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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Centro de Letras e Comunicação Licenciatura em Letras Português - Alemão Artigo – Critica Literária ESCAPEI? Ou acaba-em cigarro-ou morte! O escapismo de alguns personagens em “Morangos Mofados” de Caio Fernando de Abreu em dez mecanismos de defesa para fugir da realidade. Mariliza dos Santos Gomes Pelotas, 2018 2 Mariliza dos Santos Gomes ESCAPEI? Ou acaba-em cigarro-ou morte! O escapismo de alguns personagens em “Morangos Mofados” de Caio Fernando de Abreu em dez mecanismos de defesa para fugir da realidade. Trabalho acadêmico apresentado ao Curso de Letras Português – Alemão da Universidade Federal de Pelotas, como requisito parcial à obtenção de aprovação na cadeira de Critica Literária do curso de Licenciatura em Letras. Orientador: João Luis Ourique Pelotas, 2018. 3 Sumário 1. Introdução ....................................................................................................04 2. Descrição dos contos e seus personagens ....................................................05 2.1 Diálogo – Projeção .......................................................................05 2.2 Os Sobreviventes – Racionalização ..............................................06 2.3 O dia em que Urano entrou em Escorpião – Formação Reativa ...07 2.4 Luz e Sombra – Regressão ............................................................08 2.5 Sargento Garcia – Sublimação ......................................................09 2.6 Fotografias – Isolamento ..............................................................10 2.7 Natureza Viva – Repressão ..........................................................11 2.8 Caixinha de Música – Condensação ..............................................11 2.9 O Dia que Júpiter Encontrou Saturno – Negação ..........................12 2.10 Morangos mofados – Deslocamento ............................................13 3. Referências ..................................................................................................14 4 1. Introdução Os mecanismos de defesa são geralmente sintomas de problemas mais profundos e enfrentá-los diretamente pode ser ineficaz ou mesmo contraproducente. Simplesmente mostrar a pessoa que a sua posição se opõe a seus verdadeiros sentimentos pode causar apenas entrincheiramento mais profundo. (Azevedo, 2016) A intenção desse artigo é demonstrar a tentativa do autor que retrata muitas das situações vividas em uma época ditatorial, sua visão como escritor, como jornalista e como homossexual assumido. Em sua obra ele demonstra sua cultura na área das letras, e a sua simpatia por ter inúmeros amigos, mas em contra partida mostra a melancolia e a solidão, a negação e a não aceitação de tantas proibições desenhadas no Mofo, nos vômitos, na transição de muitas situações contrapostas pelos seus opostos, a transformação que pode haver com os contos contidos na parte Morangos além da demonstração dos personagens em assumir seus problemas e a renovação ou um novo amanhecer retratado na parte dos Morangos Mofados. Os textos usados para esta explanação com uma visão psicanalítica de um dos sintomas de fuga , identificado aqui neste trabalho como “escapismo”, são: Diálogo – Projeção; Os Sobreviventes – Racionalização; O dia em que Urano entrou em Escorpião – Formação Reativa; Luz e Sombra – Regressão; Sargento Garcia – Sublimação; Fotografias – Isolamento; Natureza Viva – Repressão; Caixinha de Música – Condensação; O Dia que Júpiter Encontrou Saturno – Negação; Morangos mofados – Deslocamento. Cada qual retratando uma maneira identificada pela psicanalise de fugir do real, de descentralizar o pensamento em algo negativo e transpor para outra ação ou personagem, transformando isso em uma fuga, um escape para um sentimento mais ameno, além de uma perspectiva menos agressiva psicologicamente. O titulo se deu pela apresentação frequente do autor em finalizar a maior parte das cenas com quadros onde contenham pessoas dependentes dos cigarros, das drogas, do álcool, de algum entorpecente ou alucinógeno, e retratar a morte de formas diversas frequentemente em quase todos os contos desta literatura de uma forma metalinguística e coloquial. 