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'j'r. -? 74 4. A CONSTRUÇÃO DA SEXUALIDADE, A PRIMEIRA TEORIA PULSIONAL E O CONCEITO DE NARCISISMO A alma cativa e obcecada Enrola-se, infinitamente, numa espiral de desejo. Carlos Drummond de Andrade 4.1 A pULSÀo E A CONSTITUIÇÃO DA SEXUALIDADE Freud realizou um verdadeiro corte epistemológico ao separar a sexualidade de seu fundamento anatômico, biológico e genital para estudar a sua representação subjetiva e . social. A psicanálise não se ocupa do sexo como diferença anatômica, senão da sexualidade como construção psíquica, como posição do sujeito em relação ao seu desejo. Para Freud, a sexualidade humana se distingue da necessidade, porque sua satisfação depende de condições fantasmáticas que determinam tanto a eleição do objeto como o tipo de atividade sexual. Nesse sentido, o autor utiliza a palavra alemã TRIEB48 para significar pulsão, ao invés da palavra instinto, pois essa última denota um esquema de comportamento herdado, que inclui uma finalidade e um objeto de satisfação precisos. Freud insiste em que a sexualidade humana não éum dado natural. nas q\le se constrói sobre uma complexa história de relaCÕessubjetivas. O conceito de realidade psíquica permite escapar das oposições inconciliáveis entre o psíquico e o biológico, o real e o imaginário. Uma vez que a realidade material é inapreensível em si, a realidade psíquica corresponde aos desejos inconscientes que se expressam pela fantasia. Diferentemente.da função do juízo, que se subordina ao princípio de realidade, a criação de fantasias corresponde à parte da atividade psíquica que permanece subordinada ao princípio do prazer. 4> A tradução da palavra alemã TRIEB provoca muita polêmica. devido à ampla gama de significações que abarca. Em alemão, os significados vão desde um princípio maior, que rege os seres vivos e que se manifesta como força que coloca em ação os seres de cada espéciel;como algo que aparece fisiologicamente no corpo somático do sujeito como se brotasse dele e o incitasse; por fim, como algo que se manifesta para o sujeito, fazendo-se representar no nivel interno e íntimo, como se fosse sua vontade ou um imperativo pessoal. Todos os significados atribuídos a TRIEB, no entanto, tem como base uma forca propulsora que produz movimento. , • 75 Em 1905, Freud distingue entre as funCÕes necessárias para preservar a vida do indivíduo e a pulsão sexual, cuja finalidade é a obtenção de prazer, servindo à conservação da espécie. Delineia-se, assim, a primeira teoria pulsional. A pulsão é concebida como um processo dinâmico, consistir,do de um impulso que induz o organismo a desenvolver uma atividade particular, cujo objetivo é de suprimir o estado de tensão, pela descarga que está na origem da pulsão. O próprio impulso é concebido como um fator quantitativo; é, segundo Freud, uma exigência de trabalho imposta ao aparelho psíquico [Pulsões e seus destinos (1915)]. É um conceito limite entre o anímico e o somático, como um representante psíquico dos estímulos procedentes do interior do corpo que chegam ao psiquismo, e como uma magnitude da exigência de trabalho imposta ao anímico em conseqüência de sua conexão com o somático, As pul5Ões estão em relação apenas com dois tipos de excitação: as excitações extemas e as excitações intemas, cuja descarga se faz em conformidade com o princípio da constância (que, como sabemos, tem o papel de manter constante ou o mais baixo possível o nível de excitação). Para manter esse estado de equilíbrio, o sujeito pode fugir da excitação quando esta vem do exterior, evitando, assim, um aumento de quantidade. Se, por outro lado, a excitação provém do interior do organismo, exercendo sua pressão de modo contínuo, somente a descarga do acúmulo de quantidade pode trazer a satisfação pulsional. Esta se obtém graças a uma modificação da fonte interna de excitação por meio de uma ação específica. A força (Drang), portanto, co,responde à dimensão quantitativa e se refere . à inevitabilidade da oulsâo, distinguindo-a dos estimulos externos (dos quais é possivel. escapar), e ao seu fator motor, isto é, a soma de força ou quantidade de exigência de trabalho que representa. A satisfação representa, assim o alvo para o qual a pulsão faz tender o organismo. O objetivo de cada pulsão é, normalmente, específico. Toda a pulsão encontra sua fonte no processo orgânico, fisico-quimico, cue se encontra na oricem daouela tensão. Como sabemos, a sexualidade não se resume ao genital, e tendo sido construída ao longo da história do sujeito, deve abranger fontes situadas em outrC's partes do corpo, a que Freud chamou de zonas erógenas. Pela história do desenvolvimento humano, algumas. áreas corporais especificas parecem mais suscetíveis de converter-se em zonas erógenas. Por exemplo, a sucção, a zona oral está suscetível de tornar-se erógena, fundamentalmente porque é uma parte do corpo através da qual se realiza ° intercâmbio com o meio ambiente,. 'I 76 ao mesmo tempo que recebe a máxima atenção, cuidados, e, portanto, uma carga de tensão externa por parte da mãe que amamenta o bebê. Assim sendo, a pulsão sexual não se apresenta como uma unidade dada, mas se decç>mpõe, na infância, em uma multiplicidade de pulsões parciais originadas nas diversas zonas erógenas. No entanto, essas zonas erógenas não geram as pulsões sexuais de forma espontânea, senão apoiadas sobre as funções de auto-conservação. Como já exemplificamos, é o que sucede na atividade oral do bebê: o prazer que o bebê experimenta, decorrente da sucção do seio matemo, inicialmente esteve apoiado sobre a satisfação da necessidade de alimento. É a função corporal que serve à auto-conservação que fornece à sexualidade sua zona erógena, além de indicar um objeto (o seio da mãe), e fornecer um prazer além do apaziguamento da fome. Na medida em que o bebê sente o desejo de repetir a totalidade dessa experiência de prazer, ela separa-se da necessidade de nutrição (embora mantenha-se sobre ela apoiada). Em um segundo momento, portanto, a sexualidade ganha autonomia em relação à mera satisfação da necessidade. Em um sentido mais amplo, a finalidade (alvo) de toda a pulsão é alcançar a satisfação, que, em termos econômicos (quantitativos) corresponde à descarga da energia. Assim, cada uma das pulsões parciais possui um fim específico de acordo com a excitação adequada a cada zona erógena, como no caso da pulsão oral, cujo fim será a satisfação obtida por meio da sucção. Quando Freud fala dos desvios do fim sexual (perversões), ele se refere aos diferentes tipos de satisfação que se pode obter nas diversas zonas erógenas (como o beijo, por exemplo). Finalmente, o objeto da pulsão é o que indica à pulsão que, através dele, ela pode alcançar o seu alvo. O objeto pode ser uma pessoa -um objeto total-, ou uma simples parte de seu corpo -um objeto parcial- (o seio da mãe para o bebê, por exemplo 49). Pode tratar-se de um objeto real, mas também .de um objeto fantasmático, de um objeto externo ou interno. O objeto pode ser bom, se ele é suscetível de satisfazer a pulsão, ou mau, se ele se opõe à sua satisfação. ; .;.; A nosso ver, o termo objeto parcial só tem valor didático, pois para o bebê, o objeto será sempre um objeto total. (Nota dos coordenadores do Curso) 77 Durante alguns estágios da evolução libidinal 50, caracterizados pela ambivalência em relação aos objetos, as tendências amorosas e aquelas que visam à destruição do objeto coexistem (estágio sádico-oral e sádico-anal), por exemplo. De acordo com Freud, o objeto é o componente mais variável da pulsão, uma vez que não se acha enlaçado à ela originalmente, mas como conseqüência da adequação de uma ou outra zona à satisfação. Embora possamos dizer que o objeto da pulsão é contingente, não significa que qualquerobjeto serve à sua satisfação (nem todo objeto é atrativo para uma pessoa). Mas então, que objeto serviria à pulsão ? Nesse ponto, chegamos ao ponto central da questão que fez com que Freud considerasse a sexualidade humana um construto, singular e diferenciada da finalidade de reprodução. O objeto erótico a que aspira o sujeito é marcado por características muito particulares, pois está determinado pela história das experiências infantis do sujeito. Enfatizamos, portanto, que a sexualidade humana é constituída a partir das primeiras experiências, objetivas e subjetivas, que marcaram o sujeito em sua história de vida, nos primeiros anos de seu desenvolvimento. Dessa maneira, cada sujeito erogeniza seu corpo de uma maneira singular, a partir de um outro que tem um valor significante como objeto de desejo. Assim, o corpo do qual se ocupa a psicanálise é o corpo erógeno, que não coincide com o corpo anatômico, mas que se estrutura à maneira de uma mapa delineado pelos fantasmas por meio dos quais o sujeito representa a realização de seu desejo. (Tubert, 2000) Quando uma pulsão enlaça-se a um objeto de maneira intima, Freud chama de fixação da pulsão. Essa se produz durante diversas faces do desenvolvimento, nas quais surge uma oposição à separação da pulsão do seu objeto que cada zona erógena oferece. Assim mesmo, o objeto da pulsão sexual se distingue do objeto da necessidade por poder ser recriado pela fantasia. Assim, chegamos a uma das principais características que definem a sexualidade infantil: o auto-erotismo. O auto-erotísmo se origina, como enfatiza Tubert (2000), no momento em que a pulsão sexual se desprende da função alimentícia e de seu objeto natural (o seio, por exemplo), para buscar satisfação em uma parte do próprio corpo (sucção do polegar, masturbação, etc), por meio da satisfação alucinatório de desejo, tendo como referência o objeto fantasmático (internalizado). Assim, o objeto não é necessariamente exterior ao sujeito, mas pode ser uma parte qualquer de seu próprio corpo. 