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121 ONCOGENES E GENES SUPRESSORES DE TUMOR Cap. 9 INTRODU˙ˆO Câncer Ø um processo invasivo decorrente da transformaçªo celular que pode ser caracte- rizado por vÆrios parâmetros, como comprome- timento das propriedades de crescimento e diferenciaçªo celulares, instabilidade genômica, perda da senescŒncia normal e invasªo dos teci- dos adjacentes. O comportamento dessa cØlula transformada e a resposta do hospedeiro sªo os responsÆveis pelas manifestaçıes da doença. O câncer Ø, portanto, um distœrbio genØtico pro- vocado por mutaçªo ou deleçªo em alguns ge- nes que codificam proteínas capazes de estimular e controlar o crescimento e a divisªo celular; estes genes mutados sªo chamados de oncogenes. Os genes normais (nªo-mutados) sªo chamados de proto-oncogenes. Os proto-oncogenes codificam proteínas que sªo importantes para a regulaçªo do crescimento e proliferaçªo celular. As primeiras informaçıes sobre as alteraçıes genØticas envolvidas no câncer vieram dos estu- dos de certos vírus animais em cultura de cØlu- las animais. CØlulas em cultura comportam-se de uma maneira preordenada. Elas crescem for- mando uma monocamada confluente em placa de cultura, nªo crescem umas sobre as outras, Oncogenes e Genes Supressores de Tumor exibindo, portanto, densidade de saturaçªo, podendo ser replicadas por um determinado nœmero de ciclos, morrendo a seguir. Na trans- formaçªo celular, as cØlulas apresentam poucos requisitos para fatores de crescimento, perdem a densidade de saturaçªo, passam a crescer umas sobre as outras, de forma descontrolada, ad- quirindo a capacidade de crescimento indepen- dente de ancoragem e tornam-se imortais ao perderem a expectativa de vida predeterminada. No câncer, as cØlulas tumorais perdem a inibi- çªo de crescimento normal e continuam a se multiplicar de uma maneira descontrolada. De- vido a vÆrias semelhanças, a transformaçªo de cØlulas em cultura Ø considerada equivalente ao câncer em cultura. Cabe, no entanto, lembrar que a aquisiçªo dessas características em cultu- ra nªo garante que a cØlula transformada gere tumor quando transferida para um hospedeiro apropriado, o que sem dœvida reflete o comple- xo ambiente in vivo no qual a cØlula transforma- da tem que sobreviver para produzir o tumor. V˝RUS QUE CAUSAM TUMOR No início do sØculo XX, Rous observou que o homogenato obtido de um sarcoma de gali- Helena B. Nader MarimØlia A. Porcionatto Lœcia O. Sampaio Leny Toma Yara M. Michelacci 122 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 9 nha, totalmente livre de cØlulas, era capaz de in- duzir novos tumores em galinhas. A presença ine- quívoca de vírus em tumores só foi confirmada dØcadas depois atravØs dos experimentos pio- neiros de Rous. Experimentos posteriores mos- traram que outros vírus, como o de sarcoma de Rous (RSV), podiam ser captados por cØlulas animais em cultura, que passavam a apresentar entªo um fenótipo tumoral. Vírus que causam tumor podem ser identi- ficados como vírus RNA ou DNA, de acordo com o conteœdo de seu material genØtico, de genoma da partícula infectante. Como jÆ mencionado, o primeiro vírus de RNA (retrovírus) causador de tumor foi descrito em 1911 por Peyton Rous, como um agente filtrÆvel capaz de induzir sar- comas em galinhas (Rous Sarcoma Virus ou RSV). Muitos outros vírus de RNA ou retroví- rus capazes de induzir tumor foram descritos para diversas espØcies, como ratos, camundon- gos, gatos, galinhas e primatas. No entanto, a relaçªo direta entre vírus de RNA e câncer em humanos só foi estabelecida para alguns vírus, como Ø o caso do vírus HTLV-1 que Ø responsÆ- vel pela forma adulta