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1 CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO FAVENI APOSTILA CONTRATOS E PARCERIAS ADMINISTRATIVAS ESPIRITO SANTO INTRODUÇÃO http://www.jusbrasil.com.br/topicos/26413134/contrato-administrativo O contrato administrativo pode ser definido como um vínculo obrigacional em que uma das partes é a Administração Pública. É um caso peculiar de vinculação obrigacional (sendo, por isso, adjetivado), figurando a Administração em um dos polos da relação. A Administração Pública pode estar sujeita a uma vinculação obrigacional em relação a uma pessoa, um particular, surgindo aqui à questão do interesse público x interesse particular. Nesse ponto, torna-se relevante saber se a Administração, que tutela o interesse de toda a coletividade, pode estar sujeita, por uma relação obrigacional, a um particular. Assim, em que medida o interesse de todos pode estar submetido ao interesse de um particular com quem a Administração contratou? O estudo do contrato administrativo nos leva a pontos centrais e mais controvertidos do Direito Administrativo. Tais pontos são os limites da submissão do interesse público ao privado, de um lado, e os limites da subordinação dos interesses privados aos públicos, de outro. Ademais, discute-se o quanto o direito administrativo é um direito de derrogação de um direito comum. O direito administrativo, de certa forma, revisita os institutos do direito comum e os altera, parcialmente derrogando-os por regras de direito especial administrativo. Exemplo: A desapropriação nada mais é do que uma compra e venda sem a manifestação de vontade de uma das partes, no caso, o que figuraria como vendedor. E essa é uma diferença muito relevante da compra e venda do Direito Civil, o que acaba por descaracterizá-la. Podemos perceber que o tema do contrato administrativo acaba por trazer à tona a questão do limite entre Direito Administrativo e Direito Civil. O contrato administrativo é uma espécie contratual que não se submete aos cânones do direito civil obrigacional, mas sim aos da Lei 8666/931. Aplicam-se, porém, os princípios e conceitos da Teoria Geral dos Contratos. Outra questão que emerge é com relação aos limites da sujeição do interesse privado ao público, e vice-versa. De um lado, não se deve sacrificar em absoluto o interesse privado para atender ao interesse público. O direito protege os interesses privados. Por outro lado, não é possível sacrificar a satisfação do interesse da coletividade apenas por conta de um interesse particular. Outro aspecto importante diz respeito à convergência de interesses do Poder Público e do particular, que, embora sejam antagônicos em sua gênese, acabam por convergir a um resultado comum em determinadas situações. O particular age visando atingir suas pretensões lucrativas, enquanto a Administração tem o dever de buscar atingir interesses públicos. Exemplo: a desapropriação é um caso de sobreposição de interesses. Já o contrato de empreitada é um caso claro de convergência de interesses Uma quarta questão que surge é a seguinte: o que define o caráter especial do contrato administrativo? Basta ser um contrato em que a Administração Pública figure como parte? E, ainda, o que é a Administração Pública para fins de caracterização do contrato como contrato administrativo? Seriam equiparáveis, por exemplo, o Ministério da Defesa (órgão da Administração Direta), uma agência reguladora (autarquia) e a Petrobrás (empresa estatal de economia mista)? Quando o Ministério da Defesa compra caças, ele firma um contrato com o fornecedor, mas, mesmo o Ministério da Defesa sendo um ente que integra a Administração Pública, esse contrato não estará submetido à lei 8.666/93. O contrato não poderá ser rescindido unilateralmente pelo Brasil, por exemplo. A contratação para compra de bases para exploração de petróleo numa plataforma também não segue o disposto na Lei 8666/93, apesar da Petrobrás, como empresa estatal, fazer parte da Administração Pública. 1 Lei que regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal e institui normas para licitações e contratos da Administração Pública. Dessa forma, não basta que o ente contratante integre a estrutura da Administração Pública. Para a caracterização de um contrato como administrativo, o ente que contrata deve fazer parte da estrutura da Administração Pública, mas também é importante observar o objeto do contrato. Inúmeros contratos firmados pelo Poder Público não se submetem ao regime da Lei 8666/93, ou seja, não se submetem ao regime administrativo. O que ocorre é uma relativização do art. 2º, par. único da Lei 8.666/932. Por fim, é necessário verificar o tema do controle da atividade contratual da Administração, que é importante tanto no nascimento do contrato (processo de licitações públicas), quanto ao longo da execução, seja para impedir alterações que desnaturem as premissas estabelecidas na licitação, seja para verificar se o contrato atingiu os seus objetivos. Sintetizando: o contrato Administrativo é uma norma contratual que obriga a Administração Pública, nos seus termos. É peculiar pela incidência de normas legais que determinam procedimentos e prerrogativas próprios para sua gênese, formação, execução e extinção. Ou seja, obriga as partes, mas possui procedimentos e prerrogativas específicas. Essa concepção ampla nos permite entender que o contrato administrativo é um contrato que não se caracteriza como sendo regido pelo regime jurídico único da Lei 8666/93. Embora exista um regime jurídico do direito administrativo previsto na Lei 8.666/93, que disciplina a grande maioria dos contratos administrativos, existem outros contratos que são submetidos a regras legais específicas, sem serem os contratos de direito comum. Ou seja, o regime da Lei 8666/93 admite exceções. Por isso, alguns contratos, sem serem de direito comum, são um pouco diferentes dos contratos de regime administrativo, como os contratos celebrados pela Petrobrás, por exemplo. 2 “Art. 2o (...) Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada. ” CONTROVÉRSIA SOBRE A EXISTÊNCIA DO CONTRATO ADMINISTRATIVO http://pt-br.mundopublico.wikia.com/wiki/Controle_Judicial A doutrina da inexistência Embora, na prática, o conceito de contrato administrativo seja muito usado, sua existência como categoria jurídica não é pacífica na doutrina. Esse debate doutrinário nos remete ao séc. XIX, no momento do nascimento definitivo do Direito Administrativo como ramo jurídico. Autores alemães enxergaram no contrato administrativo um instituto contraditório, considerando não haver sentido a construção de tal categoria no ramo específico do Direito Administrativo. Entretanto, no direito francês, espanhol e português, prevaleceu o contrário. Mas atualmente ainda temos autores que consideram o termo contrato administrativo contraditório, pelo fato do substantivo “contrato” ser substancialmente contraditório ao adjetivo “administrativo”. De acordo com a Teoria Geral dos Contratos, são elementos de um contrato: 1. Partes livres e capazes; 2. Que as partes possam dispor livrementesobre a sua vontade (autonomia da vontade); 3. Objeto lícito, admitido pelo direito; 4. Vinculação das partes ao pactuado (pacta sunt servanda). Analisando tais elementos de um contrato de Direito Privado, os autores do final do séc. XIX, afirmaram que a presença de nenhum deles é possível em um contrato em que a Administração Pública seja parte. Tais autores têm uma visão muito marcada pela relação de poder envolvendo o soberano e os seus súditos, o que é compreensível se ponderarmos que o Direito Administrativo nasce em um momento de enfraquecimento do ideário absolutista. 1. Partes (i) Primeiro, ao analisarem as partes, tais autores colocam que o administrador não é livre para pactuar, porque tem todos os seus atos delimitados pela lei, que lhe outorga as atividades. (ii) Em segundo lugar, para que ele pactue, ele possui todo um regime legal que disciplina o que e como ele pode contratar. (iii) Em terceiro lugar, a “vontade” da Administração tem caráter impositivo, e o veículo para a sua manifestação é sempre um ato administrativo, que é unilateral. Para a Administração, não há necessidade de negociar, já que não se depende do consentimento (mandato de autoridade). (iv) Em quarto lugar, as partes não seriam iguais, pois o pressuposto da relação entre Administração e particular é o pressuposto da desigualdade, decorrente da autoridade da primeira. Não haveria a igualdade típica da relação contratual da teoria geral. Se não há igualdade e partes livres para pactuar, já haveria aqui uma contradição com a ideia de contrato. 