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A ABORDAGEM HISTORICO CULTURAL DE VYGOTSKY.docx

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A ABORDAGEM HISTÓRICO CULTURAL DE VYGOTSKY
presupostos teÓricos básicos
Lev Semenovitch Vygotsky nasceu em 1896, em Orsha, na Rússia e faleceu prematuramente em 1934, em Moscou, aos 37 anos de idade, vítima da tuberculose. Estudou Direito na Universidade de Moscou, graduando-se também em História e Filosofia na Universidade do Povo de Shanjavsky, não reconhecida oficialmente. Nos anos da universidade se interessa por problemas psicológicos e pedagógicos, mas é em Gomel, cidade para onde vai após concluir as graduações, que tem origem o pensamento psicológico de Vygotsky.
Foi em 1924, no II Congresso de Psiconeurologia, em Leningrado, que fez sua primeira comunicação, falando, sem nenhum papel escrito, sobre a relação entre os reflexos condicionados e o comportamento consciente do homem. Defendeu a idéia "segundo a qual a consciência era um conceito que deveria permanecer no campo da psicologia, argumentando que ela deveria ser estudada por meios objetivos" (Vygotsky, et alli, 1988: 22). Sua palestra teve como título "Consciência como um Objeto da Psicologia do Comportamento".
Para Vygotsky, as teorias psicológicas até então existentes, sejam de abordagem subjetiva ou comportamentalista, não possuíam "as bases necessárias para o estabelecimento de uma teoria unificada dos processos psicológicos humanos" (Vygotsky, 1991: 6). Partindo deste pressuposto, tomou para si a tarefa de construir uma teoria que não só descrevesse, mas que explicasse as funções psicológicas superiores – pensamento, memória ativa, atenção voluntária, comportamento intencional - e que, além disso, resolvesse o problema da dicotomia entre as concepções subjetivistas e objetivistas. De 1924 a 1934 dedicou-se à construção de sua teoria histórico-cultural cujas bases repousam no materialismo histórico e dialético marxista e cujo pressuposto básico é que as origens das formas superiores de comportamento consciente, que diferenciam os homens dos animais, devem ser achadas nas relações sociais que o homem mantém.
O materialismo histórico e dialético é uma concepção da História que afirma que a vida determina a consciência, que é a partir da produção material da vida imediata, do processo real de produção humana que ela, a consciência, se desenvolve: "os homens desenvolvem a consciência no interior do desenvolvimento histórico real" (Marx e Engels, 1982: 44). Essa história real, produzida por homens reais, também está ligada à produção material destes homens. Não são fenômenos separados, mas fenômenos que coexistem. Nesta concepção as circunstâncias fazem os homens assim como os homens fazem as circunstâncias e, portanto, "o homem não é apenas um produto de seu ambiente, é também um agente ativo no processo de criação deste meio" (Lúria, 1988: 25); sua relação com a cultura é dialética: o homem se transforma e transforma a cultura sempre em relações sociais. Para Marx, mudanças históricas na sociedade e na vida material produzem mudanças na consciência e no comportamento humano.
Vygotsky relaciona os referenciais teóricos marxistas à questões psicológicas concretas. Um ponto central do materialismo histórico e dialético que ele aplica em sua teoria, visando explicar a transformação dos processos psicológicos elementares em processos complexos, é que "todos os fenômenos sejam estudados como processos em movimento e em mudança".(Vygotsky, 1991: 8). O método de análise dos processos não se concentra apenas nos resultados do desenvolvimento, no conhecimento que o sujeito já possui, mas analisa os processos de desenvolvimento, para compreender as suas origens, explicando a essência dos fenômenos psicológicos. Assim, o desenvolvimento é a história do desenvolvimento, o comportamento é a história do comportamento, a cultura é a história da cultura, a sociedade é a história da sociedade. Nesse processo histórico, “dois fatores filogenéticos são fundamentais: o trabalho social e o emprego de instrumentos, como os meios pelos quais o homem transforma a natureza e, ao faze-lo, transforma a si mesmo" (Vygotsky, 1991: 9) e o surgimento da linguagem.
Outro ponto, também fundamental, é a concepção de que a origem da atividade consciente do homem deve ser procurada na "forma histórico-social de atividade", nas condições sociais de vida historicamente formadas. Esse é um pressuposto básico na obra de Vygotsky: as explicações do funcionamento das funções psicológicas superiores devem ser buscadas nas relações sociais que o indivíduo mantém com a cultura, isto é, nas relações sociais entre o indivíduo e o mundo exterior, as quais se desenvolvem em um processo histórico. "Portanto, para a abordagem sócio-histórica não há conflito entre a sociedade e o indivíduo" (Bock, 2001: 44).
