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JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2012 5 (10): 357 – 384. 357 Inotrópicos positivos em cães – Revisão de literatura Positive inotropic in dogs – A review Inotrópicos positivos en perros – Revisión de literatura Felipp da Silveira Ferreira1*, Flávia Lopes Barretto2, Millena Vidal de Freitas3, Luiz Antônio Eckhardt de Pontes4 e Claudio Baptista de Carvalho5 Resumo Os inotrópicos positivos são drogas que atuam sobre o miocárdio aumentando a sua força de contração ou inotropismo por diversos mecanismos. Esta classe de fármacos é indicada em condições graves de insuficiência cardíaca congestiva, sobretudo nos casos de insuficiência sistólica, como nas cardiomiopatias dilatadas e fases avançadas da degeneração mixomatosa valvular mitral. Seu uso em medicina veterinária representa uma boa estratégia terapêutica, apresentando resultados relevantes. Dentre as principais drogas, a digoxina representa um dos principais fármacos desta classe, embora estudos recentes apontem a eficiência dos inibidores da fosfodiesterase 3. Embora não haja um fármaco inotrópico positivo com características ideais para a maioria dos casos, existem várias drogas com propriedades distintas e que podem ser selecionadas conforme as demandas de cada paciente, o que torna fundamental o conhecimento farmacológico do clínico para apontar o inotrópico mais eficiente para cada caso. Palavras-chave: drogas, inotrópicos positivos, insuficiência cardíaca. 1 Doutorando do curso de pós-graduação em Ciência Animal. Laboratório de Clínica e Cirurgia Animal (LCCA). Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). * E-mail: felipp@uenf.br. 2 Mestranda do curso de pós-graduação em Ciência Animal. Laboratório de Clínica e Cirurgia Animal (LCCA). UENF. 3 Mestranda do curso de pós-graduação em Ciências Veterinárias. Departamento de Medicina Veterinária (DMV). Universidade Federal de Lavras (UFLA). 4 Doutorando do curso de pós-graduação em Ciência Animal. Laboratório de Sanidade Animal (LSA). UENF. 5 DSc. Professor visitante. Laboratório de Clínica e Cirurgia Animal (LCCA). UENF. JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2012 5 (10): 357 – 384. 358 Abstract The positive inotropic agents are drugs that act on the myocardium by increasing its force of contraction or inotropism, by different mechanisms. This class of drugs is indicated in conditions of severe congestive heart failure, particularly in those with systolic failure, as in dilated cardiomyopathy and advanced stages of myxomatous mitral valve degeneration. Its use in veterinary medicine represents a good therapeutic strategy, presenting relevant results. The main drugs, digoxin is a major drugs of this class, although recent studies indicate the effectiveness of phosphodiesterase inhibitors 3. Although there is a positive inotropic drug with ideal characteristics for the majority of cases, there are several drugs with different properties and can be selected according to the demands of each patient, which shows the importance of clinical pharmacology knowledge to pinpoint the most effective for inotropic each case. Keywords: drugs, positive inotropic, heart failure. Resumen Los inotrópicos positivos son drogas que actúan sobre el miocardio aumentando su fuerza de contracción o inotropismo por diversos mecanismos. Esta clase de fármacos están indicados en condiciones graves de insuficiencia sistólica, como en las cardiopatías dilatadas y en las fases avanzadas de la degeneración mixomatosa de la válvula mitral. Su uso en medicina veterinaria representa una buena estrategia terapéutica, presentando resultados relevantes. Entre las principales drogas, la dioxina es uno de los principales fármacos de esta clase, aunque estudios recientes apuntan a la eficiencia de los inhibidores de la fosfodiesterasa 3. Aunque no hay un fármaco inotrópico positivo con características ideales para la mayoría de los casos, existen varias drogas con propiedades distintas y que pueden ser seleccionadas conforme las demandas de cada paciente, lo que torna fundamental el conocimiento farmacológico de él clínico para adoptar el inotrópico más eficiente para cada caso. Palabras-clave: drogas, inotrópicos positivos, insuficiencia cardiaca. JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2012 5 (10): 357 – 384. 359 Introdução A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica complexa muito prevalente, e está associada à redução da capacidade funcional, diminuição da qualidade de vida e aumento da morbidade e mortalidade dos pacientes portadores. A IC é considerada a via final comum da maioria das doenças cardiovasculares1,2,3. A IC reduz o desempenho sistólico ou diastólico do coração, dependendo da sua origem1,4, resultando em um quadro de baixo débito cardíaco no qual o coração não consegue suprir as demandas metabólicas teciduais ou elevar as pressões5. Segundo Darke et al.6 e Pereira et al.7, este baixo débito cardíaco é tipicamente causado por doença miocárdica com perda da função sistólica (cardiomiopatia dilatada ou degeneração mixomatosa valvular mitral e tricúspide avançada), perda da função diastólica (cardiomiopatia hipertrófica), arritmias cardíacas, obstruções nas vias de saída ventriculares (estenoses aórtica ou pulmonar), regurgitação mitral e hipertensão pulmonar. A redução crônica do débito cardíaco leva a uma redução da pressão arterial, ativando mecanismos compensatórios, como o sistema renina-angiotensina (SRA) e o sistema nervoso simpático, que tentam restabelecê-la8. Estes mecanismos compensatórios, ao agirem cronicamente, contribuem para a evolução dos sinais clínicos e são considerados os principais responsáveis pela progressão da doença primária7,9. Vasoconstrição, taquicardia e aumento da contratilidade intensificam o consumo de JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2012 5 (10): 357 – 384. 