de leucemia/linfoma de cØ- lulas T, que ocorre de forma endŒmica no Japªo, no Caribe e mais esporÆdica em outras partes do mundo. Embora os vírus oncogŒnicos se- jam agentes etiológicos para algumas formas de neoplasias em humanos, a maioria dos tu- mores no homem mostra pouca evidŒncia do en- volvimento viral. A capacidade tumorigŒnica de diferentes re- trovírus varia consideravelmente. A maioria des- ses vírus contØm apenas trŒs genes que estªo envolvidos na replicaçªo viral e nªo desempe- nham papel na transformaçªo celular (Fig. 9.1). O DNA do provírus integrado ao DNA celular Ø transcrito para originar o RNA do genoma do vírus, que servirÆ para formar novas partículas virais e de mensageiro para os genes gag e pol. A transcriçªo Ø assegurada por um promotor no final do genoma viral, localizado dentro de uma seqüŒncia denominada repetiçªo terminal longa (LTR, long terminal repeat) presente nas extre- midades do genoma viral integrado. LTRs con- tŒm sinais regulatórios que asseguram que os mRNAs sejam corretamente poliadenilados e tra- duzidos. A transcriçªo Ø direcionada por fatores de transcriçªo celulares que reconhecem seqüŒn- cias no LTR que sªo homólogas às seqüŒncias dos genes celulares. Os genes estruturais (gag e env) estªo envolvidos no empacotamento do RNA viral nascente em partículas que brotam da superfície da cØlula para infectar novas cØlulas. Ainda, o RNA do genoma viral Ø processado para gerar os mensageiros das glicoproteínas do en- velope, codificadas pelo gene env. Tumores ori- ginados por retrovírus com essas características estruturais sªo raros. Outros retrovírus contŒm genes específicos para induçªo da transformaçªo celular. O vírus do sarcoma de Rous (RSV) Ø um protótipo des- se tipo viral. Comparando-se o vírus RSV com o vírus de leucose de aves (ALV) que nªo causa tumores, foi possível demonstrar a presença de um gene responsÆvel pela capacidade de indu- çªo de tumor pelo vírus RSV. Como RSV induz sarcoma, seu oncogene foi denominado src, que codifica uma tirosina quinase de 60kDa, que nªo Ø necessÆria para a replicaçªo viral. Esse onco- gene encontra-se ausente no vírus ALV (Fig. 9.2). Logo após a descoberta dos oncogenes vi- rais, foi observado que cópias desses genes ou genes quase idŒnticos tambØm eram encontra- dos nos nossos cromossomos. A identificaçªo da origem de oncogenes presentes em retroví- rus foi um passo decisivo na caracterizaçªo dos genes-alvo na transformaçªo celular. Estudos de hibridizaçªo de oncogenes de retrovírus com DNA e RNA celulares demonstraram que essas seqüŒncias sªo originadas de genes celulares, que sªo expressos em cØlulas normais e nªo infecta- das. Durante a infecçªo viral, pode ocorrer re- combinaçªo com o DNA da cØlula hospedeira por um processo conhecido como transduçªo viral, fazendo com que o vírus adquira seqüŒn- cias da cØlula hospedeira. Em algumas situaçıes, essa recombinaçªo pode levar a uma perda do controle de crescimento da cØlula infectada. Es- ses resultados mostraram que a contrapartida ce- lular dos oncogenes retrovirais estÆ envolvida com funçıes críticas comuns a todas as cØlulas de eucariotos. Uma comparaçªo detalhada dos oncogenes virais e celulares mostrou a existŒn- cia de muitas mutaçıes puntuais, bem como a presença de genes truncados e genes quimØri- cos resultantes da fusªo vírus-hospedeiro. Essas mudanças levam a alteraçıes na expressªo ou na atividade da proteína viral quando compara- da à celular. Estudos realizados com vírus con- tendo o gene celular selvagem mostraram que 123 ONCOGENES E GENES SUPRESSORES DE TUMOR Cap. 9 Fig. 9.1 Genoma de um retrovírus típico. os mesmos foram incapazes de induzir