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Língua Portuguesa
FATORES DE COERÊNCIA TEXTUAL
A construção da coerência decorre de uma multiplicidade de fatores das mais diversas ordens: linguísticos, discursivos, cognitivos, culturais e interacionais. A seguir, estudaremos os principais desses fatores.
Elementos linguísticos
 Embora não seja possível apreender o sentido de um texto com base apenas nas palavras que o compõem e na sua estruturação sintática, é indiscutível a importância dos elementos linguísticos do texto para o estabelecimento da coerência. Esses elementos servem como pistas para a ativação dos conhecimentos armazenados na memória, constituem o ponto de partida para a elaboração de inferências, ajudam a captar a orientação argumentativa dos enunciados que compõem o texto, etc. A ordem de apresentação desses elementos, o modo com se inter-relacionam para veicular sentidos, as marcas usadas para esse fim, as “famílias” de significado a que as palavras pertencem, os recursos que permitem retomar coisas já ditas e/ou apontar para elementos que serão apresentados posteriormente, enfim, todo o contexto linguístico – ou cotexto – vai contribuir de maneira ativa na construção da coerência.
Conhecimento de mundo
 O nosso conhecimento de mundo desempenha um papel decisivo no estabelecimento da coerência: se o texto falar de coisas que absolutamente não conhecemos, será difícil calcularmos o seu sentido e ele nos parecerá destituído de coerência.
	Adquirimos esse conhecimento à medida que vivemos, tomando contato com o mundo que nos cerca e experienciando uma série de fatos. Mas ele não é arquivado na memória de maneira caótica: vamos armazenando os conhecimentos em blocos ou modelos cognitivos, como, por exemplo: Carnaval (confete, serpentina, desfile, escola de samba, fantasia, baile, mulatas, etc.), como pôr um aparelho em funcionamento, como vencer uma partida de xadrez, rituais religiosos (batismo, casamento, missa), a construção de determinado gênero textual etc.
 Além do conhecimento adquirido pela experiência do dia a dia, existe o conhecimento dito científico, aprendido nos livros e nas escolas. Nem sempre os dois tipos de conhecimento coincidem, o que pode criar problemas de coerência se procurarmos interpretar um texto científico com base em nosso conhecimento comum (ou vice-versa). Por exemplo, cientificamente, um morcego é um mamífero. Para muitas pessoas, porém, ele é uma ave (visto que voa). Se tais pessoas se deparassem com uma sequência como a seguinte, poderiam considerá-la incoerente: O morcego entrou pela janela e voejou sobre a sala. De repente, o mamífero enroscou-se nos cabelos da professora. 
Inferências
 Inferência é a operação pela qual, utilizando seu conhecimento de mundo, o receptor (leitor/ouvinte) de um texto estabelece uma relação não explícita entre dois elementos (normalmente frases ou trechos) desse texto que ele busca compreender e interpretar.
 Vejamos alguns tipos de inferências:
 Paulo comprou uma Ferrari novinha em folha.
 Inferências: 1) Paulo tem um carro; 2) Paulo tinha recursos para comprar o carro; 3) Paulo é rico; 4) Paulo é melhor companhia que você.
 Podemos observar que nem todas essas inferências são necessárias: 3 é menos necessária que 1 e 2; 4 é menos a necessária e só será feita dependendo do contexto em que a frase for pronunciada.
 Quanto maior o grau de familiaridade ou intimidade entre os interlocutores, menor a quantidade de informações explícitas, especialmente no caso de diálogos. Veja o exemplo abaixo:
 - A campainha!
 - Estou de camisola.
 - Tudo bem.
 É comum, principalmente na conversação (mas muitas vezes também na escrita) omitirmos informações que podem ser facilmente inferidas. Veja mais um exemplo:
 - As encomendas chegaram?
 - Os correios estão em greve.
 - Então é melhor adiar a inauguração da loja.
Fatores de contextualização
 Os fatores de contextualização são aqueles que “ancoram” o texto em uma situação comunicativa determinada. Podem ser de dois tipos: os contextualizadores propriamente ditos e os perspectivos ou prospectivos. Entre os primeiros estão a data, o local, a assinatura, elementos gráficos, timbre etc., que ajudam a situar o texto e, portanto, a estabelecer-lhe a coerência.
 Imagine-se uma carta escrita por um brasileiro de Campinas a um amigo de São Paulo que se encontrasse no exterior, em que o primeiro se esquecesse de colocar data, local e assinatura, e que dissesse o seguinte:
 Hoje o dia aqui está chuvoso. Nosso vizinho da esquina mudou-se para aquele palacete que comprou de meu avô. Não se esqueça de escrever logo para o nosso amigo de infância que mora na fazenda. Ele precisa daquela informação ainda esta semana.
