto,
“igual” a todos aqueles pertencentes à classe trabalhadora –, mas descola-se dos
trabalhadores, para se tornar “merecedor” de políticas de exceção, porque é
“diferente” dos demais. Que os outros trabalhadores busquem seus espaços
específicos, quer para terem acesso aos estudos, quer para conseguirem um lugar no
mundo do trabalho. Instala-se o reinado do “farinha pouca, meu pirão primeiro”.
Neste encadeamento, o ingresso nos cursos de nível superior apresenta-se como a mais
rápida oportunidade para a ascensão social. Troca-se o diploma de “doutor” pelo silêncio
das reivindicações por uma educação integral, formadora e propedêutica desde a infância.
A universidade resolverá os problemas de antanho. Verdadeiro elixir de catuaba.
O fato de que o ingresso no mercado de trabalho é um problema estrutural não importa;
será resolvido com a implementação de novas cotas, preferencialmente para o setor
público (mais “garantido”).
Para o alcance destes objetivos, não interessa a sua forma final, não interessa o conteúdo
das discussões. A máxima de que “o fim justifica os meios” é posta em movimento,
n’importe qui, n’importe quoi. Assim, trabalhador passa a desconhecer trabalhador, a
partir da sua cor de pele, de seu gênero, de sua idade.
Outro caminho – ... e continuaremos negros 5
A implementação do sistema de cotas raciais para o ingresso de estudantes negros no
ensino superior e a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial são, hoje, os principais
temas colocados pela população negra na pauta de discussão da sociedade brasileira.
É notória a existência de desigualdades a serem enfrentadas pelos negros que, nesta
sociedade, possuem – na média geral – menos escolaridade, salário, saúde, emprego e
moradia que os brancos e asiáticos. Entrementes, não é suficiente ancorar a luta contra o
preconceito e a discriminação que atingem a população negra brasileira com um
imperativo moral que se estabelece exaltando a particularidade.
As especificidades precisam ser vistas também no que possuem em comum e, por este
prisma, é necessário considerar que as dificuldades encontradas pelos estudantes negros
são as mesmas enfrentadas por estudantes pobres, filhos de trabalhadores não negros, que
chegam às portas da universidade e não conseguem adentrá-las, em função de uma
educação formal deficitária, oferecida por uma rede pública desqualificada pela falta de
investimentos dos sucessivos governos. Também eles são componentes de um segmento
da sociedade que vive em precárias condições socioeconômicas. Mesmo aqueles ferrenhos
defensores das cotas – que por vezes incorrem no equívoco de confundir racismo com
acesso – reconhecem esta realidade:
[...] Afinal, sejamos honestos, bons colégios, cursos de língua estrangeira, acesso às
salas de cinema, teatro e artes, colônias de férias, viagens familiares e escolares,
aquisição de jornais, revistas, material di- dático de bom e moderno conteúdo,
manejo regular de equipamentos como computador e acesso a re- des de
informação disponíveis pela internet, ambi- ente domiciliar dotado de infraestrutura
adequada à realização das tarefas escolares é uma questão de classe e não, exata ou
exclusivamente, de mérito (CICONELLO, 2008, p. 2-3).
importante dessas novas formas de políticas para atender o social – e escamotear as
expressões da questão social – materializa-se como “instrumentos para eliminar o caráter
da luta política, convertendo os conflitos e tensões sociais em expressões vazias de sentido
transformador, com a intencionalidade de convertê-las em expressões neutras”.
Está colocada, desta forma, a vigência da luta de classes, que só será superada por uma
ação anticapitalista que vise construir um projeto societário que, alternativo ao
capitalismo, possa estender o di- reito a todos sob uma lógica centrada no Homem,
buscando sua emancipação.
Como já exposto, é justamente na área da Educa- ção que as PAA têm obtido maior eco. É
também nela que não se encontra, em seu
cerne, uma política que res-
ponda aos
interesses, e muito
menos aos anseios da classe
trabalhadora. O caráter am-
bíguo desta
proposta pode es-
tar relacionado ao fato de que
tais ações não se caracterizam
como
uma política pública de
cunho universal, porque diz
promover o acesso de parce-
la da
população tradicional-
mente discriminada sem, no
entanto, capacitá-la para de-
senvolver plenamente suas
potencialidades, e muito me-
nos prever mecanismos
para
isso (GLÓRIA, 2006). Afinal,
que tipo de mecanismos es-
tão sendo criados pelos
defen-
sores destas ações no interior das universidades para a manutenção de estudantes
cotistas até a conclusão de seus cursos superiores? (LEITE, 2008). A não ser que se deseje
chamar programas como o Afroatitude – Programa Integrado de Ações Afirmativas para
Ne- gros, do Ministério da Saúde6 – de Política de Assis- tência (ou permanência)
Estudantil.