tumores, enfatizando a importância das modificaçıes para a transformaçªo nos genes virais. Os vírus de DNA podem causar tumor de- pendendo do hospedeiro. A infecçªo viral em cØlulas permissivas, que correspondem a do hos- pedeiro natural, nªo leva à transformaçªo celu- lar. Nessas cØlulas ocorre a replicaçªo do vírus, lise celular e liberaçªo de novas partículas virais. Por outro lado, para as cØlulas nªo permissivas, nas quais a replicaçªo do DNA viral estÆ blo- queada, pode ocorrer transformaçªo. Ogeno- ma viral pode se integrar ao DNA celular, e a Fig. 9.2 Genoma do vírus de leucose de aves (ALV) e do vírus do sarcoma de Rous (RSV). expressªo de determinados genes virais resulta na transformaçªo da cØlula infectada. O enten- dimento dos mecanismos bÆsicos da transfor- maçªo por vírus de DNA foi resultante dos estudos com os vírus SV40 (simian virus 40) e polioma. Os genomas desses vírus sªo dividi- dos em duas regiıes. A regiªo precoce Ø expres- sa imediatamente após a infecçªo e Ø necessÆria para a síntese do DNA viral. A regiªo tardia só Ø expressa após o início da replicaçªo do DNA vi- ral, e compreende genes que codificam compo- nentes estruturais da partícula viral. A regiªo precoce do SV40 codifica duas proteínas com pe- 124 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 9 sos moleculares de 17kDa e 94kDa denominadas, respectivamente, antígenos T pequeno (small T) e grande (large T). Para o vírus do polioma, alØm desses dois antígenos, observa-se a expressªo de uma terceira proteína de 55kDa, designada como antígeno T mØdio (medium T). Estudos de trans- fecçªo de cØlulas com os diferentes cDNAs dessas regiıes mostraram que os antígenos T (grande e mØdio) estªo relacionados com a transformaçªo celular. Esses antígenos estimulam a divisªo das cØlulas hospedeiras com a finalidade de produzir as enzimas necessÆrias para a replicaçªo viral. Esse estímulo de proliferaçªo celular pelos produtos dos genes da regiªo precoce pode levar à transforma- çªo se o DNA viral for integrado e expresso em cØlulas nªo permissivas. O vírus do papiloma e adenovírus sªo exem- plos de vírus de DNA envolvidos com a induçªo de tumores benignos e malignos em humanos. Aparentemente, todos induzem a transformaçªo alterando a regulaçªo do ciclo celular, interferin- do com as atividades das oncoproteínas Rb e p53. ONCOGENES Oncogenes celulares (c-oncogene) ou pro- to-oncogenes sªo os homólogos celulares dos oncogenes virais. Os produtos desses genes sªo oncoproteínas que estªo envolvidas nos pro- cessos normais de crescimento e diferencia- çªo, especialmente na proliferaçªo celular. Proto-oncogenes sªo parte normal e essencial do nosso material genØtico que pertencem a um grupo de genes envolvidos no crescimento e di- visªo celulares necessÆrios ao bom funcionamen- Tabela 9.1 Mecanismo de Ativaçªo de Oncogenes Representativos em Tumores Humanos Oncogene Mecanismo de Ativaçªo abl, bcl, lyl,c-myc, PML translocaçªo erb, gli, c-myc, L-myc, amplificaçªo N-myc, K-sam gip, gsp, Ha-ras, Ki-ras, mutaçªo puntual N-ras hst, ret, trk rearranjo do DNA Fig. 9.3 Mecanismos envolvidos na transformaçªo de proto-oncogenes em oncogenes. to da cØlula. Na verdade, sªo mudanças nesses genes que podem levar ao desenvolvimento do câncer. Como jÆ descrito, as versıes modifica- das dos proto-oncogenes celulares sªo os onco- genes presentes nos vírus da transformaçªo. Proto-oncogenes podem se tornar oncoge- nes, isto Ø, desencadear a formaçªo de tumores, como resultante de mutaçıes, deleçıes, inserçıes ou superexpressªo (Fig. 9.3, Tabela 9.1). A iden- tificaçªo de produtos de proto-oncogenes e de genes supressores de tumor envolvidos