50 O autor propõe a palavra latina libido (que significa desejo) para referir-se à energia psíquica correspondente à pulsão sexual. A libido seria a manifestação dinâmica da sexualidade. 78 Podemos ilustrar tais afirmações com o exemplo da amamentação. O objeto é o seio materno, e a nutrição que ele proporciona ao bebê, e há a incorporação imaginária desse objeto, com todos os aspectos que encontram-se agregados à essa função. A Dulsão sexual liga-se, portanto, não somente ao sei,~ matemo em si, mas às representaCÕes que especificam tanto o objeto como o modo de satisfação adequados. A conseqüência, a força pulsional que, no inicio era indeterminada, ficará marcada em função dos acontecimentos que constituem a história de vida de cada sujeito. As pulsões sexuais são numerosas e procedem de múltiplas fontes orgânic<::s, atuam independentemente umas das outras a principio (polimorfismo) e somente ulteriormente seus componentes reúnem-se em uma síntese. O fim a que cada pulsâo parcial tende é a obtenção do prazer de órgão, e somente depois de sua síntese é que entram a serviço da procriação. Graças a capacidade de deslocamento e à plasticidade que possuem, as pulsães podem proporcionar energia necessária para realizar operações muito isoladas de seus fins primitivos, o que chamamos de sublimação. 4.2 AS FASES DA LIBIDO E O COMPLEXO DE ÉDIPO Como vimos, em suas origens a sexC!alidade infantil sClrge apoiada sobre as funçi'es vitais, das quais logo se desprende; é de natureza auto-erótica: seus fins e as zonas erógenas que constituem suas fontes são múltiplas, e o objeto de satisfação é contingente e variável. Possui um caráter perverso (no sentido do que seus fins e objetos se desviam dos genitais) e polimorfo (múltiplas pulsões parciais, cada uma buscando sua satisfação independente das demais). Entre 1913 e 1923, Freud reconhece uma série de fases dentro da sexualidade pré- genital: oral, anal, fálica, caracterizadas por um forma particular de organização sexual. 4.2.1. A fase oral A fase oral é pensada pelo autor como a primeira modalidade de organização libidinal, correspondendo, mais ou menos, ao primeiro ano de vida. A fonte é a excitação da zona oral (cavidade bucal e lábios) que se produz durante a amamentação; o objeto se constitui sobre 79 O objeto real que satisfaz a necessidade de nutrição (seio matemo e leite); o fim é a incorporação, que se converte em um modelo de relação de objeto. (Tubert, 2000). Foi o fato de sugar e não somente absorção do alimento que deu satisfação á criança. A sucção do seio matemo não é, portanto, redutível á necessidade de nutrição; ela proporciona á criança um verdadeiro prazer, que Freud classificou de sexual. Mas ele não foi o primeiro autor a destacar a natureza sexual desse ato. Antes dele, o Dr. Lindner, um pediatra de Budapeste, reuniu um certo número de observações que lhe permitiram afirmar o caráter sexual da sucção (Jahrbuch für Kinderhei/kunde, 1879). Nesse primeiro momento, quando é o seio que constitui o objeto de prazer, a sexualidade ainda não é autônoma. Só mais tarde, quando a criança é obrigada a renunciar ao seio matemo e o substitui por uma parte de seu próprio corpo, é que a satisfação se toma auto-erótica. Esses dois momentos revelam que a atividade alimentar e a atividade sexual tem o mesmo objetivo: a incorporação do objeto, protótipo do mecanismo de identificação, tão importante para o desenvolvimento dos seres humanos. A incorporação corresponde a várias funções: trata-se, primeiramente, para o lactente, de sentir prazer ao fazer penetrar em si um objeto; em seguida, de destruir o objeto e, finalmente, de se apropriar de suas qualidades, conservando-o dentro de si. É esta última função de assimilação das qualidades do objeto que faz da incorporação o modelo para a identificação e introjeção. A noção de incorporação, acrescentada por Freud .aos seus Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade em 1915, nos remete á idéia de assimilação das qualidades do objeto por canibalismo . . 4.2.2 A fase anal A fase anal se situa aproximadamente entre o segundo e o terceiro ano de vida, momento em que a criança adquire o controle de seu esfincter, o que significa que a organização da libido se dará sob a primazia da zona anal. Esta fase corresponde a polaridade passividade-atividade; a primeira entendida como pulsão de dominação (desejo de apoderar-se do objeto) e que coincidirá com o sadismo, tendo como fonte a musculatura; a s~gunda corresponde ao erotismo anal, tendo como fonte a mucosa anal. A relação de. . objeto, nessa fase, tem como protótipo a expulsão e a capacidade de retenção das fezes, o que implicará, entre outras tantas características, na constituição de traços de caráter que denunciam a maneira como a sujeito relaciona-se com os objetos que podem ser retidos ou ,ti. 80 expulsos (por exemplo, a avareza correspondendo à retenção, a prodigalidade à expulsão). Nas relações, esses traços podem ser percebidos pela maneira como o sujeito se posiciona frente ao outro. Exemplifiquemos: um indivíduo no. 1 que, diante do cumprimento de uma tarefa conjunta com o indivíduo no. 2, limita sua parte na negociação ao empréstimo do.. objeto A para que o indivíduo no. 2 complete a tarefa. No entanto, no momento em que o indivíduo nO.2, tendo cumprido as etapas anteriores de sua parte na tarefa, procura o indivíduo no. 1 para obter o objeto A, recebe do indivíduo no. 1 todo o tipo de desculpas e evasivas. Um dia o indivíduo no. 1 diz ter se esquecido do objeto, outro dia marca com o indivíduo no. 2 e não comparece ao encontro, apresentando algum tipo de desculpa, e assim por diante. O que estaria implicito nesse exemplo, aparentemente simples? Primeiramente, o prazer deretenção do indivíduo no. 1, ligado ao sadismo, faz com que sinta-se poderoso ao controlar o ambiente e, consequentemente, o indivíduo no. 2, pois ele sabe que este necessita do objeto A. Como uma criança controlando a mãe, na medida em que faz inúmeros jogos durante o aprendizado de controle do esfíncter, o indivíduo no. 1 extrai um prazer secreto em sentir que pode controlar o outro e o ambiente, pura e simplesmente retendo o objeto do qual o outro necessita. Extrapolem esse tipo de relação para as questões ligadas ao dinheiro, e poderão imaginar as conseqüências da exacerbação (e até Da valorização!) desse tipo de traço de caráter em determinadas culturas. O que é importante ressaltar é que o controle do funcionamento do esfíncter pela criança, isto é, o domínio da evacuação e retenç::;o das fezes, serve de modelo ao imou!so sádico. A partir de 1924, Karl Abraham propôs uma subdivisão dentro do estádio sádico-anal. Cada fase corresponderia a um modo de comportamento diferente para com o objeto. Tratar- se-ia, para a criança, ora de expulsar o objeto e destruí-lo, ora de conservá-lo e possuí-lo. No início do estádio anal, o erotismo estaria ligado à evacuação anal e o impulso sádico à destruição das fezes; depois, o erotismo estaria ligado, ao contrário, à retenção das matérias fecais e o impulso sádico a seu controle possessivo. A passagem da primeira fase para a segunda assinalaria, segundo Abraham, a evolução para o amor de objeto. Como prova, alguns autores propõem a observação de certas psicoses, que correspondem a uma regressão além da segunda fase sádico-anal, enquanto as regressões neuróticas não ultrapassam a segunda fase, já ligada ao amor de objeto, manifestando, com isso, um investimento de objeto mais estável. I L I 81 4.2.3. A fase fálica A fase fálica - conseqüência da investigação sexual infantil e da análise da diferença sexual - manifesta um momento de culminância no desenvolvimento pré-genital, entre o terceiro e o quint~ ano de vida, que a aproxima, em alguns aspectos, da configuração genital adulta. É durante esse período que Freud descreveu o inicio de atividades com base no impulso de saber. A atividade deste impulso de saber corresponde, por uma lado, à sublimação do desejo da dominar, e, por outro, utiliza como energia o desejo de ver. É a fase em que a criança demonstra uma grande curiosidade por tudo que a cerca, mas, em especial, pelos problemas sexuais. Freud chega a reconhecer que esses 'problemas' estimulam a inteligência da criança. Mas é uma necessidade prática que leva a criança a efetuar essas buscas sexuais. É nesse período que a criança demonstra preocupação pelo nascimento de um irmão ou de uma irmã, que poderá significar uma diminuição dos cuidados e do amor que seus pais lhe proporcionam. Mesmo que em sua casa, seus pais não cogitem sequer a possibilidade de ter outro filho, a observação atenta da criança em rE:iaçãoà família dos amiguinhos, ou mesmo de mães passeando pela rua com mais de um bebê, despertam a criança para a potencial ameaça que representaria, para ela, a chegada de um irmão ou irmã. Assim, o que mais perturba a criança nessa idade é o enigma da origem dos bebês. No momento em que a criança encontra-se nessa fase, o interesse pelos órgãos genitais e sua atividade adquire um valor central. Como somente os órgãos genitais mas::ulinos são visíveis, p:Jr serem externes, são eles es primeiros órgãos a interpgsar tanto aos meninos qu,mto às meninas. A percepção da diferença sexual posterior se fará a partir da oposição entre fálico-castrado, ou seja, com referência à primeira percepção, que é a do falo. Daí a denominação desta fase de fase fálica. Sem dúvida, o menino percebe uma, diferença entre homens e mulheres, mas; inicialmente, não a relaciona com os genitais. Em seu raciocínio infantil todos os seres