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1 www.g7juridico.com.br INTENSIVO I Cleber Masson Direito Penal Aula 02 ROTEIRO DE AULA Princípios do Direito Penal 1. Introdução A palavra “princípio” dá ideia de começo, ou seja, aquilo que inaugura a ordem jurídica. Princípios são valores fundamentais que inspiram a criação e a aplicação do Direito Penal. Obs.: O Direito é formado por normas jurídicas, sendo essas subdivididas em: (a) regras; e (b) princípios. As regras são rígidas, enquanto os princípios são voláteis, flexíveis. O que podemos extrair desse conceito “são valores fundamentais que inspiram a criação e a aplicação do Direito Penal”? Em primeiro lugar, os princípios se manifestam tanto no momento da criação do Direito Penal (alcançam o trabalho do legislador), como também alcançam o trabalho do operador do Direito Penal no momento de sua aplicação prática. Alguns princípios estão previstos expressamente na legislação brasileira, a exemplo da reserva legal e da individualização da pena. Mas também existem princípios que, embora não previstos expressamente na nossa legislação, são extraídos da globalidade do sistema jurídico, tal como o princípio da insignificância. Qual o papel dos princípios? Os princípios se destinam a limitar o poder punitivo do Estado. 2. Princípio da Reserva Legal ou da Estrita Legalidade a) Origem Frase: nullum crimen nulla poena sine lege. Esse princípio surge no ano de 1.215, na Inglaterra. Nesse tempo temos a “Magna Carta do rei João sem Terra”. Posteriormente é desenvolvido pelo alemão Feuerbach, com base na teoria da coação psicológica. Para essa teoria somente a lei pode intimidar o cidadão com a ameaça de imposição de sanção penal. 2 www.g7juridico.com.br b) Localização desse princípio Encontra-se no art. 1° do CP, e também no art. 5°, XXXIX, da CF/88. Mais do que um regra legal, cuida-se de cláusula pétrea (direito fundamental), integrante do núcleo imutável da CF. Esse princípio estatui que apenas a lei pode criar o crime e cominar a respectiva pena. A lei é a fonte formal imediata do Direito Penal. c) Fundamentos do princípio da reserva legal Encontramos três fundamentos para esse princípio: a. Fundamento Jurídico Podemos chamar de taxatividade, certeza ou determinação A lei deve descrever com precisão o conteúdo mínimo da conduta criminosa. Obs.: Cuidado com a expressão “conteúdo mínimo”, o qual legitima as normas penais em branco, os crimes culposos e os tipos penais abertos. Qual é o efeito automático dessa taxatividade no Direito Penal? É a proibição da analogia in malam partem. b. Fundamento político Os direitos fundamentais de primeira geração são aqueles instrumentos de proteção do ser humano contra o arbítrio do Estado. Existe uma frase dita pelo alemão Franz von Liszt, dizendo que “O Código Penal é a Magna Carta do delinqüente”. Nada mais é do que a chamada função de garantia do direito penal, isto é, o Código Penal, antes de prejudicar, servirá para proteger o ser humano do arbítrio do Estado. c. Fundamento democrático ou popular. O STF se utiliza dessa expressão. A lei cria o crime e comina a pena. Quem faz a lei são os legisladores, parlamentares eleitos pelo povo para representá-lo e, assim, ditar os rumos do Direito Penal. d) Princípio da reserva e medidas provisórias É possível a utilização de medidas provisórias no Direito Penal? Existem duas posições sobre o assunto. 1ª posição: SIM, é possível, desde que para favorecer o réu. Obs.: Essa posição historicamente vem sendo adotada pelo STF 2ª posição: Não, pois as medidas provisórias não podem ser utilizadas no Direito Penal. Essa é uma posição chamada de “constitucionalista”, pois o art. 62, §1º, I, “b” da CF: . 3 www.g7juridico.com.br Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. § 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I – relativa a b) direito penal, processual penal e processual civil; Note que a CF não aceita medida provisória no Direito Penal, não importa se é para favorecer o réu ou não. e) O princípio da reserva legal (ou estrita legalidade) e o princípio da legalidade são sinônimos? Uma primeira corrente sustenta que esses dois princípios têm igual significado. Outra corrente, por sua vez, entende que não, pelas seguintes razões: f) Mandados de criminalização e as suas espécies Também conhecidos como mandados constitucionais de criminalização, são