Esse tratamento “preferencial” destinado àque- les que historicamente foram
marginalizados, coloca em questão, além dos aspectos citados, vários outros relacionados
ao acesso de grupos específicos (não só dos negros), uma vez que apresenta um caráter
contraditório: ao mesmo tempo em que propagandeia a ampliação da oportunidade e
ascensão social, re- força estereótipos já existentes de falsas “inferiori- dades”. Isto
porque, por meio da adoção de um percentual numérico, cujo objetivo principal é garan tir
a presença de parcela da população socialmente discriminada em diversas esferas da vida
social – no caso em tela, na universidade –, a política de cotas, lamentavelmente, acaba
reforçando uma pretensa incapacidade desses indivíduos, posto que se baseia na utilização
do desprestígio como critério específi- co. A decisão política de “reparar” os danos
sofridos por segmentos sociais não deve implicar em um con- junto de políticas ditas
“afirmativas”. Nem, tampouco, a luta em defesa de políticas específicas que acarre- tem a
subestimação da necessidade de se promover realmente uma luta em benefício destesgrupos, até porque este argumento mistifica e escamoteia a ver- dadeira gênese: a
desigualdade de classe que se de- seja ver perpetuada. Assim, essa inclusão se daria
permanentemente em patamares subalternos à or- dem e à classe dominante, anestesiando
a percepção do servilismo e da desigualdade. Teoricamente, es- sas políticas surgem para
privilegiar segmentos dis- criminados, mas na prática acabam dispensando um tratamento
desigual aos “de- siguais”, na medida em que buscam promover a igualda- de de
oportunidades por meio de ações igualmente discri- minatórias que, consequen- temente,
caracterizam (ou até mesmo reforçam) a inferio- ridade destes segmentos.
No estágio atual do capi- talismo, as PA A estão muito mais próximas de esmolas
oficializadas, com o auxílio fabuloso da mídia convenci- onal, do que qualquer outra
compensação. De políticos a empresários e artistas, todos pedem esmolas em nome das
populações sobrantes para o capital (SOUZA et al., 2006),
tamanha a sua competência para incorporar os anseios dos trabalhadores para sobreviver,
e de en- contrar, no seio da classe trabalhadora, serviçais ávi- dos e aptos ao seu
chamamento.
Direção a seguir – sem atalhos
Foi colocado em curso um amplo conjunto de “for- mas alternativas” de encaminhar os
programas soci- ais, que passam a ocupar espaços onde antes predo- minava o Estado. Os
serviços sociais enfrentam uma situação extremamente crítica, agravada de forma
dramática pelas sucessivas crises e com a interfe- rência das medidas reformistas que
desorganizaram as práticas anteriores sem colocar nada em seu lu- gar. Entretanto, deve-se
ter presente que uma parte importante dessas novas formas de políticas para aten- der o
social – e escamotear as expressões da ques- tão social – materializa-se como
“instrumentos para eliminar o caráter da luta política, convertendo os conflitos e tensões
sociais em expressões vazias de sentido transformador, com a intencionalidade de
convertê-las em expressões neutras”.
As políticas sociais, travestidas doravante em “programas para grupos historicamente
oprimidos”, mediante as PAA, funcionam exatamente como ins- trumento de divisão da
classe trabalhadora, a partir de sua característica residual, pontual e fragmen- tadora.
Perde-se, com isso, o horizonte da luta co- letiva. Além disso, a focalização despolitiza as
polí- ticas, tirando o foco da totalidade do real, naturali- zando, banalizando e – ato
contínuo – criminalizando as refrações da questão social, transformando-as em expressões
individuais.
É evidente que o combate a essa lógica demanda relações com a dinâmica do movimento
das classes sociais e dos movimentos sociais, que são interlo- cutores extremamente
significativos. Portanto, na trilha do método já sobejamente empregado, estes são
interlocutores que devem ser cooptados ou, caso necessário, corrompidos. Mas é preciso
lembrar duas coisas: primeiro, que o movimento social é capaz de ajudar e promover a
emancipação política. Mas – segundo – movimento social nenhum promove a
emancipação humana. Se os movimentos sociais não encontrarem uma outra instância,
uma instância de universalização de interesses sociais, serão corporativizados. Isto porque
é notório que os movi- mentos e grupos que militam nestas áreas têm se mostrado
corporativos e restritos em suas demandas e formas de encaminhamento das lutas sociais,
neles predominando uma visão instrumental, moral e conjuntural do Estado, das políticas
sociais e das ins- tituições que eles pretendem influenciar para orien- tar suas ações. Sua
ótica não é equitativa e/ou universalista, mas particularista, e sua capacidade de
mobilização está marcada pelo apelo emocional.