vivos possuem um falo como o seu. Como sabemos, a hipótese da castração não se refere a uma situação real. Consiste em uma fantasia, e em um complexo que tem a finalidade de elaborar psiquicamente a constatação da diferença sexual., Tal constatação, .proporcionada pela fase fática, precede o complexo de Edipo e permite ao sujeito entrar na estrutura triangular edipica, pois é a partir dela que o sujeito diferenciará dois sexos, marcando o momento de ruptura com o estágio narcísico, onde, 82 através de uma relação imediata e indiferenciada, o sujeito apreendia o outro - a mãe- como idêntico a si mesmo, e gerava, por reflexo, a sua própria onipotência narcísica. É, portanto, a partir da dimensão da falta que a relação narcísica pode ser rompida: o outro, então, pode ser visto como diferente e não somente como semelhante ao sujeito. A efetividade da castração é a mesma para ambos os sexos, embora realizando-se sob diferentes circunstâncias. A princípio, tanto a menina quanto o menino percebem a mãe como semelhante; para ambos ela é o primeiro objeto de amor. O acesso ao complexo de Édipo será marcado, para a menina, pela decepção provocada pela constatação perceptiva de não possuir o fá/o, levando-a a buscar a compensação para essa falta através do desejo de ter um filho imaginário de seu pai. Para o menino, será a descoberta da castração da mãe que permitirá o seu ingresso no complexo, uma vez que esta já não é mais vista como igual a ele. A descoberta da diferença sexual dividirá para sempre os seres em dois grupos: os que possuem e os que não possuem o fá/o. A partir de então a castração representará o limite, imposto pela realidade, para a satisfação do desejo. Nesse sentido, Édipo não representará somente a possibilidade da síntese genital através da escolha de um objeto de amor, determinada pela marca deixada pelos investimentos de objeto e pela interdição ao incesto, mas também representará o acesso do sujeito aos objetos substitutos, afastando-o, desse modo, da realidade da castração e da ferida nardsica que ela invoca. Como expressa Simanke: Ela [a proibição do incesto] produz a ilusão de que, se os sujeitos masculinos e femininos só podem obter uma satisfação parcial em objetos sempre algo inadequados, isto se deve apenas à interdição ao incesto e não à diferença sexual real e incontornável, que mina na base a fantasia narcísica, ao passo que a proibição é sempre. em tese. passível de transgressão. A renúncia pulsional exigida pela repressão dos desejos incestuosos é, assim, a condição e o preço a pagar por esta relativa proteção contra o poder traumatizante do complexo de castração. 51 É através da dimensão da falta, promovida pela castração, e ppla entrada do sujeito na estrutura triangular edípica que se estabelece o limite para a satisfação do desejo: suportar a falta é a aarantia de poder continuar como desejante. 51 SIMANKE (1994), p. 226. 83 A efetividade do complexo de Édipo vincula-se, portanto, à admissão da castração que, ao romper com a situação identificatória narcísica, introduz uma nova ordenação na economia psiquica através da regulação do desejo. Os antropólogos atribuem um papel central à proibição do incesto. Lévi-8trauss, por exemplo, considera que o tabú do incesto é uma necessidade estrutural própria da passagem da natureza para a cultura; ou seja, para ele, é uma condição fundamental de civilização. Da perspectiva freudiana, a proibição do incesto não se origina da natureza em si (se assim fosse, não haveria necessidade de uma proibição!), mas na necessidade social de impedir a realização do desejo incestuos052, de modo que o complexo de castração (a angústia ante a ameaça) corresponde à interiorização das normas culturais que limitam a satisfação sexual humana, há milênios. Ressaltamos, portanto, que o complexo de Édipo não é redutível a uma situação real, à influência exercida sobre a criança pelo casal parental,mas deve sua eficácia à intervenção de uma instância interditória, que barra o acesso irrestrito à satisfacão, naturalmente buscada, e que liga inseparavelmente o desejo à lei. (Laplanche e Pontalis, 1988) Podemos, então, precisar dois modos segundo os quais a busca de satisfaçb~, ao desejo pode se dar. a primeira, narcisica, em que a onipotência imagina,-i", c.;; :"l/: '!ç .~ conhece limites para a satisfação do desejo; e a segunda, que pressupõe uma rúl)ttJ"'~ dessa situação por meio da castração, limitando a satisfação do desejo e possibilitando a entrada do sujeito no complexo de Édipo. 4.2.4 O período de latência A partir do quinto ou sexto ano, a evolução da sexualidade deter-se-á em um período marcado pela diminuição das atividades ligadas à sexualidade. Freud referiu-se a esse momento como o período de latência, durante o qual há um recalque dos primeiros objetos sexuais escolhidos. Este período começa com o declínio do complexo de Édipo. Protela a m2turidade sexual e permite uma edificação da barreira contra o incesto: É durante a latência que se elaboram as forças psíquicas que, mais tarde, se oporão aos impulsos sexuais e impedirão seu desenvolvimento. Essas forças correspondem à aversão e ao pudor; definem- se como as aspirações morais e estéticas. 52 TUBERT (2000), pp. 111-12. 84 Freud definiu o processo que desvia as forças sexuais de seu objetivo, durante o período de latência, como um "mecanismo de sublimação". Se bem sucedido (o que ocorre, de modo geral), este processo permite que a criança empregue as antigas forças sexuais para novos objetivos. Mas o autor insistiu em sublinhar o caráter hipotético de suas opiniões no que se refere a esse período. Porque, para ele, a transformação da sexualidade infantil representa um dos objetivos da educação, um ideal que o individuo só alcança imperfeitamente e do qual pode afastar-se consideravelmente, pois, pode acontecer que um fragmento da vida sexual entre em irrupção ou, ainda, que subsista uma atividade sexual através de toda a duração da latência, até o desabrochar do impulso sexual, com a puberdade. 4.2.5. A fase genital Segundo Freud, a plena organização da libido só é alcançada pela puberdade numa quarta fase, a fase genital. Durante as fases anteriores - oral, anal., fálica - a meta sexual é parcial e os objetos são inadequados. O que a criança busca é um prazer de órgão, o que significa que a excitação de uma zona erógena especifica dá, por si só, o prazer, sem que este esteja ligado á satisfação de outras zonas e sem que corres panda à realização de uma função. Freud observou que as excitações provenientes de todas essas fontes não se coordenam num todo, mas perseguem cada uma um objetivo separado, que apenas representa a obtenção do prazer específico. O que implica que c impt '!so sexual, durante a infância, ainda não é centrado, que não tem. de início, qualquer objeto, sendo, portanto, auto-erótico. A partir do Édipo, a criança encontra em um dos pais seu primeiro objeto de amor. (Antes do Édipo. somente a mãe era objeto de desejo). Mas o recalque, que se efetua durante o periodo de latência, leva a criança a renunciar à maioria de seus objetivos sexuais infantis e leva-a a uma mudança de atitude perante seus pais. Com as tendências primitivas bloqueadas, a criança só terá pelos pais, a partir de então, sentimentos de ternura. (o objeto primitivo só continua a existir no inconsciente). A partir da puberdade surgem novas tendências orientadas para objetivos sexuais diretos, que determina, para os dois sexos, funções e evoluções sexuais muito diferentes. Toda a vida sexual entra à serviço da reprodução e a satisfação das primeiras tendências só tem importância na medida em que prepara e favorece o ato sexual genital. 85 É quando a libido alcança a sua plena organização: o impulso sexual se torna centrado, apoiado sobre a função de reprodução. Pode acontecer, porém, que as tendências sexuais parciais não se subordinem todas à primazia da zona genital. Uma tendência que permaneça independente constitui o que • Freud chamou de perversão, pois ela substitui o objetivo sexual centrado em torno da zona genital, por sua própria finalidade. 4.3 A PRIMEIRA TEORIA PUlSIONAl Em sua primeira elaboração da teoria pulsional, Freud classifica, em 1905, as pulsões de acordo com duas grandes. linhas: o grupo das pulsões que favorecem mais particularmente a salvaguarda do indivíduo - a que dá o nome de pulsães do egO ou de auto- conservação - , e o grupo das pulsões sexuais. As pulsães sexuais surgiriam apoiadas sobre as funções de auto-conservação. As pulsães de auto-conservação permitiriam a satisfação das necessidades ligadas às funções corporais vitais e a fome é o seu protótipo. A energia dessa classe de pulsães estaria a serviço do ego, pois seria o ego o responsável pela conservação da vida do indivíduo, e as pulsões do ego atuariam de acordo com o princípio da realidade. Freud •••.•!')!""'l ••••••oho,.. 0."'''' como um aparelho de rAgulaç;;o e de ~oo..,...{on~,...50 ~ o a"'p",+o f"'! I 10 r)a.rmiti"';:::I••.•,...•....•.__u•..•u •..•~v '" , ,....,' •..•. , ••.