360 oxigênio pelo miocárdio (MVO2), diminuindo a vida útil de suas células. A ativação neuroendócrina (sistema renina-angiotensina e noradrenalina) interfere na síntese protéica intracelular, causando hipertrofia e morte celular, o que aumenta a sobrecarga de trabalho, acelerando a morte das células remanescentes. Isso gera um círculo vicioso, com agravamento progressivo e constante da doença cardíaca até a morte do paciente 9. Este aumento progressivo do trabalho cardíaco produz uma fase na qual o coração passa por um processo intenso de remodelamento ventricular, via hipertrofia excêntrica e alterações na matriz extracelular, caracterizando, então, a disfunção ventricular3. Segundo Sisson1, compreender este sistema complexo é vital para poder entender os protocolos de tratamento mais atuais para a ICC, os quais são amplamente baseados em conceitos de atenuar ou modificar as respostas adaptativas do organismo e/ou suas consequências. Entretanto, é importante salientar que esta disfunção ventricular em tela, causadora da redução inicial do débito cardíaco, ponto de partida para a ativação dos mecanismos compensatórios, pode ter duas classificações distintas: a disfunção diastólica (comum nas cardiomiopatias hipertróficas, restritivas, efusões pericárdicas e neoplasias); e a disfunção sistólica (presente nas fases finais da degeneração mixomatosa valvular mitral e na cardiomiopatia dilatada) 5,10. Embora o tratamento para baixo débito cardíaco requeira o emprego de drogas que atuem de forma a incrementar este débito, a escolha da droga deve ser feita baseadana classificação da disfunção. Neste caso, as situações de disfunção diastólica podem JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2012 5 (10): 357 – 384. 361 requerer o uso de inotrópicos negativos, bloqueadores dos canais de cálcio ou beta- bloqueadores, enquanto os eventos que cursam com disfunção sistólica requerem, obrigatoriamente, os inotrópicos positivos10. Por definição, o inotropismo representa a força de contração cardíaca e é um dos fatores que altera o desempenho do coração em relação aos valores previstos pela auto-regulação heterométrica. Assim, tem-se que quando o desempenho é maior do que o previsto o inotropismo é positivo e, quando menor, negativo11. Ainda segundo Santos et al.11, os agentes inotrópicos positivos têm por finalidade aumentar a contratilidade miocárdica e o volume da ejeção, possibilitando uma maior eficácia cardíaca. Seu uso foi citado pela primeira vez no papiro de Ebers (1.500 a.C.). No século XVIII foi usado no tratamento da insuficiência cardíaca, entretanto somente em 1785 Willian Witherring publicou seu livro “An Acconntof the foxglove and Some of its medical uses with pratical remarks on Dropsy and other diseases”, um clássico da Medicina, onde relatou com precisão as ações de inotrópicos positivos. Com os trabalhos de Cushery, Mackenzie, Lewis e outros, ficou definida as especialidades dos inotrópicos no tratamento de insuficiência cardíaca associada à fibrilação atrial11,12. Atualmente, as indicações clínicas para o uso de agentes inotrópicos estão principalmente voltadas a melhorar a hemodinâmica dos pacientes com insuficiência cardíaca aguda ou crônica, estando disponíveis, para este fim, uma séries de compostos, desde os mais primitivos derivados herbáceos digitais até os recém empregados inodilatadores5,13,14,15. JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2012 5 (10): 357 – 384. 362 Revisão de literatura 1- Inotrópicos positivos em Medicina Veterinária Fisiologicamente existe uma série de mecanismos celulares diretamente ligados ao inotropismo, envolvendo a participação de proteínas, enzimas, eletrólitos e canais transportadores, como se percebe a seguir. A força de contração cardíaca relaciona-se diretamente com a concentração de cálcio intracelular nos miócitos ventriculares. No início do ciclo cardíaco um potencial de ação despolariza o sarcolema da célula miocárdica, tornando sua membrana permeável aos íons de cálcio. Fisiologicamente e em sequência, o sódio entra na célula, uma vez que sua concentração é maior no espaço extracelular. Sua entrada facilita a abertura de outros canais na membrana celular, permitindo a entrada de cálcio. O aumento da concentração de cálcio intracelular ativa a descarga do cálcio armazenado no reticulo endoplasmático, que reage com as proteínas contráteis celulares e inicia a contração cardíaca16. Ainda de acordo com os mesmos autores, corroborados por Guyton, Hall17, na superfície da célula cardíaca existem, principalmente, receptores adrenérgicos do tipo β-1, sensíveis às catecolaminas circulantes ou às liberadas localmente pelo estímulo do sistema nervoso simpático. A estimulação dos receptores β ativa a adenilatociclase, enzima associada à membrana celular. Esta enzima é responsável pela hidrólise do ATP para adenosina monofostato (AMP cíclico). Finalmente, este AMP cíclico possui várias funções biológicas, tais como: ativação da proteína cinase aumentando o fluxo de íons de cálcio por meio dos canais de cálcio, e ativação de uma proteína do retículo endoplasmático que aumenta JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2012 5 (10): 357 – 384. 