no con- trole do ciclo celular possibilitou novos entendi- mentos de como a ativaçªo de oncogenes ou a perda de genes supressores de tumor podem le- var ao crescimento desordenado e constituiçªo genØtica anormal das cØlulas transformadas. Um grande nœmero de oncogenes foi identificado. Foram denominados por nomes com trŒs letras, como, por exemplo, ras, src e myc (Tabela 9.2). Inserção de seqüência viral Translocação Mutação espontânea Amplificação PROTO-ONCOGENE ONCOGENE 125 ONCOGENES E GENES SUPRESSORES DE TUMOR Cap. 9 Tabela 9.2 Oncogenes em Tumores Humanos Oncogene Tumor Produto do Gene abl Leucemia mielóide crônica e linfocítica aguda Tirosina quinase bcl-1 Linfomas de cØlula B e mielomas mœltiplos Ciclina D1 bcl-2 Linfomas indiferenciados e foliculares Proteína de membrana citoplasmÆtica bcl-3 Leucemias linfocíticas crônicas de cØlula B Fator de transcriçªo erb-B1 Carcinoma de cØlula escamosa; astrocitoma Receptor de fator de crescimento neu/erb-B2 Carcinoma de mama, ovÆrio e estômago Receptor de superfície para fator de crescimento gip Carcinoma de ovÆrio e glândula adrenal gli Gliobastoma gsp Adenoma de hipófise; carcinoma de tireóide GDP/GTP transdutor de sinal citoplasmÆtico hst Carcinoma de estômago Fator de crescimento myc Linfoma de Burkitt; carcinoma de pulmªo, mama e colo uterino Fator de transcriçªo celular L-myc Carcinoma de cØlulas pequenas de pulmªo Fator de transcriçªo celular N-myc Neuroblastoma; carcinoma de pulmªo Fator de transcriçªo celular raf Carcinoma de estômago Serina/treonina quinase citoplasmÆtica Ha-ras Carcinoma de bexiga, cólon, pulmªo e pâncreas; melanoma Proteína ligante de GDP/GTP Ki-ras Leucemia mielóide aguda e linfoblÆstica; carcinoma de tireóide; melanoma Transdutor de sinal N-ras Carcinoma de trato genitourinÆrio e tireóide; Transdutor de sinal melanoma ret Carcinoma de tireóide Receptor de superfície celular K-sam Carcinoma de estômago sis Astrocitoma src Carcinoma de cólon trk Carcinoma de tireóide Receptor de fator de crescimento jun, fos VÆrios tipos de tumores Fator de transcriçªo O crescimento celular usualmente resulta de um sinal, tal como a ligaçªo de um hormônio a um receptor da superfície celular. Quando o receptor recebe a mensagem de crescimento ce- lular, ele o transmite ao nœcleo atravØs do cito- plasma. O sinal leva entªo à replicaçªo do DNA. Mutaçıes que afetam qualquer etapa da via de transduçªo de sinal poderia levar a cØlula a estar constantemente instruída para dividir. Por exem- plo, muitos receptores respondem a sinais ex- ternos pela sua própria fosforilaçªo e/ou de outras proteínas. Se um receptor sofrer uma mutaçªo de tal forma a permanecer fosforilado de permanente, na presença ou nªo de sinaliza- 126 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 9 Fig. 9.4 Mecanismo de ativaçªo do proto-oncogene erb B. çªo, a cØlula comportar-se-ia como se estivesse constantemente instruída para se dividir. Tal mudança genØtica promoveria crescimento ce- lular descontrolado. Alguns oncogenes identifi- cados na transformaçªo viral sofreram mutaçıes com esse tipo de efeito. A definiçªo mais ampla de oncogenes inclui qualquer entidade genØtica que promove o de- senvolvimento de tumor. Todos os oncogenes sªo semelhantes com relaçªo ao fato de que codifi- cam proteínas envolvidas no controle da divisªo celular, tais como: Ligantes Proteínas que sªo encontradas no lado ex- terior das cØlulas e apresentam homologia com fatores de crescimento. Por exemplo, o proto- oncogene c-sis codifica o fator de crescimento PDGF (platelet Derived Growth Factor). CØlu- las que contŒm o gene cis mutado produzem al- tos níveis de PDGF, que se liga aos