•' l~ •••••" •••••~ ••••• _ ~ __;l~ ••••"'iU'" l'""••••.ld.;~l.l •••• a adaptação às exigências dos mundos externos e internos. Enquanto agente de operações defensivas, o ego está encarregado de reduzir e de suprimir tudo aquilo que é suscetível de colocar em perigo o estado de constância e a integridade do sujeito. Nessa primeira concepção pulsional, o sistema defensivo teria por finalidade a pulsão, quando esta, por diferentes razões, é incompatível com o equilíbrio de é vivida com desprazer pelo ego. A defesa incidiria também sobre representações às quais a excitação interna incompatível está ligada, ou ainda às situações que podem desencadeá-Ia. O segundo grupo de pulsões é representado pelqs pulsões sexuais, cujas manifestações ultrapassam, e muito, o quadro estreito das atividades reprodutoras, que tem como objetivo salvaguardar a espécie. Lembremos que o conceito freudiano de sexualidade abarca uma grande quantidade de fenômenos que, em geral, estão bastante distantes do ato sexual propriamente dito e não se confundem com o genital, pois íncluem tanto 86 manifestações da sexualidade infantil como as perversões, que encontram satisfação com outros objetos, alheios à genitalidade. A pulsão sexual não visa um objeto unívoco de satisfação. Como vimos, este sofre transformações, de açordo com os estágios de desenvolvimento, ou seja, cada modo de organização libidinal corresponde a uma fase especifica da evolução psicossexual infantil. No entanto, como veremos, o quadro da primeira teoria pulsional de Freud se modifica ao longo de sua teoria, especialmente após a elaboração do conceito de narcisismo. 4.4 O NARCISISMO Após estudos iniciais em 1910, que restringiam o narcisismo à perversão, a partir da Introdução ao Narcisismo (1914) o narcisismo passa a ocupar um lugar privilegiado no desenvolvimento sexual normal. Foi a partir da observação clínica dos delírios de grandeza que Freud delineia a hipótese de um estado narcísico operando em um período bastante precoce do desenvolvimento. Para explicá-lo, Freud retoma a idéia de que as primeiras experiências de satisfação se dão de forma alucinatória, no momento em que as pulsões sexuais se apóiam nas de pulsões de auto::onse~a~o ou egóicas; o seio materno, que tem a priori a função de nutrição. torna-se o primeiro objeto de amor da criança. O apoio das pulsões sexuais nas pulsões de autoconservação implica que as pessoas ligadas à alimentação, aos cuidados, à proteção da criança fornecem o protótipo do objeto de amor procurado - escolha de objeto por apoIo. O autoerotismo se iniciaria no momento em que a pulsão sexual se separa dapulsão de autoconservação, a qual oferecia sua meta e seu objeto, ou seja. se separa de seu objeto natural - o seio materno - e se entrega à fantasia. O auto-erotismo caracterizaria o comportamento sexual em que o sujeito obtém prazer através da estimulação de seu prf>prio corpo, um periodo que precede a convergência das pulsões parciais para um objeto comum. Para que o sujeito possa passar a formar uma imagem de si próprio, é necessário que o eu ou ego se constituéÍ. Na medida em' que o' ego se forma, as pulsões parciais. próprias do autoerotismo, se unificam e é o ego que investem como primeiro objeto. 87 O narcisismo designaria, portanto, um estágio na história evolutiva da libido que está entre o auto-erotismo e o amor de objeto, quando o sujeito toma a si mesmo como objeto erótico. Há portanto, um primeiro estágio em gue o narcisismo, denominado primário, se define como o movimento das pulsões parciais para reunirem-se em uma unidade. tomando o egO como primeiro objeto. Em Pulsões e destinos de pulsão, de 1915, Freud situaria o narcisismo como o estado originário do eu, que investido por pulsões é capaz, em parte, de obter satisfação auto-erótica, colocando-se como objeto de satisfação de suas próprias pulsões. Como o aparelho é incapaz de abandonar um estado que lhe tenha trazido satisfação e prazer, esse estado narcísico primitivo nunca será realmente abandonado. Desse modo, Freud identifica, no cotidiano, duas situações nas quais pode ser identificada sua atualização: a enfermidade e o estado de sono. No caso da enfermidade, observa que quando alguém passa por uma enfermidade orgânica age do seguinte modo em relação à distribuição da libido: em função das sensações dolorosas a que está submetido, o sujeito perde seu interesse pelas coisas do mundo exterior, retirando também de seus objetos de amor o interesse libidinal. O enfermo retrai para o eu seus investimentos Iibidinais enviando-os de volta após curar-se. De semelhante modo opera o estado de sono, que retrai os investimentos libidinais sobre o próprio sujeito, 0:.1 sobre o desejo de dormir, nada mais querendo saber do mundo exterior. O egoísmo próprio dos sonhos vem endossar essa conexão . . Ao considerar o caso dos parafrênicos (antiga designação para o grupo formado pela esquizofrenia e paranóia), Freud percebe que eles: ..... Parecem haver retirado realmente sua libido de pessoas e coisas do mundo exterior. mas sem substituí-Ias por outros em sua fantasia.',53 Identifica, nesses casos, alterações na distribuição da libido por consequência de alterações no eu. Se Freud vincula ao eu as conseqüentes alterações da libido, um exame mais detido destas relações se faz necessário. Tomemos a afirmação de Freud em relação à conduta de crianças e povos primitivos: "AE, vaI. 14, p. 72 88 Formamo-nos, assim, a imagem de um investimento originário libidinal do eu, cedido depois aos objetos; todavia, considerado a fundo, ela persiste, e é para os investimentos de objeto como uma ameba o é para os pseudópodes que emite. 54 A idéia aqui parece ser a de um armazenam~~to inicial da libido no eu, a qual só posteriormente se volta aos objetos exteriores, à força provavelmente da satisfação de suas necessidades, o que coincide, de certo modo, não só com a vivência de satisfação do Projeto, .como também com o surgimento do principio de realidade. Ao tomarmos a imagem da ameba em relação aos pseudópodes não lica dilicil supor o eu e seus' investimentos em relação ao estado de sono e à vigília. Tanto o histérico como o neurótico obsessivo, no que concerne aos aspectos de sua neurose, alteraram seu vínculo com a realidade, sem que isso implique num cancelamento do vinculo erótico com pessoas e coisas, uma vez que o conservam em sua fantasia, numa substituição ou mescla de objetos reais e imaginários em suas recordações. O mesmo não se dá no c.aso dos parafrênicos, que retiram a libido de pessoas e coisas do mundo exterior sem que haja qualquer substituição das mesmas em suas fantasias. Quanto ao destino da libido retirada dos objetos, é o delírio de grandeza presente na esquizofrenia que aponto ~. direção: subtraída do mundo exterior, a libido é conduzida ao eu. A esse movimento Freud chamará de narcisismo secundário. É, portanto, no quadro das psicoses que Freud percebe a possibilidade da libido investir o eoo desinvestindo o objeto. l\ssinala que, apesar da conduta narcisica ser comum a todas as pessoas, ela toma-se patológica na medida em que o vinculo com a realidade exterior (coisas e pessoas) é cancelado, e todo o investimento volta-se para o próprio sujeito. Freud, distingue, portanto, dois tipos de movimentos narcísicos, e os define' como narcisismo primário ao estado precoce (entre o auto-erotismo e o amor de objeto) em que o lactente investe toda a sua libido em si mesmo, e narcisismo secundário ao retorno da libido ao ego, após a retirada de seus investimentos objetais. A partir dessa diferenciação entre o eu e o investimento libidinal, Freud estabelece a oposição entre libido egóica e libido de objeto, e supõe uma inversão proporcional na quantidade de investimento entre elas: o aumento de investimento de uma implica na diminuição de investimento da outra. A princípio supõe que ambas as energias estejam unidas no estado de narcisismo e que, a partir do investimento de objeto, diferencia-se uma energia sexual de uma energia das pulsões egóicas. " AE, vaI. 14, p. 73 89 Embora isso acarrete a conclusão de que as pulsões egóicas são também pulsões sexuais. Freud ainda mantém. nesse texto de introdução ao narcisismo. essa dualidade da libido, expressando-a por uma libido egóica e uma libido de objeto. Tal dualidade somente desaparecerá com o desenvolvimento posterior da teoria das pulsões. No momento. para manter a dualidade libidinal, Freud apóia-se na clínica das neuroses, em especial nas neuroses de transferência, e em considerações biológicas, que supõem uma existência dupla para cada indivíduo; onde interesses próprios se oporiam aos interesses da espécie. Retomando a questão da escolha objetai, após expor as condições narcísicas presentes na hipocondria, caracterizada pela retirada particularmente nítida da libido do mundo exterior para concentrá-Ia posteriormente em um órgão do corpo, Freud distingue dois tipos de escolha presentes na vida amorosa em geral. A primeira escolha, que chama de anaclítica, se dá quando se toma por base as pessoas que se encarregaram dos cuidados do sujeito no princípio de sua existência -a mãe ou seu substituto. A segunda escolha. narcísíca, é assim denominada pelo fato do sujeito não tomar por base para sua escolha sexual o modelo da mãe, mas o seu próprio modelo, por identificação à mãe. como vimos. A escolha de objeto por apoio se daria a partir do modelo de objeto que supria as necessidades nutricionais da criança. As pessoas ligadas à satisfação das necessidades alimentares, aos cuidados e proteção da criança forneceriam o protótipo do objeto sexual satisfatório ..A.ssim, a escolha por apoio só seria possível porque as pulsões sexuais surgem por apoio nas pulsões de autoconservação. Na escolha narcísica os objetos de amor são escolhidos com base no modelo de si mesmo, como ocorre para homossexuais e perversos Em relação à uma fixação na fase do narcisismo primário, sua conseqüência pode ser o desenvolvimento de uma pré-disposição (maior que em outros individuos) de manifestar enfermidades como paranóia e esquizofrenia. Freud considera que o amor dos pais por seus filhos é o reviver do seu narcisismo infantil. pois o amor dirigido a um objeto tem por fim a realização de seu narcisismo no filho. A busca da realização dosplhós compreende a busca pela imortalidade de seu próprio ego. O .desenvolvimento doego. consiste, segundo Freud. num distanciamento do narcisismo 'primário em razão da crítica que os pais exercem com relação à criança. seguido pelo deslOcamento da libido a um ideal de ego. Freud afirma que não consideraria estranho se encontrasse uma instânCia distinta do ideal do ego interiorizada como uma instância de : censura e de auto-observação. 