5 2. Descrição dos contos e seus personagens. "Morangos Mofados" é um livro de autoria do escritor e jornalista Caio Fernando de Abreu, lançado em 1982 e um dos mais aclamados livros deste autor mesmo com um forte teor melancólico e apelo homoerótico, os contos que compõem a obra revelam artifícios e astucia do escritor extremamente incoerente com sua época para tratar da essência de cada um dos assuntos abordados em sua obra: a busca, a dor, o fracasso, o amor, a esperança, o sexo, entre outros sentimentos e intentos pessoais, principalmente “o escapismo” um meio sagaz que seus personagens apresentam para fugir da realidade em meio a um período ditatorial. O livro está dividido primeiramente em duas partes, “Mofo” e “Morangos", com uma narrativa quase poética e contos que apresentam a necessidade de vez que outra uma releitura para real interpretação de seu conteúdo e o veraz entendimento. Mas engana-se quem pense que Caio F. se contentou com isso, o livro apresenta realmente três partes, onde a terceira resulta em seu titulo “Morangos Mofados” e esta, está representada através do ultimo conto, com a ideia de uma solução, uma união dos morangos e do mofo esboçando certa solução, com uma ótica menos hermética e mais concreta. É uma narrativa apresentada com uma metalinguagem lacunar e mais densa tornando-a para alguns leitores um pouco mais complexos, primeiro, pelos contos não apresentarem uma sequencia logica em sua narração, segundo pelo autor ser mais irreverente na linguagem que usa para expressar as falas dos seus personagens utilizando uma pontuação não muito usual, com uma prosa poética e uma linguagem mais coloquial possibilita uma infinidade de continuações, quase sempre criando uma incógnita, que parece ser uma marca do autor, pois: - há situações em que a própria realidade convoca a "confusão" e seria uma tolice a pretensão de distinguir..., Mas, em muitos outros casos, a realidade requer distinção e é uma pena que nem sempre a linguagem a acompanhe, deixando o pensamento impreciso e menos penetrante..., para os sentimentos humanos o léxico é muito pobre, impondo a uma palavra como "amor" uma carga que confunde e que a esvazia e deixando embolorar ou corromper [...] (Lauand, 2018). Apresentando diálogos e textos com grande intertextualidade inclusive com personagens demonstrando uma narrativa mais urbana, com algumas referencias literárias bem conhecidas e em sua maior parte os contos aparecem dedicados a alguém, ao qual o autor julga amigo digno de sua dedicatória, tantos os vivos como os mortos. Nos nove contos que integram a primeira parte, “Mofo”, o autor apresentaum retrato da sociedade, preconceitos, e transposições no período ditatorial e a palpável ideia refletida na falta de liberdade que reinara neste período, com um grande descredito e sensação de insatisfação de toda uma geração. Caio F. apresenta em seus contos que seguem sentimentos como dor, angustia dependência e insatisfação através de tons de cinza, a inquietude do autor somada o seu apurado olhar de jornalista, transforma “Mofo” em um misto de denúncia social e melancolia. 2.1 Diálogo - Projeção Trata-se da situação em que os indivíduos atribuem os seus próprios pensamentos, motivos ou sentimentos para outra pessoa. (EQUILIBRIO, 2016) O amor é, às vezes, um contexto muito propício para desenvolver a projeção psicológica. Mas o verdadeiro problema, o mais complexo, acontece quando se coloca em prática uma projeção claramente negativa. A projeção: é distorcer a realidade em benefício próprio,... (no texto um dos personagens) consegue distorcer sua realidade de 6 tal modo que chegam a acreditar nela. Ao acreditarem na sua imaginação, em seu erro, negam assim suas verdadeiras carências. Um exemplo disso pode ser quando seu parceiro é uma pessoa insegura que teme o compromisso. Longe de assumir essa realidade, começa a lhe castigar, dizendo que você não facilita as coisas. Projetar estas ideias é cair em uma distorção da realidade, onde seu mundo é mais inócuo. Dando conta de que o que projetamos nos demais é, na realidade, um mecanismo de defesa. (Ceccoli, 2016) O primeiro conto do “Mofo” começa com um “Diálogo”, um título autoexplicativo que retoma o conto - Macabéa e Olimpo em A hora da estrela (Clarisse Lispector, 1977) e com uma ruptura na forma usual dos contos desta época, por apresentar uma conversa, que informa mais do que apenas se apresenta, são palavras onde se questiona o que contexto da palavra “companheiro” onde o seu significado carregaria mais que a simples sinonímia que possa parecer, usa uma linguagem fática e levanta