363 sua capacidade de armazenar cálcio. Baseado neste envolvimento fisiológico básico, Ramirez, Alonso13 informam que as diversas drogas com características inotrópicas positivas disponíveis podem ser agrupadas segundo o seu mecanismo de ação, seguindo a classificação de Feldman: - Classe I: agentes que aumentam a contratilidade cardíaca ao elevar a concentração do AMP-cíclico intracelular (ex.: agonistas beta-adrenérgicos); - Classe II: agentes que afetam os íons, bombas e canais do sarcolema (ex.: digitálicos); - Classe III: agentes que modulam os mecanismos de cálcio intracelular; - Classe IV: agentes com múltiplos mecanismos de ação (pimobendan). Dessa forma, nos últimos anos, vários agentes com esta atividade passaram a ser empregados na terapêutica da insuficiência cardíaca congestiva (ICC)12. 2- Relatos históricos e ensaios experimentais De fato, o emprego de substâncias com efeito inotrópico positivo tem sido descrito desde o século XVIII, quando em 1785 Willian Withering empregou digitálicos para o tratamento de edemas com sucesso, entretanto este acreditava que o órgão-alvo da droga era o rim. Nesse ínterim, em 1799 foi sugerida a atuação dos digitálicos sobre o coração pela primeira vez, por Jhon Ferries, efeito comprovado somente em 1910 por Wenckebach14. Historicamente diversas drogas e substâncias vêm sendo testadas, desenvolvidas ou aprimoradas para um possível uso clínico, e muitos destes testes têm empregado JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2012 5 (10): 357 – 384. 364 um modelo animal para estudo. Ikeo, Nagao18 compararam, em cães, os efeitos da denopamina (TA- 064) considerada, à ocasião, um novo agente inotrópico positivo sintético, com o isoproterenol, drogas com características inotrópicas demonstradas em diversas situações. Como resultados, os autores puderam comprovar os efeitos inotrópicos positivos da denopamina, sem alterações na pressão arterial. Entretanto, a denopamina apresentou menor aumento no débito cardíaco e uma menor redução da resistência vascular periférica nos animais estudados do que o isoproterenol. Einstein et al.19 lançaram-se em um estudo que visava estudar os efeitos inotrópicos positivos da histamina em cães anestesiados. Desta forma puderam observar que quando a pressão arterial é mantida em níveis constantes, seguido por uma denervação cardíaca, pode-se obter um efeito inotrópico positivo com administração da histamina em cães. Este fato se deve à interação da droga em seus receptores H2, entretanto concluem afirmando que são necessários novos estudos para compreensão dos reflexos barorreceptores envolvidos e possíveis efeitos pré-sinápticos. Navaratnam et al.20 estudaram o efeito inotrópico positivo de um extrato ventricular esquerdo de porcos sobre o músculo ventricular de cães. Este extrato era constituído de substâncias como digitálicos isolados do miocárdio de suínos e, após processamento laboratorial, eram aplicados sobre amostras de miocárdio canino in vitro. Os resultados apontaram que este extrato produz um efeito inotrópico positivo através de um aumento do influxo de Ca no JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2012 5 (10): 357 – 384. 365 sarcolema. Os autores afirmam, entretanto, que estudos eletrofisiológicos para definir o efeito do extrato sobre o potencial de ação transmembrana em toda célula são necessários para elucidar ainda mais o seu mecanismo de ação. Einstein et al.21 estudaram os efeitos inotrópicos positivos da dopexamina, uma catecolamina utilizada para o tratamento dos estágios de baixo débito cardíaco. Em seus estudos em cães, a administração da droga por via intravenosa confirmou os efeitos inotrópicos e cronotrópicos positivos, além de uma atividade vasopressora. Este efeito inotrópicopositivo deve- se à estimulação direta dos beta2-adrenoceptores cardíacos, porém também respondem ao reflexo baroceptor causando taquicardia. Jamali et al.22 estudaram os efeitos da Triiodotironina (T3) em cães com cardiomiopatia induzida experimentalmente. Os autores puderam observar que esta substância produz um aumento imediato e sustentado na contratilidade miocárdica, além de produzir um bom relaxamento isovolumétrico miocárdico. Estas características conferem a esta substância efeitos inotrópicos e lusitrópicos similares àqueles da amrinona descritos por Pagel et al.23 Em experimentos com cães, Beaulieu et al.24 estudaram os efeitos inotrópicos e cronotrópicos positivos do peptídeo natriurético tipo-C injetável. Através dos resultados observados, os autores concluíram que este peptídeo modifica a estabilidade dos canais iônicos através da estimulação dos receptores NPR-B, localizados na região do nodo sinoatrial. Dessa forma assume-se que o peptídeo estudado possui um papel importante na JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2012 5 (10): 357 – 384. 