receptores de PDGF na superfície das cØlulas resultando numa constante estimulaçªo para proliferaçªo celular. O oncogene hst codifica o fator de cres- cimento relacionado com a família FGF (Fibro- blast Growth Factor). Receptores de Superfície Celular com Atividade de Tirosina Quinase Proteínas semelhantes ao receptor tipo I, que ligam fatores de crescimento e hormônios, tipo insulina. Esses receptores contŒm um domínio de tirosina quinase na face interna da membra- na celular. Esses domínios sªo ativados pela li- gaçªo do hormônio na porçªo extracelular do receptor, e entªo pela fosforilaçªo de resíduos de tirosina em outras proteínas. O receptor, em geral, sofre autofosforilaçªo. Outras proteínas ao se ligarem aos resíduos de tirosina fosforila- da, tornam-se ativadas tambØm, e assim trans- mitem o sinal para outras partes da cØlula. Mudanças nos proto-oncogenesdesses recep- tores induzem a alteraçıes na atividade de tiro- sina quinase, seja por mutaçıes no domínio quinase do receptor que afeta a autofosforila- çªo, ou superexpressªo do receptor devido à am- plificaçªo gŒnica. AlØm dos componentes da cascata de transduçªo de sinal, as tirosinas qui- nases tŒm como substratos integrinas, onde a fosforilaçªo leva a uma diminuiçªo na adesªo celular e conexina, um componente das junçıes gap envolvido na comunicaçªo cØlula-cØlula, que Ø inibido pela fosforilaçªo da tirosina. Sªo exem- plos de oncogenes relacionados com receptores que apresentam atividade de tirosina quinase: erb- B que corresponde à forma truncada do receptor de EGF (Fig. 9.4), kit ao receptor da forma trun- cada do fator de crescimento da cØlula precurso- ra hematopoiØtica e fms ao receptor mutado do fator CSF (Colony Stimulating Factor). Proteínas Quinases Desempenham um papel central na via de transduçªo de sinal intracelular, onde catalisam a fosforilaçªo de proteínas específicas, modu- lando assim a atividade biológica. Os efeitos das proteínas quinases sªo revertidos por proteínas fosfatases específicas. O equilíbrio entre fosfori- laçªo por proteínas quinases e desfosforilaçªo por proteínas fosfatases Ø importante na regula- çªo de muitos processos celulares. Muitos pro- 127 ONCOGENES E GENES SUPRESSORES DE TUMOR Cap. 9 dutos de proto-oncogenes sªo proteínas quina- ses. As proteínas quinases codificadas por pro- to-oncogenes podem ser subdivididas em vÆrios grupos diferentes, dependendo do seu modo de ativaçªo ou do tipo de substrato. Enzimas do grupo da proteína quinase A (PKA) sªo ativadas por cAMP (AMP cíclico), do grupo das proteí- nas quinases G (PKG) por cGMP, das proteínas quinases C (PKC) por diacilglicerol (DAG) e das quinases calmodulina dependente por íons cÆl- cio. Uma outra classificaçªo Ø baseada no tipo de resíduo de aminoÆcido que Ø fosforilado. As- sim, existem as tirosinas quinases específicas e serinas/treoninas quinases específicas. Proteínas da Família Serina/Treonina Quinases Regulam a estabilidade de complexos pro- tØicos que controlam a meiose e a mitose no ciclo celular (c-mos) ou transduçªo de sinal ci- toplasmÆtica (c-raf) (Fig. 9.5). A fosforilaçªo da proteína Raf aumenta rapidamente em cØlulas quiescentes estimuladas por mitógenos, levan- do a um aumento da atividade de serina/treoni- na quinase. Foi demonstrado que a proteína Raf Ø um importante intermediÆrio na sinalizaçªo ce- lular que atua entre a proteína Ras e as MAP quinases (Mitogen-Activated Protein) que fosfo- rilam as proteínas nucleares, para modular a ex- pressªo gŒnica. Proteínas da Família Tirosina Quinases Ligadas à Membrana no Citoplasma O produto do oncogene src que corresponde a uma tirosina quinase citoplasmÆtica. Proteínas da