2. Autonomia da vontade A Administração não teria autonomia, já que não haveria como se falar em vontade de um administrador que exerce uma função pública. O administrador realiza atos visando concretizar a vontade da lei, e a concretização da vontade da lei jamais poderia ser possível através de um instrumento bilateral negocial. A materialização da vontade da lei deve se dar por meio de atos. A Administração jamais poderia abdicar da sua autoridade, sendo a mera vinculação a uma norma contratual considerada uma capitis diminutio. O administrador deve sempre se subordinar à norma legal, não fazendo sentido dela abdicar para se vincular a uma norma contratual, cuja característica é subordinar A em relação a B, e vice-versa. Eles não se vinculam a uma norma impessoal com efeitos gerais. Trata-se da impossibilidade de a Administração Pública, representante do todo legal, subordinar-se a uma norma particular, uma parte desse todo legal. Portanto, não faria sentido adjetivar um contrato como administrativo, pois se o for, não será contrato, e se for contrato, não será administrativo. 3. Objeto Como para a Administração só interessaria firmar um contrato se fosse para atingir uma função pública, que é coisa fora do comércio, o objeto de tal contrato seria ilícito, um caso de res extracommercium. A prestação de uma função pública não seria um objeto lícito e negociável, pois seria algo de interesse de todos, não podendo ser passível de se subordinar aos interesses comuns de alguns particulares. 4. Pacta sunt servanda É inadmissível que a Administração se veja obrigada ao que contratou quando o interesse público, aferido no caso concreto, restar prejudicado, o que a obrigaria a despactuar ou alterar o pactuado com determinado particular. O interesse público, do qual a Administração Pública é representante, não pode ficar subordinado ao que foi pactuado com o particular. Então, a Administração não deve se submeter ao pacta sunt servanda, e se não há esse pacto, não há contrato, de acordo com a Teoria Geral dos Contratos. Poderia ser até considerado como uma declaração de boas intenções, mas nunca um contrato. Concluindo, para tais autores o instituto dos contratos administrativos não existe. O que ocorre é um negócio jurídico de caráter não-contratual entre a Administração e o particular que com ela pactua. No Brasil, destacou-se como adepto dessa linha crítica dos contratos administrativas o jurista Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (década de 40). Ele considerava que o instituto chamado de contrato administrativo era, na verdade, um ato jurídico bilateral. Hoje, temos como importante representante dessa linha o administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello, que considera que a figura do contrato administrativo é peculiar e impropriamente chamada de contrato, pois a parcela relevante do instituto não tem natureza contratual por ser marcadamente unilateral. Entretanto, essa linha crítica não prosperou. Uma outra linha doutrinária, basicamente francesa, acabou por criar um raciocínio que embasa a existência do contrato administrativo equacionando a dialética entre os interesses públicos e privados, conforme analisaremos abaixo. A doutrina da existência Como já foi pontuado, a linha doutrinária que construiu o raciocínio que embasou a existência dos contratos administrativos é basicamente francesa, tendo como expoente Duguit. De acordo com a teoria desenvolvida por Leon Duguit, os contratos administrativos seriam instrumentos dupla face, híbridos. Esta característica híbrida se deveria ao fato de o contrato administrativo possuir dois núcleos. O primeiro seria o núcleo contratual, negocial propriamente dito, no qual há a abertura para as partes negociarem, com a pactuação de obrigações recíprocas e submissão ao pactuado. É o âmago econômico do contrato, vinculante e imutável. Já o segundo seria o núcleo regulamentar, sendo este marcado pela unilateralidade, já que a Administração tem o dever de zelar pelos interesses da coletividade. A partir do momento em que a Administração pactua com o particular o conteúdo econômico do contrato, ela passa a estar vinculada a esse contrato, e o particular passa a contar com um direito subjetivo (de receber conforme o combinado, por exemplo). Isso não impede que a Administração determine unilateralmente mudanças (exemplo: mudar o prazo de entrega). Porém, como existe um núcleo contratual, o administrador terá que repor os custos ou os prejuízos que as mudanças impostas unilateralmente vierem a causar para o particular. De acordo com a visão trazida por Duguit, podemos entender que o contrato administrativo é uma espécie do gênero “contrato”, que se diferencia, se peculiariza por uma série de características jurídicas que advêm do fato de que uma das partes é a Administração Pública e o objeto do contrato se caracteriza por ser uma função pública. O objeto é marcado por cláusulas exorbitantes, que conferem à Administração Pública uma posição superior, uma relação de verticalidade. Contudo, o contrato não deixa de ser contrato na medida em que claramente existe um núcleo de pactuação recíproca exigível, que confere ao particular um direito subjetivo de exigência do núcleo econômico acordado. Essa natureza peculiar, que Duguit chama de híbrida, claramente, faz com que o contrato tenha características próprias na gênese, na formação, na execução e na extinção, que serão estudadas. Haverá traços distintivos e característicos. Para concluir, devemos ressaltar que essa formulação do contrato administrativo, pertencente ao século passado, que configurou o regime jurídico do contrato administrativo, de certa forma acabou por se aproximar do contrato do direito civil quando este passou a se submeter, também, a regras derrogatórias da liberdade do pacto. Exemplo: o contrato de consumo, que passou a conter limitações à liberdade de contratar. O próprio Código Civil prevê a função social do contrato como limite à liberdadede contratar. O que era impeditivo da existência de um contrato administrativo é claramente admitido no próprio âmbito dos contratos do direito civil. Aquela crítica mais radical, que sustentava a inexistência dos contratos administrativos, não teria como se sustentar nos dias de hoje, uma vez que a atual teoria geral dos contratos do direito civil tem relativizado os seus próprios elementos clássicos. Sintetizando: o direito civil assiste a uma publicização do contrato privado, e o direito administrativo assiste a uma privatização do contrato administrativo. AFIRMAÇÃO DA NOÇÃO DE CONTRATO ADMINISTRATIVO https://preuss.ucsd.edu/current-students/ A crítica à noção de Contratos Administrativos é embasada em dois pilares: 1. Concepção radicalmente civilista e autonomista do contrato, que defende a impossibilidade de aplicação de regras de ordem pública no âmbito contratual, considerado como eminentemente privado. É um liberalismo contratual radical. Mesmo no âmbito do Direito Civil, essa ideia se encontra superada, sendo que são facilmente aceitas cláusulas de ordem pública derrogatórias do direito comum, como as que limitam o princípio do pacta sunt servanda. 