a questão do que vem a ser “companheiro” e a ação do “eu”, trazendo uma indefinição de qual será seu fim, retratando muito bem a Projeção e a dificuldade de um diálogo e entendimento. A: Eu disse que você é meu companheiro. B: O que é que você quer dizer com isso? A: Eu quero dizer que você é meu companheiro. Só isso. B: Tem alguma coisa atrás, eu sinto. Resumindo esse conto em uma palavra - incomunicabilidade, pois o autor trabalha de uma forma inusitada em uma ditadura abordando uma crítica social e uma denúncia, da violência que homossexuais sofriam no período, o que se mostra até hoje significativo, por que naquela época as pessoas estavam desacreditadas por ser um período de mudanças politicas e sociais, trazendo com isso a transição de um estado pra outro, o autor também aborda muito sobre a desilusão, a desesperança e o descontentamento. B: Não. Não é isso. Não é assim. A: Você não quer que seja isso assim? B: Não é que eu não queira: é que não é. A: Não me confunda, por favor, não me confunda. No começo era claro. B: Agora não? 2.2 Os Sobreviventes – Racionalização A racionalização é basicamente a troca da razão verdadeira, mas não aceitável, por outra, aceitável. Ou seja, tentamos mudar a perspectiva da realidade por meio de uma explicação diferente. Por exemplo, uma mulher se apaixonou por um homem, porém depois de um mês, ele a abandonou, alegando que ela não o deixava respirar, por falta de autoconfiança. (EQUILIBRIO, 2016) Em “Os Sobreviventes” não e possível identificar o espaço que os personagens estão vivenciando a cena, se externo ou interno, mas existem duas vozes, e uma é claramente feminina. Um dos sintomas de fuga que aparece muito nesta obra como Vicio do cigarro com a angustia do existencialismo. Caio F. não apresenta nome e sim os gêneros de cada um dos personagens, que retrata a tentativa de uma união sem sucesso e do escapismo uma tentativa de possibilitar a união entre estes personagens infrutiferamente, e com isso, possivelmente uma fuga de suas realidades através de uma viagens para o Sri Lanka de um dos personagens e um direcionamento de energias para um cansativo dia de trabalho para a protagonista feminina. [...] Sri Lanka, quem sabe? ela me pergunta, morena e ferina, e eu respondo 7 por que não? mas inabalável ela continua [...](p.10) [...] Quanto a mim, a voz tão rouca, fica por aqui mesmo comparecendo a atos públicos, pichando muros contra usinas nucleares, em plena ressaca, um dia de monja, um dia de puta, um dia de Joplin, um dia de Teresa de Calcutá, um dia de merda enquanto seguro aquele maldito emprego de oito horas diárias para poder pagar essa poltrona de couro autêntico onde neste exato momento vossa reverendíssima assenta sua preciosa bunda e essa exótica mesinha-de-centro em junco indiano que apoia nossos fatigados pés descalços ao fim de mais outra semana de batalhas inúteis [...](p.12) Além da presença de drogas (retratada frequentemente na obra em geral) o texto obtendo um efeito estético da fuga através da composição textual que o autor apresenta, numa interface de textos seguidos por hífen e pontuações característico da sua escrita, percebe-se a angustia que os personagens expressam para fugir da situação atual e o possível resquício de esperança em uma fracassada tentativa de reviver um passado que já não existe mais. [...] mas ando, ando, mais de duas décadas de convívio cotidiano, tenho uma coisa apertada aqui no meu peito, um sufoco, uma sede, um peso, ah não me venha com essas histórias de atraiçoarmos-todos-os-nossos-ideais, [...](p.12) A tentativa de fuga, aqui nomeada por escapismo e no conto “Os Sobreviventes” se faz bem presente através de uma narração em terceira pessoa, o narrador tradicional desaparece e nota-se uma maior ênfase em certas palavras para fortalecer o dialoga. [...] fantasias escapistas, maus orgasmos e crediários atrasados. Mas tentamos tudo, eu digo, e ela diz que sim, claaaaaaaro, tentamos tudo, inclusive trept [...](p.11) Mostra uma união frustrada sobrevivendo ao mundo que não os pertence mais e se encontra totalmente fora do que desejariam, ambos se encontram fugindo e demonstram a descrença pela vida, onde o autor apresenta a possibilidade do homossexualismo por que o casal já tentou - de tudo - e ainda enxerga uma constante insatisfação. A temática desenvolvida apresenta a repressão, as drogas e a razão para viver, confirmando a Racionalização indicada pela psicanalise. 