90 Ao considerar o adulto normal, no qual se desvanecem muitos dos traços narcísicos infantis. Freud interroga-se sobre o montante total da libido egóica, que não poderia ter sido totalmente dirigida aos objetos. Toma o recalque como conceito auxiliar para compreender o destino dessa libido e acaba supondo uma nova formação psíquica, a de ideal do eu... Comparando entre dois homens a desproporção do nivel de tolerância de cada um às mesmas vivências, impulsos e moções de desejo, considera que a base para aquilo que cada um é capaz de tolerar está no fato de um deles ter formado dentro de si um ideal segundo o qual mede seu eu atua! e o outro não. Para Freud, a formação desse ideal do eu é a condição para o recalque e o ponto de convergência do narcisismo, sobre o qual recai o mesmo amor de si mesmo que gozava o eu real da infância. Incapaz de renunciar a uma satisfação que uma vez já tenha experimentado, não querendo, portanto, privar-se do narcisismo da infância, mas não podendo mantê-Io, o sujeito projeta-o num ideal, como reflexo de um tempo em que ele mesmo era seu próprio ideal. Como a formação do ideal do eu no interior do aparelho psíquico parte, inicialmente, da influência critica que exercem os pais, estendendo-se mais tarde aos educadores, essa formação é também base para a ação de uma instância de censura e auto-observação, distinta do ideal do eu, que asseguraria a satisfação narcísica do eu através da contínua obserVação do eu atual com a finalidade de compará-lo ao eu ideal. O delírio de ser observado da paranóia encontra na relação acima sua referência, como também a autocrítica da consciência moral -assegurando a referência a processos normais. Em Luto e Melancolia (1915), Freud apresenta a suposição de um narcisismo que depende, para sua gênese. das relações de objeto. O narcisismo em Luto e Melancolia implica uma identificação com o objeto, um estado que supõe, em sua gênese, a interiorização do objeto, a partir do qual o eu constitui-se através do outro. O mecanismo de introjeção do que há de "bom" no objeto e de projeção do que há de "ruim" no ego para os objetos ocorre durante a fase puramente narcisista, que cede lugar a fase objetai: Se o objeto toma-se fonte de sensações agradáveis, o sujeito o incorpora e diz que o ama. Se o objeto causa desprazer, o ego afasta-o e diz que ° odeia. O odiar estaria ligado à busca de preservação por parte do ego, segundo a necessidade de' autoconservaçã055. 55 AE, vol.14, pp. 154-60. Freud retoma esta questão em Além do principio do prazer (1920). 91 Os objetos reais são substituídos por imaginários, criados a partir dos protótipos infantis e do contato com os objetos investidos e abandonados. O individuo retém apenas o que é agradável nesses objetos e em si mesmo para formar um objeto idealizado em sua fantasia. Freud assinala que o narcisismo da infância apresenta-se na vida adulta por devoção a um ideal de ego que se forma em seu interior. O ego emite investimentos libidinais aos objetos e se empobrece em favor desses investimentos e do ideal do ego. Esse ideal é cumprido e obtém-se a satisfação da libido do objeto. Contudo, muitas vezes, em função de suas exigências, o ideal do ego impõe difíceis condições para a satisfação libidinal dos objetos e não pode ser cumprido. Talo nível de suas exigências, que a censura vê uma parte dessa satisfação como inconciliável. Exige-se muito desses objetos e por isso o individuo buscaria formar objetos imaginários agradáveis introjetando o que tem de bom nesses objetos e projetando o que é tido como ruim em si mesmo para os objetos, através do mecanismo de projeção. Formá um objeto idealizado, tomando seu próprio ego como o agradável e o externo, anteriormente indiferenciado, como desagradável. Para Freud, o objetivo da idealização seria fazer com que o indivíduo voltasse ao estado de onipotência do narcisismo infantil. O ideal narcísico de onipotência - ego ideal - seria criado com o propósito de restaurar o contentamento consigo mesmo, próprio do narcisismo primário, o qual foi perturbado durante 2 infância. 4.5 IMPLICAÇÕES TEÓRICAS A diferença entre narcisismo e autoerotismo se encontra no fato de que, no estado narcísico primitivo, ou primário, a libido possui um objeto para investir: o ego. Na medida em que o ego se desenvolve e reconhece objetos exteriores, a libido tenderá a desinvestir o ego e investir os objetos externos. Freud define a relação entre investimento do ego (libido egóica) e investimento objetai (libido objetai) como complementar e inversamente proporcional, na medida em que a diminuição do investimento narcisico corresponde a um aumento do investimento de objeto, e vice-versa. Durante seu desenvolvimento, 6 ego se distanciaria do narcisismo primário de modo a desinvestir a si mesmo e'investir objetos exteriores, empobrecendo-se em favor 92 desses investimentos. No entanto, certos estados, tanto normais quanto patológicos, implicam em uma retirada da libido de seus investimentos objetais e um retorno ao ego, que ao ser novamente investido caracteriza o que Freud chamou de narcisismo secundário. No entanto, qualquer que seja o movimento narcísico, primário ou secundário, o conflito psiquico não poderá mais ser definido pela oposicão entre as pulsões sexuais e pulsões de autoconservacão, mas entre libido egóica e libido objetai, ambas da alcada das pulsões sexuais. Ou seja, o que Freud chamava de pulsões de autoconservação era somente a parte narcísica das pulsões sexuais (investimento libidinal egóico). Portanto, o conceito de narcisismo leva Freud a revisar sua primeira teoria pulsional, pois o conflito psíquico entre as pulsões sexuais e as pulsões de autoconservação não mais se sustenta. As próximas observações de Freud, em relação às neuroses traumáticas e à compulsão à repetição, levará o autor à revisar, inclusive, sua colocação anterior de que todos os sonhos representam uma realização de desejo. Há sonhos que se repetem sem que haja nenhum desejo que se realiza por meio deles. do mesmo modo que a repetição de padrões desprazerosos de comportamento, que não implicam, no final, na obtenção de nenhum prazer. Nesse sentido, a partir de Além do Princípio do Prazer (1920), o autor lançará as bases para a sua segunda teoria pulsional, localizando o conflito psiquico no polêmico dualismo entre pulsões de vida e pulsões de morte .. Também os conceitos de ideal do ego e da instância de observação de SI, identificados a partir da Introdução ao Narcisismo, tornar-se-ão base para uma das instâncias de sua segunda teoria tópica, como veremos a seguir. 93 5. A SEGUNDA TEORIA PULSIONAL, ALÉM DO PRINCíPIO DO PRAZER E A SEGUNDA TÓPICA. Deus e o Diabo estão lutando ali;, e o campo de batalha é o coraçãodo homem. Dostoiévski (Os Irmãos Karamázov) Introdução A descoberta da oposição entre libido egóica e libido objetai, correlativa à noção de narcisismo, levou Freud a abandonar a polaridade das pulsões sexuais e pulsões do eu, já que as funções de auto-conservação dependem do amor a si mesmo. No entanto, Freud ainda resistiria em abandonar o primeiro dualismo, pois esse abandono ameaçaria a concepção do conflito intrapsíquico, presente nas neuroses, se a energia psíquica pudesse ser pensada como uma unidade. Como afirma Simanke: A resistência de Freud em consentir com isto prende-se a vários fatores. Um histórico: tal hipótese haviasido sugerida por Jung, com quem Freud rompera recentemente e com quem se empenha em uma discussão ... Outros fatores são de natureza teórica: a dualidade pulsional serve de base para a noção de conffito psiquico, que está na raiz da compreensão freudiana das neuroses. 56 A concepção de outro polo pulsional, exigência estrutural da teoria, somava-se à necessidade de responder pelas manifestações de ódio e de agressividade, ambivalência, sadismo, masoquismo, mas, principalmente, pelos fenômenos de repetição, impossíveis de serem explicados a partir de uma perspectiva de busca de satisfação pulsional. Preparava- se, assim, o terreno para a introdução da segunda teoria pulsional. O novo antagonismo pulsional, que Freud sustentaria até o final de seus dias, passaria a se expressar entre as pulsões de vida (Eros) e as pulsões de morte, cuja base repousava sobre os dois grandes princípios que operam no mundo físico: as forças de atração e repulsão. "( ...) A meta da primeira é produzir unidades cada vez maiores e, assim, conservá-Ias, ou seja, uma lígação; a meta da outra é, ao contrário, dissolver nexos e, assim destruir as coisas do mundo." OT 56 Simanke, 1984, p. 122. '" AE, vol. 23, p. 146 94 As pulsões de vida, ou Eros, que abrangem tanto as pulsões sexuais quanto as pulsões de autoconservação, tendem a conservar as unidades vitais existentes e a formar, a partir delas, outras mais. A pulsão de morte, pelo contrário, tende à redução completa das tensões, a um retomo a um estado anterior, em última instância, à condução do ser vivo ao estado inorgânico. O que Freud deseja conceitualizar com a pulsão de morte58 é o que há de mais radical na noção de pulsão: o retomo a um estado anterior, o repouso absoluto do estado inorgânico. Freud estabelece uma diferença entre o princípio do prazer, que representaria uma exigência da libido, de uma maneira mais qualitativa do que econômica, e o princípio do NirvaCabna (originalmente, princípio