É por isso que as PAA, além de não serem políti- cas sociais, também não representam
sequer a possi- bilidade de uma transição para políticas universalistas. A consequência
imediata é o enfraquecimento da luta por novos direitos e a fragilização daqueles já
conquis- tados. Esse é só um pálido quadro do peso das singu- laridades e das
particularidades na esfera onde só há avanço possível no marco da universalização. A re-
versão deste quadro pressupõe a articulação das dife- rentes esferas da sociedade em uma
perspectiva de ampliação e politização do debate, a fim de que o dis- curso apassivador e
anestesiante não encontre eco.
Somente recuperando a matriz universalista e a luta coletiva, materizalizada na
consciência de “classe para si”, os horizontes presentes poderão transformar-se em um
futuro possível, quando então as “massas” sairão de um contexto de espera de “benesses”,
para uma realidade de transformação histórica.
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Notas
1. 1 Aqui se refere à denominaçã o assumida hodiernamente por alguns partidos
políticos e movimentos sociais que, em um retrocesso semâ ntico e político,
caracterizam segmentos sociais por suas “ especificidades” : mulheres, jovens,
negros, homossexuais etc. – de “ explorados“ (vinculaçã o direta à luta de classes),
passam a ser “ oprimidos“ (individualizaçã o e vitimizaçã o de questõ es
coletivas).
1. 2 “[ ...] a questã o social enquanto parte constitutiva das relaçõ es sociais
capitalistas éapreendida como expressã o ampliada das desigualdades sociais: o
anverso do desenvolvimento das forç as produtivas do trabalho social. Sua produçã
o/ reproduçã o assume perfis e expressões historicamente particulares na cena
contemporânea. Requer , no seu enfrentamento, a prevalência das necessidades da
coletividade dos trabalhadores, o chamamento à responsabilidade do Estado e ‘a
afirmaçã o de políticas sociais de caráter universal, voltadas aos interesses das
grandes maiorias, condensando um processo histó rico de lutas pela democratizaçã
o da economia, da política, da cultura na construçã o da esfera pública’” (
IAMAMOTO, 2001, p. 10-11, grifos da autora).
1. 3 Expressã o usualmente utilizada para designar o liberalismo econô mico
clássico, ou seja, o modelo que propugna que o Estado deve interferir o menos
possível na economia, limitando-se a ofertar bens públicos nã o interessantes para
o mercado, que deve fluir sem amarras.
1. 4 Aquela que envolve uma renda diária per capita de um dó lar e que éo
principal objeto dos Objetivos do Milênio (FMI e Banco Mundial) para ser
erradicada.
1. 5 Alusão ao texto de Vitó ria (2007).
1. 6 Programa oficial que, sob a justificativa de promover a permanência de
cotistas negros nas universidades públicas que adotaram este tipo de sistema para
ingresso, na verdade viabiliza farta mão de obra gratuita para a consecução dos
programas governamentais. Prevê que as universidades públicas que adotaram o
sistema de cotas para alunos negros terão bolsas destinadas a estes, mas elas “ [...]
estão condicionadas a inserção destes na discussão/investigação sobre as relações
existentes entre a epidemia de aids, o racismo, a vulnerabilidade e os direitos
humanos” ( BRASIL, 2006). Isto quer dizer que a assistência estudantil, que,
antes, deveria ser um direito de todo estudante, passa a ser não só condicionada,
mas também “privilégio” de alguns alunos em universidades que assumiram um
determinado perfil, no caso, o de cotas étnicas.
Janete Luzia Leite janeteluziaufrj@gmail.com
Doutorado em Serviço Social pela Escola de Serviço Social (ESS) da Universidade
Federal do Rio de Ja-neiro (UFRJ)
Profa. Associada da ESS da UFRJ
ESS – UFRJ
Av. Pasteur, 250 - Campus Praia Vermelha
Praia Vermelha
Rio de Janeiro – Rio de Janeiro
CEP: 22290-240
R. Katál., Florianópolis, v. 14, n. 1, p. 23-31, jan./jun. 2011
ATIVIDADE
TRECHO DO TEXTO CONCEPÇÃO DO DISCENTE SOBRE O TRECHO
TRECHO DO TEXTO CONCEPÇÃO DO DISCENTE SOBRE O TRECHO
Atividade Escrita
Posicione-se criticamente sobre a temática do texto, levando em consideração
os aspectos científicos e evitando falas do senso comum.
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Comunicação de Massa: algumas questões teóricas e metodológicas
Prof. Dr. Oscar de Faria - Doutor em Sociologia pela Sorbonne (França)
RESUMO: Este artigo tem como objetivo o estudo de diferentes correntes de
pensamento que se ocuparam da ação social e dos meios de comunicação na
modernidade. A problemática da influência exercida pela mídia sobre o indivíduo
e a sociedade traz consigo além da discussão dos efeitos da mídia a
preocupação com problemas de identidade e do sujeito. Sob esses aspectos, são
colocados em evidência as principais características das diferentes abordagens a
esse objeto de estudo.
PALVRAS-CHAVES: Ação Social, Teorias, Paradigmas, Comunicação de Massa
da Comunicação.