2. Concepção fortemente autoritária da Administração Pública, no sentido de que a Administração se caracteriza precipuamente pelo exercício da autoridade. De acordo com essa concepção, havendo qualquer manifestação da Administração, o poder manifestado é suficiente para afastar qualquer incidência de Direito Privado. Aqui, considera-se que nenhuma relação entre Administração e particular pode ser horizontal, havendo sempre inafastáveis prerrogativas da primeira. Pela relação estabelecida ser sempre uma relação vertical, o contrato seria uma “contraditio in adjeto”, pois, não sendo possível uma relação horizontal, não seria possível o contrato. Então, de acordo com as concepções acima explanadas, haveria apenas uma forma de relação entre o particular e a Administração: a sujeição via autoridade, ampla, abstrata e geral, não sendo possível que particular e Administração estabelecessem contratos entre si. A Administração estaria sempre em uma posição supraordenada aos particulares, em uma relação de poder e sujeição. Entretanto, isso não é de todo verdadeiro. É possível que o particular se submeta a Administração pelo simples fato de pertencer a uma comunidade política. Uma pessoa que caminha na rua está, de alguma forma, se submetendo à autoridade estatal. A pessoa deve, por exemplo, se submeter à autoridade policial. Nesse caso, a pessoa está sujeita a autoridade estatal independente de qualquer relação particular. Também podemos ressaltar casos de uma relação jurídico-subjetiva entre o particular e a Administração, na qual uma das partes se manifesta no sentido de atingir certo resultado, e que pode gerar uma situação de sujeição que não se caracteriza por ser geral e abstrata. É o caso de alguém que realiza algum concurso público. Esta pessoa também se submete à autoridade da Administração, sendo que esta é quem vai corrigir o concurso, por exemplo. Mas esta sujeição se caracteriza pelo travamento de uma relação jurídica subjetiva (estatutária), não sendo uma sujeição geral e abstrata. A questão a ser levantada aqui é que a construção da ideia de contrato administrativo não exclui a sujeição do contrato privado a alguma incidência de desigualdade, mas não necessariamente se estabelece numa relação absolutamente vertical entre autoridade e sujeito. Não se pode, de forma alguma, entender o contrato administrativo como privado, mas, por outro lado, é importante entender que o contratante (particular) manifestou a vontade de se submeter àquele contrato, que contém cláusulas exorbitantes derrogatórias do direito comum. Elas podem estar explícitas (expressas no contrato) ou implícitas (fazendo parte de um regime legal dos contratos administrativos que contempla essa possibilidade). Assim, o contrato administrativo contém, em si, uma permanente dualidade: Ao mesmo tempo em que tem uma (i) proteção típica dos contratos, ou seja, um âmago de pactuação que deve ser respeitado pelo particular e pela Administração, também tem uma (ii) parcela de dispositivos que desequilibram as prerrogativas e colocam as partes em diferentes patamares, em favor da Administração, que trava o contrato com vistas a alcançar uma finalidade pública, o que pode justificar, em concreto, alterações, sujeições e até mesmo a extinção do vínculo contratual quando isso se fizer necessário para o atendimento do interesse público. Consolidação do contrato administrativo nos ordenamentos jurídicos estatais A consolidação da ideia de contrato administrativo está muito ligada a uma mudança conceitual que ocorre no início do século passado em torno da ideia que demarca a própria existência do Direito Administrativo. Nessa passagem o instrumento contratual se afirmar como um conceito nuclear do Direito Administrativo. A passagem ocorre na França, com uma mudança de eixo no que define o Direito Administrativo e a Administração. Até então, a esfera da Administração era a esfera da autoridade, representando o poder de imposição da autoridade estatal sobre os particulares. Nas primeiras décadas do séc. XX, afirma-se outra linha de entendimento, que trabalhava com a ideia de prestação. A Administração existe para servir aos interesses da coletividade como um todo e individualmente, sendo que as prerrogativas da Administração existem na medida em que servem para atender aos interesses coletivos. É a “escola do serviço público”, capitaneada por Léon Duguit. O novo entendimento firmado pela “escola do serviço público” revelou-se muito importante para a consolidação da ideia de contratos administrativos. Esse novo entendimento acabou por demonstrar que a existência da Administração Pública e de regras especiais que a regem se justifica não por causa da autoridade, mas por causa da necessidade de serem criadas condições especiais para a Administração poder prestar aos cidadãos o que eles necessitam. Ou seja, o que justifica o poder exercido pela Administração não é a autoridade, mas a sua função de atender aos interesses coletivos. E para que a Administração consiga atender os interesses coletivos, é necessário que ela tenha em mãos instrumentos que tornem isso possível. Então, se é necessário o provimento de um serviço público que a Administração não possa prestar unilateralmente e que demanda o concurso de particulares, será necessária a contribuição do particular para que ela preste o serviço. O instrumento contratual passa a ser possível e, mais ainda, necessário para que o Estado consiga atender às necessidades da sociedade. Por causa desse entendimento, os primeiros contratos administrativos aceitos na França são os de concessão de serviço público, entendendo-se como serviço público todas as atividades que o Estado deveria prover tendo em vista o interesse público. Exemplo: rede de esgoto, serviço de água potável. Nesse ponto, o conceito de contrato administrativo se consolida. Os contratos administrativos são marcados por um regime dual. De um lado, possui características próprias da teoria geral dos contratos, o que poderíamos chamar de parcela privada do contrato administrativo: 1) Existência de um acordo de vontades, ainda que seja travado por um procedimento de direito público, a licitação. A Administração diz o que e como pretende pactuar e o indivíduo manifesta o interesse de contratar, demonstrando a sua expectativa econômica;2) Criação de um vínculo jurídico entre Administração e particular. O particular não é obrigado a contratar, mas uma vez acordadas as vontades, o contrato obriga ao particular (quanto à prestação) e à Administração (quanto ao conteúdo econômico). Essa proteção é tão importante que tem, inclusive, assento constitucional no direito brasileiro (art. 37, XXI/CF3); 3) Estabelecimento de obrigações recíprocas. Fixa-se um vínculo jurídico de obrigações de parte a parte: uma das partes se obriga a prestar algo (particular), enquanto a outra se obriga a pagá-la (Administração). 3 Art. 37, XXI, CF - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. Por outro lado, possui características que advém do regime jurídico especial do contrato administrativo, o que poderíamos chamar de parcela pública ou administrativa do contrato: 1) Autonomia relativa da vontade. Na medida em que a Administração é condicionada pela finalidade pública a qual está vinculada e pelo fato de que é necessária a observância do processo licitatório, que limita a margem de manifestação autônoma de vontade da Administração, seja para dotar de moralidade e rigor a contratação, seja para assegurar condições isonômicas de concorrência aos futuros contratantes; 2) Alterabilidade unilateral de seus termos. O contrato administrativo tem por pressuposto a sua modificação, a sua alteração por ato unilateral da Administração Pública enquanto parte contratante. Isso significa que há a possibilidade de modificação do contrato sem necessidade de que o particular concorde com essa modificação. Ao mesmo tempo em que essa característica constitui o regime administrativo, por outro lado o regime do contrato administrativo impõe uma redução, uma limitação à alterabilidade consensual. Assim, em um contrato entre particulares, em regra, não se tem a modificação unilateral dos termos, mas é possível realizar, bilateralmente, qualquer tipo de repactuação. Já em um contrato administrativo não existe a possibilidade ilimitada de alteração bilateral, por conta de uma garantia contra a adulteração do que foi originalmente contratado (em nome da isonomia e do respeito ao processo licitatório); 3) Prerrogativas para extinguir unilateralmente o contrato. Quando o contrato não servir mais ao interesse público, há a possibilidade de extinção antecipada por ato da Administração. Isso não apenas nas circunstâncias em que o particular tiver dado causa à extinção (extinção sancionatória), mas também quando razões supervenientes tenham tornado o contrato contrário ao interesse público; 4) Regime de proteção especial à parte privada. É um contraponto às prerrogativas da Administração, pois, embora o particular contratado possa ficar vulnerável por conta dessas prerrogativas, há uma proteção reforçada ao interesse patrimonial. O regime jurídico dos contratos administrativos protege amplamente os interesses econômicos do particular, não só em face da autoridade da Administração (parcela resguardada na relação negocial), como também traz uma proteção exorbitante, de modo que o ente público assume os riscos decorrentes do advento de fatores imprevisíveis que afetem a perspectiva econômica do particular contratado. Pode-se dizer até que um contrato administrativo típico é um seguro automático do particular contra as vicissitudes da contratação, com a Administração assumindo o risco pela ocorrência de fatores inesperados e imprevisíveis que afetem o parcial ou total cumprimento da obrigação. Esse