2.3 O dia em que Urano entrou em Escorpião – Formação Reativa Neste tipo de defesa, os impulsos não são apenas reprimidos, mas também muito controlados através do exagero do comportamento oposto. A ocorrência de um pensamento doloroso é substituída por outro, mais agradável. (EQUILIBRIO, 2016) Formação reativa aparece como uma defesa contra uma punição social temida. Se eu temo que seja criticado por alguma coisa, eu muito visivelmente ajo de uma forma que mostra que eu estou pessoalmente longe do caminho da posição temida. Um padrão comum na formação reativa é o lugar onde a pessoa usa comportamento excessivo. (Azevedo, 2016) Tudo acontece em uma noite de verão em um sábado, quando um grupo de amigos (três personagens, dois masculino e um feminino) que já haviam renunciado das baladas ou festividades que o comercio oferecia, conversam em um ambiente tranquilo quando de repente entra outro personagem, nomeado pelo autor como o rapaz de blusa vermelha, fazendo a seguinte exclamação: [...] O rapaz de camisa vermelha aproveitou o silêncio para gritar bem alto que Urano estava entrando em Escorpião. Os outros pareceram perturbados,menos com a informação e mais com o barulho [...] (p.17). 8 Todos convencionados a renunciar do que a cidade oferecia nesta época, escutavam um som baixo de um rock do Pink Floyd, tentavam manter-se longe das atenções e confusões, o que retrata muito bem as dificuldades de liberdade de expressão na época da ditadura, e onde anteriormente existia harmonia, por um repentino momento tudo se desfaz. Alterado pelo inusitado e inesperado descaso dos outros personagens com a sua indagação, tenta ate se atirar do peitoral do prédio, para chamar atenção e macular a tranquilidade existente. [...] o agarraram a tempo e o levaram para o quarto, perguntando muito suavemente o que era aquilo, repetindo que ele estava demais nervoso, e que estava tudo bem, tudo bem. A moça de óculos ficou segurando a mão dele e passando os dedos no seu cabelo enquanto ele chorava [...] (p. 18). E na tentativa para que a harmonia e o sossego sejam retomados, novamente aparecem às drogas e os outros personagens contaminados pela euforia do rapaz de blusa vermelha, o acalmam se enquadrando novamente em soluções através de um escape, uma fuga como retratado nos outros contos. [...] apareceu um baseado que eles ficaram fumando juntos, uns de cada vez, e tudo foi ficando muito harmonioso e calmo até que alguém começou a bater na porta tão forte que pareciam pontapés [...] (p.19). Finalizando, este tipo de fuga formação reativa é uma forma de escapismo muito presente na obra de Caio Fernando de Abreu. 2.4 Luz e Sombra – Regressão A Regressão refere-se a qualquer retrocesso a hábitos ou situações anteriores, um retorno a padrões de comportamento imaturos. (EQUILÍBRIO, 2016) Regressão é uma forma de retiro, voltando a uma época em que a pessoa se sentiu mais segura e onde não eram conhecidas as tensões em questão, ou quando um pai todo- poderoso iria levá-las embora. Em uma visão freudiana, o estresse de fixações causadas por frustrações do passado da pessoa no desenvolvimento psicossexual pode ser usado para explicar uma série de comportamentos regressivos. (AZEVEDO, 2016) Começa com a questão do questionamento, o personagem esta pensando em frente a uma imagem onde pousavam pombas, este conto faz referencia a outro conto presente no livro “Os companheiros”, retomando um poema As Pombas, de Raimundo Correa (Correa, p. 38), que demonstra melancolia e pessimismo que tomam conta do personagem através de uma metalinguística. O personagem não se faz entendido procurando um sentido em algo que ele não encontra, [...] Deve haver alguma espécie de sentido ou o que virá depois? Tudo isso me cega,... Há tanta luz que preciso contrair um pouco as pálpebras para olhar as coisas de frente. O calor de janeiro aquece meu corpo. Cruzo as mãos sobre os joelhos. Isso me parece bom. Quase tenho certeza que, do outro lado da porta marrom, alguém prepara qualquer coisa como um banho fresco ou um café novo. [...](p.49) Outra fuga desenhada pela psicanalise no conto, a regressão é um escapismo para a falta de sentido ocasionada por frustações, pois o autor não deixa claro o seu desejo e sim a sua inutilidade, passa a impressão que ele se encontra em uma prisão ou mental, ou física, ou metafórica, pois sua consciência é adulta, mas ele parece ser muito dependente e o titulo representa