366 modulação da função cardíaca. Yi et al.25 estudaram em cães um composto chamado BAYy5959, um derivado dihidropiridina que se liga à L- tipo canais de cálcio de uma maneira voltagem-dependente e promove a entrada de cálcio na célula durante a fase do platô do potencial de ação, influenciando o seu tempo de abertura. Os autores observaram que a substância demonstrou um potente efeito inotrópico positivo, sem evidências do aparecimento do fenômeno de tolerância, com efeitos clínicos aceitáveis para o tratamento da insuficiência cardíaca, embora tenha se utilizado, mais uma vez, de uma droga administrada por via intravenosa. Como se pode perceber, durante anos os agentes inotrópicos são alvos de pesquisas e têm sido empregados para o manejo do baixo débito cardíaco e da insuficiência sistólica, Entretanto, não há consenso sobre uma droga ideal. Assim, a terapêutica deve ser baseada na busca de um equilíbrio entre a demanda clínica do paciente e as peculiaridades de cada composto inotrópico disponível. 3- Inotrópicos positivos disponíveis para uso clínico em Medicina Veterinária a) Digitálicos (digoxina e digitoxina) Como descrito, existem várias drogas que atuam sobre o inotropismo, cada uma com seu mecanismo de ação distinto. Entretanto, os inotrópicos positivos têm como representante principal o digital, por isso são classificados, ainda, como agentes inotrópicos digitálicos e não-digitálicos26. O termo digitálico é utilizado com frequência como sinônimo e refere-se a JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2012 5 (10): 357 – 384. 367 medicamentos que atuam no coração em função de um dos gêneros das plantas que lhe deram origem (Digitalis ap., D. purpúrea e D. lanata)11. O mecanismo de ação inotrópico positivo dos digitálicos ocorre através da inibição da enzima Na-K ATPase, com consequente aumento de Ca intracelular. Esta enzima é responsável pelo influxo de íons de Na que são trocados por íons K ou por íons Ca, sendo a troca Na-K mais ativa que a troca NA-Ca na célula cardíaca. Com o uso do digitálico, reduz-se a atividade da enzima e, consequentemente, a troca Na-K. Isto promove um aumento do Na intracelular, que leva a um influxo maior de Ca para dentro da célula, o qual é oferecido em maior concentração às proteínas contráteis, aumentando então a intensidade de contração do músculo cardíaco14. Por muito tempo os digitálicos eram os únicos medicamentos disponíveis ao alcance da Medicina Veterinária para produzir uma ação inotrópica positiva efetiva, prática, útil, com custo razoável e com capacidade de manutenção terapêutica a médio e longo prazo27. De acordo com a literatura13, 27, os digitálicos apresentam muitos benefícios visto que, além do efeito inotrópico positivo, há um efeito antiarrítmico supraventricular (devido ao seu efeito cronotrópico negativo), vasodilatador, natriurético (favorecendo a eliminação urinária de sódio) e de estímulo vagal. Embora apresente esta série de vantagens, ainda há muitas controvérsias sobre o seu uso. Sua importância principal está no fato de ser um dos únicos agentes inotrópicos viáveis para uso prolongado, por via oral, em pacientes com ICC14. Segundo Fox et al.5, Belerenian et al.16, Tilley, JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2012 5 (10): 357 – 384. 368 Goodwin28 e Kittleson29, o fármaco mais comum deste grupo em Medicina Veterinária é a digoxina. De acordo com estes autores, o tratamento com digoxina é indicado em pacientes com taquicardia supraventricular (taquicardia, flutter ou fibrilação atrial) devido a sua característica de retardo na condução do estímulo elétrico no nó atrioventricular, causando um efeito cronotrópico negativo. Ademais, esta droga possui indicações específicas em casos de deficiência miocárdica evidenciada através da ecocardiografia (redução da fração de encurtamento; disfunção sistólica), eventos concorrentes nos casos de degeneração mixomatosa valvular mitral e a cardiomiopatia dilatada. De acordo com Belerenian et al.16, a utilização dos digitálicos como agente inotrópico positivo pode favorecer a qualidade e/ou a duração da vida no paciente. Estes casos devem ser cuidadosamente selecionados pois, apesar dos efeitos benéficos desses fármacos, devem ser consideradas a reduzida margem de segurança e a incidência de efeitos secundários como anorexia, vômito, diarréia, crises nervosas, apatia e arritmias. Para a utilização clínica dos digitálicos, pode se fazer necessária a digitalização do paciente, período no qual administra-se uma dose de ataque (48 horas), geralmente o dobro da dose de manutenção para sensibilização do miocárdio. Contudo, tal prática aumenta a probabilidade de intoxicação por esta droga. Por tais riscos, a digitalização precisa ser individualizada e guiada pelas concentrações séricas de digoxina5, 28. Tilley e Goodwin28 informam que quando a droga é administrada por via oral, os sinais gastrintestinais aparecem antes das arritmias. JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2012 5 (10): 357 – 384. 