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1 RESPONSABILIDADE CIVIL OU EXTRACONTRATUAL DO ESTADO O vocábulo “responsabilidade” é utilizado para qualquer situação em que alguém deva responder pelas consequências dos seus atos. Esse “alguém”, no nosso tema de estudo, é o próprio Estado que, por possuir personalidade jurídica, também é titular de direitos e obrigações na ordem civil. No campo do Direito, verifica-se a existência de uma tríplice responsabilidade: a administrativa, a penal e a civil, inconfundíveis, independentes entre si e, eventualmente, cumuláveis. Em apertada síntese, a responsabilidade administrativa resulta de infração a normas administrativas; a responsabilidade penal decorre da prática de crimes e contravenções tipificados na lei penal; já a responsabilidade civil decorre de infrações a normas de direito civil, gerando para o infrator a obrigação de reparar o dano ou de ressarcir o prejuízo causado a outrem. A reponsabilidade do Estado, como pessoa jurídica, é sempre civil. A responsabilidade civil tem como pressuposto a ocorrência de um dano (prejuízo). Significa que o sujeito só é civilmente responsável se sua conduta ou omissão provocar danos ao terceiro, dano que pode ser de ordem material (patrimonial) ou moral. A sanção aplicável no caso de responsabilidade civil é a indenização, que é o montante pecuniário necessário para reparar os prejuízos causados pelo responsável. Na maioria das relações entre particulares, o direito civil reconhece a chamada responsabilidade contratual. A responsabilidade contratual, como o próprio nome 2 sugere, se funda no descumprimento de cláusulas estabelecidas em contratos prévios firmados entre as partes. Diversamente, a responsabilidade civil do Estado constitui modalidade extracontratual, por inexistir um contrato que sustente o dever de reparar. Para caracterizar a responsabilidade civil ou extracontratual do Estado, basta que haja um dano (patrimonial e/ou moral) causado a terceiro por comportamento omissivo ou comissivo de agente público. A responsabilidade civil impõe ao Estado a obrigação de reparar (indenizar) esse dano. Aqui, cabe lembrar que o Estado, como pessoa jurídica, é um ser intangível, que somente se faz presente no mundo jurídico através dos seus agentes, pessoas físicas, cuja conduta é a ele imputada. O Estado, por si só, não pode causar danos a ninguém. Sendo assim, a responsabilidade civil do Estado pressupõe a existência de três sujeitos: o Estado, o terceiro lesado e o agente do Estado. Neste cenário, a Constituição Federal disciplina que o Estado é civilmente responsável pelos danos que seus agentes causarem a terceiros (CF, art. 37, § 6º). Ou seja, é o Estado quem deverá reparar os prejuízos causados por seus agentes, pagando as respectivas indenizações aos terceiros lesados. Isso não impede, contudo, que o Estado, depois de indenizar a vítima, cobre o ressarcimento correspondente de seus agentes que tenham agido com dolo ou culpa. Aprofundaremos esse assunto no decorrer da aula. Detalhe importante é que o surgimento da responsabilidade não requer que o ato do agente público seja ilícito (contrário à lei): a responsabilidade civil do Estado pode decorrer de atos ou comportamentos que, embora lícitos, causem danos a terceiros (ou, nas palavras de Di Pietro, “causem a pessoas determinadas ônus maior que o imposto aos demais membros da coletividade”). Com base nessas noções preliminares, a Prof.ª Di Pietro apresenta a seguinte definição para “responsabilidade civil do Estado”: 3 Responsabilidade civil ou extracontratual d o Estado: obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos. Responsabilidade do Estado É sempre civil e extracontratual Obrigação de reparar danos causados a terceiros Resulta de comportamentos comissivos ou omissivos, lícitos ou ilícitos. EVOLUÇÃO O tema responsabilidade civil do Estado tem recebido tratamento diverso no tempo e no espaço. Em seguida, vamos estudar a evolução das várias teorias existentes sobre o assunto. IRRESPONSABILIDADE DO ESTADO Na época dos Estados absolutistas, a ideia que prevaleceu era a de que o Estado não tinha qualquer responsabilidade pelos atos praticados por seus agentes. Havia a noção de que o Estado era um ente todo-poderoso, insuscetível de causar danos e muito menos de ser responsabilizado. Valia, então, a máxima: the King can do no wrong (o rei não erra) ou, ainda, le roi ne peut mal faire (o rei não pode fazer mal). Com o advento do Estado de Direito, a teoria da irresponsabilidade estatal perdeu espaço, passando-se a admitir a responsabilidade civil do Estado. Alguns países desenvolvidos só recentemente abandonaram a doutrina da irresponsabilidade do Estado. Os Estados Unidos, por exemplo, fizeram-no através 4 do Federal Tort Claim (de 1946) e a Inglaterra, através do Crown Proceeding Act (de 1947). TEORIA DA RESPONSABILIDADE COM CULPA COMUM Após o abandono da teoria da irresponsabilidade do Estado, surge a doutrina da responsabilidade estatal no caso de ação culposa de seu agente. Passava-se a adotar, desse modo, a teoria da responsabilidade com culpa, também chamada de doutrina civilista da culpa. Para enquadrar a responsabilidade do Estado, essa teoria procurava distinguir dois tipos de atitude estatal: os atos de império e os atos de gestão. Segundo a teoria civilista, o Estado poderia responder apenas pelos prejuízos decorrentes de seus atos de gestão, que seriam aqueles desprovidos de supremacia estatal, praticados pelos seus agentes para a conservação e desenvolvimento do patrimônio público e para a gestão dos seus serviços; o Estado, contudo, permanecia não respondendo pelos atos de império, que seriam aqueles praticados com supremacia, de forma coercitiva e unilateral. Distinguia-se, dessa forma, a pessoa do Rei (insuscetível de errar), que praticaria os atos de império, da pessoa do Estado, que praticaria atos de gestão através de seus agentes. Portanto, pela teoria civilista, o Estado respondia pelos danos causados por seus agentes ao praticarem atos de gestão, porém só no caso de culpa destes. Ademais, cabia ao particular prejudicado o ônus de identificar o agente estatal causador do dano, além de demonstrar que ele teria agido com culpa. O problema dessa teoria (que vigorou no Brasil desde o Império até a Constituição de 1946) é que, na prática, nem sempre era fácil distinguir se o ato era de império ou de gestão, o que causava uma série de dúvidas e confusões. 5 TEORIA DA CULPA ADMINISTRATIVA Evoluindo mais um pouco, chegamos à teoria da culpa administrativa. O principal acréscimo na construção teórica foi quanto à desnecessidade de se fazer diferença entre os atos de império e os atos de gestão. Ademais, a teoria da culpa administrativa procurava desvincular a responsabilidade do Estado da ideia de culpa do agente estatal. Passou-se a falar em culpa do serviço público, em que o terceiro lesado não precisava identificar o agente estatal causador do dano. Para caracterizar a responsabilidade do Estado, bastava-lhe comprovar que o serviço público não funcionou ou funcionou de forma insatisfatória, mesmo que fosse impossível apontar o agente responsável pela falha. Perceba que a teoria também exige uma espécie de culpa, mas não a culpa subjetiva do agente, e sim um a culpa atribuída aoEstado (pela má prestação do serviço), denominada pela doutrina de culpa administrativa ou culpa anônima (haja vista a desnecessidade de individualizar a conduta do agente). A culpa administrativa ocorre quando: a) O serviço não existe (inexistência do serviço); b) Mau funcionamento do serviço, o serviço só existe, porém não funcionou bem) ou; c) Retardamento do serviço (o serviço existe, funciona bem, porém atrasou- se). Para que o prejudicado pudesse exercer seu direito à reparação dos prejuízos, caberia a ele próprio o ônus de comprovar que o fato danoso se originava do mau funcionamento do serviço e que, em consequência, teria o Estado atuado com culpa. OBS: A teoria da culpa administrativa ainda serve de subsídio para responsabilização do Estado em algumas situações, como na omissão administrativa. 