bem como ele se encontra: oras escuro oras claro demais. [...] Estou descalço. Não sei que idade tenho, mas não devo ter chegado sequer à adolescência, pois minhas pernas nuas não têm pelos ainda,... Não há luz, O piso é muito frio. Imagino que seja um quarto, há mosquiteiros suspensos do teto. [...] (p.49) 9 [...] dentro do que se podia tocar, escondido, vivia também o que só era visível quando o olho ficava tão inundado de luz que enxergava esse invisível no meio do tocável. Eu não sabia. [...] (p. 64) O conto acaba mostrando a impotência das pessoas, em suas frustações, perdas e inibições por que vigorava no Brasil a questão da tortura, da fuga do espaço em que se encontrava. Aqui o narrador fala com ele mesmo e retoma a questão do repudio através do vômito. E acaba em uma narrativa circular, pois começa como terminam, suas expressões demonstram sua tentativa de entendimento com o outro eu, em relações figuradas da realidade. 2.5 Sargento Garcia - Sublimação. É bastante semelhante ao primeiro mecanismo de defesa, mas nesse caso, o impulso é canalizado para um tipo mais aceitável. Um instinto sexual, por exemplo, pode ser sublimado em um propósito não sexual, sendo redirecionado para uma atividade aceita socialmente, como uma atividade artística, física ou objetos de pesquisa intelectual. (Equilíbrio, 2016) E apesar de a maioria dos indivíduos não possuírem igual aptidão para a sublimação, pois, é uma solução restrita a poucos, tal destino pulsional propicia uma solução menos infeliz para o conflito cultural da sexualidade. Com efeito, as realizações artísticas, segundo Freud, não são uma simples projeção do artista, mas configura-se um esboço de solução dos conflitos psíquicos. (SANTOS, 2012) A leitura enfatiza dois personagens principais, Hermes e o Sargento Garcia. Hermes um rapaz que se alistou como obrigatório para qualquer no Brasil do seu sexo, se acha uma presa suculenta e com muito medo tenta se defender, forja um atestado com o médico da família para não servir ao exercito, e na inspeção informa ao Sargento Garcia que estuda Filosofia, quando o sargento o dispensa do serviço militar. [...] Não me fira, pensei com força,... - Pois, seu Hermes, então tu é o tal que tem pé chato, taquicardia e pressão baixa? O médico me disse. Arrimo de família, também? - Pois, seu filósofo, o senhor está dispensado de servir à pátria. Seu certificado fica pronto daqui a três meses,... Caminhei para a porta, tão vitorioso que meu passo era uma folha vadia, dançando na brisa da tardezinha. Abriram caminho para que eu passasse. Lerdos, vencidos. Antes de entrar na outra sala, ouvi o rebenque estalando contra a bota negra. (p.59) A fuga da sua verdadeira identidade sexual começa a ser desenhada, quando esta saindo do quartel de onde estava saindo da Inspeção militar para ir para sua casa, passa o Sargento e lhe oferece uma carona para chegar ao ponto do bonde. [...] Comecei a descer o morro, o quartel ficando para trás. Bola de fogo suspensa, o sol caía no rio,... Na primeira curva, o Chevrolet antigo parou a meu lado. Como um grande morcego cinza. - Vai pra cidade? Como se estivesse surpreso, espiei para dentro, - Quer carona? - Vou tomar o bonde logo ali na Azenha. - Te deixo lá - disse. E abriu a porta do carro. Entrei. O cigarro moveu-se de um lado para outro na boca, enquanto a mão engatava a primeira. [...] (p. 62) Nesta época, os quarteis em sua grande maioria encontravam-se distantes dos centros, na sua ida para pegar uma condução para a cidade o sargento oferece uma carona deixando de 10 aparentar um general espartano como antes, apesar de Hermas fazer uma tentativa de explicar por que da filosofia Luiz (Sargento Luiz Garcia de Souza) não o compreende, mas ele o seduz e convence a ir ao a ir a um motel de uma conhecida Travesti, Isadora. [...]- Pois eu te ensino. Quer? Traguei fundo. Uma tontura me subiu pela cabeça, ... Ninguém sabia. Nem eu. Vontade de parar, eu tinha, mas o andar era incontrolável... Subi os degraus de cimento, e penetrei na sala escura com cheiro de mofo e cigarro velho, flores murchas boiando em água viscosa. - O senhor, hein, sargento? - piscou íntimo, íntima, para o sargento e para mim. - Esta é a sua vítima? - Conhecea Isadora?[...] (p.65) Hermes no impulso e medo convencido, não sabe se no início sente medo, prazer, nojo, em relação das sensações e transformações vividas pela descoberta de uma nova identidade sexual, antes como sublimava seus desejos em seus estudos, agora sai do armário e assume sua sexualidade, ou como os contos de Caio F. fica a incógnita se realmente assumiu. [...]