de inércia), que corresponde à exigência de reduzir absolutamente as tensões. Assim como no Projeto (1895), o princípio da inércia não se sustenta mediante o funcionamento psíquico, a tendência de reduzir a zero a tensão se transforma, com o desenvolvimento psíquico, na tendência a manter constante o nível de excitacão Inicialmente, a pulsão de morte se orienta para o interior do indivíduo, e tende à auto- destruição; mais tarde, haverá de manifestar-se sob a forma de pulsões agressivas ou destrutivas. Isto se dá porque a libido se une à pulsão de morte e, desse modo, abre o caminho para os objetos, o que permite ao indivíduo descarregar a tensão por meio de uma intervenção no mundo exterior. servindo-se, para isso. de seu sistema muscular. Uma parte dessas pulsôes se mescla à sexualidade e dá origem ao sadismo: outra parte mantém-se orientada para o próprio sujeito, e, apesar de sua ligação com a sexualidade, manifesta-se como masoquismo erógeno. Freud afirma que, levando em consideração as manifestações do masoquismo. a reação terapêutica negativa e o sentimento de culpa dos neuróticos, é impossivel manter a hipótese de que o funcionamento psíquico é regulado exclusivamente. pelo princípio do prazer. Mas um outro fenômeno seria ainda mais marcante em relação à hipótese da regulação exclusiva do aparelho pelo princípio do prazer: os sonhos traumáticos. Eles representam a .objeção, aceita por Freud, à tese de que todo o sonho é realização de desejo. 95 , 1 Além do princípío do prazer (1920) e a segunda teoria pulsional A compulsão à repetição e o pulsional entrelaçam-se teoricamente na medida em que, a partir do caráter universal das pulsões, uma pulsão representa a tendência, inerente ao orgânico vivo, de reproduzir um estado anterior -o estado inorgânico-, abandç>nado pelo influxo de forças ambientais perturbadoras. Nos fenõmenos da vida animal, em especial os que expressam uma herança da espécie, como o local de desova dos peixes ou os vôos migratórios dos pássaros, ou ainda os fatos embriológicos, em que se observa a repetição das estruturas de todas as formas de que descende a forma animal atual, Freud encontra uma analogia que lhe permite supor a aquisição histórica das pulsões. Ao levar às últimas conseqüências a hipótese de que todas as pulsões almejam o restabelecimento de um estado anterior, a única explicação que pode dar para o sucesso do desenvolvimento orgânico é atribuí-lo à ação de forças perturbadoras extemas. Ele supõe que, se não houvessem ocorrido modificações nas condições que determinaram a evolução da crosta terrestre, o ser vivo elementar teria repetido sempre o mesmo curso vital. A história evolutiva do planeta, no entanto, impós variações ao curso vital do organismo elementar, que foram apreendidas pelas pulsões orgânicas e preservadas na repetição de cada curso vital. Essa hipótese responde também pela aparente tendência das pulsões ao progresso. De acordo com a natureza conservadora das pulsões, sua meta não pode ser um estado nunca antes experimentado, mas sim um estado inicial, muito antigo, 'J inorgânico. A meta das pulsões, portanto, é alcançar um estado anterior, o que deve ser feito através de rodeios impostos pelo curso evolutivo da Terra. Uma vez que o destino de todo ser vivo é morrer, regressar ao inorgânico, Freud conclui que a meta da vida é a morte, uma vez que o inanimado antecede o vivo, e que todo ser vivo. ao morrer, morre Dor razões internas. Freud supõe que, através da intervenção de forças inimagináveis, a vida foi gerada na matéria inanimada. Suscitada a tensão no material, essa tensão procurou nivelar-se, daí surgindo, simultaneamente, a primeira pulsão de regresso ao inanimado. Talvez esse organismo primitivo, orientado por sua estrutura química, tivesse que percorrer um caminho vital muito breve. Mas, com as contínuas alterações extemas, a substância desviou-se cada vez mais de seu caminho vital originário, tendo que dar cada vez mais voltas para alcançar sua meta final. 58 A pulsão de morte nunca pode ser observada em estado puro. Ela sempre será acessível á nossa percepção mesdada com a pulsão de vida. % Mas, sobre o outro extremo, existe uma outra classe de pulsões, e, ao que tudo indica, em oposição às primeiras. São as pulsões sexuais, que levam Freud a opor dois grupos de pulsões: um que se lança à realização da meta final da vida e outro que, num determinado ponto do trajeto, reé!l.izaum movimento retrocedente, a fim de retomar o trajeto a partir de um ponto anterior, e com isso prolongar a duração do caminho. Assim, enquanto as pulsões de auto-conservação provêm do estado abandonado e querem restabelecer essa condição, a meta das pulsões sexuais é a fusão das células germinais diferenciadas, conjugando a vida em unidades cada vez maiores, para garantir sua' renovação. A libido dessas pulsões sexuais coincide, portanto, com o principio que mantém em coesão todo o ser vivo, o Eros de filófosos e poetas, como observa Freud. Embora fundamentando-se em fatos biológicos e em hipóteses sobre a evolução da Terra, Freud reconhece a incerteza sobre a qual assenta-se essa última postulação da teoria das pulsões em relação às duas primeiras -a extensão do conceito de sexualidade e a teoria do narcisismo- nascidas da experiência clínica. Aqui Freud aventura-se por um terreno de hipóteses puramente teóricas, tendo, como único ponto de apoio para a suposição do caráter regressivo das pulsões, a observação clínica dos fatos da compulsão à repetição. Mas a construção teórica dessa última teoria das pulsões não se deu ao acaso, não foi simplesmente um divagar teórico: ela veio para responder à necessidade que o próprio desenvolvimento da teoria e a introdução do conceito de narcisismo trouxe a Freud. A principio. todas as orientaçõespulsionais menos conhecidas, que se distinguiam das pulsões sexuais direcionadas ao objeto, foram abarcadas pelo conceito de pulsões egóicas. As pulsões egóicas opunham-se, então, àspulsões libidinais ou sexuais. No entanto, o fenômeno do narcisismo e a análise do eu mostraram que também as pulsões egóicas, ao tomarem o próprio eu como objeto, são de natureza libidinosa, o que substituiu a oposição entre pulsões egóicas e pulsões sexuais para a oposição entre pulsões egóicas e pulsões de objeto, ambas libidinais. Esta última oposição, no entanto, não se. mostrou fundamental e nem suficiente para explicar as pulsões destrutivas, que reclamavam outra classe de pulsões dentro do eu, que não as egóicas e de objeto. Foi através da especulação teórica abordada que Freud pôde, finalmente, precisara oposição reclamada pela teoria, através da oposição entre pulsões de vida e pulsões de morte .. 97 O que resta precisar, dentro dessa nova perspectiva pulsional, é a relação dos fenõmenos pulsionais de repetição com o império do principio do prazer. Embora a mais antiga função do aparelho tenha sido atribuída, por força das evidências -entre as quais a reprodução de vivências traumáticas em sonhos- à ligação de moções pulsionais, que tem por finalidade transformar a energia de investimento livremente móvel em energia ligada (verificando-se no processo o surgimento de desprazer), é essa primitivíssima função que assegura e introduz o principio do prazer no aparelho, levando . . . Freud a supor que tal transposição de energia ocorre em função do estabelecimento do principio do prazer. Como o princípio do prazer é uma tendêncía que também está a serviço de uma função (determinada pelo principio da constância): a de isentar, manter constante ou mais baixa possível as quantidades de excitação no aparelho-, tal função vem, de um modo geral, diretamente ao encontro do suposto de que todo ser vivo aspira ao repouso do mundo inanimado. Sob essa perspectiva, a ligação das excitações seria um ato preparatório de acomodação das excitações, para que a mesma se extingua momentaneamente no prazer da descarga. Podemos, então, precisar a tendência à descarga como a tendência a um rebaixamento da quantidade ao nível mais próximo possível de zero, sendo que podemos dizer que a luta travada pelo aparelho para obter o domínio do estímulo, anterior ao principio do prazer, CY'.,ofre em um nível extremo de uma dada escala quantitativa. Os sonhos traumáticos parecem confirmar essa hipótese, na medida em que representam o campo de batalha pelo domínio das quantidades, não havendo espaço, ainda, para um predominio do principio do prazer, e portanto, para a realização de desejo. á.1.1 O fracasso do princípio do prazer Conhecida é a descrição de um estado, que sobrevém após acidentes em que houve risco de vida, denominado neurose traumática. Do conhecimento adquirido através das neuroses provocadas pela guerra, descarta-se, como causa das neuroses traumátic'ls, a deterioração do sistema nervoso provocada por choque mecânico. Freud assinala a importáncia do fator surpresa, do terror diante de um acontecimento . e do dano físico simultâneo que o acompanha. Embora, em sua vida de vigilia, os neuróticos traumáticos não tenham o hábito de recordar o acidente que provocou o trauma, até se esforçando por não lembrá-lO, em sua 98 vida onirica são reconduzidos à situacão do acidente, despertando com renovado terror. Tal situação, reproduzida durante o sono, prova a forca da impressão provocada, e supõe uma fixação psíquica ao trauma. Mas o fato do sonho levá-los novamente à situaçã,o patógena é o que traz a Freud a indagação sobre a natureza do sonho, uma vez que, de acordo com sua tese principal, o sonho deveria apresentar, a esses neuróticos traumáticos, imagens de uma época anterior ao trauma ou até da cura deste. Segundo introdução de James Strachey a Além do principiO do prazer, em conferência no Congresso Psicanalítico Internacional, realizado a 9 de setembro de 1920 em Haya, Freud pronunciou-se a respeito dos sonhos traumáticos do seguinte modo: Todavia, há outra classe de sonhos que suscitam, a juízo do orador, uma exceção mais séria à regra de que os sonhos são realizações de desejo; são eles os denominados "sonhos traumáticos", como os que têm lugar em pessoas que sofreram um acidente, mas também os que, no curso da psicanálise de neuróticos, lhes tomam a fazer presentes traumas esquecidos de sua infância. 