6 TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO Pela teoria do risco administrativo, o Estado tem o dever de indenizar o dano causado ao particular, independentemente de falta do serviço ou de culpa dos agentes públicos. Ou seja, apenas pelo fato de existir o dano decorrente de atuação estatal surge para o Estado a obrigação de indenizar. Conforme assevera Hely Lopes Meirelles, “na teoria da culpa administrativa exige- se a falta do serviço; na teoria do risco administrativo exige-se, apenas, o fato do serviço”, ou seja, a atuação estatal que provocou o dano. Na teoria o risco administrativo, a ideia de culpa é substituída pela de nexo de causalidade entre a conduta do agente público e o prejuízo sofrido pelo administrado. Presentes o fato do serviço e o nexo de causalidade entre o fato e o dano ocorrido, nasce para o Poder Público a obrigação de indenizar Interessante notar que a “Teoria do Risco Administrativo” se baseia no risco que a Administração Pública assume ao atuar em nome da coletividade, risco esse consubstanciado na possibilidade de seus atos acarretarem danos a certos membros da comunidade, impondo-lhes um ônus não suportado pelos demais. Para compensar essa desigualdade individual, oriunda das atividades da própria Administração, todos os outros integrantes da coletividade devem concorrer para a reparação do dano, através das indenizações pagas pelo erário. Com a repartição do ônus financeiro da indenização, evita-se que somente alguns suportem os prejuízos causados por uma atividade desempenhada pelo Estado no interesse de todos. Portanto, o risco e a solidariedade social são os suportes dessa doutrina A teoria do risco administrativo também reconhece a desigualdade jurídica entre o Estado e os administrados, decorrente da supremacia estatal. Para a teoria, seria injusto que aqueles que sofressem danos patrimoniais ou morais decorrentes da atividade do Estado precisassem comprovar a existência de culpa da Administração ou de seus agentes para que tivessem direito à reparação. 7 Exatamente por dispensar a apreciação de elementos subjetivos (dolo ou culpa), a teoria do risco administrativo serve de fundamento para a chamada responsabilidade objetiva do Estado, que tem merecido o acolhimento dos Estados modernos, inclusive do Brasil, desde a Constituição de 1946. Como na teoria do risco administrativo a responsabilidade do Estado independe de qualquer espécie de culpa (do Estado ou do agente público), o particular que sofreu o dano não tem o ônus de provar a presença desses elementos subjetivos. Porém, ainda que a teoria do risco administrativo não exija que o particular comprove a culpa estatal ou do agente público, é possível ao Estado, visando excluir ou atenuar a indenização, demonstrara ocorrência das chamadas excludentes de responsabilidade, entre elas a culpa da vítima (exclusiva ou concorrente), a força maior e o caso fortuito. Dessa forma, a culpa não é totalmente irrelevante na teoria objetiva do risco administrativo. A culpa não precisa ser demonstrada por aquele que pede a indenização contra o Poder Público. Todavia, se o Estado demonstrar que houve culpa por parte do particular que pleiteia a indenização, exime-se de responsabilidade, podendo, inclusive, acionar o particular para que honre com os prejuízos. OBS: Na teoria do risco administrativo permite-se que o Estado comprove a culpa do pretenso lesado, de forma a eximir o erário, integral ou parcialmente, do dever de indenizar. Assim, por exemplo, havendo um acidente entre um veículo oficial e um particular, não necessariamente a Administração deverá indenizar os danos causados ao veículo particular. Caso a Administração demonstre que houve culpa recíproca – isto é, dela e do particular (vítima), concomitantemente – sua obrigação de indenizar será proporcionalmente atenuada. Mais que isso, se a Administração conseguir provar que a culpa tenha sido exclusivamente do motorista particular, restaria excluída 8 a obrigação de indenizar por parte da Administração. Essa é a fundamental diferença com relação ao risco integral, como veremos a seguir. TEORIA DO RISCO INTEGRAL Vimos que, na teoria do risco administrativo, o Estado é responsável pelas condutas danosas de seus agentes públicos, independentemente de situações que afastam o dever de o Estado reparar o eventual prejuízo (são as excludentes de responsabilidade, como a culpa da vítima). Por sua vez, pela teoria do risco integral, o Estado funciona como “segurador universal”, sendo obrigado a indenizar os prejuízos suportados por terceiros, ainda que resultantes da culpa exclusiva da vítima ou de caso fortuito ou força maior. Segundo essa teoria, basta a existência do evento danoso e do nexo de causalidade para que surja a obrigação de indenizar para o Estado, sem a possibilidade de que este alegue excludentes de sua responsabilidade. Por ser o risco integral modalidade de risco administrativo extremamente exagerada, a doutrina majoritária sustenta não ser aplicável em nosso ordenamento jurídico. A regra geral, portanto, é a não aplicabilidade da teoria do risco integral. Porém, há na doutrina quem defenda serem os danos causados por acidentes nucleares uma aplicação da teoria do risco integral (CF, art. 21, XXIII, “d”), uma vez que, nessa hipótese, ficaria afastada qualquer possibilidade de alegações de excludentes pelo Estado. Outra hipótese de aplicação da teoria do risco integral aceita pela doutrina e pela jurisprudência é a responsabilidade por danos ambientais. Sobre o tema, é bastante 9 elucidativo o seguinte texto extraído da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ): A responsabilidade por dano ambiental é objetiva e pautada no risco integral, não se admitindo a aplicação de excludentes de responsabilidade. Conforme a previsão do art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/1981, recepcionado pelo art. 225, § 2º e 3º, da CF, a responsabilidade por dano ambiental, fundamentada na teoria do risco integral, pressupõe a existência de uma atividade que implique riscos para a saúde e para o meio ambiente, impondo-se ao empreendedor a obrigação de prevenir tais riscos (princípio da prevenção) e de internalizá-los em seu processo produtivo (princípio do poluidor-pagador). Pressupõe, ainda, o dano ou risco de dano e o nexo de causalidade entre a atividade e o resultado, efetivo ou potencial, não cabendo invocar a aplicação de excludentes de responsabilidade. Por fim, a doutrina também aponta como exemplo de aplicação da teoria do risco integral a responsabilidade da União para indenizar danos decorrentes de ataques terroristas e atos de guerra a aeronaves brasileiras, conforme previsto na Lei 10.744/2003. Estudaremosesse assunto em tópico específico ao final da aula. Teorias da responsabilidade do Estado Irresponsabilidade do Estado O Estado não responsabiliza pelos danos provocados por seus agentes Responsabilidade com culpa (civilista) - responsabilidade subjetiva Só existe quando o agente público atua com culpa e pratica atos de gestão Culpa administrativa - responsabilidade subjetiva Basta comprovar a falta ou má qualidade do serviço (Culpa do Estado e não do agente Risco administrativo Responsabilidade objetiva Basta o nexo de causalidade entre a ação do Estado e o dando. A Administração pode alegar excludente de responsabilidade. Risco Integral - reponsabilidade objetiva Basta o nexo de causalidade entre a ação do Estado e o dando. A Administração não pode alegar excludente de responsabilidade. 10 RESPONSABILIDADE OBJETIVA: ART. 37 § 6º DA CF. O art. 37, § 6º da Constituição Federal assim dispõe: § 6º - as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. A doutrina ensina que esse dispositivo constitucional consagra no Brasil a responsabilidade extracontratual objetiva da Administração Pública, na modalidade risco administrativo. Sendo assim, a Administração Pública tem a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus agentes, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão (e independentemente da existência de contrato entre ela e o terceiro prejudicado). A responsabilidade objetiva prevista no art. 37, § 6º da CF alcança: a) Todas as pessoas jurídicas de direito público (administração direta, autarquias e fundações de direito público), independentemente das atividades que exerçam; b) as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos (empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas de direito privado que prestem serviços públicos); c) as pessoas privadas, não integrante da Administração Pública, que prestem serviços públicos mediante delegação (concessionárias, permissionárias e detentoras de autorização de serviços públicos). Portanto, um órgão da administração direta (ex: Polícia Federal), uma empresa estatal prestadora de serviços públicos (ex: Correios) e uma concessionária de serviço 11 público (ex: TIM e Rede Globo) respondem igualmente pelos danos (patrimoniais ou morais) que seus agentes causarem a terceiros, tendo a obrigação de indenizar os prejuízos causados. No caso dos danos provocados pelos órgãos da administração direta, quem responde é o próprio ente político (União, Estados, DF e Municípios), detentores que são da personalidade jurídica (os órgãos são despersonalizados). A regra do art. 37, § 6 º da CF é reproduzida, em parte, no art. 43 do Código Civil: Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo. Perceba que o Código Civil, embora tenha incorporado a teoria do risco administrativo, não fez menção às pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviços públicos. A omissão do Código Civil, contudo, não afasta a responsabilidade dessas entidades, que decorre da própria Constituição. Outro ponto a destacar no art. 37, § 6º da CF é que a responsabilidade objetiva do Estado decorre dos danos causados a terceiros por “seus agentes”, desde que estejam atuando na condição de agentes públicos, e não em suas atividades particulares. Vou explicar. Primeiramente, cumpre destacar que a expressão “agente” utilizada no dispositivo constitucional possui um alcance bem amplo, não se restringindo aos servidores