regime de proteção especial à parte privada decorre tanto da Constituição e da lei de contrato administrativos como também de uma lógica econômica: ao assumir os riscos, a Administração faz com que o particular não aumente o preço por conta do custo de assunção desses riscos. Se nada ocorrer, a Administração gastou menos, e se ocorrer o evento, a Administração divide por toda coletividade o custo gerado pelo sinistro. O contrato administrativo se caracteriza por uma parcela chamada de “cláusulas de serviço”, marcadas pelo poder exorbitante da Administração, e por outra parcela que pode ser denominada de “cláusulas econômicas”, marcadas pela proteção ao particular. Dessa forma, o contrato administrativo terá a característica de conter, implícita ou explicitamente, cláusulas que contemplam prerrogativas e garantias que não são encontradas no contrato privado. O contrato administrativo no Direito Positivo Doutrinariamente aceita a ideia de contrato administrativo, o direito positivo passou a contemplá-la. No direito brasileiro temos a Lei 8666/93, que rege os institutos das licitações públicas e dos contratos administrativos. A definição de contrato administrativo se encontra no art. 2º, § único, desta lei. De acordo com este dispositivo, considera-se contrato “todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada”. Da leitura do dispositivo, podemos entender que a definição do que é contrato engloba vários elementos: a) “Todo e qualquer ajuste”: qualquer ajuste é abarcado pela lei, qualquer relação bilateral de ordem negocial; b) “Entre órgãos ou entidades da Administração Pública”: a intenção é englobar todas as entidades de Administração, mesmo aquelas de direito privado que exploram atividade econômica; c) “Acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas”: deve haver acordo de vontades (o que exclui a desapropriação, por exemplo) e obrigações recíprocas, ou seja, deve haver um caráter contraprestacional, sinalagmático entre as obrigações. http://www.st-anthony-cyo.cc/Forms.htm Atualmente, estamos vivendo o fenômeno da “contratualidade administrativa”: cada vez mais a Administração recorre a contratos, entendidos como acordos bilaterais que vinculam as partes e contemplam obrigações recíprocas, para o exercício das mais variadas funções. E esse fenômeno nos coloca diante de duas questões: a) Qual o tipo de contrato que a Administração pode celebrar com os particulares? No exercício de qual função ela pode recorrer ao instrumento contratual? b) Até que limite a Administração pode ficar obrigada por esse contrato? Quando a existência do contrato administrativo começou a ser defendida pela escola do serviço público, o primeiro contrato a ser amplamente estudado foi o contrato de concessão de serviço público. No início, a concessão consistia unicamente na outorga de privilégio a nobres por ato unilateral do soberano. Era ato unilateral incondicionado, que concedia o privilégio e poderia ser resgatado a qualquer tempo. Com o passar do tempo, a concessão foi se transfigurando e assumiu um caráter contratual, seja para garantir a permanência da concessão, mesmo com a alteração da vontade do soberano, seja para alterar a obrigação. Atualmente, os contratos de concessão possuem um conteúdo bastante complexo. Não são apenas estipuladas as garantias e as obrigaçõesdo concessionário, como também as obrigações desse particular em relação aos tomadores de serviço, em relação aos concorrentes, etc. Isso gera uma maior complexidade das normas do regime contratual, que traz mais obrigações, que vão além do mero respeito ao tempo de concessão. Nesse ponto, nos deparamos com duas questões: qual a limitação de objetos daquilo que pode ser concedido? O que a Administração pode delegar para o particular, ou seja, qual o âmbito de incidência? Em segundo lugar, em que grau ela se vincula apenas à norma contratual e não apenas à norma que regula os contratos administrativos? A Administração pública está submetida a fazer apenas o que a lei autoriza. Porém, isso só serve quando a lei é clara e precisa e, geralmente, a lei é lacunosa, não específica, o que dificulta saber até onde vão os direitos e faculdades do Estado, o que acaba por dificultar a ação do administrador. Quando a lei endereça um comando, sem especificar como esse comando deve ser atendido, surge para o Estado a obrigação de se organizar para atendê-lo. Contudo, o Estado e a Administração Pública são ficções jurídicas. Para poder atuar, o Estado deve contar com pessoas que podem concretizar a vontade da lei: ou ele se socorre de pessoas físicas permanentemente vinculadas, os funcionários públicos, ou ele se socorre de particulares organizados em empresas. Sem uma ou outra forma, é impossível para o Estado atender às necessidades coletivas. Quando a lei proíbe a contratação de particulares para uma dada atividade, o contrato é nulo e não gera maiores problemas. Da mesma maneira, se o contrato é prévia e expressamente autorizado pela lei, também não haverá problemas, e o contrato será plenamente admitido. O problema existirá quando a lei é aberta e prevê obrigações do Estado sem explicitamente vedar ou autorizar que essa finalidade seja viabilizada com o concurso de um particular para tanto contratado. Aqui surge uma incerteza quanto à legalidade do contrato administrativo em razão da não previsão em lei do serviço como objeto de contrato administrativo. Um exemplo: seria possível conceder ao particular o serviço de manutenção de um presídio? Esse fenômeno é tanto mais presente quanto mais se assiste ao concurso de particulares para a atuação na concretização de interesses públicos. Isso se revela não só para particulares que o fazem por uma perspectiva econômica, como também para o recurso, pela Administração, a instrumentos contratuais. Em todos os campos da atuação administrativa, o advento da contratualidade é presente. As quatro funções administrativas clássicas são o poder de polícia, o fomento, a intervenção na economia e o serviço público. A regulação é colocada por alguns autores. Em todas essas funções da Administração se manifesta a contratualidade. Nos serviços públicos, cada vez mais a Administração usa o instrumento contratual para ter o concurso de particulares viabilizando o fornecimento do serviço público. No tocante ao poder de polícia, avultam os termos de ajuste de conduta, que nada mais são do que a estipulação contratual de obrigações para o cumprimento de condutas fiscalizadas pelo poder de polícia e, eventualmente, de alguma forma de reparação dos danos. Não se submetem à lei 8666/93, mas manifesta a atuação contratual. Na intervenção na economia, o instrumento clássico era estrutural (criação por lei de uma empresa estatal), mas cada vez mais se assiste a formação de vínculos contratuais para a atuação direta do Estado na economia, como, por exemplo, na formação de consórcios privados, joint ventures, parcerias institucionais com sociedades privadas, todas envolvendo empresas estatais. Na atividade de fomento, o mesmo se verifica, por exemplo, na lei de inovação, que cria ou procura fomentar a atividade científica, prevendo mecanismos altamente sofisticados de contratualização entre a universidade pública e a empresa interessada na pesquisa. Por fim, mesmo no campo da regulação, é um instrumento dominante. Mesmo entre entes jurídico-políticos da Administração, a contratualidade está presente (Exemplo: convênios, contratos de programa e parcerias públicas). REGIME JURÍDICO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS O regime jurídico da Lei 8666/93 é bastante amplo e busca reger quase todas as contratações em que a Administração seja parte. Mas também existem contratos em que a Administração figura como parte que se aproximam mais dos contratos de Direito Privado. Por pretender ser único e aplicável a toda contratação em que a Administração apareça como parte, o regime da Lei 8666/93 gera dois problemas: Primeiro, pela lei já conter as regras aplicáveis às contratações das quais a Administração faça parte, passa-se a falsa impressão de que nos contratos administrativos não existe margem para a estipulação de normas no contrato. De acordo com a Teoria Geral do Direito, de Hans Kelsen, o conjunto normativo se organiza em uma estrutura hierárquica harmônica de norma: 1) Norma fundamental 2) Norma constitucional 3) Norma legal 4) Norma contratual Como podemos perceber, nessa estrutura, a norma legal prevalece em relação à norma contratual. No Direito Civil, pela norma legal ser