- Nossa. Taludinho assim. E nunca fez, é, meu bem? Nunquinha, jura pra tia? -Tá bem, tá bem. Vou levar os pombinhos para a suíte nupcial. Que tal o quarto 7? Número da sorte, não? Afinal, a primeira vez é uma só na vida. O volume esticando a calça, bem perto do meu rosto. O cheiro: cigarro, suor, bosta de cavalo. Ele enfiou a mão pela gola da minha camisa, deslizou os dedos, beliscou o mamilo. Estremeci, gozo, nojo ou medo, não saberia. - Tira a roupa,... Joguei as peças, uma por uma, sobre o assoalho sujo. Deitei de costas. Fechei os olhos. Punhal em brasa, farpa, lança afiada. Quis gritar, mas as duas mãos se fecharam sobre a minha boca. Ele empurrou, gemendo. Sem querer, imaginei uma lanterna rasgando a escuridão de uma caverna escondida, há muitos anos, uma caverna secreta,... pelo mais secreto de mim para acordar alguma coisa que não devia acordar nunca, que não devia abrir os olhos nem sentir cheiros nem gostos nem tatos, uma coisa que deveria permanecer para sempre surda cega muda naquele mais de dentro de mim, como os reflexos escondidos, que nenhum ofuscamento se fizesse outra vez, porque devia ficar enjaulada amordaçada ali no fundo pantanoso de mim[...] (p.68) 2.6 Fotografias - Isolamento Neste mecanismo, as memórias se divorciam dos sentimentos, para que a pessoa consiga suportar os fatos. Há uma separação de uma memória intolerável para o EGO das emoções que ela produz, assim ela permanece na consciência de uma forma enfraquecida. (EQUILÍBRIO, 2016) O autor demonstra um contraste entre as personagens do conto, o isolamento aqui é demonstrado através da distancia que uma das personagens, por ter tido uma primeira experiência sexual ruim, prefere o isolamento como escapismo de uma memoria ruim, pois ainda em sua mente encontra-se entranhado o cheiro do homem que provocará um temor imenso, a gravidez. E esse tormento a persegue ate a visita de suas regras. [...] Sou morena e magrinha, mas não como qualquer polinésia, frente ao espelho, é com recato que tranço meus longos cabelos,... não ofereço perigo algum: sou quieta como folha de outono esquecida entre as páginas de um livro, definida e clara como o jarro com a bacia de ágata no canto do quarto [...] (p.75). Contrariamente aos dias de Gladys, uma personagem com muita experiência por explorar sua sexualidade através de seus atributos físicos e sociais. 11 [...] os que me veem passar soberba e apocalíptica, pisando ereta no topo dos saltos,... Sou uma loura facílima, ... aprendi também a importância de deixar o caçador supor- se caçador quando na verdade é o caçado, eu, pantera astuciosa de garras afiadas, andar felino, ferocidades invisíveis [...] (p.71). O elemento em comum entre elas e a fé e esperança da espera do verdadeiro amor predito por uma cigana a ambas. O conto demonstra a mudança nas vidas das personagens após a previsão da cigana. [...] a unha da cigana riscou forte a linha junto à base de meu dedo mínimo, o segundo chegará aos próximos meses e será sim ele [...] (p. 72). Cada personagem busca uma fuga de forma diferente, para um problema vivenciado anteriormente com uma única resposta esperado, o amor verdadeiro. 2.7 Natureza Viva – Repressão Este é o primeiro mecanismo de defesa descoberto por Freud. Refere-se ao fato do EGO reprimir desejos e pensamentos que causariam muito dor se estivessem no nível consciente. (EQUILIBRIO, 2016) Neste conto o autor cria um suspense por não direcionar o conto a um personagem especifico, mostrando sinais de Repressão, uma das questões levantadas e por que temos infelizmente emoções. O Narrador se projeta no personagem para ter ciência de que o desejo contido lhe leve a um futuro encantador ou duvidoso. [...] Farás coisas como acender o abajur do canto depois de apagar a luz mais forte no alto, criando um clima assim mais íntimo, mais acolhedor, que não haja tensão alguma no ar, mesmo que previamente saibas do inevitável das palmas molhadas de tuas mãos, do excesso de cigarros e qualquer coisa como um leve tremor [...](p.84) Aqui ele retrata uma possível ação homoerótica e que não consegue verbalizar ao outro, se observa uma questão sobre um desejo por igual, e o silencio sobre isso, reprimindo um sentimento por não ser bem aceito diante de uma sociedade, ou alguém que o autor