públicos estatutários, mas incluindo também os empregados das entidades de direito privado prestadoras de serviço público, integrantes ou não da Administração Pública. Enfim, abrange todas as pessoas incumbidas da realização de algum serviço público, em caráter permanente ou transitório. Note, porém, que é condição imprescindível para a caracterização da responsabilidade do Estado o fato de o agente, ao praticar o ato danoso, estar atuando na condição de agente público (ou de agente de delegatária de serviço público), 12 vale dizer, no desempenho das atribuições próprias da sua função ou simplesmente agindo como se a estivesse exercendo. Não importa se a atuação do agente foi lícita ou ilícita; o que interessa é exclusivamente ele agir na qualidade de agente público, e não como pessoa comum. Dessa forma, se um policial fardado, agindo em nome do Estado (o que, no caso, presume-se pelo só fato de o agente estar fardado e integrar efetivamente os quadros da corporação policial), ainda que em dia de folga, causar dano ao particular, a obrigação de indenizar compete ao Poder Público, independentemente da existência de irregularidade na conduta do agente. Por outro lado, não haverá responsabilidade do Estado nos casos em que o agente causador do dano seja realmente um agente público, mas não esteja atuando na sua condição de agente público (nem parecendo estar). Por exemplo, um policial militar, em dia de folga, quando estava na frente da sua casa, de bermuda e sem camisa, discute com um inimigo pessoal e acaba desferindo tiros com uma arma não pertencente à corporação. Nesse caso, o Estado não será responsabilizado, pois o policial, apesar de ser agente público, não atuou nessa qualidade; seu comportamento derivou de interesse privado, motivada por sentimento pessoal. Dessa forma, sua conduta não poderá ser imputada ao Estado. Por outro lado, caso, na mesma situação, o disparo tivesse sido efetuado com uma arma da corporação, caberia a responsabilidade civil do Estado, pois o policial somente detinha a posse da referida arma por causa da sua situação funcional, ou seja, o simples uso da arma, ainda que em dia de folga (o que é vedado), configura atuação na condição de agente público, atraindo a responsabilidade do Estado. Os danos causados pelos chamados agentes de fato também acarretam responsabilidade para a Administração Pública (ex: prejuízo causado a terceiro por um servidor público com idade superior a limite para aposentadoria compulsória). Ou seja, ainda que o vínculo entre o agente e o Estado esteja maculado por um vício insanável, a mera atuação na condição de agente público atrai a responsabilidade do 13 Estado (afinal, a Administração permitiu ou não foi capaz de impedir a atuação do agente de fato). Por outro lado, um dano causado por alguém que não tenha vínculo algum com a Administração Pública, nem mesmo um vínculo eivado de nulidade, a exemplo de um usurpador de função, não acarreta a responsabilidade do Estado (ex: sujeito que veste uma farda policial, sem jamais ter sido regularmente admitido para a corporação, e fere um terceiro). É oportuno conhecermos também o alcance do conceito de “terceiros”, constante do art. 37, § 6º da CF. A expressão tem abrangência ampla, incluindo todas as pessoas físicas e jurídicas, públicas ou privadas. Em outras palavras, o Estado deve responder pelos danos causados por seus agentes a qualquer que seja a vítima. Continuando no art. 37, § 6º, percebe -se que, na sua parte final, é feita referência à possibilidade de apessoa jurídica cobrar do agente público o valor da indenização que foi obrigada a pagar. Assim, a pessoa Jurídica deverá ajuizar ação regressiva contra o seu agente afim de obter o ressarcimento da indenização que foi obrigada a pagar. Todavia, o agente somente será responsabilizado se for comprovado que ele atuou com dolo ou culpa, ou seja, a responsabilidade do agente é subjetiva, na modalidade culpa comum. O ônus da prova da culpa do agente é da pessoa jurídica em nome da qual ele atuou e que já foi condenada a indenizar o terceiro lesado. Por fim, vale destacar que a responsabilidade extracontratual Objetiva do Estado decorre apenas de danos provocados por alguma conduta comissiva (ação) de seus agentes. Na hipótese de prejuízos provocados pela omissão do Poder Público, a responsabilidade civil é de natureza subjetiva (teoria da culpa administrativa), como veremos adiante, em tópico específico. 14 Responsabilidade Civil objetiva do Estado (CF, art. 37, § 6º) Modalidade risco administrativo: Independe da prova de culpa. Alcança pessoas Jurídicas De direito público Todas: administração direta, autarquias e fundações. De direito privado prestadoras de serviço público EP, SEM, fundações e delegatárias de serviço público. Agentes devem atuar na condição de agentes públicos. A Administração pode entrar com ação de regresso contra o Agente, nos casos de dolo ou culpa (responsabilidade subjetiva Nexo causal entre o dano e a atuação do agente RESPONSABILIDADE CIVIL DAS EMPRESAS ESTATAIS Como visto, segundo o art. 37, § 6º da CF, além das pessoas jurídicas de direito público (administração direta, autarquias e fundações públicas), as empresas públicas e as sociedades de economia mista prestadoras de serviço público (ex: correios e Infraero), entidades de direito privado, também se submetem à responsabilidade de natureza objetiva, na modalidade risco administrativo. Ressalte-se que não estão abrangidas pelo art. 37, § 6º da CF a s empresas públicas e as sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica (ex: Banco do Brasil e Petrobras). Estas respondem pelos danos que seus agentes causarem a terceiros da mesma forma que qualquer empresa privada, nos termos do direito civil e comercial; ou seja, a responsabilidade das empresas estatais 15 exploradoras de atividade econômica é de natureza subjetiva (teoria civilista ou culpa comum – depende da demonstração de culpa do agente) Entidades administrativas Direito público Responsabilidade objetiva Direito privado Prestadoras de serviços públicos Ex: Infraero, ECT Responsabilidade objetiva Exploradoras de atividades econômicas Ex: BB, Petrobras Responsabilidade subjetiva RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS PUBLICOS É fato que o serviço público é incumbência do Poder Público (CF, art. 175, da CF), o qual não necessariamente será seu prestador. Como sabido, a Constituição Federal dá a possibilidade de delegação de serviços públicos a particulares, não integrantes da Administração Pública (concessionárias, permissionárias e autorizadas), que assumirão o encargo de executar o serviço, permanecendo a sua titularidade de posse do Estado. A regra da responsabilidade civil objetiva, prevista no art. 37, § 6º da CF, se estende às pessoas jurídicas prestadoras de serviços públicos, independentemente de a prestadora integrar ou não a Administração Pública, neste último caso, sendo uma concessionária, permissionária ou autorizada. Isso se dá em razão de a entidade assumir o risco administrativo da prestação do serviço público. Dessa forma, no caso de delegação, junto com o " bônus" do serviço a ser prestado (a tarifa a ser cobrada dos usuários), a entidade que presta o serviço público assume 16 o “ônus”, ou seja, o dever de responder por eventuais danos causados a terceiros por seus empregados em decorrência da prestação do serviço público delegado. Quanto às concessionárias, permissionárias e autorizadas de serviços públicos, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou o entendimento de que a responsabilidade civil dessas entidades é objetiva relativamente a terceiros usuários e não-usuários do serviço. Basta que o dano seja produzido pelo sujeito na qualidade de prestador de serviço público. Concessionárias Permissionárias e autorizadas Danos causados por seus agentes a usuários e não usuários dos serviços Responsabilidade civil objetiva Assim, por exemplo, uma empresa concessionária de transporte coletivo teria a obrigação de indenizar o pedestre (terceiro não-usuário) que fosse atropelado por ônibus da empresa, ainda que o motorista não tivesse culpa alguma. A concessionária só estaria livre do dever de indenizar se conseguisse comprovar a presença de alguma excludente de responsabilidade, a exemplo da culpa exclusiva da vítima ou da força maior. RESPONSABILIDADE CIVIL POR OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO Como já foi afirmado, o Estado pode causar dano a particulares por ação ou omissão. Quando há ação, os danos podem ser gerados por conduta culposa ou não do agente público. Em ambos os casos incide a responsabilidade civil objetiva, desde que presentes os seus pressupostos – o fato do serviço, o dano e o nexo causal. 