muito aberta, há espaço para a normatividade contratual. Já no Direito Administrativo, pela lei derrogar, em abstrato, a vontade das partes, há a tendência de se considerar que não há espaço para a normatividade contratual, pois, se as partes acordarem algo que não seja abarcado pela lei, o acordado será derrogado. Por isso, fala-se no âmbito dos contratos administrativos de uma “clausulabilidade obrigatória”. A ideia é que, já que o contrato administrativo já possui uma lei que o regule, não é necessário esmiuçar cláusula por cláusula ou, até, estabelecer cláusulas muito específicas. Para que estabelecer sanções contratuais, por exemplo, se isso já está previsto pela Lei 8666/93? Entretanto, apesar da Lei 8666/93 conferir prerrogativas à Administração, não significa que elas não possam ser disciplinadas mais detalhadamente no contrato administrativo. A consequência do estabelecimento de uma lei para reger os contratos administrativos é delimitar o âmbito de normatividade contratual, não cercear absolutamente o campo da normatividade contratual. Mesmo assim, acabam por prevalecer na prática administrativa contratos meramente remissivos, que apenas fazem menção a algum artigo da Lei 8666/93, ou os transcrevem literalmente. O que não se leva em conta na prática é que a lei pode até conter diretrizes genéricas, mas não detalha nada. O fato de a lei atribuir certas prerrogativas à Administração não significa que esses termos não possam ser tratados em âmbito contratual. Segundo, o regime único apresenta uma única solução para uma série muito distinta de espécies contratuais em que a Administração é parte. Em outros ordenamentos, as leis de contratos administrativos, além de disciplinarem o núcleo duro, também preveem alguns tipos de contratos administrativos em espécie, com regras específicas para contratos específicos. Já no regime jurídico brasileiro, a Lei 8666/93 rege todos os contratos administrativos. E rege tais contratos a partir do contrato mais comum, que é o contrato de obras públicas, o que, por certo, acarreta distorções na prática contratual. O art. 2º, parágrafo único, da Lei 8.666/934, afirma que a lei aplica-se a qualquer ajuste formulado entre órgãos ou entidades da Administração e particulares, qualquer que seja a denominação que tal ajuste receba. Da leitura do artigo citado, se infere que, se houver acordode obrigações recíprocas envolvendo a Administração, será aplicado um monobloco de regras genéricas, o que certamente levará a muitas distorções. A partir dessa dificuldade, a doutrina começou a se deparar com alguns ajustes que não se moldam com a figura do contrato administrativo disciplinada pela Lei 8.666/93. E alguns desses contratos acabaram por criar leis específicas, derrogatórias da Lei 8.666/93. Exemplos: Lei dos contratos de concessão de serviço público (Lei 8987/95); Lei de contratos de gestão firmados com as organizações sociais (Lei 9.637/98); Lei das Parcerias Público-Privadas (Lei 11.079/04). Nos casos exemplificados acima, o próprio legislador considerou que existiam contratos que, apesar de terem como parte a Administração, exigiam um regime diferente do regime geral da lei 8.666/93. E também existem outros contratos que não se submetem ao regime geral, não por vontade do legislador, mas sim por construção doutrinária (Odete Medauar e Eros Grau). Exemplos: Contratos de natureza estatutária (constituição de sociedades; Lei das SA ou do Código Civil). Contratos de comunhão ou de natureza convenial. Tais contratos não estipulam obrigações contraprestacionais, no sentido de que uma das partes presta uma obrigação contraposta à obrigação da outra parte. São contratos regidos pelo princípio da cooperação, podendo ser chamados 4 Art. 2º (...) Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada. de contratos de colaboração ou de escopo. Exemplo: convênio para a recuperação de um prédio histórico, envolvendo soma de esforços, sem prestação e contraprestação. Contratos de permissão, que se caracterizam pelo uso de bens públicos de forma privativa por um particular. Em tais contratos falta o elemento da contraprestação. Não tem natureza de contrato administrativo, haja vista faltar o elemento da relação obrigacional recíproca. Portanto, embora da leitura do parágrafo único do art. 2º da Lei 8666/93 possa se inferir que sobre todos os contratos celebrados pela Administração incide o regime legal dos contratos administrativos, existem contratos fora do regime, seja por ser tal contrato disciplinado em lei específica, seja por conta de construções doutrinárias. Análise da Lei 8666/93 http://www.tce.se.gov.br/sitev2/conteudo.ler.php?id=1919 O art. 545, caput, da Lei 8666/93 dispõe que os contratos administrativos tratados naquele corpo normativo “regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito 5 Art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado. § 1o Os contratos devem estabelecer com clareza e precisão as condições para sua execução, expressas em cláusulas que definam os direitos, obrigações e responsabilidades das partes, em conformidade com os termos da licitação e da proposta a que se vinculam. público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado”. Na redação de tal artigo, o legislador utilizou as expressões “contratos administrativos” e “de que trata essa lei”. Confrontando o art. 54 com o art. 2º da mesma lei, embora se possa interpretar no sentido de que os dois artigos se completam por redundância, podemos entender que o art. 54 se volta para o sentido de que é possível haver contratos administrativos que não se submetam à lei 8.666/93. A partir dessa conclusão, podemos, primeiramente, observar que a existência de contratos administrativos que não se submetem à Lei 8666/93, atualmente, ocorre de forma natural, pela presença de leis específicas que regem contratos administrativos específicos. Em segundo lugar, o art. 54 acaba por finalizar a discussão do contrato administrativo como espécie do gênero “contrato”, já que em sua redação o legislador reconhece que é possível aplicar os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado. Um terceiro ponto a ser ressaltado é que o art. 54 consolida a existência de uma normatividade no contrato, que não se resume a simples remissões à lei geral. É firmada a ideia de que o contrato administrativo é fonte de normatividade infralegal, que cria lei entre as partes. Apesar de dever estar moldado ao regime da Lei 8.666/93 e também às disposições do regime público, pode trazer regras específicas disciplinadoras do regime contratual. Uma quarta questão que deve ser objeto de análise diz respeito à previsão, no art. 54, de aplicação supletiva de princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado. Como já foi apontado acima, essa disposição coloca o contrato administrativo como gênero da espécie “contratos”. Então, o contrato administrativo por ser espécie do gênero “contrato”, deve, naquilo que não for expressamente afastado, seguir as regras e princípios da teoria geral dos contratos. Os contratos administrativos seguem um regime especial, que os particulariza dentro do regime da teoria geral dos contratos. Deste regime especial, vamos destacar as seguintes características: § 2o Os contratos decorrentes de dispensa ou de inexigibilidade de licitação devem atender aos termos do ato que os autorizou e da respectiva proposta. a) Autonomia relativa da vontade Dentro desse regime especial que rege os contratos administrativos e que os diferencia do regime geral dos contratos do Direito Privado, a autonomia da vontade não é absoluta. No Direito Privado, particulares podem, em tese, contratar tudo, desde que o objeto seja lícito. As dimensões do que, como, quando e com quem contratar são praticamente absolutas em um contrato entre partes privadas, regido pelo Direito Privado. Entretanto, essas dimensões são relativizadas quando uma das partes do contrato é a Administração Pública. Em primeiro lugar, vamos analisar as limitações impostas à vontade no que diz respeito ao o que contratar e ao como contratar: Limitação finalística: a Administração só pode contratar objetos que sejam condizentes a uma finalidade de interesse público. Ainda que todas as formalidades e exigências de contratação sejam cumpridas, o contrato pode estar sujeito à anulação quando o objeto não for compatível com o interesse público; Limitação orçamentária: a Administração deve ter recursos reservados previamente na dotação orçamentária6, para fazer frente às obrigações contratuais. Deve haver uma autorização legal que estipule a possibilidade de contrair obrigações de pagamento em relação ao objeto; Limitação fiscal: estão na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000) ou na Lei de Orçamento (Lei 4320/64), que disciplinam as obrigações financeiras da Administração. Exemplo: o art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal7; 6 É o limite de crédito consignado na lei de orçamento ou crédito adicional, para atender determinadas despesas de uma unidade orçamentária, sendo está um segmento da administração direta ou indireta a que o orçamentoda União consigna dotações orçamentárias especificas para a realização de seus programas de trabalho e sobre os quais exerce o poder de disposição. 