Família Tirosina Quinases Presentes no Nœcleo O produto do oncogene c-abl. Proteínas que Ligam GTP Sªo encontradas tanto na membrana como no espaço intracelular das cØlulas normais. As proteínas G localizadas na membrana estªo en- volvidas nos efeitos dos receptores de membra- na do tipo III, que correspondem aos receptores que apresentam sete hØlices transmembrana, e assim transmitem os sinais extracelulares ao sis- tema efetor localizado dentro da cØlula. Proteí- nas G intracelulares estªo envolvidas no controle da síntese e transporte de proteínas. Proteínas G ligam GTP, hidrolisando-o lentamente a GDP, o que as converte a um estado inativo. O proto- oncogene ras codifica para proteínas que ligam GTP, ou proteínas G. Durante a transduçªo de sinal, a proteína G liga GTP e Ø ativada, sendo desativada pela clivagem de GTP a GDP, resul- tando no tØrmino do sinal estimulatório. For- mas mutadas de proteínas codificadas pelo proto-oncogene ras sªo capazes de ligar GTP com eficiŒncia, mas incapazes de quebrar essa molØcula, ou seja, mutaçıes que levam à inati- vaçªo da atividade de GTPase. Portanto, cØlulas contendo essa proteína mutada estªo constan- temente recebendo sinais estimulatórios, resul- tando numa proliferaçªo descontrolada. O oncogene ras Ø resultante de uma mutaçªo pun- tual no proto-oncogene ras (Fig. 9.6). Mutaçıes em outros oncogenes da família da proteína G: gsp (proteína G estimulatória) e gip (proteína G inibitória) foram encontradas em muitos tumo- res humanos. Receptores Hormonais Nucleares Estªo envolvidos nos efeitos de molØculas sinalizadoras lipofílicas (hormônios esteróides, tiroxina) regulando a transcriçªo de genes espe- cíficos. VÆrios proto-oncogenes pertencem a essa família de ligantes que controlam fatores de transcriçªo. Fig. 9.5 Mecanismo de ativaçªo do proto-oncogene raf. 128 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 9 Fatores de Transcriçªo Algumas oncoproteínas estªo relacionadas com fatores de transcriçªo que regulam a proli- feraçªo em resposta a estímulos por fatores de crescimento (myc, N-myc, L-myc, fos, jun) e a diferenciaçªo (erb-A, gli, receptor do Æcido reti- nóico). Oncogenes de fatores de transcriçªo en- volvidos na proliferaçªo celular sªo membros da família de genes de resposta imediata, cuja ex- pressªo Ø rapidamente ativada quando cØlulas quiescentes sªo expostas a mitógenos. Essas pro- teínas sªo necessÆrias para iniciar a cascata de eventos que dirige a cØlula atravØs das fases G1 e Fig. 9.6 Mutaçªo puntual no oncogene ras. Tabela 9.3 Genes Supressores de Tumor em Humanos Gene Tumor Produto do Gene rb-1 Retinoblastoma; osteossarcoma; carcinoma Proteína que liga DNA, possível regulador de duto mamÆrio; carcinoma de pulmªo de transcriçªo p53 Astrocitoma; carcinoma de mama, cólon, Fator de transcriçªo (proteína que se liga a pulmªo e tireóide; osteossarcoma; e outros uma regiªo específica do DNA) WT-1 Tumor de Wilms, rabdomiossarcoma, Proteína que liga DNA, possível regulador carcinoma mamÆrio e de pulmªo; de transcriçªo hepatoblastoma DCC Carcinoma de cólon Receptor de superfície celular NF1 Neurofibroma tipo 1 Interage com proteína ras, induz hidrólise do GTP APC Carcinoma colorretal; polipose Proteína citoplasmÆtica adenomatosa familial FAP Carcinoma de cólon MEN-1 Tumores de paratireóide, pâncreas, hipófise e córtex adrenal MLM Melanoma familial S do ciclo celular. A ativaçªo da divisªo celular por fatores de crescimento nem sempre envolve estímulo na síntese de fatores de transcriçªo. Pro- teínas da família REL sªo expressas nas cØlulas em repouso e nªo estimulam a transcriçªo por- que se encontram inibidas por inibidores