17 Todavia, quando há omissão, em regra existe a necessidade da presença do elemento culpa para a responsabilização do Estado. Em outras palavras, nas hipóteses de danos provocados por omissão do Poder Público, a sua responsabilidade civil passa ser de natureza subjetiva, na modalidade culpa administrativa. Nesses casos, a pessoa que sofreu o dano, para ter direito à indenização do Estado, tem que provar (o ônus da prova é dela) a culpa da Administração Pública. A culpa administrativa, no caso, origina-se do descumprimento do dever legal, atribuído ao Poder Público, de impedir a consumação do dano. Ou seja, decorre de falta no serviço que o Estado deveria ter prestado (abrangendo a inexistência, a deficiência ou o atraso do serviço) e que, se tivesse sido prestado de forma adequada, o dano não teria ocorrido. Tal “culpa administrativa”, no entanto, não precisa ser individualizada, isto é, não precisa ser provada negligência, imprudência ou imperícia de um agente público determinado. Basta ao lesado provar o nexo causal entre o dano e a omissão estatal. A responsabilidade subjetiva do Estado usualmente se aplica a situações em que há dano a um particular em decorrência de atos de terceiros, não agentes públicos (ex: delinquentes ou multidões) ou de fenômenos da natureza (ex: enchente ou vendaval). Por exemplo, na hipótese de ocorrência de uma enchente que provoque estragos na residência de um particular, este terá direito à indenização do Estado caso consiga provar que os bueiros e as galerias pluviais, cuja manutenção é dever do Poder Público, estavam entupidos. Nesse exemplo, como o dano foi causado por um evento da natureza, e não por um ato de um agente público atuando nessa qualidade, para se atribuir ao Estado a responsabilidade civil pelo prejuízo, há necessidade de se provar a culpa administrativa (a responsabilidade é subjetiva, portanto). A culpa, na situação, está caracterizada pela ausência ou deficiência no serviço de manutenção, que contribuiu para o dano causado ao patrimônio do particular;não há, contudo, necessidade de provar qual foi o agente público responsável pela omissão. 18 Por outro lado, caso se verifique que o dano decorreu exclusivamente de atos de terceiros ou fenômenos da natureza, sem qualquer omissão culposa da Administração, esta não terá a obrigação de indenizar No mesmo exemplo anterior, caso todo o sistema de escoamento estivesse em perfeitas condições e, mesmo assim, por conta de uma chuva de intensidade excepcional e imprevisível, não tenha sido suficiente para evitar a enchente, a responsabilidade do Estado será afastada, porque o dano terá ocorrido exclusiva e diretamente de situação de força maior, sem qualquer culpa da Administração. A responsabilidade pela falta do serviço só existe quando o dano era evitável Assim, podemos concluir que a regra da responsabilidade objetiva da Administração Pública não vale para os casos de omissão estatal. A responsabilidade passa a ser subjetiva. Este é o entendimento tanto doutrinário como jurisprudencial dominante, e que deve ser tomado como regra geral. Disse que deve ser tomado como regra geral porque há situações em que os atos omissivos acarretarão a responsabilidade objetiva do Estado, nos termos do § 6º do art. 37 da CF. Segundo a jurisprudência do STF, quando o Estado tem o dever legal de garantir a integridade de pessoas ou coisas que estejam sob sua proteção direta (ex: presidiários e internados em hospitais públicos) ou a ele ligadas por alguma condição específica (ex: estudantes de escolas públicas) o Poder Público responderá civilmente, por danos ocasionados a essas pessoas ou coisas, com base na responsabilidade objetiva prevista no art. 37, § 6º, mesmo que os danos não tenham sido diretamente causados por atuação de seus agentes. Nesse caso, de forma excepcional, o Estado responderá objetivamente pela sua omissão no dever de custódia dessas pessoas ou coisas. Como exemplo, pode-se citar um presidiário que seja assassinado por outro condenado dentro da penitenciária ou um aluno de escola pública que seja agredido no horário de aula por outro aluno ou por pessoa estranha à escola. Nestas situações haverá a responsabilidade objetiva do Estado, mesmo que o prejuízo não decorra 19 de ação direta de um agente do Poder Público, e sim de uma omissão. Para se livrar da responsabilidade, a Administração terá que provar (o ônus da prova é dela) a ocorrência de algum excludente dessa responsabilidade, como um evento de força maior. Segundo a doutrina, a responsabilidade objetiva nesses casos decorre de uma omissão específica do Estado, que possibilitou a ocorrência do dano, a qual, para efeito de responsabilidade civil, equipara-se à conduta comissiva. A omissão específica, que enseja a responsabilidade objetiva para a Administração, difere da omissão genérica, que gera a responsabilidade subjetiva. Ressalte-se que a omissão específica está presente, em especial, quando há pessoas sob custódia do Estado (ex: presidiários, pessoas internadas em hospitais públicos, estudantes de escolas públicas), casos em que a responsabilidade civil da Administração, como dito, é do tipo objetiva, na modalidade risco administrativo, dada a sua omissão específica com relação às pessoas sob sua guarda (não há necessidade de provar a culpa da Administração). Nos demais casos, que não envolvam pessoas sob custódia do Estado, a omissão é genérica e enseja a responsabilidade civil subjetiva da Administração, na modalidade culpa administrativa. O prejudicado é que terá de provar que houve omissão culposa do Estado. Na prova, se a questão não trouxer nenhuma situação sobre pessoas sob a guarda ou a custódia do Estado (presidiários, alunos ou hospitalizados), pode marcar que a omissão estatal importará a responsabilização do Estado com base na teoria subjetiva. Ao contrário disso, se houver um contexto, analise primeiro se a situação se refere às pessoas então mencionadas. Em caso positivo, haverá omissão específica, e, sendo assim, o caso será de responsabilidade objetiva. 20 Responsabilidade civil por omissão Regra geral Subjetiva (Culpa administrativa) Pessoas sob a guarda do Estado (alunos, presidiários e hospitalizados) Objetiva (risco administrativo) OBS: A responsabilidade do Estado por danos causados por fenômenos da natureza é do tipo subjetiva. OBS: O fato de um detento morrer em estabelecimento prisional devido a negligência de agentes penitenciários configurará hipótese de responsabilização objetiva do Estado. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE O princípio da responsabilidade civil da Administração não se reveste de caráter absoluto. Com efeito, diante de certas situações, admite-se o abrandamento e, até mesmo, a própria exclusão da responsabilidade civil do Estado, seja ela de natureza objetiva (por ação, risco administrativo) ou subjetiva (por omissão, culpa administrativa). As situações que importam a exclusão total ou parcial da responsabilidade civil do Estado, as chamadas excludentes de responsabilidade, podem ser: a) Culpa atribuível, total ou parcialmente, à própria vítima b) Caso fortuito e força maior. c)Fato exclusivo de terceiros 21 Tais situações implicam a exclusão da responsabilidade civil porque afastam o nexo de causalidade entre a atuação/omissão estatal e o dano. Sem o link (nexo de causalidade) entre a atividade do Estado e prejuízo causado, não há como se configurar a responsabilidade e, consequentemente, não há que se falar em indenização a ser feita ao prejudicado. Excludente de responsabilidade Culpa exclusiva ou concorrente da vítima Caso fortuito ou força maior Fato exclusivo de terceiros Vamos então falar um pouco sobre cada uma das excludentes de responsabilidade Com relação à culpa exclusiva da vítima, tem-se que se ficar comprovado que o prejudicado, na verdade, foi o único responsável pelo resultado danoso, então ele não é vítima, e sim o próprio causador do dano, devendo, portanto, arcar com os prejuízos causados a si mesmo. Por exemplo: um motorista, servidor público, vem dirigindo em serviço de forma cautelosa quando, de repente, um particular avança o sinal vermelho e colide com o veículo oficial. Nesse caso, o Estado não teria o dever de indenizar o proprietário do automóvel particular, pois o dano foi causado exclusivamente por ato do próprio particular. Em outras palavras, não houve nexo de causalidade entre alguma ação do agente público e o dano, daí o fundamento para a exclusão da responsabilidade civil do Estado. Detalhe é que a responsabilidade do Poder Público, em razão de culpa atribuível à própria vítima, pode ser totalmente excluída como também pode ser reduzida proporcionalmente. No exemplo dado, a responsabilidade foi totalmente excluída, pois a culpa pelo acidente foi exclusiva do particular. 