Cet article vise à l'étude des différents courants de pensée qui a occupé de
l'action sociale et des médias dans la modernité. Le problème de l'influence
exercée par les médias au sujet de l'individu et la société apporte avec elle, au-
delà de la discussion des effets de la préoccupation des médias avec les
questions d'identité et de l'objet. En vertu de ces aspects, sont mis en preuve les
principales caractéristiques des différentes approches à cet objet d'étude
Introdução
As diferentes maneiras de conceituar o indivíduo, a interação social e o
papel da mídia no processo de socialização das pessoas foram e continuam a
ser objeto de estudo e controvérsia no mundo acadêmico e são bastante
conhecidas entre nós, o que nos permite abordar essa problemática
metodológica a partir de algumas descrições teóricas que nos evidenciem
determinadas características fundamentais das diferentes perspectivas teóricas e
suas possíveis implicações.
Já no século XVIII, os iluministas, em sua crítica a sociedade de sua época,
evidenciavam o quanto ela era irracional, injusta e impediam o progresso e a
liberdade do homem. A indagação crítica da sociedade baseava-se no uso da
razão e da observação. A crença no uso da razão e a idéia de um progresso
contínuo constituem algumas das características do projeto iluminista que tinham
por finalidade a emancipação do homem e o
progresso. Armados desse instrumental teórico-metodológico posicionavam-se
de forma revolucionaria contra os fundamentos das instituições existentes, uma
vez que estas apareciam como um obstáculo ao progresso e à liberdade do
indivíduo, e a sua plena realização.
A profundidade das transformações econômicas, políticas e culturais
decorrentes do avanço da industrialização e da Revolução Francesa foi
amplamente discutida e é do conhecimento de todos nós.As novas condições de
vida provocada por essas transformações foram analisadas por diferentes
pensadores do séculos XVIII e XIX.Um dos eixos para pensar a sociedade
moderna pode ser encontrado na análise sociológica de Ferdinand Tönnies na
sua teoria dos vínculos sociais - gemeinschaf versus gessellschaf.Karl Marx
baseará sua reflexão sobre a maneira de produzir do novo modo de produção,
sobre as forças produtivas, contradições e crises do capitalismo. No final do
século XIX , Durkheim publico a Divisão Social do Trabalho. Para ele a divisão do
trabalho e duma sociedade era a principal fonte de solidariedade social ao invés
de acarretar conflitos sociais . Esta solidariedade esta relacionada aos vínculos
sociais que unem seus membros, problemática também encontrada em
Ferdinand Tönnies .Esse gênero de relacionamento na nova sociedade foi por
ele denominada de solidariedade orgânica.Com o aprofundamento da divisão do
trabalho o grau de individualidade e diferenciação social dentro da sociedade
aumenta consideravelmente ao mesmo tempo que a relação de cooperação e de
solidariedade entre os homens. No entanto, esta solidariedade não impedia os
conflitos sociais e instabilidade política, ou seja, o “desequilíbrio social“. Crises
econômicas, conflitos sociais e políticos ocorridos com a evolução da sociedade
constituem para ele vários exemplos de anomia, ou seja, ”desarmonia social”.
Diferentemente de Marx, Durkheim atribuía a origem da “desordem” a fatores de
ordem moral e não de natureza econômica e que a ciência seria um instrumento
para encontrar as soluções adequadas aos problemas encontrados. O objeto de
estudo da sociologia era, para ele, os fatos sociais e que estes deveriam ser
compreendido como “coisas e deveriam ser tratado como coisas”, ou seja, como
exteriores e coercitivos aos indivíduos, como uma contrainte (constrangimento)
imposta aos indivíduos por forma de agir que lhe são exteriores.
Estamos, pois, diante de uma ordem de fato que apresenta caracteres muito
especiais: consistem em maneiras de agir,de pensar e de sentir exteriores ao
individuo,dotadas de um poder de coerção em virtude do qual se lhe impõem .Por
conseguinte,não poderiam se confundir com os fenômenos orgânicos, pois
consistem em representações e em ações; nem com os fenômenos psíquicos,
que não existem senão na consciência individual e por meio dela.
Constituem,pois, uma espécie nova e é a eles que deve ser dada e reservada a
qualificação de
sociais. Esta é a qualificação que lhes convém; pois é claro que,não tendo por
substrato o individuo, não pode possuir outro que não seja a sociedade”
(DURKHEIM, Emile, 1971:03)
A problemática da exterioridade e coercitividade dos fatos sociais foi
associada por muito de seus críticos a incapacidade do indivíduo em determinar
o que lhe acontece, como negação do sujeito, uma vez que o modo agir, pensar
e sentir dos indivíduos não era por eles determinado.
Positivismo e Ação Social
Durkheim situa-se na linha do positivismo francês . A sociologia, para ele,
deveria basear-se na observação e experimentação, ou seja, o mesmo método
de investigação das ciências naturais.