citoplas- mÆticos. O estímulo por fatores de crescimento leva à liberaçªo das proteínas REL dos seus ini- bidores com subseqüente translocaçªo para o nœcleo e ativaçªo da transcriçªo. GENES SUPRESSORES DE TUMOR Estudos com pacientes com câncer eviden- ciaram que, alØm dos proto-oncogenes, outro 129 ONCOGENES E GENES SUPRESSORES DE TUMOR Cap. 9 Fig. 9.7 Mutaçıes no proto-oncogene p53. tipo de gene estÆ envolvido no aparecimento e desenvolvimento de certos tipos de câncer. Es- ses genes, chamados de genes supressores de tumor, ou antioncogenes, atuam de maneira di- ferente dos oncogenes (Tabela 9.3). As proteí- nas codificadas pelos genes supressores de tumor estªo envolvidas na repressªo do crescimento e divisªo celulares. Portanto, perda ou mutaçªo nos antioncogenes pode levar ao crescimento des- controlado devido à remoçªo dos mecanismos que regulam a divisªo celular de maneira inibi- tória. Esse tipo de gene nªo faz parte da cadeia de sinalizaçªo que diz à cØlula para se dividir, e sim estÆ envolvido no bloqueio do crescimento e da divisªo celulares. Essas proteínas repressoras aparentemente devem ser inativadas antes que o câncer se desenvolva. Como seria esperado, mutaçıes em onco- genes que levam ao câncer sªo distintas das mutaçıes em genes supressores de tumor que levam aocâncer. Nos oncogenes, as mutaçıes ativam proteínas que promovem o crescimento descontrolado. Esse tipo de mutaçªo inclui uma mudança num œnico aminoÆcido que leva a uma forma alterada da proteína, multiplicaçªo do gene dentro do cromossomo para promover maior ati- vidade, ou alteraçªo das regiıes de controle do gene levando à perda de regulaçªo da sua ex- pressªo ou a uma regulaçªo errada. Essas mu- taçıes tŒm uma tendŒncia a serem dominantes; a presença de uma cópia normal do oncogene nªo consegue estabelecer a forma mutada ativa- da. Por exemplo, a translocaçªo do cromosso- mo 9,22 que leva à ativaçªo do gene abl causa leucemia, embora o gene abl normal permane- ça na outra cópia do cromossomo. Os vírus cau- sadores de tumor foram capazes de transformar cØlulas em cultura, muito embora essas cØlulas tivessem cópias normais dos proto-oncogenes. Entretanto, a perda da funçªo normal da proteína Ø necessÆria para os genes supressores de tumor promoverem câncer. Por essa razªo, mutaçıes em genes supressores tendem a ser recessivas; uma boa cópia do gene pode forne- cer a proteína ativa. Pode-se prever que indiví- duos que herdam uma cópia de uma mutaçªo recessiva tŒm maior probabilidade de desenvol- ver câncer durante suas vidas. O primeiro gene supressor de tumor identi- ficado foi o gene do retinoblastoma. Estudos de pacientes com retinoblastoma hereditÆrio mos- traram que uma cópia de um determinado gene estava inativada em todas as suas cØlulas e que ambas estavam inativadas nos tumores. Uma comparaçªo com outros pacientes cujo retino- blastoma nªo era hereditÆrio mostrou que o mesmo gene, agora denominado gene retinoblas- toma (rb) tambØm estava inativada nessas cØlu- las tumorais. Como a perda da funçªo de rb era, aparentemente, necessÆria para o desenvolvimen- to do tumor, concluiu-se que o produto do gene rb deveria suprimir o desenvolvimento do tumor. Os dados sugerem que o produto do gene rb bloqueia, por mecanismos ainda nªo esclareci- 130 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 9 nØticas em cØlulas cancerosas mostraram que mutaçıes em p53 estªo presentes nos mais dife- rentes tipos de câncer do que qualquer outra al- teraçªo genØtica relacionada ao câncer (Fig. 9.7). A proteína p53 Ø uma proteína nuclear que pa- rece estar envolvida com a regulaçªo da divisªo celular. Em cØlulas com p53 normal, a proteína