deseja nesta lacuna que ele abre. [...] E desejá-lo assim, com todos os lugares-comuns do desejo, a esse outro tão íntimo que às vezes julgas desnecessário dizer alguma coisa, porque enganado supões que tu e ele vezenquando sejam um só, te encherá o corpo de uma força nova, como se uma poderosa energia brotasse de algum centro longínquo, há muito adormecido [...](p.86) 2.8 Caixinha de Música – Condensação Trata-se de um mecanismo pelos quais os elementos do inconsciente, são combinados em apenas uma figura ou objeto. (EQUILÍBRIO, 2016). São várias cadeias associativas que se encontram em uma única representação psíquica. Estas cadeias associativas são de pensamentos que insistem em tomar forma através de representações psíquicas,... formas de tentar driblar a censura à resistência, ou um certo controle que se estabelece impedindo o acesso destes à consciência. O sintoma, o sonho, o lapso, são todos formações do inconsciente e se constituem por estas propriedades, que moldam e definem a forma de se expressarem à consciência. A condensação pode facilmente ser identificada no trabalho do sonho, quando elementos aparentemente irrelevantes desse sonho, são carregados de afeto. (REGO, 2014) Um conto em terceira pessoa, onde o personagem conta a sua esposa que teve um sonho, transpondo esses sentimentos através do sonho. O personagem faz uma tentativa de falar sobre uma angustia que ele sente, ele tenta transpor para a figura da esposa. 12 - Que importa se sonhei,... Acordei pensando nessa árvore. - Que árvore era essa? - Não era uma, eram duas. - No começo, achei que era uma árvore só ...assim com pencas de flores de todas as cores, mas acho que principalmente, roxas e amarelas, despencando até o chão... Tinha uma coisa forte ali me chamando e eu não conseguia ir em frente, eu devo ter hesitado muito tempo antes de chegar cada vez mais. Perto, e de repente eu estava dentro dela, ... Era escuro lá dentro. Era cheio de galhos trançados e torturados, e muito escuro, e muito úmido, parecia assim ter feito uma grande dor ali cravada naquele centro cheio de folhas apodrecidas e flores murchas no chão. Pelo vão, pela fresta, pela porta eu conseguia ver o sol lá fora. Mas aquele lugar era longe do sol. Era uma coisa, uma coisa assim desesperada e medonha, você me entende?[...] (p.87- 91) Ele girava várias vezes a manivela da caixa de musica, um relacionamento estagnado como o dialogo que e instituído, e o conto termina como começa , sugerindo o movimento da caixinha de musica. 2.9 O Dia que Júpiter Encontrou Saturno - Negação Neste mecanismo, a pessoa bloqueia eventos externos para que eles não possam fazer parte da sua consciência e, portanto, passa tratar aspectos óbvios da realidade como inexistentes. (EQUILÍBRIO, 2016) Aparece por trás de muitos dos outros. Quando você usa a negação, você simplesmente se recusa a aceitar a verdade ou a realidade de um fato ou experiência aparecepor trás de muitos dos outros. Quando você usa a negação, você simplesmente se recusa a aceitar a verdade ou a realidade de um fato ou experiência (WHITBOURNE, 2016). Dois personagens que se encontram em uma festa, um personagem masculino e um feminino, o qual se passa em São Paulo, em um a festa os dois vão se atraindo, ambos olhando-se no fundo dos olhos até o toque. Quando começa o dialogo: [...]- Você gosta de estrelas? - Gosto. Você também? - Também. Você está olhando a lua? - Quase cheia. Em Virgem. - Amanhã faz conjunção com Júpiter. - Com Saturno também. - Isso é bom? - Eu não sei. Deve ser. [...](p.97) Neste conto não se identifica quem começa ou quem indaga, mas ele mostra uma completude de ambos conversando. A questão das drogas volta a permanecer o texto. O silencio muitas vezes provoca a inquietude de ambos, que transparece que ambos estão se acertando, mas existe uma grande negação quando se fala da morte. - Não tomei nada. Não tomo mais nada. - Nem eu. Já tomei tudo. - Tudo? - Cogumelos têm parte com o diabo. - O ópio aperfeiçoa o real. [...](p.98) Ambos vão viajar, e mostram suas projeções futuras, mas o dialogo tem muitas lacunas levando a uma ideia de que os dois são um só. A união não se concretiza, por que eles 13 dizem que não e preciso e esse encontro acaba por não acontecer pela constante presença da morte. - Daqui a vinte anos voltarão a se encontrar. - O tempo não existe. - O tempo existe, sim, e devora. - Você quer dormir comigo? - Não. - Porque não é