Pertencente a uma outra corrente de pensamento, Max Weiber, assim como
Durkheim, é tido como um dos grandes teóricos da sociologia. Ligado a tradição
“compreensiva” definia a sociologia como “uma ciência que procura uma
compreensão interpretativa da ação social para, a partir daí, chegar à explicação
causal do seu sentido e dos seus efeitos”. Em sua obra Economia e Sociedade
analisa assim como Tönnies e
Durkheim, a problemática dos vínculos sociais característicos de uma sociedade.
Ele ressalta igualmente, alem das contradições econômicas, as formas de
racionalidade. No entanto, apesar das influências das idéias de Marx, discordava
do determinismo econômico característico de uma certa interpretação do
pensamento marxista.
Diferentemente de Durkheim, que considerava a ação social de maneira
objetiva, para Weiber a compreensão da ação dos indivíduos, ou seja, da ação
social, deveria constituir o ponto de partida da analise sociológica e só poderia
ser apreendida suficientemente de modo subjetivo. Ao contrario do positivismo
Durkheimiano a sociologia compreensiva de Max Weiber ressaltava a
importância de compreender s intenções e motivações do indivíduo.
As representações que os indivíduos, grupos e classes sociais constroem
sobre a maneira como eles agem e estão inseridos na sociedade são
interpretadas de modo diverso pelas distintas tendências do pensamento
científico, ou melhor, podem ser “enquadradas” em diferentes paradigmas
teórico-metodológicos. Nas ciências sociais são três as “matrizes
de pensamentos” geralmente descritas: O funcionalismo, personificado em
Durkheim, o marxismo e o weberianismo.
Nosso objeto de estudo – os relacionamentos entre o indivíduo, a sociedade
e a mídia
– implica a análise de um conjunto de pressupostos acerca da natureza da
sociedade, do indivíduo, do relacionamento entre ambos e da influência da
comunicação de massa. Feita a ressalva, cabe identificar a seguir as principais
características das diferentes abordagens que se ocuparam da problemática em
questão.
Indivíduo e Mídia na Sociedade Pós-moderna
Assim, tendo como foco principal a perspectiva liberal, partiremos das
análises desenvolvidas por Gille Lipovetsky em Metamorfoses da cultura liberal
para podermos melhor compreender o que está em jogo teórica e politicamente
nas “guerras teóricas e culturais” travadas entre diferentes correntes de
pensamento.Tendo como objetivo conhecer o nosso tempo Lipovetsky nos fala
da sociedade liberal pós-moderna cuja cultura ele caracteriza como neo-
individualista. O declínio das ideologias messiânicas, das grandes
representações do progresso e da história correpondem para ele à revitalização
da exigência ética. Sua hipótese é que estamos presenciando uma nova fase da
história moral. A cultura cotidiana é hoje dominada pela felicidade, pelo sucesso
pessoal, pelos direitos dos indivíduos contrariamente a fase anterior onde os
grandes imperativos do dever sacrificial imperavam . A moral pós-moderna é
emocional, uma moral adequada aos novos valores de autonomia individualista.
O sentimento de soberania do indivíduo remonta ao século XVI e muitos
movimentos importantes contribuíram para essa concepção do Homem racional e
científico característica dos filósofos iluministas. Descartes , Bacon, Hobbes e
outros são considerados os precursores dessa nova forma de compreensão da
realidade e dos fundamentos da ação social.
As pesquisas empíricas e as novas perspectivas teóricas em relação aos
atributos pessoais e sociais dos seres humanos provocaram desde o início do
século XX uma reformulação na maneira de interpretar os modelos de
comportamento de indivíduos e grupos. Passava-se de uma concepção das
ações e escolhas humanas baseadas na estrutura biológica herdada das teorias
sobre os instintos humanos à uma outra baseada num processo
de aprendizagem,no conceito de atitude como motivador de comportamentos. A
atitude era definida como “um processo de conscientização individual que
determina a atividade real ou possível do indivíduo em um mundo social”
(DEFLEUR, 1993: 195). A estrutura cognitiva
– organização psicológica interior-adquirida como resultado de nossas
experiências num determinado meio social passa a ser decisiva para influenciar
nosso comportamento.
Não é difícil imaginar a importância que essa “psicologia da aprendizagem”
acabaria tendo para a compreensão da influência da mídia de massa sobre o
comportamento humano e para as estratégicas teóricas para persuasão.
Apesar da importância dessa nova abordagem para a compreensão dos
efeitos da comunicação de massa um outro foco de pesquisa se abrira no campo
sociológico onde a preocupação central será com a diferenciação social na
sociedade moderna. Com o avanço da pesquisa empírica em sociologia tornava-
se cada vez mais claro para os sociólogos que a diferenciação social nas
sociedades urbano-industriais produzia modelos distintos de comportamento, ou
seja, os membros de uma determinada categoria social comportavam-se de
maneiras semelhantes, compartilhavam “crenças” e atitudes relacionadas com
sua posição e suas atividades na estrutura social e que poderiam ser
classificados em categoriassociais distintas que, por sua vez influenciariam o
comportamento dos indivíduos.