7 “Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito. Limitação procedimental: dizem respeito a todas as normas de procedimento (além das previstas na Lei 8.666/93) que a Administração Pública deve realizar com vistas a uma contratação administrativa. Exemplo: audiência pública ou normas sobre publicidade. Em relação ao quem contratar, existem limitações subjetivas impostas à Administração. Tais limitações são praticamente uma decorrência da limitação procedimental exposta acima. A Administração não tem uma autonomia plena para escolher com quem vai contratar. Em regra, a Administração só pode contratar após um processo licitatório. Do processo licitatório surge uma vinculação da Administração a quem contratar, porque ela só pode contratar aquele que resultar vencedor no processo licitatório, sob pena de nulidade do contrato (art. 50 da lei 8.666/938). É uma limitação subjetiva porque não pode ser escolhida qualquer pessoa e porque, uma vez concretizado o processo licitatório, se houver contratação9, deverá ser contratado aquele que ganhou o processo licitatório. Todavia, podem existir situações em que a Administração pode contratar independentemente de licitação. São os casos de dispensa e de inexigibilidade10 de licitação. Mas, mesmo nesses casos, pode ocorrer situações em que perdura uma limitação subjetiva. Há situações em que a Administração tem uma discricionariedade na escolha do contratado, em qualquer das duas hipóteses (dispensa e inexigibilidade), como no caso de contratação para atender a uma situação de emergência ou de um serviço específico de um profissional de notória capacidade. Por fim, também existe uma limitação da autonomia da vontade quanto às regras que irão compor o contrato, na medida em que a lei dita normas que deverão estar presentes. É uma limitação quanto à determinação do plexo de cláusulas Parágrafo único. Na determinação da disponibilidade de caixa serão considerados os encargos e despesas compromissadas a pagar até o final do exercício. ” 8 “Art. 50. A Administração não poderá celebrar o contrato com preterição da ordem de classificação das propostas ou com terceiros estranhos ao procedimento licitatório, sob pena de nulidade. ” 9 Ainda que o vencedor da licitação possua direito subjetivo à contratação, isso não implica necessariamente que a Administração esteja obrigada a contratar aquele objeto. Se o fizer, deverá contratar aquele que venceu a licitação, mas nada impede que por meio de um juízo de conveniência e oportunidade o órgão público desista de adquirir o referido objeto. 10 As hipóteses de dispensa e inexigibilidade se encontram previstas, respectivamente, nos artigos 24 e 25 da Lei 8.666/93. contratuais, o que faz com que alguns autores neguem a autonomia da vontade. Contudo, a autonomia da vontade existe em contratos que tenham a Administração como parte, mas é relativizada. b) Mutabilidade (cambialidade) do objeto http://www.monolitospost.com/2015/06/28/aceitar-o-fenomeno-da-mutabilidade-e-ser-feliz-assim- mesmo-e-o-que-temos-para-hoje/ Apesar de se aproximar da prerrogativa de alteração unilateral do contrato pela Administração, não podemos confundir as duas figuras. A prerrogativa de alteração unilateral pode se referir a mudanças do objeto, mas é bem mais ampla do que isso, podendo alterar prazos de entrega, por exemplo. No contrato administrativo a mutabilidade do objeto diz respeito à possibilidade do objeto do contrato poder ser modificado unilateralmente pela Administração. Questão importante: O que é o objeto do contrato administrativo? A jurisprudência e os Tribunais de Contas têm dificuldade em definir e, muitas vezes, fazem confusão em torno do tema. Deve haver também uma diferenciação entre objeto, resultado obtido pelo contrato, e os escopos do objeto, e as atividades necessárias para alcançar e realizar o objeto. Normalmente quanto mais complexo for o objeto do contrato administrativo, maior o número de escopos que ele envolve. Exemplo: coleta de lixo: envolve coleta, tratamento, destinação final do lixo, etc. Essa diferenciação é importante porque é possível acrescentar escopos ao objeto, mesmo que ele seja preservado e mantido em sua configuração inicial. Por outro lado, pode ocorrer supressão de escopos, ainda que o objeto se mantenha. A Lei 8.666/93 afirma que o objeto deve ser precisamente definido antes mesmo da divulgação da licitação. Trata-se de exigência do art. 7º, §2º, I e do art. 14, caput; e de vários dispositivos que se referem à obrigação da Administração de especificar e detalhar o objeto do contrato. Nesse ponto, surge a questão da relação entre objeto e o projeto com que se relaciona. Quanto mais complexo for o objeto, mais ele dependerá da existência de um projeto para defini-lo. Alguns contratos são simples e precisam apenas de especificações gerais para contratar; outros exigem algo a mais para definir o objeto. O projeto pode, porém, demandar ajustes técnicos ao longo do contrato, o que nos leva a entender que o projeto que dá base à definição do objeto não é, necessariamente, imutável, admitindo alterações unilaterais da Administração quando aquela mudança servir para atingir os objetivos. Ele poderá sofrer alterações quando isso se mostrar necessário para assegurar o atendimento dos objetivos buscados com aquela contratação. Entretanto, essa possibilidade de alteração do objeto tem limitações, sendo três delas fundamentais: 1. As alterações não podem ser de ordem tal que acabem por desnaturar o objeto contratado. Exemplo: um hospital não pode ter o projeto alterado para um presídio. Seja pela vinculação à licitação ou pelo direito do particular de que se honre o contrato pactuado, o objeto não pode ser mudado a ponto de descaracterizar o que foi originalmente licitado; 2. As alterações não podem violar a necessária vinculação ao procedimento licitatório. Ou seja, ainda que a alteração seja feita e o objeto não seja desnaturado, deve-se observar se a alteração não fere alguma norma ou alguma exigência do processo licitatório. Exemplo: exigir uma dada metodologia complexa na licitação, que limitou os licitantes capacitados para executá-la. Depois da licitação, altera-se a metodologia para torná-la mais simples, de forma que a exigência feita no edital, de experiência com uma metodologia complexa, tornou-se abusiva a posteriori; 3. As alterações não podem suprimir ou acrescentar escopos ao objeto acima de certos limites. É uma limitação dada pela lei. a) Autonomia relativa da vontade b) Mutabilidade (cambialidade) do objeto c) Cláusulas exorbitantes Como já foi ressaltado, o objeto do contrato administrativo não pode estar desconectado do objetivo maior da Administração, que é o atendimento do interesse público. Portanto, o contrato é um instrumento para a consecução do interesse coletivo, sendo essa noção fundamental para a caracterização das cláusulas exorbitantes. Tais cláusulas conferem um status superior à Administração em relação ao particular com quem ela está contratando. Cláusulas exorbitantes são cláusulasque, por força de lei, podem estar presentes em um contrato administrativo, mas que dificilmente seriam aceitas em um contrato entre particulares, sob pena de invalidade. Tais cláusulas estabelecem um parâmetro para a alterabilidade dos contratos administrativos, conferindo prerrogativas à Administração, em uma relação de assimetria. De acordo com o art. 58 da Lei 8666/93, as cláusulas exorbitantes estão presentes em qualquer contrato administrativo, independente do conteúdo desse contrato. Mas apesar do fato de, por força de lei, as cláusulas exorbitantes incidirem sobre qualquer contrato administrativo, independente do pactuado, o contrato também pode dispor sobre essas cláusulas. As cláusulas exorbitantes encontram-se divididas em cinco blocos (incisos I a V do art. 58 da Lei 8666/93), que serão analisados abaixo: 1. Prerrogativa de alteração unilateral do contrato (art. 58, I): a Administração pode modificar, unilateralmente, os contratos administrativos, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado. De acordo com tal prerrogativa, a Administração pode alterar tanto o objeto como o modo de execução do contrato (modificar prazo de entrega, modificar o local de entrega, o modo de execução). Para a aplicação de tal prerrogativa, devem ser observados dois parâmetros (limitações): adequação às finalidades de interesse público e respeito aos direitos do contratado (direito ao equilíbrio econômico e financeiro: núcleo de intangibilidade – direito patrimonial). 