ordens emitidas pela CF ao legislador ordinário, no sentido da criminalização de determinados comportamentos. Obs.: A Constituição manda o legislador criar um crime e cominar a respectiva pena. Trata-se de dever imposto ao legislador. Esses mandados de criminalização podem ser: o Expressos A ordem está explícita (expressa) no texto constitucional. Exemplo: art. 225, § 3º, da CF: Princípio da Reserva Legal Princípio da Legalidade Art. 5º, XXXIX, da CF O princípio da reserva legal reclama lei em sentido estrito (lei em sentido formal e material) Lei em sentido formal: é aquela que tem forma de lei, ou seja, foi criada de acordo com o processo legislativo previsto na CF. Lei em sentido material: é aquela que trata de conteúdo (matéria) constitucionalmente reservado a lei. Por isso o nome reserva legal vem de reserva de lei. Art. 5º, II, da CF O princípio da legalidade se contenta com a chamada lei em sentido amplo (qualquer espécie normativa prevista no art. 59 da CF/88 (lei delegada; decreto legislativo, resolução, etc.). . 4 www.g7juridico.com.br § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. o Tácitos Estão implícitos na CF, ou seja, a ordem não é direta, e sim extraída da interpretação da CF. Como exemplo temos o combate à corrupção no poder público. O que são mandados de criminalização por omissão? Tais institutos ocorrem nas hipóteses em que a CF determina ao legislador a criminalização de um comportamento omissivo, a exemplo que se verifica no art. 5º, XLIII: “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”; 3. Princípio da anterioridade Está previsto no art. 1º do CP e também no art. 5º, XXXIX, da CF. Art. 1º do CP: Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. Art. 5º, XXXIX, da CF: - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; Os princípios da reserva legal e da anterioridade são inseparáveis entre si. Este complementa aquele. a) Conceito A lei penal deve ser anterior ao fato cuja punição se pretende, ou seja, a lei penal apenas poderá ser aplicada para os fatos praticados após a sua entrada em vigor. Qual é a consequência lógica desse princípio? É a irretroatividade da lei penal (art. 5º, XL,da CF). b) Princípio da anterioridade e vacatio legis A vacância da lei é o intervalo que medeia a publicação da lei até sua entrada em vigor. Questão: Para se respeitar o princípio da anterioridade, basta que a lei exista (tenha sido publicada), ou é necessário que esteja em vigor? Publicação da lei Prática do fato descrito como crime Entrada em vigor Obs.: não há crime quando o fato foi praticado durante o período de vacância da lei. Apenas haverá crime a partir do momento da entrada em vigor. . 5 www.g7juridico.com.br 4. Princípio da Alteridade Criado por Claus Roxin, esse princípio estabelece que não há crime na conduta que prejudica somente quem a praticou. 5. Princípio da lesividade ou da ofensividade Não há crime se a conduta não é capaz de causar lesão ou no mínimo perigo de lesão ao bem jurídico. Esse princípio funciona como fator de legitimação do Direito Penal, e está diretamente relacionado com o princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos, segundo o qual o Direito Penal não deve se ocupar de questões políticas, éticas, morais, religiosas, filosóficas, etc. Questões: o O que são bens jurídicos? Bens jurídicos são valores ou interesses relevantes para a manutenção e o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade. o Qualquer bem jurídico pode ser classificado como bem jurídico penal? Não, apenas os bens jurídicos fundamentais (indispensáveis) interessam ao Direito Penal. o Quem faz essa escolha dos bens jurídicos mais importantes? Essa escolha é feita única e exclusivamente pela CF. É o que se convencionou chamar de teoria constitucional (ou constitucionalista) do Direito Penal. Para essa teoria, o Direito Penal só é legítimo quando protege valores consagrados na Constituição Federal. Em outras palavras, todo crime deve ter seu fundamento de validade na Lei Suprema. Nesse contexto, o homicídio é crime porque o art. 5º, caput, da CF assegura a todos o direito à vida. Claus Roxin “um conceito de bem jurídico vinculante político-criminalmente só pode derivar dos valores garantidos na lei fundamental, do nosso Estado de Direito baseado na liberdade do indivíduo, através dos quais são marcados os limites da atividade