Como pode ser observado o problema em questão refere-se a problemática
do condicionamento da ação. Por outro lado contrapondo-se as concepções aqui
evidenciadas podemos ressaltar a analise da Escola de Frankfurt sobre o
processo de industrialização da cultura e suas conseqüências para sociedade e o
indivíduo. Os meios de comunicação são aqui analisados no contexto da
“sociedade de massa”. Adorno foi um crítico do iluminismo.
Para ele, o projeto iluminista de emancipação do homem resultou na reificação
das relações humanas. Segundo esta perspectiva não se pode mais pensar o
sujeito através das categorias psíquicas utilizadas pelos iluministas que o
concebem como um ser autônomo.
Lipovetsky, na obra citada, se interroga sobre o papel da mídia no processo
de massificação e contesta a analise da Cultura e Comunicação de Massa do
ponto de vista de
Escola de Frankfurt que vê a mídia como “uma fábrica de estereótipos a serviço
da consolidação do conformismo, da justificação da ordem estabelecida do
desenvolvimento da
“falsa consciência” e das asfixia do espaço público da discussão”. No entanto ele,
apesar de
reconhecer a influencia exercida pela mídia sobre a opinião pública e sobre os
indivíduos uma certa uniformização dos gostos e atitudes e a criação de modelos
comportamentais semelhantes, considera que a massificação dos modos de vida,
dos gostos e das práticas não uniformiza os pensamentos e os gostos mais do
que a escola e outras instituições e que essa homogeneização dos modos de
vida, dos gostos e comportamentos não tem caráter de obrigatoriedade, mesmo
reconhecendo a importância dessa influencia sobre o individuo e a sociedade.
A afirmação dos efeitos fortes e dominadores dos meios de comunicação
pode ser encontrada de certa forma também em outras abordagens que se
ocuparam dos efeitos da industria cultural como por exemplo a “Teoria da Bala
Mágica” que pressupunha que as exposição à comunicação de massa tinha
efeitos imediatos, uniformes e diretos na audiência
Como nos mostra De Fleur e Ball- Rokeach em Teorias da Comunicação de
Massa, as “teorias de influencia seletiva” constituíam uma nova explicação da
influencia da mídia de massa, das fontes de orientações sobre os tipos de fatores
– diferenças individuais, diferenciação social e relacionamento sociais – que de
alguma maneira contribuíam para a seletividade das audiências e
consequentemente a limitação do poder da mídia sobre o individuo e a
sociedade.
Como mostra DeFleur e Ball-Rokeach em As Teorias da Comunicação, as
“teorias das diferenças individuais” baseada em novos paradigmas psicológicos ,
afirmava que
as diferenças individuais na estrutura psicológica ou cognitiva dos membros da
audiência eram fatores decisivos para influenciar a atenção para mídia e o
comportamento diante de problemas e objetos ali discutidos. (DEFLEUR,
1993:197)
A “teoria da diferenciação social”, por sua vez, evidenciava que diferentes
categorias sociais geravam maneiras distintas de comportamento. Finalmente, a
“teoria dos relacionamentos sociais” nos mostrava a influencia dos
relacionamentos sociais no comportamento das pessoas.
Como podemos notar, tanto fatores psicológicos quanto sociológicos agiam
entre a mídia e a massa. Considerando as diferentes abordagens aqui
apresentadas pode-se notar que
de uma forma ou de outra, todas evidenciavam os limites do poder da mídia de
imposição de modelos de comportamento, de uniformização dos gostos e
atitudes.
A teoria sociológica da diferenciação social, anteriormente mencionada, nos
mostra uma explicação alternativa à teoria das diferenças individuais de
comportamento.Em quanto esta ultima linha de pensamento destacava o papel
da estrutura psicológica no comportamento dos indivíduos, a primeira colocava
em evidencia que “a diferenciação social produzia modelos distintos de
comportamento” (DEFLEUR, 1993: 204), ou seja, duas maneiras distintas de
encarar o condicionamento da ação social. No entanto, ambas destacavam
diferentes fatores-tanto psicológicos quanto sociológicos –agindo entre a mídia e
a massa limitando assim os efeitos fortes e dominadores dos meios de
comunicação implícitos em varias teorias como por exemplo a teoria da bala
mágica e a teoria crítica.