369 Entretanto, estas arritmias são descritas como bloqueios atrioventriculares de 1º e 2º graus, ritmo juncional acelerado ventriculares prematuros, taquicardias ventriculares e dissociação atrioventricular. Nestes casos, recomenda-se a suspensão imediata do uso do fármaco por um intervalo de 3 a 4 dias, tempo necessário para que a meia-vida da digoxina possa ser reduzida a níveis não tóxicos no organismo, sendo reiniciada a terapia posteriormente com cerca de 1/3 da dose inicialmente empregada. A fim de se minimizar os riscos de intoxicação pela droga, níveis séricos de eletrólitos, nitrogênio proveniente da uréia sanguínea e níveis de creatinina devem ser periodicamente observados, já que a azotemia e hipocalemia predispõem à intoxicação pela digoxina. O eletrocardiograma também é uma ferramenta útil para monitoramento do paciente tratado, já que complexos prematuros ventriculares (CPVs) podem ocorrer durante a digitalização5. Na Europa, outros dois agentes vêm sendo utilizados na rotina clínica médica e veterinária, a beta- metildigoxina e a beta- acetildigoxin. Estas duas formas apresentam vantagens sobre a digoxina devido a sua completa absorção oral, entretanto necessitam ser hidrolizadas em digoxina. Acredita-se que por tais motivos, apresentem menores índicesde toxicidade que a digoxina. No Brasil é comum a forma beta-metildigoxina27, 30. Em pacientes com lesões ou insuficiência renal, a digitoxina poderá substituir a digoxina. Este composto também possui ação inotrópica positiva. Trata-se de um fármaco eliminado pelo fígado (mais que pelos rins), e tem efeito parassimpático menor que a digoxina, e, portanto pode ser menos eficaz no JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2012 5 (10): 357 – 384. 370 controle das arritmias supraventriculares. Entretanto, sua meia-vida pode chegar a 5-7 dias, além de não ser recomendada para uso em felinos14. Segundo Barretto, Velloso12, a prescrição dos inotrópicos de maneira geral para portadores de ICC melhora sua classe funcional, sua capacidade de exercício e sua qualidade de vida, entretanto a maioria das drogas provoca aumento de mortalidade. Este aumento é diferente com cada droga e parece ser proporcional à dose. Quanto maior a dose, maior a mortalidade. Este efeito adverso parece estar relacionado ao aumento da estimulação neuro-humoral, aumento da estimulação simpática que induz aumento de arritmias e morte súbita, resultando em menor sobrevida. Desta forma, não há indicação para a prescrição de inotrópicos para pacientes compensados, sendo exceção os digitálicos, que induzindo redução da frequência cardíaca, modulação da estimulação neuro-humoral e redução da estimulação simpática parecem não provocar aumento da mortalidade12. b) Inibidores da fosfodiesterase III A partir de 1978, surgiu uma nova classe de fármacos denominados de inodilatadores, para uso endovenoso no tratamento da ICC de diversas etiologias. Trata-se das bipiridinas, que se caracterizam pela concomitância das propriedades inotrópica positiva e vasodilatadora arterial periférica e pulmonar. O mecanismo de ação das bipiridinas se dá por inibição da isoenzima da fosfodiesterase tipo III, o que promove aumento do AMP cíclico intracelular no miocárdio e no músculo liso vascular, resultando em aumento do inotropismo e JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2012 5 (10): 357 – 384. 371 vasodilatação concomitantes independentes das vias adrenérgicas e do sistema Na+ K+ ATPase utilizados pelos agentes simpaticomiméticos e digitálicos, respectivamente. Atualmente, em nosso meio, são disponíveis para uso clínico dois agentes inibidores da fosfodiesterase: o amrinona e o milrinona31. Neste sentido, Pagel et al.23 observaram os efeitos da amrinona sobre o miocárdio de cães. Os resultados de sua pesquisa indicaram que a amrinona causa um efeito inotrópico positivo dose- dependente. Adicionalmente, evidenciaram um efeito lusitrópico positivo. Estes achados são consistentes com um aumento induzido pela amrinona no AMPc, que leva à melhor disponibilidade do Ca durante a sístole e, ao mesmo tempo, aumenta o sequestro do Ca durante a diástole, tornando esta droga uma boa estratégia em termos inotrópicos e lusitrópicos. De acordo com Kittleson29, embora esta droga não seja usada rotineiramente em cães, a amrinona é 30 a 40 vezes mais potente que e a milrinona. Os efeitos destes compostos são idênticos aos dos simpatomiméticos, porém sem a desvantagem da diminuição da eficácia em administrações crônicas (down regulation). Ambos os compostos têm efeitos quando administrados por via oral, entretanto apenas estão disponíveis formulações intravenosas. Tilley, Goodwin28 relatam que as indicações para a terapia com as bipiridinas são semelhantes às da digoxina. Entretanto, destacam que a amrinona e a milrinona são agentes inotrópicos positivos mais potentes que a digoxina, embora não apresentem os efeitos antiarrítmicos deste digitálico. Segundo estes autores, ambos os agentes tendem a aumentar a frequência cardíaca (efeito JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2012 5 (10): 357 – 384. 