Um abraço.
 Entre os fatores gráficos, temos: disposição na página, ilustrações, fotos, localização no jornal (caderno, página), que contribuem para a interpretação do texto.
 Os fatores perspectivos ou prospectivos são aqueles que avançam expectativas sobre o conteúdo – e também a forma – do texto: título, autor, início do texto.
 O título, de modo geral, permite prever “sobre o que” o texto fala. É claro que existem títulos despistadores, intencionalmente ou não. A publicidade e o humor costumam utilizar-se, com frequência, desse recurso.
 Também o nome do autor permite fazer previsões sobre o texto, quer quanto à forma quer quanto ao conteúdo. Muitas vezes, ele nos leva a ler ou a rejeitar o texto, conforme as nossas preferências quanto ao estilo e as nossas opiniões sobre o tema.
 O início do texto traz informações sobre o tipo (por exemplo, era uma vez...) ou sobre o próprio assunto. Também aqui, formulamos hipóteses sobre o conteúdo do texto que podem confirmar-se ou não.
Intertextualidade
 Outro importante fator de coerência é a intertextualidade que “compreende um conjunto de procedimentos textuais que indicam a existência de um diálogo com outro texto. Localizados em algumas passagens textuais, esses procedimentos funcionam como pistas que remetem o leitor para outro texto com o qual o autor estabelece diálogo. Por isso é importante para o leitor o conhecimento de mundo, um saber prévio, para reconhecer e identificar quando há um diálogo entre os textos. Desse modo, o leitor tem condições de compreender melhor o que lê. Alguns dos processos que caracterizam intertextualidade: alusão, citação, paráfrase, paródia.
 * A alusão consiste na menção a outro termo que seja conhecido pelos interlocutores. Diante de uma palavra ou expressão que evoca o texto aludido. Já a citação entre aspas reproduz fielmente o texto citado, transcrevendo passagens dele na integra. Desse modo, a indicação do diálogo com outro texto é nitidamente explicitada.
 O trecho abaixo ilustra esses dois processos.
Os jogos da seleção são o grande momento do hino nacional. Em outros países esse momento pode ser o de uma guerra, uma ameaça à 
nacionalidade, uma posse de presidente da República, um aniversário de rei ou rainha. No Brasil, é o da entrada em campo da seleção 
canarinho. A preceder o pontapé inicial, vem aquela chuva de "raios fúlgidos", "penhor dessa igualdade", "raio vívido", "impávido colosso", coisas que não se sabe bem o que querem dizer, mas que se presume tenham um importante e grave significado. [...] Canta-se o Hino Nacional como se reza uma oração em latim: não se sabe o que quer dizer, mas por isso mesmo se intui que a mensagem chegará mais depressa e mais vigorosa a Aquele que Sabe Tudo.
(Roberto Toledo – Veja, 5 jul. 2006)
 Com os termos em negrito, o autor menciona dados provavelmente conhecidos pela maioria dos leitores: hino nacional, oração em latim (que remete à missa católica), e Aquele que Sabe Tudo. Tais expressões evocam valores e crenças partilhados pelos interlocutores, como o amor à pátria, a fé cristã e o Criador do universo. Ao evocar essas expressões, o autor utiliza o recurso da alusão. Os termos entre aspas reproduzem fielmentepassagens na integra do hino nacional. O autor utiliza, assim, o recurso da citação. Veja abaixo os versos de onde foram retirados
E o sol da liberdade, em raios fúlgidos,
[...]
Se o penhor dessa igualdade
[...]
Brasil, um sonho intenso, um raio vívido
[...]
És belo, és forte, impávido colosso,
[...]
 * Na paráfrase as palavras são mudadas, porém a ideia do texto é confirmada pelo novo texto, o diálogo ocorre para atualizar, reafirmar os sentidos ou alguns sentidos do texto mencionado. É dizer com outras palavras o que já foi dito. Já na paródia há uma ruptura com as ideias impostas por adotar outro ponto de vista. Geralmente, pretende-se ridicularizar, polemizar, criticar, contestar outros textos, transformando seu sentido original em uma nova interpretação da realidade. 
 Os textos abaixo ilustram esses dois processos.
	
Monte castelo
(Legião Urbana)
Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos,
Sem amor eu nada seria.
É só o amor! É só o amor
Que conhece o que é verdade.
O amor é bom, não quer o mal,
Não sente inveja ou se envaidece.
O amor é o fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.
 
(Este texto é uma adaptação do capítulo 4 da obra A coerência textual, de Ingedore Villaça Koch e Luiz Carlos Travaglia – 1998 – para uso exclusivo em sala de aula).