Lipovetsky, na obra citada, apesar de reconhecer os fundamentos da crítica
sociológica à tese da massificação, ou melhor, do papel de outros
condicionamentos diferenciados e diferenciadores, como de classe social”
(LIPOVETSKY, 2003:69) no comportamento dos indivíduos, refere-se a pratica
da mídia nas sociedades democráticas como uma contribuição a uma cultura
individualista como uma força que desencadeou “uma dinâmica de emancipação
dos indivíduos em relação às autoridades institucionalizadas e às coerções
identitárias” (LIPOVETSKY, 2003:70).
Indivíduo, liberdade e Mídia
A valorização do direito à autonomia individual promovida pela mídia é vista
por ele como a diminuição do poder regulador das grandes instituições coletivas
e dos modos de enquadramento sociais anteriores. Dessa forma as condutas
individuais teriam cada vez mais
“liberdade para compor e recompor suas orientações e modos de vida”
(LIPOVETSKY,
2003: 71). Essa tendência a individualização estaria enfraquecendo de uma certa
forma o papel dos condicionamentos sociais no modo de percepção e atuação da
“massa”.
A sacralização do direito à autonomia individual não implicaria para ele a
realização de uma democratização completa da cultura e afastaria as
contradições da nova cultura individualista. Essa difusão da individualização dos
modos de vida e dos comportamentos pela mídia, juntamente com o “superficial e
lúdico”, ou seja, sua capacidade de imposição de modelos que apesar de eficaz,
não são obrigatórios é vista mais “como instrumentos do
iluminismo do que como seu túmulo” (LIPOVETSKY, 2003: 73). O individuo
liberado da sujeição ao coletivo constitui uma das características do neo-
individualismo, tão presente nas sociedades pós modernas. Assim, “a condição
social pós moderna é comandada por esse ideal de controle soberano de si e por
essa luta sem fim contra o preexistente e o herdado”
(LIPOVETSKY, 2003: 21)
Os diferentes aspectos colocados em relevo nas abordagens aqui
mencionados podem nos servir como referencia para a compreensão de algumas
características teórico – metodológicas das “correntes de pensamentos” aqui
destacadas. A problemática da influencia exercida pela mídia sobre a opinião
publica e sobre os indivíduos trás consigo alem da discussão dos efeitos fortes e
denominadores a preocupação com os problemas de identidade e do sujeito.
Abordagens como a teoria hipodérmica (Bala Mágica ,Correia de
Transmissão, etc) teoria critica, espiral do silencio e agenda setting,
buscam afirmar uma teoria dos efeitos fortes e dominadores dos mass media,
pois partem dos mitos fundadores da sociedade de massa, onde os indivíduos
estão atomizados, alienados,presos no seu isolamento, ou então ilhados no seu
silencio.Logo, estes indivíduos estão sempre subjugados às ações externas , em
especial dos mass media: seja como pensar, no que pensar, o que não p
ensar ou sobre tudo silenciar.
(FERREIRA, 2001: 115)
Diferentemente da idéia aqui veiculada de que a mídia exerce o controle
e manipulação,impõe formas universalizantes de comportamento e consumo,
Lipovesky refere-se à contribuição da mídia para o desenvolvimento da
autonomia dos indivíduos e não só para sua passividade. Assim,
através dos noticiários e dos debates, a midia “ mecanicamente abre os
horizontes de cada um, dando a conhecer diferentes pontos de vista e
oferecendo diversos esclarecimentos. As questões relativas à vida política, aos
problemas sociais, a cultura e à saúde,entre outras, chegam a todos e blocos de
saber tornam-se disponíveis para a maioria...Amplificadores de comparações os
meios de comunicação de massa trabalham
para
(...) a individualização dos julgamentos,para a multiplicação dos
valores de referencia.
(LIPOVETSKY, 2003: 72)
Contrariamente as teses de passividade e de manipulação dos receptores
pelos MCM, embora numa perspectiva diferente da abordagem de Lipovesky, a
“perspectiva gramsciana”
estabelece a ruptura com a concepção do consumo como pólo determinado e
portanto passivo e relação aos pólos de produção e da mensagem e ate do meio
masssivo. O consumo passa a identificar o espaço da cotidianidade com suas
formas não-explicitas de luta e resistência (LOPES, 1999:56)
Assim, como podemos ver, a cultura da mídia nos permite compreender, a
partir desta perspectiva,não só que ela veicula uma forma comercial de cultura e
promove os interesses da “cultura hegemônica” como também reproduz posições
conflitantes, “promovendo às vezes forças de resistência e progresso”.
(KELLNER, 2001:27)
À tese da massificação é aqui contraposta por abordagens distintas da analise
da Cultura e Comunicação de Massa. No entanto ambos colocam em evidencia
diferentes fatores que de uma forma ou de outra limitam o poder de
condicionamento e de massificação dos MCM. De um lado,portanto estão
aqueles que acreditam que a industria cultural promove a alienação do
homem.Do outro lado,os que defendem o ponto de vista segundo o qual a
industria cultural nos permite vislumbrar algumas possibilidades de utilizar os
meios de comunicação em beneficio do homem.