2. Prerrogativa de rescisão unilateral do contrato (art. 58, II): esta prerrogativa estabelece uma desigualdade mais ampla entre as partes. E esta desigualdade se dá pelo fato do regime dos contratos administrativos ser bastante restritivo em relação aos particulares, mas bastante aberto em relação à Administração, que tem a liberdade de acabar com o vínculo contratual. Como tal prerrogativa encontra-se prevista em lei, a Administração poderá rescindir o contrato sem necessidade de recorrer ao Judiciário, com a única limitação dada pelo devido processo legal. Confere- se à Administração uma autoexecutoriedade da decisão de desfazer o vínculo antecipadamente. Já o particular deverá sempre recorrer ao Judiciário para rescindir o contrato. O inciso II do art. 58 remete ao inciso I do art. 79 que, por sua vez, ao dispor sobre rescisão unilateral do contrato pela Administração, nos remete aos incisos I a XII e XVII do art.78. De acordo com as hipóteses elencadas nos incisos mencionados do art. 78, podemos observar que a rescisão unilateral é cabível tanto em casos em que o particular der causa (incisos I a XI) como em casos que, ainda que o particular não tenha dado causa, por razões de interesse público (incisos XII e XVII). Lembrando que deve sempre ser respeitado o direito de defesa e que deve sempre ser demonstrada a inconveniência do contrato em face do interesse público (exigência de motivação). 3. Prerrogativa de fiscalizar a execução do contrato (art. 58, III): é importante ressaltar, primeiramente, que a prerrogativa de fiscalizar não transfere para o fiscalizador as responsabilidades do executor. Como essa prerrogativa é apenas mencionada na lei, seus limites e sua graduação devem ser expressos no contrato. 4. Prerrogativa de aplicar sanções motivadas (art. 58, IV): em caso de inexecução total ou parcial do ajuste. De maneira alguma essa prerrogativa pode ser confundida com o Poder de Polícia. A prerrogativa de aplicar sanções motivadas está diretamente relacionada à sujeição do particular ao regime dos contratos administrativos (sujeição parcial). Essa prerrogativa deve ser exercida pela Administração durante a execução do contrato ou logo após o recebimento do resultado do serviço quando se observar o defeito ou vício. Não cabe essa prerrogativa quando o vínculo contratual tiver cessado há muito tempo, o que caracterizaria um caso de sujeição geral, resquício do Poder de Polícia da Administração. Tal atitude é rejeitada pelo Judiciário. 5. Prerrogativa de, nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato (art. 58, V): ocorre na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas cometidas pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo. É uma hipótese de intervenção da Administração na atividade do particular contratado, conferindo uma prerrogativa próxima daquela do instituto da ocupação. Não é aplicável a todo o contrato administrativo, mas apenas para os casos de contratos que envolvam serviços essenciais (utilizada em casos raros, principalmente, em casos que envolvam serviço de coleta de lixo). A ocupação prevista por essa prerrogativa tem duas características principais: o fato de ser uma ocupação cautelar, apenas para permitir a apuração de faltas contratuais, e com a continuidade do serviço essencial prestado, sendo o objetivo principal não interromper o serviço até a finalização da apuração administrativa e a eventual substituição do particular. A Administração deverá atuar como se fosse a empresa e deverá indenizar o particular pela utilização dos bens e indivíduos ocupados provisoriamente (obviamente, sem margem de lucro). d) Regime protetivo do equilíbrio econômico e financeiro É um elemento que estabelece um contraponto à vulnerabilidade do particular no regime dos contratos administrativos. Pelo regime dos contratos administrativos o particular se sujeita a uma série de prerrogativas e a uma instabilidade do conteúdo e do próprio vínculo obrigacional. Entretanto, há uma proteção do núcleo negocial (econômico) do contrato celebrado entre o particular e a Administração. Essa proteção dada ao núcleo econômico do contrato se traduz na realização da expectativa do particular de que fosse auferir proveitos econômicos com o contrato. O art. 37, XXI, da Constituição Federal determina que o equilíbrio econômico financeiro é um princípio elevado a nível constitucional. Exigência de preservação da posição econômica e financeira pactuada no momento da contratação (proposta do particular e licitação). O particular se vincula à proposta, e a Administração se obriga a preservar as condições nucleares da mesma. A intangibilidade do equilíbrio econômico-financeiro ocorre tanto em relação às prerrogativas de alteração unilateral do contrato pela Administração, como também em relação a alterações que impactem o contrato, mas que não decorram de decisão da Administração. São casos de fatores imprevisíveis, externos ao contrato, que alterem suas condições de execução. Está assegurado ao particular a incolumidade do vínculo. Se as condições de execução se alteraram, deve-se buscar novamente o equilíbrio econômico-financeiro. Neste ponto, cabe ressaltar que, apesar de se falar em equilíbrio econômico- financeiro como se fosse algo indivisível, devemos diferenciar o equilíbrio econômico do equilíbrio financeiro. Equilíbrio econômico diz respeito à equivalência do valor econômico entre o custo efetivo da prestação e o proveito econômico obtido pelo particular ao fim da relação contratual (não é muito afetado pelo fator tempo). Equilíbrio financeiro diz como a condição de recebimento da contraprestação pecuniária ao longo do tempo. Diz respeito ao atendimento das necessidades da outra parte ao longo do tempo da execução do contrato. Exemplo: Numa situação hipotética de inflação zero, o contrato de um Professor com a Faculdade em que ele dá auladispõe que ele dará aula durante o ano todo e receberá o salário referente a todos os meses em uma única parcela, em dezembro. Nesse caso, o equilíbrio econômico está observado. Entretanto, o equilíbrio financeiro não, já que o Professor com certeza contraiu uma grande quantidade de dívidas durante o ano e não teve como pagá-las por conta do recebimento em uma parcela única. CONTEÚDO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS A Lei 8666/93 prescreve qual deve ser o conteúdo básico dos contratos administrativos. Seja qual for o contrato administrativo, em sua essência é um contrato, devendo possuir o conteúdo típico do gênero “contratos” somados a especificidades do regime administrativo (art. 54, caput, parágrafos 1° e 2° da lei 8666/93). Reforça-se a ideia de que o regime legal dos contratos administrativos não é exaustivo no que tange à normatividade, o que faz com que o contrato administrativo contenha as normas que serão aplicáveis aos contratantes. Tanto é assim que o art. 54 afirma que o contrato tem que ter claramente as obrigações de cada um na relação. O art. 55 da Lei 8666/93 contém o rol de cláusulas necessárias que devem constar em todos os contratos administrativos: 1. Objeto e seus elementos característicos (art. 55, I): Objeto é o resultado que se deseja, sendo os elementos o que especifica o objeto; 2. Regime de execução ou a forma de fornecimento pela qual o particular deverá dar cabo de suas obrigações (art. 55, II); 3. Preço, condições de pagamento e reajuste do preço (art. 55, III): a Lei 8666 foi editada em 1993, em uma época de instabilidade econômica com altos índices de inflação. Então, a preocupação com as formas de reajustamento do preço é grande. Mas, com o advento do Plano Real, os dispositivos sobre reajustamento presentes na Lei perderam grande parte de seu valor prático; 4. Prazos de execução, de conclusão, de entrega, de execução, de observação e de recebimento