372 cronotrópico positivo) e podem potencializar a ocorrência de arritmias em alguns pacientes. Segundo Ramirez, Alonso13, embora este grupo de fármacos tenha sido considerado efetivo no aumento imediato do inotropismo cardíaco, sendo um grupo no qual a medicina havia depositado grandes esperanças terapêuticas, seu uso tem sido controverso, pois pesquisas demonstraram que sua utilização está diretamente relacionada com um aumento inaceitável na mortalidade dos pacientes sob efeito terapêutico em longo prazo com esta droga. Segundo os autores torna-se inaceitável exigir de um músculo exausto que trabalhe mais (efeito cronotrópico positivo). Por tais motivos, Tilley, Goodwin28 afirmam que o uso destas bipiridinas deva ser limitado aos casos de insuficiência miocárdica severa e refratária ao uso dos demais inotrópicos. Em adição, os inibidores da fosfodiesterase (amrinona, milrinona) aumentam o débito cardíaco, reduzem a pressão de enchimento ventricular e a resistência vascular sistêmica. Entretanto seu custo é bastante superior ao das catecolaminas, o que sugere que estas bipiridinas possam ser reservadas tais casos refratários, para uso em associação com a dobutamina ou em substituição a ela12. c) Agentes simpatomiméticos Segundo Ostini et al.32, as catecolaminas e drogas não catecolaminas são os agentes simpatomiméticos mais utilizados na medicina. Sinteticamente são produzidas, além da adrenalina, noradrenalina e dopamina, três outras catecolaminas: dobutamina, isoproterenol e dopexamina. Todas essas aminas possuem indicações terapêuticas específicas, diferindo entre si JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2012 5 (10): 357 – 384. 373 pela seletividade e potência de ações sobre os diferentes receptores. Existem ainda outras aminas simpatomiméticas (fenilefrina, metoxamina, anfetamina e efedrina), sem o núcleo “catecol”, que agem através da liberação indireta de noradrenalina, desencadeando efeitos imprevisíveis, o que limita sua utilização. Estas drogas são consideradas potentes inotrópicos positivos e vasopressores, que de forma geral, aumentam a força de contração cardíaca e o tônus sobre a musculatura lisa vascular, respectivamente. Estas ações favorecem a perfusão tecidual, tendo importante aplicação em casos de hipotensão circulatória, tal como ocorre em casos de emergências cardiovasculares33. Entretanto, estes efeitos rápidos e potentes podem determinar mudanças drásticas nos parâmetros vitais, resultando em efeitos colaterais indesejáveis e deletérios quando de seu uso inadequado33. As ações das catecolaminas são determinadas pelas suas ligações às três classes principais de receptores adrenérgicos: alfa, beta e dopa. Os efeitos das catecolaminas são dose dependentes, sendo que o aumento da liberação endógena dessas substâncias, em situações de estresse, ocupa os receptores, diminuindo os que estão disponíveis para interação com as drogas de administração exógena. O resultado da interação catecolamina e receptor é transmitido para os sistemas efetores, celulares através da ativação da adenilciclase e elevação da adenosina monofosfato, cíclica (AMPc), intracelular28, 32. Dentre as indicações clínicas para as catecolaminas, Fox et al.5 e Tilley, Goodwin28 descrevem que a dopamina e JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2012 5 (10): 357 – 384. 374 a dobutamina são utilizadas somente nos casos de insuficiência cardíaca aguda grave, em pacientes em estado crítico. Estes compostos aumentam consideravelmente a contratilidade miocárdica, a velocidade de condução ea frequência cardíaca. Entretanto, devido ao seu efeito arritmogênico marcado, apenas alguns são apropriados para o tratamento da IC. Nestes casos, a dopamina e a dobutamina, por terem menor poder cronotrópico positivo são também menos arritmogênicas, estando indicadas para o tratamento da IC secundária à disfunção sistólica34. De acordo com Belerenian et al.16, os pacientes nestes casos não conseguem manter a descarga sistólica e nem a perfusão tecidual, apresentando todos os sinais de choque hipotensivo. O resultado final desta via é um colapso que requer a administração urgente de dopamina/dobutamina por via intravenosa, na tentativa de reversão do quadro. Os autores informam, ainda, que ambas devem ser administradas em infusão contínua diluídas em solução de dextrose 5% em água, visto que sua meia-vida é extremamente curta (3 a 5 minutos). Por se tratarem de catecolaminas simpatomiméticas, sensibilizam o miocárdio e o sistema de condução ao aparecimento de arritmias, sendo necessária monitorização eletrocardiográfica5. Segundo Spinosa et al.14 e Tilley, Goodwin28, embora a dopamina e a dobutamina sejam drogas com características semelhantes, estas diferem entre si nos seguintes pontos: 1) a dobutamina favorece o fluxo sanguíneo para a musculatura esquelética e miocárdica, enquanto a dopamina favorece o fluxo para os sistemas renal JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2012 5 (10): 357 – 384. 