22 Por outro lado, se alguma ação do servidor público, de alguma forma, tivesse contribuído para o acidente, haveria aquilo que a doutrina chama de culpa concorrente (do agente público e da vítima). Nesse caso, a responsabilidade civil da Administração seria afastada apenas parcialmente, ou seja, o Estado teria o dever de indenizar o particular, só que o valor da indenização seria reduzido proporcionalmente. Outra excludente de responsabilidade se verifica na hipótese de caso fortuito ou força maior. Não há consenso na doutrina acerca do que vem a ser caso fortuito e do que vem a ser força maior.Alguns autores dizem que caso fortuito decorre de eventos da natureza e força maior da conduta humana; outros autores afirmam exatamente o contrário. Entretanto, não nos interessa aqui fazer distinção entre os conceitos. Para o nosso objetivo, vamos adotar a posição majoritária da doutrina e da jurisprudência que considera “caso fortuito” e “força maior” como se fossem a mesma coisa. Nesse sentido, tanto o caso fortuito como a força maior constituem fatos imprevisíveis, não imputáveis à Administração e que podem romper a necessária causalidade entre a ação do Estado e o dano causado. Os eventos de caso fortuito e força maior só podem ser considerados excludentes de responsabilidade nas situações em que o dano decorrer exclusivamente dos efeitos do evento imprevisível. Isso é necessário para caracterizar a necessária quebra do nexo de causalidade entre o dano e alguma ação ou omissão estatal. Sendo assim, na ocorrência de algum evento imprevisível que tenha causado danos a terceiros, deve-se analisar se houve omissão por parte do Estado (ou do prestador do serviço público) quanto a providências de sua incumbência para evitar o prejuízo. Caso fique caracterizada a omissão culposa, a responsabilidade do Estado não será afastada, havendo direito de indenização por parte do prejudicado. 23 Aqui, vale o mesmo exemplo apresentado anteriormente sobre os danos causados por uma enchente e a manutenção do bueiros e galerias pluviais. Se a ausência ou deficiência na manutenção a cargo do Estado contribuiu para a produção dos efeitos da enchente, não há que se falar em exclusão da responsabilidade civil da Administração (no caso, de natureza subjetiva); por outro lado, se os bueiros e galerias pluviais estavam em boas condições e, mesmo assim, a enchente ocorreu devido à forte chuva de intensidade imprevisível, então esse evento pode ser considerado um excludente da responsabilidade do Estado, pois foi ele próprio (o evento imprevisível) que provocou diretamente o dano, sem nenhuma contribuição da Administração Pública. Maria Sylvia Di Pietro e Celso Antônio Bandeira de Mello definem força maior como um evento externo à Administração, de natureza imprevisível e irresistível ou inevitável. Segundo essa definição, seriam exemplos de força maior um furacão, um terremoto (e ventos da natureza), como também uma guerra ou uma revolta popular incontrolável (eventos humanos). Diversamente, caso fortuito seria sempre um evento interno, ou seja, decorrente de uma atuação da Administração, mas com resultados anômalos, tecnicamente inexplicáveis e imprevisíveis. Como exemplo, pode-se citar o rompimento de uma adutora durante a manutenção ou a falha de uma peça mecânica num veículo oficia l em trânsito. Para os autores, somente as situações de força maior eximem a responsabilidade objetiva civil da Administração Pública, mas não os eventos internos enquadrados como caso fortuito. Isso porque, nas situações de força maior, o dano não decorre de atuação do Estado, mas do próprio evento externo, de modo que não há um nexo causal entre alguma atividade estatal e o dano sofrido pelo particular (a menos que haja alguma omissão culposa da Administração, é claro). Ao contrário, nas situações de caso fortuito, considerando a definição dos autores, o dano decorre diretamente de uma atuação da Administração, muito embora ela não 24 tenha qualquer culpa em relação aos efeitos da sua atuação (afinal, os resultados são anômalos e inevitáveis). Portanto, como existe o nexo causal entre o dano e a atuação estatal, não haveria com o considerar o caso fortuito como um excludente de responsabilidade. Não obstante a posição dos ilustres autores, registre-se que a maioria da doutrina e da jurisprudência não faz essa diferenciação entre “força maior” e “caso fortuito”. Ambos são considerados eventos externos à Administração, imprevisíveis e incontroláveis, capazes de romper a necessária causalidade entre a ação do Estado e o dano causado. Em outras palavras, para a maior parte da doutrina e da jurisprudência “força maior’ e “caso fortuito” são a mesma coisa e, por isso, ambos podem ser tomados como excludentes da responsabilidade civil da Administração. É essa posição que devemos levar para a prova como regra geral. No que diz respeito ao fato exclusivo de terceiros, a posição prevalente é de corresponder também a uma excludente da responsabilidade civil da Administração Pública. A análise assemelha-se à relativa aos fatos imprevisíveis (caso fortuito ou força maior): sem que se possa imputar atuação omissiva direta ao Estado, não há como responsabilizá-lo civilmente por atos de terceiros. É o que ocorre, por exemplo, em assaltos nos ônibus. Se não ficar caracterizada a missão do prestador do serviço público, não há como responsabilizar a empresa concessionária de transporte pelo prejuízo provocado pelo assaltante. Afinal, segurança não está relacionada ao serviço prestado pela empresa. Nesse caso, o fato exclusivo de terceiro seria uma excludente de responsabilidade. Outro exemplo de fato exclusivo de terceiros seria o dano causado por multidões a bens particulares, como ocorre em muitos protestos no Brasil e no mundo. Também nesse caso deve-se perquirir se a Administração poderia ou não evitar o tumulto, a fim de preservar o patrimônio das pessoas. Se ficar comprovada a omissão do Poder Público, não há como afastar a responsabilidade civil do Estado; caso contrário, se 25 os danos decorreram exclusivamente dos atos da multidão enfurecida, sem que o Poder Público pudesse fazer algo para contê-la, então o fato não acarreta a responsabilidade civil do Estado. Supremo no RE 318.725/RJ Direito constitucional e administrativo. responsabilidade extracontratual do estado. Suicídio de paciente em hospital público. Inexistência de relação causal entre o evento e a atuação do ente público. 1. A discussão relativa à responsabilidade extracontratual do Estado, referente ao suicídio de paciente internado em hospital público, no caso, foi excluída pela culpa exclusiva da vítima, sem possibilidade de interferência do ente público. 2. Agravo regimental improvido. Daí, portanto, o gabarito da questão. Diversa, a meu ver, seria a situação em que a tendência suicida do paciente pudesse ser diagnosticada a priori, caso em que caberia ao Estado se acautelar das providências necessárias, para impedir que o internado lograsse tirar a própria vida. Mas esse não foi o caso. Quanto ao suicídio de detento em estabelecimento prisional, o STF possui outra posição, reconhecendo a responsabilidade civil objetiva do Estado. Foi a decisão adotada, por exemplo, no ARE 700.927/GO: Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. 2. Direito Administrativo. 3. Responsabilidade civil do Estado. Indenização por danos morais. Morte de preso em estabelecimento prisional. Suicídio. 4. Acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência desta Corte. Incidência da Súmula 279. Precedentes. 5. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 6. Agravo regimental a que se nega provimento. Em geral, quando se trata do suicídio de detentos, a jurisprudência tem reconhecido a responsabilidade objetiva do Estado, não admitindo a exclusão da responsabilidade por culpa exclusiva da vítima. Enfim, percebe-se que existem na jurisprudência posições diversas e exatamente opostas em relação à responsabilidade civil do Estado na 26 hipótese de suicídio de pessoas sujeitas à sua guarda. Por isso, considero que é possível afirmar que o suicídio,por si só, não caracteriza culpa exclusiva da vítima; deve-se analisar as demais circunstâncias que envolvem o caso, especialmente a previsibilidade da conduta do suicida, para concluir se há ou não responsabilidade do Estado. A não ser no caso dos detentos, em que a orientação jurisprudencial tende a ser pela responsabilidade objetiva do Estado, não existe uma regra única a ser seguida na prova. Cabe ao candidato analisar todas as informações presentes na questão – especialmente os elementos subjacentes, e não apenas o suicídio em si – para decidir qual a melhor resposta. Vamos agora aprender como ocorre a reparação do dano causado pelo agente público ao particular, e como a pessoa jurídica poderá exercer o seu direito de regresso contra o agente. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANO PARTICULAR X ADMINISTRAÇÃO Caso a Administração e o terceiro lesado não consigam entrar em acordo para reaver o prejuízo de forma amigável, na via administrativa, o particular que sofreu o dano praticado por agente público deverá intentar a ação judicial de reparação em face da Administração Pública, pleiteando indenização pelo prejuízo. OBS: A ação de reparação deve ser movida contra a Administração (pessoa jurídica), e não contra o agente que causou o dano. Isso porque, conforme o art. 37, § 6º da CF, é a própria pessoa jurídica (de direito público ou de direito privado prestadora de serviço público) que responderá objetivamente pela reparação dos danos causados a terceiros por seus agentes. Portanto, quem deve figurar no polo passivo (respondendo, sendo processado) da 27 ação de indenização movida pelo particular é a pessoa jurídica, e não o agente público; este tampouco poderá figurar em conjunto com a pessoa jurídica, na posição de litisconsorte. Este é o posicionamento do STF, manifestado em inúmeras decisões, dentre elas, no RE 344.133/PE: Consoante dispõe o § 6º do artigo 37 da Carta Federal, respondem as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, descabendo concluir pela legitimação passiva concorrente do agente, inconfundível e incompatível com a previsão constitucional de ressarcimento - direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Segundo a jurisprudência do STF, essa sistemática consagra uma dupla garantia: uma, em favor do particular, pois lhe possibilita mover ação indenizatória contra a pessoa jurídica, o que, em tese, aumenta a sua chance de ser indenizado (o Estado tem mais “força financeira” que o agente público causador direto do dano); e outra garantia em prol do agente público, que somente responderá perante a Administração, em caso de dolo ou culpa, mediante ação regressiva. Em que pese a posição do STF, há na doutrina quem defenda a possibilidade de se mover ação de reparação diretamente contra o agente público. Tal é a posição, por exemplo, de Carvalho Filho, para quem “o fato de ser atribuída a responsabilidade objetiva à pessoa jurídica não significa a exclusão do direito de agir diretamente contra aquele que causou o dano”. Já o autor Celso Antônio Bandeira de Mello registra que a vítima pode propor ação de indenização contra o agente, contra o Estado ou contra ambos, como responsáveis solidários, no caso de dolo ou culpa. Na prova, portanto, não se deve descartar logo de cara alguma alternativa que afirme ser possível acionar diretamente o agente público; o melhor é verificar se o enunciado faz referência à doutrina, pois, se fizer, o item poderá ser considerado correto. 28 Não obstante, deve-se tomar como REGRA GERAL (caso o enunciado não cite a doutrina ou apenas peça o posicionamento do STF) que a ação de reparação deverá ser intentada contra a pessoa jurídica causadora do dano, e não contra o agente, não se admitindo sequer o litisconsórcio passivo (entre a pessoa jurídica e o servidor) em tal situação. Como a responsabilidade civil do Estado é do tipo objetiva (ou seja, independe de culpa ou dolo da Administração), basta ao particular, na ação de reparação, demonstrar a existência de um nexo causal entre o fato lesivo (de autoria da Administração) e o dano (material ou moral). A partir daí, se o Poder Público quiser se eximir da obrigação de indenizar deverá provar que a vítima concorreu com dolo ou culpa para o evento danoso. Caso não consiga provar, o Estado responderá integralmente pelo dano (ou parcialmente, se conseguir provar a culpa concorrente), devendo indenizar o particular. O valor da indenização deve abranger o que a vítima efetivamente perdeu e o que gastou – por exemplo, com advogado – para ressarcir-se do prejuízo (danos emergentes), bem como o que deixou de ganhar em consequência direta do dano provocado pelo agente público (lucros cessantes). Some-se a isso, quando for o caso, a indenização pelo dano moral. Detalhe importante é que, conforme previsto na Lei 9.494/97, a ação de reparação contra a Administração se sujeita a prazo de prescrição de cinco anos. Em outras palavras, o particular tem cinco anos para mover a ação judicial de reparação contra as pessoas jurídicas cujos agentes tenham lhe provocado algum prejuízo. Passado esse prazo, o particular perde o direito à indenização. O prazo prescricional de cinco anos se aplica, inclusive, para os danos provocados pelos agentes das delegatárias de serviços públicos, não integrantes da Administração. 29 Jurisprudência 1)Há precedentes do STJ e do STF que reconhecem a imprescritibilidade das ações indenizatórias por danos morais ou materiais decorrentes de atos de perseguição, tortura prisão, por motivos políticos, praticados durante o regime militar. Isso, porque as referidas ações referem-se a período em que a ordem jurídica foi desconsiderada, com legislação de exceção, havendo, sem dúvida, incontáveis abusos e violações dos direitos fundamentais, mormente do direito à dignidade da pessoa humana. 2) Para o STJ, tratando-se de fato danoso caracterizado como crime, o termo de início da prescrição quinquenal para a propositura da ação de indenização contra o Poder Público é a data do trânsito em julgado da sentença criminal condenatória. AÇÃO REGRESSIVA ADMINISTRAÇÃO X AGENTE PÚBLICO O art. 37, § 6º da CF autoriza que a pessoa jurídica condenada por responsabilidade civil do Estado mova ação regressiva contra o agente cuja atuação acarretou o dano, desde que seja comprovado dolo ou culpa na atuação do agente. Não é demais salientar que, por necessitar da comprovação de dolo ou culpa, a responsabilidade civil do agente perante a pessoa jurídica é de natureza subjetiva. Para entrar com a ação de regresso contra o agente, a pessoa jurídica (entidade pública ou delegatária de serviços públicos) deverá comprovar que já foi condenada judicialmente a indenizar o particular que sofreu o dano. Isso porque o direito de regresso nasce com o trânsito em julgado da decisão condenatória prolatada na ação de indenização. 30 A Lei 4.619/1965, que dispõe sobre a ação regressiva da União contra seus agentes, prevê expressamente que “o prazo para ajuizamento da ação regressiva será de sessenta dias a partir da data em que transitar em julgado a condenação imposta a Fazenda”. Portanto, pela lei, a propositura da ação de regresso independe do efetivo pagamento da indenização à vítima (que poderá ter um prazo adicional para ser feito); basta a condenação judicial transitada em julgado. Essa é a REGRA GERAL quedeverá ser levada para a prova. Vale saber, contudo, que parte da doutrina, e também alguns julgados do STJ, entende que o direito de regresso do Estado em face do agente público surge com o efetivo desembolso da indenização. Segundo essa corrente de entendimento, não basta o trânsito em julgado da sentença que condena o Estado na ação indenizatória, pois o interesse jurídico na propositura da ação regressiva depende do efetivo desfalque nos cofres públicos. A propositura da ação regressiva antes do pagamento poderia ensejar enriquecimento sem causa do Estado. Vale anotar que, mesmo que não se consiga provar a culpa ou dolo do agente público, a obrigação da Administração perante o particular não muda, vale dizer, o insucesso da ação de regresso não tem impacto algum sobre a ação de reparação já julgada. A única consequência seria que a Administração não veria ressarcido o valor da indenização que pagou ao particular (a indenização seria suportada pelos cofres públicos, portanto). Requisitos para ação de regresso Que a pessoa jurídica tenha sido condenada a indenizar a vítima pelo dano (trânsito em julgado) Que tenha havido dolo ou culpa do agente que ocasionou o dano 31 Interessante registrar que, por ser uma ação de natureza cível (indenizatória), a ação regressiva transmite-se aos sucessores (herdeiros) do agente causador do dano, os quais ficarão responsáveis por promover a reparação mesmo após a morte do agente. O limite até o qual os sucessores responderão é o valor do patrimônio transferido, como herança, pelo agente público falecido. Por exemplo, se o agente falecido deixou aos sucessores um patrimônio de R$ 100 mil e a indenização que a pessoa jurídica foi condenada a pagar foi de R$ 150 mil, então a ação regressiva só poderá cobrar dos sucessores o valor de R$ 100 mil (ou seja, a pessoa jurídica deixaria de reaver R$ 50 mil em razão da morte do agente). As dívidas de valor são repassadas para os sucessores por não serem penalidades, mas uma simples recomposição dos cofres públicos. Tal sistemática está em consonância com o art. 5º, XLV da CF, pelo qual “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”. Ainda em decorrência da sua natureza cível, a ação regressiva poderá ser ajuizada mesmo após o término do vínculo entre o servidor e a Administração Pública. Nada impede, portanto, que o agente seja responsabilizado ainda que tenha pedido exoneração, esteja aposentado, em disponibilidade etc. É de se destacar que as ações regressivas movidas pelo Estado em face de seus agentes são imprescritíveis. Incide, no caso, a regra do art. 37, § 5º da CF, segundo a qual “a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”. Note-se que imprescritível é a ação de ressarcimento, e não o ilícito em si. Portanto, se o Estado desejar punir o a gente pela prática de algum ilícito que tenha causado prejuízo ao erário (aplicando-lhe uma multa ou demitindo-lhe, por exemplo), deverá 32 observar os prazos prescricionais previstos na legislação; na mesma situação, contudo, a ação de ressarcimento movida contra o agente, que visa tão somente recompor os cofres públicos (e não punir o agente), não se sujeita a prazo de prescrição. DENUNCIAÇÃO À LIDE Antes de encerrar esse tópico, cabe abordar a (in)aplicabilidade da “denunciação à lide” aos processos judiciais fundados na responsabilidade civil objetiva do Estado. Primeiro, vamos ver o que significa essa expressão. Lide quer dizer litígio, uma questão a ser resolvida, normalmente, em