Dentro do processo geral de desenvolvimento, Vygotsky distingue duas linhas qualitativamente diferentes do desenvolvimento que diferem quanto á origem: os processos elementares que estão num nível inicial do desenvolvimento, têm origem biológica e são relações diretas, como, por exemplo, a sucção do seio materno pelo bebê e os processos psicológicos superiores, mais complexos, próprios do ser humano, de origem sócio-cultural, e que envolvem as ações conscientes, o controle consciente do comportamento, as ações intencionais, a memória ativa, a atenção voluntária, o pensamento abstrato, a liberdade do indivíduo em relação ao tempo e ao espaço presentes (ele pode imaginar eventos não vividos, pensar em objetos ausentes, planejar ações, etc), a tomada de decisão a partir de uma nova informação, a interação do organismo individual com o meio físico e social em que vive e as formas mediadas de comportamento. A atividade consciente do homem possui três características fundamentais: não está obrigatoriamente ligada a necessidades biológicas, mas normalmente a necessidades cognitivas; não é orientada por uma experiência imediata, mas pelo conhecimento mais profundo que o homem tem da situação; e ela se forma por meio da assimilação da experiência de toda a humanidade, isto é, suas raízes são histórico-culturais.
A história do desenvolvimento das funções psicológicas superiores deve ser estudada desde a sua pré-história, cujas raízes estão na infância, considerada por Vygotsky o centro da pré-história do desenvolvimento cultural. O desenvolvimento deve ser visto em três aspectos: o instrumental, o cultural e o histórico. Lúria (1988) nos ajuda a compreender cada um deles. O instrumental se refere á natureza basicamente mediadora de todas as funções psicológicas complexas; o homem não apenas responde aos estímulos imediatos do ambiente, mas os transforma e usa essas transformações como instrumentos de seu comportamento. O cultural envolve os meios socialmente estruturados pelos quais a sociedade organiza os tipos de tarefas que a criança em crescimento enfrenta e os tipos de instrumentos, tanto mentais como físicos, de que a criança pequena dispõe para dominar aquelas tarefas. Um dos instrumentos básicos inventados pela humanidade é a linguagem. Vygotsky enfatizou o pensamento e a linguagem. O histórico funde-se com o cultural, pois os instrumentos que o homem usa para dominar seu ambiente e seu próprio comportamento foram criados e modificados ao longo da sua própria história social.
A compreensão e explicação das formas superiores do comportamento humano têm na mediação um conceito central. A mediação, segundo Oliveira (1997) é, em termos mais gerais, o processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação que deixa, então, de ser direta para ser mediada por esse elemento. Esse elemento é um elo entre o organismo e o meio, tornando a relação mais complexa. Pela mediação, o indivíduo responde a uma situação, e ao mesmo tempo a modifica. Isso faz com que a mediação seja uma atividade produtora do comportamento humano. "A mediação é um processo essencial para tornar possível as atividades psicológicas voluntárias, intencionais, controladas pelo próprio indivíduo" (Oliveira, 1997: 33).
Outro conceito igualmente importante é o de internalização.Segundo Vygotsky, o processo de internalização é uma mudança qualitativa que consiste numa série de transformações: as operações externas vão se transformando em processos internos de mediação; um processo interpessoal ou interpsíquico, isto é, os partilhados entre pessoas é transformado em um processo intrapessoal ou intrapsíquico, isto é, no interior da própria pessoa e ocorre ao longo da evolução da espécie humana e do desenvolvimento do indivíduo. O processo de internalização é a reconstrução interna de uma operação externa. Para Vygotsky, o plano interno não pré-existe, mas é constituído pelo processo de internalização, baseado nas ações, nas interações sociais e na linguagem "A internalização de formas culturais de comportamento envolve a reconstrução da atividade psicológica tendo como base as operações com signos" (Vygotsky, 1991: 65). Os signos, enquanto sistemas de representações mentais da realidade são os principais mediadores a serem considerados na relação do homem com o mundo.
No processo de internalização, Vygotsky (1991) destaca a importância da zona de desenvolvimento proximal, um conceito que ele define como: a distância entre o nível de desenvolvimento real - aquele que se refere a processos de desenvolvimento já completados - e o nível de desenvolvimento potencial - aquele que se refere a processos de desenvolvimento que ainda precisam da mediação do "outro". A zona de desenvolvimento proximal está sempre em transformação. O que significa dizer que o homem está sempre em transformação, ou está constantemente constituindo sua identidade, sua personalidade nas relações com o outro, mediadas dialeticamente pela sociedade.