59 Pela dificuldade de atribuir a esses sonhos a mesma finalidade que atribuiu aos sonhos em geral, ou seja, a realização de desejo, Freud remete sua discussão ao manuscrito que seria publicado em dezembro daquele ano. A finalidade do sonho como realização de desejo deriva diretamente da SUPOSlçaO adotada sem reservas, como Freud observa na primei r? parte de Além do princípio do prazer, de que é o p~ncípio do prazer que regula automaticamente o decurso dos processos - psiquicos. Tal suposição implica que, sempre que uma tensão desprazeirosa se coloca em marcha, a orientação do aparelho será para que o resultado final coincida sempre com uma diminuição da tensão, evitando-se o desprazer ou produzindo o prazer. Essa suposição se expressa também na hipótese segundo a qual o aparelho psíquico se esforça por manter, se não o mais baixa possível, ao menos constante a quantidade de excitação. Se o trabalho do aparelho tem como objetivo manter baixa a quantidade de excitação, será sentido como disfuncional ou desprazeiroso tudo o que possa aumentá-Ia. Freud observa que o princípio do prazer deriva, portanto, do pnncipio da constância, embora 59 AE, vaI. 5, p. 18 99 esse último tenha sido identificado a partir dos fatos que o fizeram supor o principio do prazer. A tendência do aparelho de manter baixa ou constante a quantidade de excitação, Freud remete ao princípio da estabilidade de Fechner, ao qual referem-se as sensações de prazer e desprazer, como podemos observar através da seguinte citação: ''(...) todo o movimento psicofísico que ultrapasse o umbral da consciência vem afetado de prazer na medida em que se aproxime, além de certo limiar, da estabilidade plena, e afetado de desprazer na medida"em que, além de certo limiar, se desvie daquela ...••60 Por força das evidências, Freud condu i ser incorreta a hipótese de um domínio exdusivo do princípio do prazer regulando os processos psíquicos, pois, se assim fosse, a grande maioria desses processos deveria resultar em prazer. Com esta restrição, o que Freud identifica no aparelho é uma forte tendência ao prazer, contrariada, porém, por outras forças ou constelações, que nem sempre permitem que o resultado final corresponda ao alcance do prazer. Mais uma vez a citação de Fechner vem corroborar o seu raciocínio: "(...) a tendência à meta não significa todavia seu alcance, e em geral esta meta somente pode alcançar-se por aproximações ..:061 Diante das constatações, para não renunciar à tese do sonho como realização de desejo, resta a Freud sustentar que a neurose traumática afeta a função do sonho e a desvia de sua meta. No sentido de elucidar a questão, Freud remete-se à uma experiência semelhante da vigilia, a experiência clíniCa da compulsão à repetição, na qual o enfermo repete o conteúdo recalcado como vivência presente ao invés de rememorá-Io como parte do passado, como seria preferível para o êxito do tratamento. A compulsão à repetição reativa vivências que não contêm, nem em sua reprodução, nem em sua origem, possibilidade alguma de prazer, mesmo para as moções pulsionais recalcadas na ocasião. Os desejos da vida sexual infantilestav2m, em si, destinados ao fracasso, por serem inconciliáveis com a realidade. O fracasso desses desejos se dá através de penosas experiências e sensaçõesextremamente dolorosas para a criança, deixando como seqüela , "0 AE, vaI. 18, p. 8 ,.J AE, vaI. 18, p. 9 100 uma ferida narcísica como dano permanente do sentimento de si mesmo. O vínculo edípíco sucumbe, sem satisfação alguma, diante dessa realidade. Mas como podem nascer desejos incompatíveis com a estrutura da realidade, destinados, desde seu surgimento, a serem insatisfeitos? Tais desejos, impossiveis de realização, no entanto, nascem, e suas vivências, que acarretam frustração e dor, são repetidas pelos neuróticos na transferência com o analista, através da ação de pulsões. Essas pulsões, que teriam por destino a satisfação, nem em seu próprio momento de origem a obtiveram, levando apenas ao desprazer, numa experiência vã, mas que, apesar de tudo, se repete forcada pela ação de uma compulsão. Como observa Freud, a compulsão à repetição, no entanto, não se restringe a um fato clínico. Na clínica, ela apenas encontra um suporte para atualizar-se. No cotidiano das pessoas, essa compulsão exterioriza-se na repetição dos mesmos prejuízos, de idênticas vivências que terminam invariavelmente em fracasso, e que, aparentemente, as fazem vitimas de um destino implacável. De tais vivências somam-se exemplos. Observando a compulsão à repetição à luz da transferência e do destino fatal dos seres humanos, Freud universaliza o mecanismo de compulsão à repetição, supondo-o como mais originário e mais pulsional que o próprio principio do prazer. Desfaz-se, portanto, o reinado, até então absoluto, do principio do prazer sobre o decurso dos processos psiquicos na teoria freudiana. A partir dai, as questões relativas ao esclarecimento da çompulsão à repetição tomam um caminho independente do principio do prazer, e se resumem nas seguintes indagações: sua função no aparelho, as condições para sua emergência e sua relação com o principio do prazer. ).2 O trauma e a função originária do aparelho. Em função da localização espacial do sistema consciente no aparelho psíquico, o processo excitatório não imprime sobre seus elementos nenhuma alteração duradoura, tendo como fim a aquisição da consciência. O fator que explica essa diferenciação é, para Freud, a focalização do sistema consciente, em contato direto com o exterior. Ao utilizar como exemplo um organismo vivo simplificado ao máximo -uma vesícula indiferenciada e estimulável- atribui à sua superfície uma diferenciação devido à sua localização frente ao mundo exterior, servindo como órgão receptor de estímulos. Sobre bases embriológicas, concebe uma alteração da substância na superfície da vesícula, de 101 modo a diferenciar seu processo excitatório de outros estratos menos superficiais, devido ao bombardeio de estimulos externos sobre essa superfície. Em um mundo que se resume em massas em movimento, não é difícil deduzir que a mesma não sobreviveria ao tJ?mbardeio incessante de estímulos externos, se não tivesse sobre si uma proteção, que Freud denomina proteção anti-estimulo. Sua aquisição explica-se através da evolução: necessidade de modificação da superfície exterior, a ponto de tomá-Ia inorgânica, criando assim um envoltório que lhe permite fracionar a intensidade dos estímulos externos, que, desse modo, Somente Se propagam para os estratos contíguos de substância orgânica. A proteção anti-estímulo age, então, à semelhança de um filtro para as magnitudes de estímulo. Os estratos mais profundos foram preservados através da morte do estrato mais externo, e só poderão ser alcançados se estímulos suficientemente intensos perfurarem a proteção anti-estímulo. A partir de tal dedução, a tarefa que tem o organismo vivo de proteger-se contra estímulos toma-se quase mais importante do que a de recebê-Ios. A meta do organismo, portanto, deve ser a de preservar as formas interiores de transformação de energia do influxo nivelador das quantidades hipertróficas de energia que operam fora. Como o objetivo da recepção de estímulos é o de obter ciência sobre a orientação e a natureza de estímulos do mundo exterior, apenas pequenas quantidades são suficientes para a execução da tarefa. No caso de organismos superiores, parte" do estrato cortical receptor de estímulos da antiga vesicula permeneceram imediatamente atrás da proteçi'io anti-estimulo e são conhecidos como órgãos sensoriais, enquanto o restante desse estrato adentrou mais profundamente pelo corpo. Fatores como a localização espacial do estrato cortical - que se diferencia como sistema consciente- entre o exterior e o interior, e a multiplicidade das condições que podem exercer seu influxo, tanto de um lado como de outro, são decisivos para a operação desse sistema, assim como do aparelho psíquico. C'1m base nesse modelo teórico, os fatores traumáticos determinantes das neuroses encontram, para Freud, sua explicação não só na perfuração da protecão anti-estímulo através de quantidades hiperintensas de excitação provenientes do mundo exterior -que ocasionam um desequilíbrio na economia de energia do organismo e convocam todos os meios possíveis de defesa- como também na soma de excitaçãb, liberada por ocasião do choque mecânico, que permanece livre, sem ligação. 