processo de natureza judicial. Assim, “denunciar à lide” significa, de maneira simples, trazer para um processo judicial alguém que pode (ou deve, em algumas situações) ser trazido. O art. 70, III, do Código de Processo Civil determina que “a denunciação à lide é obrigatória àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda”. Isso significa que, na esfera do direito privado, se uma empresa é alvo de ação civil por prejuízo causado por um de seus empregados, será obrigatória a “denunciação da lide” ao funcionário, ou seja, aquele funcionário deverá ser chamado a responder na mesma ação e se defender. Existem divergências doutrinárias e jurisprudenciais a respeito da aplicação ou não do instituto da denunciação à lide às ações civis contra o Estado. Não obstante, a posição majoritária da doutrina e da jurisprudência é no sentido da inaplicabilidade da denunciação à lide pela Administração a seus agentes Em outras palavras, a Administração não pode, já na primeira ação (isto é, na ação de indenização movida pela pessoa que sofreu o dano), trazer para o processo (denunciar à lide) seu agente cuja atuação ocasionou o dano. 33 O argumento é: a responsabilidade do agente é subjetiva; a do Poder Público, objetiva. admitir a denunciação pelo Poder Público ao agente importaria trazer, já para a ação de indenização, a discussão acerca da existência de dolo ou culpa na conduta do agente público, o que certamente traria prejuízos ao particular interessado; primeiro porque atrasaria o recebimento da indenização (afinal, enquanto a responsabilidade da Administração é objetiva, não demandando análise de culpa, denunciar o agente à lide tornaria a ação dependente da demonstração da sua culpa, ou seja, seria gasto mais tempo com análise de provas, atrasando a solução final do litígio), e segundo porque, se ficasse comprovada a culpa do agente já na ação de reparação, este é que seria o responsável por indenizar o particular, e não a Administração, gerando o risco de o agente não dispor de recursos financeiros suficientes para arcar com a despesa. Assim, se fosse cabível a denunciação da lide, ocorreria, dentro do processo do particular contra a Administração, uma discussão relativa à existência ou não de culpa do agente, e essa discussão, a princípio, em nada interessa o particular (presume-se que o único interesse do particular é ver o seu dano ressarcido, objetivamente). Na esfera federal, o art. 122, § 2º da Lei 8.112/1990 estabelece que “tratando-se de dano causado a terceiros, responderá o servidor perante a Fazenda Pública, em ação regressiva”. O significado desse dispositivo é que o exercício do direito de regresso previsto no art. 37, § 6º da CF deverá ser exercido pela Administração mediante ação própria, a ação regressiva, e não chamando agente pública para a ação de indenização movida pelo particular lesado contra o Estado. Portanto, na esfera federal, pode-se dizer que o instituto da denunciação à lide, por expressa disposição legal, não é aplicável nos processos em que se discute a responsabilidade civil objetiva do Estado por danos causados a terceiros. Como sobredito, a inaplicabilidade da denunciação à lide é a posição majoritária, adotada, inclusive, pelo STF e, na esfera federal, 34 expressamente prevista na Lei 8.112/1990. Essa é a REGRA GERAL que deve ser levada para a prova. Porém, vale saber que existem julgados do S TJ e posições doutrinárias que admitem a denunciação à lide quando o próprio denunciante chamar o agente público ao processo, ou seja, o particular lesado, ao entrar com a ação de indenização,poderia arguir a culpa do agente público. Com efeito, para o STJ, nas ações de indenização fundadas na responsabilidade civil objetiva do Estado, a denunciação à lide não é obrigatória, se inserindo na seara da discricionariedade do denunciante. Sobre o tema, a autora Maria Sylvia Zanella Di Pietro defende a impossibilidade da denunciação da lide, se o autor da ação contra o Estado a propõe com base na culpa anônima do serviço ou apenas na responsabilidade objetiva decorrente do risco. Agora, se a ação é fundada na responsabilidade objetiva do Estado, com arguição de culpa do agente público, a denunciação da lide é cabível como também é possível o litisconsórcio facultativo ou a propositura diretamente contra o agente público. Ou seja, para a autora, cabe à vítima decidir contra quem irá propor a ação de indenização. RESPONSABILIDADE DE ATOS LEGISLATIVOS E JUDICIAIS Neste tópico, vamos abordar a responsabilidade do Estado diante do desempenho de outras atividades estatais, mais especificamente, na prática de atos legislativos e judiciais. A tese doutrinária dominante é que o Estado responde civilmente pelos prejuízos causados a terceiros em razão de atos administrativos, praticados por qualquer órgão ou Poder (inclusive o Legislativo e o Judiciário). 35 Por outro lado, na prática de atos judiciais (Poder Judiciário, função jurisdicional) e atos os legislativos (Poder Legislativo, função legislativa), não cabe, REGRA GERAL, a responsabilização civil do Estado. Assim, por exemplo, não caberia indenização do Estado ao particular que tenha sido prejudicado por uma lei aprovada pelo Legislativo. Tampouco o Estado poderia ser responsabilizado em razão de uma sentença judicial que tenha causado prejuízos financeiros a alguém. Todavia, como destacado acima, a não responsabilização civil do Estado em face da prática de atos legislativos e judiciais é uma regra geral que, como tal, admite exceções. Vejamos. Responsabilidade civil por atos Legislativos e judiciais REGRA: irresponsabilidade do Estado EXCEÇÕES: Atos legislativos: leis de efeitos concretos e leis inconstitucionais Atos judiciais: erro judicial na esfera penal Atos Legislativos No que diz respeito aos atos legislativos típicos, a doutrina e a jurisprudência têm admitido, por exceção, a responsabilização do Estado em duas hipóteses: a) Edição de leis de efeitos concretos; e b) Edição de leis inconstitucionais, desde que declaradas pelo STF. Leis de efeitos concretos são aquelas que não possuem caráter normativo, não detêm generalidade, impessoalidade e nem abstração. São leis exclusivamente formais, provindas do Legislativo, mas que possuem destinatários certos, determinados. 36 No caso, o administrado atingido diretamente pela lei de efeitos concretos tem direito à reparação dos eventuais prejuízos advindos da aplicação da norma, configurando- se a responsabilidade extracontratual do Estado. A razão para que as leis de efeitos concretos determinem o dever de o Estado arcar com os prejuízos que elas tenham causado ao particular é que tais atos legislativos são leis apenas formalmente (isto é, quanto à forma, eis que aprovadas pelo Legislativo), mas, materialmente (isto é, quanto ao conteúdo), são muito parecidas com os atos administrativos (por possuírem efeitos de atos desta natureza (administrativos). São exemplos as leis que aprovam planos de urbanização, as leis que concedem isenções fiscais a determinado setor ou pessoa, etc. Em relação à edição de leis inconstitucionais, parte-se da premissa de que o Poder Legislativo, embora possua soberania para editar leis, deve elaborá-las em conformidade com a Constituição. Assim, caso o Legislativo não observe essa condição e venha a elaborar leis inconstitucionais, poderá surgir a responsabilidade extracontratual do Estado. Ressalte-se que a responsabilização do Estado, nessa hipótese, depende da declaração de inconstitucionalidade da lei pelo Supremo Tribunal Federal (STF), tanto no controle concentrado como no difuso. Sem a declaração da Suprema Corte, não há que se cogitar a responsabilidade estatal. Ademais, é necessário que a lei tenha efetivamente causado danos ao particular. Dessa forma, havendo a declaração de inconstitucionalidade da lei, a pessoa que tenha sofrido danos oriundos da sua incidência terá que ajuizar uma ação específica pleiteando a indenização, a fim de demonstrar o dano sofrido. Para a autora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o entendimento quanto às leis inconstitucionais pode ser estendido aos regulamentos do Poder Executivo e às normas das agências reguladoras, com a peculiaridade de que indenização poderá 37 ser pleiteada com fundamento na simples ilegalidade do ato, dispensando-se a prévia judicial. ATOS JUDICIAIS No que diz respeito aos atos judiciais típicos, a própria Constituição Federal estabeleceu, como garantia individual, que “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença” (CF, art. 5º, LXXV). Portanto, na hipótese de o indivíduo ser condenado por erro judiciário, terá direito, contra o Estado, à reparação do prejuízo. No caso, a responsabilidade extracontratual do Estado é objetiva, isto é, independe de dolo ou culpa do magistrado. OBS: O erro judiciário que gera a responsabilização civil do Estado restringe-se a erro na esfera penal. Detalhe é que esse dispositivo da CF alcança apenas os erros cometidos pelo Judiciário na esfera penal. Nesses casos, o Estado poderá ser condenado a indenizar na esfera penal. Por outro lado, o dispositivo da CF não alcança os erros cometidos nas outras esferas, como a cível e a trabalhista. Jurisprudência O Supremo Federal entende que a responsabilidade objetiva do Estado não se aplica nas hipóteses de prisão preventiva em que o réu, ao final da ação penal, venha a ser absolvido ou tenha sua sentença condenatória reformada na instância superior. Nesses casos, não cabe ao prejudicado pleitear do Estado indenização ulterior por dano moral. 