punitiva do Estado”. o O que se entende por espiritualização de bens jurídicos no Direito Penal? Essa espiritualização de bens jurídicos é também chamada de liquefação ou desmaterialização de bens jurídicos. É mais uma criação de Claus Roxin. Para Roxin, o Direito Penal, em sua origem, ocupava-se somente dos crimes de dano (ou lesão) contra bens jurídicos individuais. Com a evolução dos tempos, o Direito Penal antecipou sua tutela, assumindo um papel preventivo, ou seja, passou a punir os crimes de perigo contra bens supraindividuais. Exemplo: pune-se o porte ilegal de arma de fogo para evitar roubos, latrocínios, etc. 6. Princípio da proporcionalidade O nome “proporcionalidade” tem raízes na Alemanha. Alguns autores têm inspiração no direito italiano, e utilizam a nomenclatura “razoabilidade”. Nos EUA o nome mais utilizado é “convivência das liberdades públicas”. . 6 www.g7juridico.com.br O princípio da proporcionalidade apresenta uma dupla face: a) de um lado, é a proibição do excesso (garantismo negativo), pois não se admite a punição exagerada, é dizer, além da necessária à proteção do bem jurídico. Vejamos o seguinte julgado: ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEITO SECUNDÁRIO DO ART. 273, § 1º-B, V, DO CP. CRIME DE TER EM DEPÓSITO, PARA VENDA, PRODUTO DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS DE PROCEDÊNCIA IGNORADA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. 1. A intervenção estatal por meio do Direito Penal deve ser sempre guiada pelo princípio da proporcionalidade, incumbindo também ao legislador o dever de observar esse princípio como proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente. 2. É viável a fiscalização judicial da constitucionalidade dessa atividade legislativa, examinando, como diz o Ministro Gilmar Mendes, se o legislador considerou suficientemente os fatos e prognoses e se utilizou de sua margem de ação de forma adequada para a proteção suficiente dos bens jurídicos fundamentais. 3. Em atenção ao princípio constitucional da proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos (CF, art. 5º, LIV), é imprescindível a atuação do Judiciário para corrigir o exagero e ajustar a pena cominada à conduta inscrita no art. 273, § 1º- B, do Código Penal. 4. O crime de ter em depósito, para venda, produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais de procedência ignorada é de perigo abstrato e independe da prova da ocorrência de efetivo risco para quem quer que seja. E a indispensabilidade do dano concreto à saúde do pretenso usuário do produto evidencia ainda mais a falta de harmonia entre o delito e a pena abstratamente cominada (de 10 a 15 anos de reclusão) se comparado, por exemplo, com o crime de tráfico ilícito de drogas - notoriamente mais grave e cujo bem jurídico também é a saúde pública. 5. A ausência de relevância penal da conduta, a desproporção da pena em ponderação com o dano ou perigo de dano à saúde pública decorrente da ação e a inexistência de consequência calamitosa do agir convergem para que se conclua pela falta de razoabilidade da pena prevista na lei. A restrição da liberdade individual não pode ser excessiva, mas compatível e proporcional à ofensa causada pelo comportamento humano criminoso. 6. Arguição acolhida para declarar inconstitucional o preceito secundário da norma. (STJ: AI no HC 239.363/PR, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, CORTE ESPECIAL, julgado em 26/02/2015, DJe 10/04/2015) b) de outro lado, esse princípio representa a proibição da proteção insuficiente (ou deficiente) de bens jurídicos (garantismo positivo). Questão de concurso: o que é garantismo hiperbólico monocular? Hiperbólico é algo grande. Monocular olha apenas para um lado. Portanto, garantismo hiperbólico monocular é o garantismo exagerado, voltado exclusivamente aos interesses do réu. . 7 www.g7juridico.com.br 6.1. Espécies de proporcionalidade a) Proporcionalidade abstrata: também chamada de proporcionalidade legislativa, é que aquela que diz respeito ao legislador no momento da criação do crime e da cominação da pena. b) Proporcionalidade concreta: também chamada de proporcionalidade judicial ou jurisdicional, fica a cargo do magistrado, no momento da dosimetria da pena. c) Proporcionalidade executória: também chamada de administrativa, é a que se manifesta durante o cumprimento da pena. 7. Princípio da confiança Foi criado na Espanha, especificamente para crimes de trânsito. A ideia é a de que aquele que respeita as regras de trânsito tem o direito de confiar que as demais pessoas também as respeitarão. No Brasil esse princípio foi ampliado para abranger qualquer crime que envolve as regras da sociedade. 