102 Sabemos que a neurose traumática caracteriza-se por uma fixação do sujeito ao momento do trauma, atualizada pela repetição da lembrança do acidente, seja em sonhos, seja em rememorações da vigília. No entanto, segundo observa Freud, esse momento, que representou um risco de vida para o sujeito, só desemboca na neurose se o sujeito em questão não sofrer nenhum sério traumatismo físico como consequência do mesmo, que o levaria a um investimento narcísico do órgão lesado. Por não haver possibilidade desse investimento libidinal na falta da lesão, o exces.."'Ode libido, que se libera com o choque, penmanece livre, não encontrando um objeto através do qual se daria sua tramitação. O que resta, portanto, é uma soma de excitação em estado puro, sem ligação, representando uma verdadeira invasão pulsional do aparelho psíquico. Nesse momento, não há lugar sequer para um princípio que se assemelhe ao princípio do prazer. Invadido por enonmes quantidades de estímulo, a tarefa do aparelho é, antes de mais nada, obter um domínio sobre o estímulo, ligando psiquicamente as quantidades que se impuseram de fonma repentina, a fim de processá-lo. A essa conclusão, Freud acrescenta que o terror gerado na situação traumática denuncia a falia de uma emissão de angústia que sobreinvestiria os sistemas que primeiro recebem o impacto do estímulo. Sem esse sobreinvestimento, os sistemas continuam operando com investimento inferior, que não lhes dá as condições necessárias para ligar as quantidades de excitação hiperintensas sobrevindas de fora, facilitando a ruptura da proteção anti-estímulo. Nesse contexto, a emergência da angústia surge como a última fronteira da proteção antí-estímulo. A situação traumática implica numa situa cão de fragilidade vivenciada, diferenciada da situação de perigo pelo fato de não conter a condição prévia de exoectativa, na qual se dá o sinal da angústia. A angústia gerada em situação de perigo é, portanto, uma expectativa do trauma e uma reprodução amenizada deste, ou seja, a situação de perigo implica no discernimento, recordação e expectativa de uma situação de fragilidade. A angústia é a reação gerada, no instante do trauma, diante da fragilidade do eu, reproduzindo-se, dai por diante, de fonma bastante amenizada, para sinalizar a iminência de uma situação que represente perigo para o eu. Na 32.a de suas Novas conferências ... -Angústia e vida pu/siona/-, Freud destaca que o essencial, tanto no nascimento, quanto em qualquer situação de perigo, é a IOJ emergência de um estado excitatário de tensão extremamente elevada, sentido comomuito desprazeiroso e não passivel de domínio através da descarga, a que chama fator traumático. Precisa o cerne da angústia como o terror da emergência do fator traumático, que não pôde ser tramitado segundo o princípio do prazer. A conversão de uma impressão em fator traumático pressupõe um cancelamento na operacão do princípio do prazer. Nesse momento, insere-se a elucidação da questão anteriormente formulada por Freud a respeito da finalidade do sonho, como realização de um desejo, em relação ao sonho dos neuróticos traumáticos: os sonhos que reconduzem o sujeito, regularmente, à situação que provocou o trauma são sonhos que não estão a servico de nenhuma realização de desejo. Freud supõe para esses sonhos uma tarefa mais elementar, anterior ao império do princípio do prazer. O objetivo desses sonhos não é, portanto, realizar desejos, mas, através de um desenvolvimento da angústia 62, cuja omissão foi decisiva para o estabelecimento da neurose traumática, obter para o'aparelho o domínio sobre o estímulo. Assim sendo, o retorno mnêmico da situação traumática nos sonhos representa a tentativa, através desses, de ligar a quantidade excedente de excitacão. Que passa a representar um problema, e até uma ameaça, ao aparelho psíquico. Através desses sonhos, portanto, Freud adquire a perspectiva de uma outra funcão do aparelho psíquico, que, embora não contradiga o princípio do prazer, opera de forma independente deste e parer---eanterior ao objetivo do aparelho de obt",r prazer e evitar o desprazer. Através dessa perspectiva, Freud admite, pela primeira vez, uma exceção à tese de que todo o sonho é uma realização de desejo. E a amplia: assim como os sonhos dos neuróticos traumáticos, também os sonhos que na análise trazem de volta a recordação dos traumas psiquicos da infància não podem ser vistos como realizações de desejo, mas sim como produtos de uma compulsão à repetição. f,' Para Freud, é um fator histórico que está na gênese do afeto de angústia: a situação de perigo origínária, frente a qual a angústiz se constitui, representada nos seres humanos pelo ato do nascimento. só pode ser percebida pelo feto como um desequilíbrio extremamente intenso na economia da libido. provocado pela irrupção de grandes somas de excitação, que produzem sensações intensamente desprazeirosas. Ainda para elucidar essa questão, Freud toma como base a situação em que o lactente quer garantir a presença da mãe, com a finalidade de resgüardar-se da insatisfação que seria gerada pelo aumento de tensão advinda da necessidade não satisfeita. Observa que o comum a essa situação e a situação do nascimento. e que caracteriza o núcleo da situação de perigo, está na perturbacão I econômica em função do aumento hipertrófico das magnitudes de excitação à espera de tramitação. ~ ... 104 Freud passa a supor uma função mais originária para o sonho do que a realização de desejo das moções perturbadoras do sono, uma vez que o aparelho só pode exercer essa função sob o domínio do princípio do prazer, que não opera durante o processo de ligação e domínio dos estímulos. O império do princípio do prazer só se estabelece, então, depois que é obtida a ligação ou o domínio da excitação, o que ocorre, não por oposição, mas de forma independente do princípio do prazer. Cabe, portanto, aos estrates superiores do aparelho realizarem a ligação da excitação das pulsões presentes no processo psíquico primário . .$.2.1 Ligação: a tarefa primordial A partir de Além do princípio do prazer, a questão da ligação toma um lugar de destaque na teoria, evocada para dar conta da repetição psíquica do trauma que, após a hipótese de 1920, pressupõe a perfuração da proteção anti-eslímulo, a função de ligar quantidades de excitação já não pode mais ser atribuída ao eu. A ligação de quantidades de excitação concomitante ao trauma aponta para uma tarefa anterior à constituição do eu ou ao princípio do prazer, essencialmente relacionada à economia do aparelho e sobre a qual assenta-se o fenômeno da compulsão à repetição. Freud recua, portanto, a tarefa da ligação de excitações para as leis que regulam o próprio decurso inconsciente. Cabe a Eros, portanto, a farefa de religar as representações. mantendo. dessa maneira, a coesão do próprio sujeito que, desfocado do que supõe ser ele mesmo, só pode ser pensado, peJa psicanálise, além do próprio eu.&3 À medida em que a tarefa primordial de ligar surge, em sua última teoria das pulsões, como característica das pulsões de vida, uma contradição aparente se institui. No entanto. é na medida em que se compreende, na obra de Freud, a relação existente entre a tarefa de ligação das excitações e um conceito tão complexo como o da compulsão à repetição que podemos nos certificar da aparência dessa contradição. Ao considerarmos os diferentes casos em que a compulsão à repetição se exterioriza, percebemos que é acidentalmente que ela aparece ligada à tarefa primordial de ligação,' não havendo nenhuma relação fundamental entre elas; muito pelo contrário. Segundo Monzani,é . As magnitudes de excitação que alcançam o nivel desprazeiroso, sem que possam ser dominadas e tramitadas, estabelecem para o lactente a analogia com a situação do nascimento 'J MANIAKAS, G.F.(1997), p. 240 105 exatamente na falha da tarefa de ligacão que a compulsão à repetição se instala. Em suas palavras: ''(. ..) é nesse vazio da Bindung [ligação], nessa fresta, que aparece a compulsão à repetição." 64,. Assim, a cena traumática será reproduzida regularmente no sonho até que, através da Bindung, as quantidades invasoras do aparelho sejam ligadas e descarregadas de forma fracionada, tomando neutra a invasão pulsional. Nesses casos, a compulsão à repetição favorece aparentemente a tarefa de ligação, por não se exteriorizar mais em sua forma original. O caráter independente da compulsão à repetição em relação ao princípio do prazer pode ser melhor apreciado nos casos de situação transferencial ou de repetição dos mesmos fracassos e frustrações na vida cotidiana, onde o sujeito aplica o mesmo padrão infantil a uma gama indefinida de situações, terminando todas, invariavelmente, em fracasso. Ai a compulsão à repetição não somente aparece desligada do princípio do prazer, como claramente em oposicão a ele, levando Freud a interpretá-Ia como o próprio índice da pulsão de morte. Não nos esqueçamos, porém, que até mesmo o princípio do prazer, que se instala após a tarefa de ligação, por ter como meta a descarga de quantidades de excitação, não se constitui em mais que um rodeio para que, enfim, o organismo alcance sua meta: o retomo . . .4ao Inammauo. Nesse sentido percebemos claramente que a orientação biológica preside ás hipóteses sobre as quais se alicerça boa parte do edíficio psicanalítico desde então. Nesse momento, porém, seria proveitoso estabelecer uma distinção entre a descarga total das quantidades de excitação no nível orgânico, que pressupõe a morte, e as descargas motivadas pela tendência de manter constante ou o mais próximo do zero as quantidades de excitação, que pressupõem um .nível ótimo de funcionamento do aparelho. Estas últimas, metas do principio do prazer, no entanto, são ligadas pelo princípio de realidade, que se estabelece, como vimos, a partir da necessidade de interação do organismo com o meio, que lhe garante a sobrevivência, sugerindo-nos, como resultado, uma mescla entre as duas classes de puisões. Tendo como hipótese básica para o funcionamento do aparelho a tarefa primordial de ligação, Freud leva-nos a supor que a passagem do domínio absoluto do princípio do prazer ," MONZANI, L. R.(1989), p. 181 106 para o principio da realidade é somente um retomo: o principio da realidade, de forma exclusivamente quantitativa, esteve aqui antes do principio
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