A perspectiva individualista do sujeito e de sua identidade contrasta com a
percepção sociológica dos condicionamentos sociais da orientação da ação e da
concepção interativa da identidade do eu ressaltada não só na perspectiva
durkeimiana como na analise de certos marxistas estruturalistas que colocam as
relações sociais “ no centro de seus sistemas teóricos”.Para uns a orientaçao da
ação social é definida de modo subjetivo enquanto que os outros destacam o
condicionamento social da orientação da ação .
Em relação à questão de identidade um outro fator - a globalização - tem sido
considerado como um elemento que complexifica ainda mais as concepções de
identidade. Se por um lado, o sujeito do Iluminismo é visto como centrado,
unificado e dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, por
outro lado a “noção de sujeito sociológico
refletia a crescente complexidade do mundo moderno e a consciência que este
núcleo interior do sujeito não era autônomo e autosuficiente, era formado na
relação com “ outras pessoas importantes para ele” (...) O sujeito ainda tem um
núcleo ou essência interior que é o “eu real” mas este é formado e modificado
num
dialogo continuo com os mundos culturais “exteriores “ e as identidades qu
e esses mundos oferecem.
(HALL, 2001:11)
Assim, as pessoas, compartilhavam a maneira de sentir, pensar e agir de
acordo com sua posição e suas atividades na estrutura social. O estilo de vida
um tanto diferenciado possibilitava aos diferentes grupos sociais agir
diversamente.
No entanto, a visão do individuo moderno como unificado, cuja identidade
supõe –se fixa, coerente e estável ou mesmo a concepção “interativa” da
identidade do eu tem sido acompanhada por outras perspectivas que apontam
mudanças nos conceitos de sujeito e identidade ligados tanto a Iluminismo
quanto a perspectiva sociológica .O caráter da mudança implica que
o sujeito previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, esta
se tornando fragmentado;composto não de uma única , mas de varias
identidades,algumas vezes contraditórias ou não
resolvidas”(HALL, 2001:12)
Considerações Finais
O mundo “pós-moderno” estaria vivenciando a fragmentação do individuo
moderno visto como sujeito unificado. Esse processo de mudança refletia a
complexidade do mundo contemporâneo, o surgimento do sujeito pós-moderno
caracterizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente.
A proliferação dos discursos em torno de outros determinantes de identidade
social e de estruturação das categorias sociais como raça, etnias, preferências
sexuais e nacionalidades vieram juntar-se aos discursos em torno das classes. O
multiculturalismo proveniente dos novos discursos teóricos apontava para uma
nova concepção de identidade do sujeito
Como podemos observar as diferentes maneiras de conceituar o individuo, a
interação social e o papel da mídia no processo de socialização das pessoas
revelam que estamos diante de perspectivas teórico-metodológicas diversas, de
“modelos” interpretativos da ação social e da mídia diferentes,de coerentes de
pensamento não necessariamente excludente e a.antagônicas e que em
determinadas questões permitem influencias recíprocas na abordagem dos
fenômenos da Cultura e da Comunicação de Massa.
TITLE: Mass Communication: some theoretical and methodological issues
ABSTRACT: This article has as objective to study different currents of
thought that engaged in the social action and the media in modernity. The
problem of the influence exerted by the media on the individual and society brings
with beyond the discussion of the effects of the media concern with problems of
identity and of the subject. Under these aspects, are placed in evidence the main
characteristics of the different approaches to this object of study.
KEY-WORDS: Social Action, theories, paradigms, communication of mass
communication.
Referências Bibliográficas:
DEFLEUR, Melvin L. et BALL-ROKEACH, Sandra. Teorias da Comunicação de
Massa. Rio de Janeiro. Ed. Jorge Zahar, 1993.
DURKHEIM, Emile. As regras do Método Sociológico. São Paulo. Companhia
Editora Nacional, 1971.
FERREIRA, Giovandro Marcus. Teorias da Comunicação – conceitos, escolas e
tendências. Petrópolis (RJ). Editora Vozes, 2001.
HALL, Stuart. Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro. Ed.
DP&A, 2001.
KELLNER, Douglas. A Cultura da Mídia. Bauru (SP). EDUSC, 2001.
LIPOVETSKY, Gilles. Metamorfoses da Cultura Liberal – ética/mídia/empresa.
Porto Alegre (RS). Editora Sulina, 2003.
LOPES, Maria Immacolata Vassalo. Pesquisa em Comunicação. São Paulo.
Edições Loyola, 1999.
ATIVIDADE
TRECHO DO TEXTO CONCEPÇÃO DO DISCENTE SOBRE O TRECHO
TRECHO DO TEXTO CONCEPÇÃO DO DISCENTE SOBRE O TRECHO
Atividade Escrita
Posicione-se criticamente sobre a temática do texto, levando em consideraçãoos aspectos científicos e evitando falas do senso comum.
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