8. Princípio da responsabilidade penal pelo fato Direito Penal do autor x Direito Penal do fato O direito penal moderno é um direito penal do fato (preocupa-se exclusivamente com o fato típico e ilícito praticado pelo agente). O direito penal do autor é ultrapassado, pois rotula determinadas pessoas como indesejadas aos interesses da sociedade. Um exemplo moderno deste direito penal do autor é o Direito Penal do inimigo. 9. Princípio da intervenção mínimaÉ também chamado de princípio da necessidade do Direito Penal. a) Origem Esse princípio surge em 1789, na França, na época da Revolução Francesa, com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, dispondo que a lei deve prever somente as penas estritamente necessárias. E como podemos trazer o princípio da intervenção mínima para a atualidade? O Direito Penal só deve ser utilizado quando não há outra forma de proteção do bem jurídico. Desse princípio decorre o Direito Penal Mínimo, reservado para os casos realmente necessários. b) Destinatários O princípio da intervenção mínima tem dois destinatários: 1. O legislador O princípio se manifesta no momento da criação do crime e da cominação da pena. 2. O aplicador do Direito . 8 www.g7juridico.com.br O crime já foi criado, a pena já foi cominada, mas é preciso verificar a necessidade de aplicá- los no caso concreto. c) Finalidade Prova: Qual a relação entre o princípio da intervenção mínima e o princípio da reserva legal? O princípio da intervenção mínima figura como reforço ao princípio da reserva legal, no sentido de que o legislador não deve usar seu poder legiferante ao seu bel prazer. d) Divisão do princípio da intervenção mínima Esse princípio se subdivide em outros dois: d.1. Princípio da fragmentariedade O princípio da fragmentariedade é também chamado de “caráter fragmentário do Direito Penal”. Esse princípio preceitua que o Direito Penal é a última etapa de proteção do bem jurídico, ou seja, um crime apenas pode ser criado se os demais ramos do Direito não foram suficientes para a proteção do bem jurídico. i. Nem tudo o que é ilícito, também é ilícito penal; ii. Todo ilícito penal também é ilícito perante os demais ramos do Direto. Esse princípio se manifesta no plano abstrato, ou seja, tem como destinatário o legislador. Fragmentariedade às avessas: Em um primeiro momento, o crime era necessário. Mas, ao longo do tempo, a relevância penal do fato deixa de existir, a exemplo do que ocorreu com o adultério, operando-se a abolitio criminis. d.2. Princípio da subsidiariedade O Direito Penal é a “ultima ratio” (última razão). Funciona como executor de reserva. Na prática, o Direito Penal só pode ser utilizado quando um problema não puder ser solucionado pelos demais ramos do Direito. O princípio da subsidiariedade se manifesta no plano concreto, isto é, ele tem como destinatário o aplicador do direito penal (STJ: HC 197.601 - Informativo 479). PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO DE ÁGUA VITIMANDO A COMPANHIA DE ABASTECIMENTO. RESSARCIMENTO DO PREJUÍZO ANTES DO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. COLORIDO MERAMENTE . 9 www.g7juridico.com.br CIVIL DOS FATOS. CARÊNCIA DE JUSTA CAUSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. VIABILIDADE. 1. O Direito Penal deve ser encarado de acordo com a principiologia constitucional. Dentre os princípios constitucionais implícitos figura o da subsidiariedade, por meio do qual a intervenção penal somente é admissível quando os demais ramos do direito não conseguem bem equacionar os conflitos sociais. In casu, tendo-se apurado, em verdade, apenas um ilícito de colorido meramente contratual, relativamente à distribuição da água, com o equacionamento da quaestio no plano civil, não se justifica a persecução penal. 2. Ordem concedida para trancar a ação penal n. 0268968-47.2010.8.19.0001, da 36.ª Vara Criminal da Comarca da Capital do Rio de Janeiro. (HC 197.601/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 03/08/2011) .
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