Além do processo de internalização, outra mudança qualitativa no uso dos signos é o desenvolvimento dos sistemas simbólicos que organizam os signos em estruturas complexas e articuladas. O sistema simbólico básico de todos os grupos humanos é a linguagem. A linguagem é um sistema de códigos que designa os objetos, suas ações, qualidades ou relações e serve de meio de transmissão de informação, tendo por função principal a de intercâmbio social ou de comunicação. Ela é considerada por Vygotsky o fator fundamental de formação da consciência por propiciar três mudanças essenciais à atividade consciente do homem: primeiro, a linguagem permite discriminar os objetos, dirigir a atenção para eles e conserva-los na memória, possibilitando lidar com os objetos do mundo exterior inclusive quando eles estão ausentes, ou seja, permite conservar a informação, discriminar, selecionar e memorizar; segundo, assegura o processo de abstração das propriedades essenciais das coisas relacionando-as a categorias, classificando-as e assegura a generalização, isto é, a formação de conceitos, construídos socialmente e a transição do sensorial ao racional; por fim, a linguagem é a mediadora que permite ao homem assimilar a experiência da prática histórico-social acumulada ao longo dos séculos. A linguagem penetra em todos os campos da atividade consciente do homem por isso ela tem importância fundamental na formação dos processos psíquicos, na constituição das complexas formas de pensamento. Por todas essas razões a questão do desenvolvimento da linguagem e suas relações com o pensamento ocupam lugar central na obra de Vygotsky.
A linguagem desenvolve-se inicialmente por necessidades de comunicação, mas para que a comunicação ocorra é necessário que sejam utilizados signos compreensíveis por todos, isto é, signos cujos significados sejam compartilhados culturalmente. A função de generalização da linguagem, que classifica os objetos em categorias conceituais, permite essa compreensão e faz dela um instrumento de pensamento, permitindo a mediação entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Daí a importância de se compreenderem as relações entre a linguagem e o pensamento no estudo das funções psicológicas do ser humano.
O pensamento e a linguagem têm raízes genéticas diferentes. Suas trajetórias são independentes e não há relação clara e constante entre elas. "Na filogenia do pensamento e da fala, pode-se distinguir claramente uma fase pré-linguística no desenvolvimento do pensamento e uma fase pré-intelectual no desenvolvimento da fala" (Vygotsky, 1991: 36). A linguagem é pré-intelectual quando ainda não tem função de signo, quando não produz significados específicos e o pensamento é pré-linguístico quando ainda não está vinculado à linguagem, quando a fala ainda não serve ao intelecto. Porém, em algum momento, ao longo da história do desenvolvimento da espécie humana (filogênese), pela necessidade de intercâmbio dos indivíduos durante o trabalho coletivo, e da história do desenvolvimento do indivíduo (ontogênese) pela própria necessidade de sua inserção na cultura em que nasceu, as trajetórias do pensamento e da linguagem se unem e o pensamento se torna verbal e a linguagem racional. Essa união acontece num processo histórico, nas relações sociais de trabalho que exige tanto o uso de instrumentos quanto a comunicação. Assim, o surgimento do pensamento verbal e da linguagem racional é um momento marcadamente importante no desenvolvimento da espécie e do indivíduo.
O pensamento verbal permite um modo de funcionamento psicológico mais complexo predominando na ação psicológica humana. Aqui, na análise de Vygotsky, entra em cena um conceito fundamental: o do significado das palavras. O significado une estreitamente o pensamento e fala no pensamento verbal e ao fazê-lo, permite que a linguagem desempenhe suas duas funções primeiras: a de intercâmbio social ou de comunicação e a de pensamento generalizante. Os significados também são construções humanas históricas e, portanto, sempre estão sofrendo transformações tanto em relação à história da própria língua quanto em relação à aquisição da linguagem. Essa idéia, o de transformação do significado das palavras, está relacionado com um outro aspecto: o do sentido da palavra. Enquanto o significado refere-se a uma compreensão da palavra compartilhada culturalmente, o sentido refere-se ao significado da palavra para cada indivíduo de acordo com as suas vivências sociais e afetivas. A linguagem é, pois, um instrumento do pensamento. "O pensamento não é simplesmente expresso em palavras: é por meio delas que ele passa a existir." (Vygotsky, 1993: 108).

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