38 Em outras palavras, pode-se dizer que o decreto judicial de prisão preventiva, desde que adequadamente fundamentado, não se confunde com o erro judiciário. Interpretação diversa, de acordo com o STF, implicaria total quebra do princípio do livre convencimento do juiz, afetando de modo irremediável sua segurança para apreciar e valor ar provas. Ressalte-se, contudo, que o STF já admitiu a possibilidade de responsabilização civil objetiva do Estado por conta da decretação de prisão preventiva em que não tenham sido observados os pressupostos legais para a adoção da medida, gerando um grande prejuízo ao particular prejudicado (no caso, ele perdeu o emprego). Por fim, é importante mencionar que, por força do que dispõe o art. 133 do Código de Processo Civil, o magistrado responderá por perdas e danos quando, no exercício de suas atribuições, proceder dolosamente, inclusive com fraude, assim como quando recusar, omitir ou retardar, sem motivo justo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte. Nessas situações, em que o juiz pratica atos jurisdicionais com o intuito deliberado de causar prejuízo à parte, a responsabilidade é pessoal do juiz. Em outras palavras, não incide a responsabilidade civil do Estado, cabendo ao próprio magistrado o dever de indenizar os prejuízos causados. CASO ESPECIAIS Em seguida, vamos abordar alguns tópicos especiaisrelativos ao tema responsabilidade civil do Estado. RESPONSABILIDADE POR DANOS DE OBRAS PUBLICA Na aferição da responsabilidade civil por danos decorrentes de obras públicas interessa indagar, a priori, se o dano foi causado: 39 a) Pela própria natureza da obra, ou seja, pelo só fato da obra; b) Pela má execução da obra. Quando o dano decorre da própria natureza da obra ou, em outras palavras, pelo só fato da obra, sem que tenha havido culpa de alguém, a responsabilidade da Administração é do tipo objetiva, na modalidade risco administrativo. Nesta situação, o dano resulta da obra em si mesma, por sua localização, extensão ou duração prejudicial ao particular, sem relação direta com alguma falha na execução propriamente dita. A ideia subjacente é que, como o resultado da obra pública, em tese, irá beneficiar a todos, é justo que os danos decorrentes da própria natureza da obra também sejam repartidos, através da indenização arcada pelo erário. Nessa hipótese (dano causado pelo só fato da obra), a responsabilidade da Administração independe de quem estava executando a obra (se a própria Administração ou algum particular contratado). Como exemplo de dano provocado pelo só fato da obra, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, trazem as rachaduras nas paredes das casas próximas a uma obra para ampliação do metrô, provocadas pelas explosões necessárias à perfuração e abertura de galerias, apesar de todas as precauções e cuidados técnicos tomados. Nesse caso, o dano a essas casas é ocasionado pelo só fato da obra, sem que haja culpa de alguém, e quem responde pelo dano é a Administração Pública (responsabilidade civil objetiva), mesmo que a obra esteja sendo executada por um particular por ela contratado. De outra parte, danos também podem ser causados pela má execução da obra, ou seja, pela falha na adoção das técnicas construtivas ou pela não observância dos procedimentos corretos por parte do executor da obra. 40 Nessa hipótese, já interessa saber quem está executando a obra. Se a obra estiver sendo executada pela própria Administração, diretamente, ela responderá pelo dano objetivamente, com base no art. 37, § 6 º da CF. Vale dizer, a reparação do dano causado a terceiros pela má execução de obra pública, quando o executor é a própria Administração, constitui hipótese de incidência da responsabilidade civil objetiva do Estado. Diversamente, se o executor da obra for um particular contratado pela Administração (uma empreiteira, por exemplo), quem responderá civilmente pelo dano é esse particular; porém, sua responsabilidade será do tipo subjetiva, ou seja, o executor contratado só responderá se tiver atuado com dolo ou culpa. É o que prevê o art. 70 da Lei 8.66 6/1993: Art. 70. O contratado é responsável pelos danos causados diretamente à Administração ou a terceiros, decorrentes de sua culpa ou dolo na execução do contrato, não excluindo ou reduzindo essa responsabilidade a fiscalização ou o acompanhamento pelo órgão interessado. Nessa hipótese, se for o caso, o Estado responderá de forma subsidiária. É dizer, sua responsabilidade só estará configurada se o executor não for capaz de promover a reparação dos danos que causou ao prejudicado. Caso o Poder Público, como dono da obra, venha a ressarcir aquele que sofrera o prejuízo, poderá propor ação regressiva contra o particular que era responsável pela execução dos serviços. Por fim, há possibilidade de que tanto o empreiteiro quanto o Poder Público tenham contribuído para a má execução da obra que resultou em prejuízo ao administrado. Nessas situações, ambos têm responsabilidade pelo dano ocorrido, devendo arcar, de modo proporcional, com a eventual indenização devida, na medida da culpa de cada um. 41 Danos decorrentes de obras públicas Só fato de obra Não importa ao executor Responsabilidade civil objetiva do Estado Má execução de obra Execução a cargo da própria administração Responsabilidade civil objetiva do Estado Execução a cargo do partícular contratado Responsabilidade civil subjetiva do contratado RESPONSABILIDADE CIVIL DE NOTARIOS O serviço público notarial e de registro é serviço próprio do Estado, uma vez que tem a finalidade de assegurar autenticidade, segurança jurídica, eficácia e publicidade aos assentos, atos, negócios e declarações dos registros e/ou das notas, todos com fé pública. Nos termos da Constituição Federal, o serviço notarial e de registro é exercido em caráter privado, por delegação do Poder Público (CF, art. 236). Ressalte-se que tal delegação não está entre as regidas pelo art. 175 da CF (as quais estudamos na aula sobre serviços públicos). Uma das diferenças é que a delegação dos serviços notariais e registrais não é feita mediante licitação e sim por meio de concurso público de provas e títulos. Ademais, essa delegação é feita pelo Poder Judiciário, cabendo-lhe, ainda, competência exclusiva para a fiscalização; esta, vista como poder de polícia, permite a cobrança de taxa. 42 O delegatário, também chamado de notário ou tabelião, é uma pessoa física. É considerado um agente público em sentido amplo (mas não é um servidor público detentor de cargo efetivo, é só agente público). A serventia (cartório) não é uma pessoa jurídica, sendo o próprio particular, para o qual foi conferida a outorga da delegação, o responsável pela prestação dos serviços. Como dito, ele exerce a atividade em caráter privado, e é responsável por todos os atos praticados na serventia. O tabelião pode causar danos a terceiros quando, por exemplo, reconhecer uma firma falsa ou registrar erroneamente um protesto, causando restrições cadastrais indevidas. Sendo assim, qual seria a responsabilidade civil do tabelião nesses casos? Para variar, há controvérsia na jurisprudência. Existem duas posições principais sobre quem é o responsável por ressarcir os danos causados a terceiros no caso de erro dos tabeliães. a) Posição do STF: a responsabilidade objetiva é do Estado, cabendo ação de regresso contra o tabelião; b) Posição do STJ: a responsabilidade objetiva é do tabelião, e, conforme o caso, subsidiária do Estado. Perceba que a primeira tese enxerga o tabelião como um agente público, que só responde pelos danos que causar a terceiros de forma subjetiva, em ação de regresso. Já a segunda tese vê o tabelião como um delegatário de serviço público, no que assume posição semelhante à das concessionárias e permissionárias, respondendo de forma objetiva pelos danos que causar a terceiros, assegurado o direito de regresso contra seus prepostos. 43 RESPONSABILIDADE POR ATENTADOS TERRORISTAS A Lei 10.744/2003 autorizou a União, na forma e critérios estabelecidos pelo Poder Executivo, a assumir despesas de responsabilidades civis perante terceiros na hipótese da ocorrência de danos a bens e pessoas, passageiros ou não, provocados por atentados terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos ocorridos no Brasil ou no exterior, contra aeronaves de matrícula brasileira operadas por empresas brasileiras de transporte aéreo público, excluídas as empresas de táxi aéreo. Perceba que, nesse caso, o Estado responderá civilmente pelos danos provocados por terceiros, ou seja, será responsabilizado por evento alheio ao organismo estatal. E, na referida lei, não houve qualquer
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