375 e mesentérico; 2) a infusão de dopamina em doses abaixo de 10ug/kg/min pode estar associada à vasoconstrição e 3) a dopamina pode aumentar a pressão diastólica intraventricular. De acordo com Barretto, Velloso12, no paciente agudamente descompensado e com baixo débito cardíaco este tipo de suporte inotrópico é essencial. Casos que cursem com a persistência de quadro congestivo associado à palidez e redução da temperatura cutânea, enchimento capilar extremamente lento, pulsos filiformes, hipotensão arterial, alteração sensorial, anorexia, intolerância alimentar, elevação progressiva dos níveis de uréia e creatinina permitem o diagnóstico do baixo débito, sem a necessidade de monitorização invasiva. Nesta situação de elevada mortalidade e grande sofrimento para o paciente, o uso das catecolaminas, sobretudo dobutamina e dopamina, traz melhora imediata e redução acentuada dos sintomas. Em último caso, a adrenalina, uma catecolamina com efeitos a e b, é considerada a substância de eleição para o tratamento da parada cardíaca, bradicardias extremas e da hipotensão durante a ressuscitação. Também requer administração intravenosa e sua dose depende da disponibilidade de um desfibrilador, uma vez que doses reduzidas não são efetivas e doses elevadas podem produzir fibrilação miocárdica. Assim, recomenda-se iniciar com pequenas doses, aumentando-as gradativamente durante a manobra de ressuscitação. Como seu efeito é bastante rápido, assim como a dopamina e a dobutamina, requer, também, ser administrada por infusão contínua16. Em geral, o rápido período de duração destas catecolaminas é em função da sua meia-vida ser JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2012 5 (10): 357 – 384. 376 extremamente curta, de um a dois minutos, sendo rapidamente metabolizadas em nível hepático, quando administradas por via oral, antes de chegarem à circulação sanguínea. Por esta razão, devem ser administradas por via intravenosa, geralmente sob infusão contínua. Ademais, seu uso em longo prazo também não está aconselhado, uma vez que a resposta aos simpatomiméticos diminui por redução do número e sensibilidade dos receptores β-adrenérgicos (down regulation), limitando, assim, o seu uso a dois ou três dias em infusão contínua nos casos de IC aguda29. d) Novos inodilatadores De acordo com Ramirez, Alonso13, há um grupo de novos fármacos, representados principalmente pelo pimobendan e levosimendan, que apresenta um uso clínico interessante para o manejo da insuficiência cardíaca congestiva em cães. Este grupo de fármacos é conhecido como inodilatadores, assim como a amrinona e a milrinona. Estas drogas apresentam propriedades comuns com os inibidores da fosfodiesterase III, amrinona e milrinona, porém apresentam um novo efeito adicional de sensibilização dos canais de cálcio35. O aumento da sensibilidade miocárdica ao Ca deve-se a modificações na união dos íons de Ca com a troponina C ou a efeitos diretos sobre o complexo actina-miosina. Isto confere a estas drogas características inotrópicas positivas importantes quando comparadas aos demais inotrópicos positivos disponíveis para uso clínico. Além disso, os efeitos vasculares da inibição da fosfodiesterase III são uma JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2012 5 (10): 357 – 384. 377 veno e arteriodilatação mediada pelo AMPc. Tais efeitos proporcionam um aumento da contratilidade miocárdica sem aumentar o consumo de oxigênio ou energia pelo músculo cardíaco13,15,35,36. Estes efeitos combinados são de grande importância, pois hemodinamicamente causam vasodilatação periférica, reduzem a pós- carga e aumentam o débito cardíaco37, além de possuírem efeitos interessantes na redução da pressão arterial pulmonar, em casos de hipertensão pulmonar38. Outras características importantes conferidas a este grupo de drogas são os fatos de não induzirem a liberação de catecolaminas, não serem estimulantes simpáticos diretos, não atuarem através da liberação de histamina e não terem efeito sobre o fluxo celular de sódio ou inibição da atividade da sódio-potássio ATP-ase13. Dentre as drogas disponíveis neste grupo, o pimobendan é a principal delas. Ele vem sendo indicado para o tratamento da insuficiência cardíaca congestiva, hipertensão pulmonar, cardiomiopatia dilatada e insuficiência valvular mitral em cães, tendo seu uso correlacionado com o aumento do tempo de sobrevivência nestes animais35,37,38. Clinicamente, nestes casos, em que o tratamento cardiovascular em longo prazo faz-se necessário, esta droga apresenta destaque sobre os demais inotrópicos positivos pela sua possibilidade e disponibilidade para administração por via oral, em cápsulas13,35,37,38. Dessa maneira, o pimobendan apresenta-se como uma droga muito interessante e promissora para o tratamento clínico da insuficiência cardíaca congestiva em medicina veterinária, entretanto seu uso JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2012 5 (10): 357 – 384. 