p53 bloqueia a divisªo celular, aparentemente, atØ que o dano no DNA tenha sido reparado. Por outro lado, cØlulas com falta da p53 normal dividem, e a replicaçªo do DNA danificado leva a alteraçıes nas seqüŒncias de DNA dos cromos- somos das cØlulas-filhas. Assim, cØlulas com fal- ta da atividade da p53 aparentemente podem acumular mutaçıes a uma velocidade muito maior do que as cØlulas normais. Se uma dessas mutaçıes levar à ativaçªo de oncogene, o resul- tado pode ser câncer. AnÆlise genØtica de famílias com câncer hereditÆrio e de indivíduos com câncer estÆ levando a identificar loci nos cromossomos as- sociados com o desenvolvimento do câncer. Entretanto, o quadro genØtico da maioria dos cânceres atØ o presente nªo permite uma in- terpretaçªo clara dos dados. CICLINAS, ONCOGENES E GENES SUPRESSORES DE TUMOR A capacidade dos oncogenes em estimular a proliferaçªo celular e a dos genes supressores de tumor em inibir mostram que esses genes tŒm papØis-chave na regulaçªo do ciclo celular (ver Capítulo 8). A progressªo da cØlula atravØs do ciclo celular Ø governada por um complexo de proteínas quinases contendo subunidades regu- latórias denominadas ciclinas, e subunidades ca- talíticas denominadas quinases dependentes de Tabela 9.4 Oncogenes e Genes Supressores de Tumor Associados a Tumores Humanos que Codificam para Ciclinas Gene Tumor Mecanismo de Ativaçªo Ciclina A Carcinoma hepatocelular Inserçªo do vírus da hepatite B Ciclina D (ciclina G1) D11S28TE Adenoma benigno de paratireóide Rearranjo do DNA (11q13) PRAD 1 Tumores malignos de cØlula B Rearranjo do DNA (11q13) bcl1 Câncer de mama, esôfago e cØlula B Amplificaçªo dos, a expressªo dos genes que estimulam o cres- cimento celular. O gene rb codifica para uma proteína que regula outras proteínas que, por sua vez, estªo envolvidas com a transcriçªo do DNA. A perda da proteína Rb por deleçªo ou mutaçªo resultaria numa constante síntese de mRNA le- vando a um crescimento descontrolado. Os re- sultados sugerem que a atividade da proteína Rb deva ser regulada pela quinase p34. Sabemos atualmente que crianças com reti- noblastoma hereditÆrio herdam de seus pais uma cópia inativa do gene rb. Cada cØlula nos seus organismos tem somente uma cópia boa do gene rb. Nessas crianças, basta uma cØlula da retina sofrer uma mutaçªo na outra cópia do gene rb, para o tumor poder entªo se desenvolver. Em indivíduos geneticamente normais, uma œnica cØlula da retina teria que sofrer duas mutaçıes independentes para que ambas as cópias de rb fossem abolidas, o que apresenta uma baixa pro- babilidade de acontecer. Retinoblastoma Ø um câncer raro. A maioria dos casos ocorre em fa- mílias, que aparentemente transmitem o gene de- feituoso. Mutaçªo em um outro gene supressor de tu- mor, p53, estÆ associada com um câncer heredi- tÆrio diferente, que constitui a síndrome de Li-Fraumeni. Em geral, membros de famílias com essa síndrome desenvolvem em idade precoce, tumores mœltiplos de mama, cØrebro, ossos, leu- cemia e outros tecidos. Pacientes com síndrome de Li-Fraumeni herdam uma cópia defeituosa do gene p53, em que cada cØlula de seus organismos tem uma œnica cópia boa do gene. Aparentemen- te, inativaçªo dessa cópia boa em diferentes tipos celulares pode levar ao câncer. O gene p53 Ø tambØm importante em tumo- res nªo hereditÆrios. Estudos de alteraçıes ge- 131 ONCOGENES E GENES SUPRESSORES DE TUMOR Cap. 9 ciclina (cdk, cyclin dependent kinases). Algumas ciclinas estªo relacionadas com oncogenes e ge- nes supressores de tumor (Tabela 9.4). BIBLIOGRAFIA 1. Aitalo K, Schwab M. Oncogene amplification in tumor cells. 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