preciso? - Porque não é preciso. [...](p.100) 2.10 Morangos mofados – Deslocamento Trata-se do redirecionamento de um pulso (geralmente uma agressão) para um objeto ou uma pessoa. Por exemplo, alguém que está frustrado com seu trabalho e chuta o seu animal de estimação. Muitas vezes sem perceber, as pessoas acabam descontando seus problemas em coisas não relacionadas com o conflito que vivem. (equilíbrio, 2016) O autor desenha uma peça, onde discorre em Prelúdio, Allegro Agitato, Adagio Sostenudo, Andante Ostinato e Minueto e rondó, uma peça de musica , ou teatro que traz a ideia de fluxo, de sequencia e de mudanças. No Prelúdio existe um relato sugestionando que alguém luta para sobreviver (uma personalidade masculina), onde fica clara a noção do personagem que sua doença não e física e sim mental, uma melancolia retratada na alma, pois ate as paredes transpiram a morte e a metáfora dos morangos mofados guardados na gaveta, compara-se a uma derrota. Mas o personagem com o desejo de retorno e ressurgimento atrás de uma cura procura um medico, o qual faz uso de “um freio químico nas emoções”, tornando proibidas emoções fúteis. Mesmo com a recomendação medica o gosto persiste e o personagem relembra situações do passado, e tomado por náuseas relembra algumas situações do passado, e o paciente não sente vontade de fazer nada é quando o autor utiliza uma parodia de Carlos Drummond, Não se mate - que se torna bem apropriada no contexto, por sua vida que ele considera uma “bosta”, onde o passado de novo parece ser bom, mas o presente e melancólico. Retoma o uso das drogas para a lembrança, retrata duas consciências que interagem e uma transformação que vem a tona como um nascimento, onde o personagem se sente nascer de novo. No minueto e rondo o personagem se debruça no parapeito trazendo outra percepção de vida. Apresenta a ideia de volta por cima, uma solução apesar de tudo, a ideia do mofo já desaparecera, e aparece uma metáfora de morangos frescos com a ideia de vivacidade e renovação. [...] Enumerava frases como é-assim-que-as-coisas-são ou que-se-há-de-fazer-que-se- há-de-fazer ou apenas éofinal-que-import. masnão é no cérebro que acho que tenho o câncer, doutor, é na alma, e isso não aparece em check-up algum,... passear sentimentos desesperados de cabeça para baixo, proibido emoções cálidas, angústias fúteis, fantasias mórbidas e memórias inúteis, um nirvana da bayer e se é bayer, ...Acendeu um cigarro, assim em jejum lembrando úlceras, enfisemas, cirroses, camadas fibrosas recobrindo o fígado, ...no meio do vômito podia distinguir aqui e ali alguns pedaços de morangos boiando, esverdeados pelo mofo., ...Uma glória interior, foi assim que batizou solene, infinitamente delicado, quando ela brotou. Arpejo foi o que lhe ocorreu, ridículo complacente, cor-nu-có-pia soletrou, quer um instante assim barroco, desejou. [...](p. 116) 14 Referências Bibliografia: ABREU Caio Fernando. Morangos Mofados. Agir 2011. Disponível em: http://groups.google.com/group/digitalsource Acessado em 10/01/2018. CORREIA, Raimundo da Mota de Azevedo. Sinfonias- As Pombas, Livraria Editora de Faro & Lino - Rio de Janeiro, 1883. Fontes de Pesquisa: CECCOLI ,Nicoletta. Carrego minha culpa sobre você (Projeção psicológica) – Psicologia, publicado em Janeiro 26, 2016. Disponível em: https://amenteemaravilhosa.com.br/carrego-minha-culpa-voce-projecao-psicologica/ Acessado em 26/01/2018. EQUILIBRIO, Vida em, 10 Mecanismos de defesa: Você está fugindo da realidade? Disponível em: http://www.equilibrioemvida.com/2016/01/mecanismos-de-defesa-10- maneiras-de-nao-enfrentar-a-realidade/ Acessado em: 15/02/2018. Lauand, Jean. A lacuna de nossos insultos | Revista Língua Portuguesa. Postada em 26 jan. 2018. Disponível em: http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:fjOPSKy- kl4J:www.jeanlauand.com/page58i.htm+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br acessado em: 30/01/2018. NUNES, Prof. Marcelo. Vídeo aula da obra "Morangos mofados" (1982), de Caio Fernando Abreu. Leitura obrigatória da UFRGS. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=WNdw-IRxyHE Acessado em: 10/01/2017 SANTOS, Moises do Vale dos, O Conceito de Sublimação Em Psicanálise. Publicado em 4 de agosto de 2012 Disponível em: http://teoriapsicanalitica.blogspot.com.br/2012/08/o-conceito-de-sublimacao-em- psicanalise.html Acessado em 10/02/2018.
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