378 está aprovado em cães apenas em países como Japão, Canadá, EUA, Austrália e alguns países da Europa, sendo bastante controlado e ainda não licenciado em muitos países, como o Brasil15,35. De acordo com Boswood15, o pimobendan está licenciado apenas para o tratamento da degeneração mixomatosa e da cardiomiopatia dilatada estando o seu uso relacionado ao aumento na qualidade e sobrevida dos pacientes tratados. Entretanto, alguns cardiologistas têm experimentado, com sucesso, esta droga no tratamento da insuficiência cardíaca secundária a outras condições, desde que induzam um quadro de insuficiência sistólica. Segundo o autor, esta droga é contra- indicada em casos de insuficiência cardíaca secundária aos casos de efusões pericárdicas, arritmias, condições de lesões obstrutivas, como estenose aórtica, com ou sem sinais clínicos. De forma similar ao pimobendan, outra droga característica deste grupo é o levosimendan. Este fármaco é, também, um potente inotrópico positivo, desprovidode efeitos adversos sobre a função diastólica35,39. Tachibana et al.36 estudaram os efeitos do levosimendan sobre a performance das funções sistólica e diastólica do ventrículo esquerdo em cães em repouso e em exercício, porém todos animais com insuficiência cardíaca congestiva. Em conclusão puderam observar que, após a ICC, doses clínicas de levosimendan produziram vasodilatação arterial, aumentaram o relaxamento do ventrículo esquerdo e a função diastólica, assim como a contratilidade miocárdica, e também melhoraram a eficiência mecânica cardíaca JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2012 5 (10): 357 – 384. 379 em ambos os grupos estudados. Por fim, Boswood15 conclui que desde a introdução dos inibidores da enzima conversora de angiotensina I (inibidores da ECA), o advento do pimobendan e levosimendan no tratamento de cães com insuficiência cardíaca congestiva representa o avanço mais significativo no manejo farmacológico da insuficiência cardíaca, sobretudo nos casos de DMVM e CMD, e que mais estudos ainda se fazem necessários para se tentar observar possíveis deficiências do composto. Considerações finais A cardiologia veterinária vem aumentando o leque de medicamentos que podem ser utilizados em diversos protocolos para o tratamento da insuficiência cardíaca congestiva, sobretudo nos casos que cursam com a insuficiência sistólica. A busca por um fármaco com características ideais é uma ambição médica antiga, não somente na cardiologia, mas nesta área tais investigações objetivam drogas que possam aumentar a contratilidade miocárdica, sem aumentar o consumo energético e de oxigênio pelo miocárdio, comprometendo a longevidade do músculo cardíaco. Embora a literatura clássica enfatize o uso da digoxina nestes casos, fato contradito em estudos recentes, não se deve ignorar o advento de novos compostos estudados e que já se encontram disponíveis para utilização clínica em medicina meterinária. Finalmente, reafirmando o exposto ao longo do texto, os planos terapêuticos atuais devem ser baseados na busca de um equilíbrio entre a demanda clínica do paciente e JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2012 5 (10): 357 – 384. 380 as peculiaridades de cada composto inotrópico disponível, sempre acompanhado das demais estratégias preestabelecidas para o manejo da insuficiência cardíaca congestiva, como os vasodilatadores, diuréticos, antiarrítmicos, dietas hipossódicas e restrição aos exercícios. Referências bibliográficas 1. Sisson D (2004). Neuroendocrine evaluation of cardiac disease. Vet Clin Small Anim, 34: 1105–1126. 2. Vilarinho KAS (2008). Desenvolvimento de modelo experimental de insuficiência cardíaca em coelhos. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Ciências Médicas. Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 132p. 3. Atkins C et al. (2009). Guidelines for the diagnosis and treatment of canine chronic valvular heart disease. J Vet Intern Med, 23: 1142- 1150. 4. 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Recebido em: Fevereiro de 2012 Aceito em: Julho de 2012 Publicado em: Dezembro de 2012 JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2012 5 (10): 357 – 384. 384 ANEXO – Principais inotrópicos positivos em Medicina Veterinária (cães). Drogas Mecanismo de ação Indicação Dose Nome comercial Digoxina β-metil Digoxina Digitoxina Inibição da Na-K ATPase, com aumento de Ca intracelular Insuficiência sistólica e arritmias supraventriculares 0,005-0,008 mg/kg BID 0,01-0,04 mg/kg BID 0,02-0,03 mg/kg TID Digoxina® Digobal® Lanitop® Digitaline Nativelle® Amrinona Milrinona Inibidores da fosfodiesterase III Insuficiência sistólica e hipertensão arterial e pulmonar; Casos refratários. 10-20 g/kg/min 0,5-1,0 mg/kg/VO, BID/TID Inocor® Primacor® Dopamina Dobutamina Adrenalina Elevação do AMP-cíclico intracelular Insuficiência sistólica, síndromes de baixo débito cardíaco e perfusão; Parada cardiorrespiratória. 3-5 µg/kg/min, IV, infusão 5-20µg/kg/min IV infusão 0,2 mg/cão IV; 0,4 mg/kg intratraqueal Revivan® Dobutrex® Adrenalina® Pimobendan Levosimendan Inibição da fosfodiesterase 3 e sensibilização dos canais de cálcio Insuficiência sistólica (CMD e DMVM); Hipertensão pulmonar. 0.25–0.3 mg/kg / VO BID 24 µg/kg IV, bolus, seguido por 0,4 µg/kg/min, infusão; 0,025 a 0,05 mg/kg, PO, SID Vetmedin® Sindax®
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