definitivo, conforme o caso (art. 55, IV); 5. Crédito pelo qual correrá a despesa (art. 55, V): a existência de dotação orçamentária é uma condição vinculante do contrato; 6. Garantias oferecidas para assegurar sua plena execução, quando exigidas (art. 55, VI): é uma faculdade da Administração exigi-las, não sendo cláusula obrigatória. No geral, tais garantias aplicam-se exclusivamente aos particulares, sendo que estes devem oferecer as garantias 11 . Entretanto, em alguns contratos específicos, há a possibilidade da oferta de garantias pelo Poder Público. Exemplo: Contrato de PPP´s; 7. Direitos e responsabilidades das partes, as penalidades cabíveis e os valores das multas (art. 55, VII): permite uma melhor distribuição de riscos do contrato entre a Administração e o particular com quem ela contrata, sendo a cláusula mais relevante do regime contratual administrativo. Essa cláusula mitiga a ideia de que a Administração deva assumir integralmente todos os riscos decorrentes da imprevisão, podendo o contrato estipular a divisão de responsabilidade entre as partes; 8. Hipóteses de rescisão (art. 55, VIII): o art. 78 dispõe sobre os motivos de rescisão contratual; 9. O reconhecimento dos direitos da administração em caso de rescisão administrativa prevista no art. 7712 (art. 55, V); 10. As condições de importação, a data e a taxa de câmbio para conversão, quando for o caso (art. 55, X); 11 A garantia contratual (Art. 56) não se confunde com a garantia eventualmente prestada como condição de habilitação em processos licitatórios (Art. 31, III), tampouco com a garantia técnica do serviço ou do bem. 12 “Art. 77. A inexecução total ou parcial do contrato enseja a sua rescisão, com as consequências contratuais e as previstas em lei ou regulamento. ” 11. Vinculação ao edital de licitação ou ao termo que a dispensou ou a inexigiu, ao convite e à proposta do licitante vencedor (art. 55, XI): o contrato deve estar vinculado ao que originou a relação obrigacional; 12. Legislação aplicável à execução do contrato e especialmente aos casos omissos (art. 55, XII): podemos extrair, da leitura desse inciso, que a Lei 8666/93 não é a única aplicável ao regime dos contratos administrativos; 13. Obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação (art. 55, XIII): a licitação estabelece os requisitos essenciais para a contratação de empresa idônea e tecnicamente capaz para a execução do contrato; 14. Exigência que o contrato preveja o foro da administração como foro obrigatório para a solução de conflitos quanto ao contrato (art. 55, § 2o): a questão que aqui surge é sobre a possibilidade de os contratos administrativos conterem cláusulas arbitrais. Nos contratos de concessão e de PPP’s essa questão já está superada, pois a lei que regula tais contratos prevê essa hipótese e isso já ocorre na prática. Nas outras espécies de contratos há uma resistência de se aceitar a cláusula arbitral pelo disposto no art. 55, § 2o. Mas o STJ vem mantendo o entendimento de que, apesar de não ser possível que a Administração se submeta à arbitragem em casos que envolvam a proteção de interesses públicos, é perfeitamente possível que isso ocorra em relação a interesses patrimoniais, que são disponíveis, se assim estiver estipulado no contrato. CONTRATOS TIPICAMENTE ADMINISTRATIVOS E CONTRATOS PRIVADOS CELEBRADOS PELA ADMINISTRAÇÃO A teoria do contrato administrativo, ou mesmo a ideia de que a Administração celebra contratos, é um tema bastante propício para entendermos o significado do Direito Administrativo. Hoje, pode parecer trivial o fato de que o Estado, por meio de seus órgãos, celebre contratos. Entretanto, no passado, essa questão era polêmica. No começo do séc. XX, diversos autores do direito administrativo sustentavam que a Administração não poderia celebrar contratos, pois não caberia aos órgãos públicos, revestidos da soberania estatal, se posicionarem em pé de igualdade com outra parte privada para celebrar um livre acordo de vontades. No entanto, no dia-a- dia, no fornecimento de bens para o funcionamento da máquina estatal, por exemplo, era incontestável que a Administração celebrava acordos que não poderiam receber outro nome que não contrato. http://www.soniarabello.com.br/tag/casos-jurisprudencia/ Para explicar essa situação, primeiramente buscaram-se argumentos para sustentar que, em algumas relações jurídicas, o Estado agia como particular, já que a doutrina dominante não aceitava a ideia hoje já consolidada dos contratos administrativos, por achar que tal ideia ia de encontro com a noção de soberania. Entretanto, durante a década de 20 do século passado, o Conselho de Estado Francês13 começou, jurisprudencialmente, a produzir direito. Na matéria de contratos, 13 Sistema dual de jurisdição: Por conta da Revolução Francesa, havia na França um preconceito quanto ao Poder Judiciário tradicional já que, durante o Antigo Regime, os cargos do Judiciário eram ocupados pela nobreza em defesa de seus próprios privilégios. Então, Napoleão estabeleceu um governo centrado no Executivo para conter o poder dos chamados “Parlamentos Judiciários”. Dessa forma, não se queria dar espaço para o Judiciário julgar os atos do Executivo. A ideia estabelecida é que caberia ao Executivo julgar o próprio Executivo. Assim, foi estabelecido um sistema dual de jurisdição, onde duas estruturas diferentespossuem poder jurisdicional: a jurisdição judiciária e a jurisdição administrativa, estão situadas entre os órgãos do Poder Executivo, onde o órgão maior é o Conselho de Estado Francês. aquilo que normalmente eram contratos de fornecimento, para suprimento das necessidades cotidianas da Administração, tipicamente assumia a rubrica de assunto de direito privado. No entanto, a partir do momento que o Estado passa a realizar atividades mais complexas, começa a recorrer cada vez mais a uma colaboração privada no desempenho de funções públicas, levando à caracterização da concessão de serviço público e outras figuras análogas. Tudo o que envolve concessão não cabe conceitualmente na ideia de que sejam negócios privados, como uma compra e venda. Está implícito que é algo inerente ao Estado e que foi concedido a um particular provisoriamente. Nesses contratos, porém, a preponderância do Estado era clara, sendo justificada pela garantia do “interesse público”. Então, foi-se percebendo que para os contratos administrativos aplica-se um regime jurídico singular, que não se confunde com o regime contratual privado. Nos contratos administrativos, o Estado era titular de prerrogativas inexistentes nas relações contratuais privadas e que estabelecem uma assimetria em relação ao particular contratado. É obra do Conselho de Estado Francês o entendimento de que o contrato de concessão de serviço público deveria ser regido por um regime diferente do regime privado. O Conselho de Estado Francês percebeu que o Estado, enquanto parte contratante, guardava poderes de ação unilateral que a outra parte não tinha, poderes esses que não eram encontráveis no Direito Privado. Também, naquela época predominava uma visão liberal dos contratos, que era entendido como uma figura que envolvia partes em igualdade de condições que exerciam livremente a sua vontade, de modo que nenhuma poderia exercer superioridade sobre a outra. No entanto, nos contratos de concessão, o Estado possuía poderes de modificação unilateral do contrato que não poderiam ser abandonados, pois eram necessárias para o desempenho de suas funções. Essa percepção, de que o Estado possuía poderes exorbitantes em um contrato em que figurava como parte, levou à construção de uma figura típica: as “cláusulas exorbitantes”. As cláusulas exorbitantes deram origem à teoria francesa do contrato administrativo. De acordo com tal teoria, pressupõem-se poderes unilaterais para o Estado enquanto parte contratante. Logo essa teoria se expandiu para outros países, embora autores ingleses e norte-americanos repudiem essa ideia, por acreditarem que só existe a common law, aplicável também ao Estado. Os alemães, por outro lado, seguem uma linha diferente: admitem que em algumas relações haja esses poderes, mas aí seriam atos unilaterais (concessão é ato unilateral, e apenas as consequências financeiras fazem às vezes de contrato), enquanto os outros contratos seriam privados. Essa discussão entre contratos administrativos e contratos de direito privado tem, na origem, a distinção das jurisdições na França. Seria mais um critério para separar um critério de competência do que para separar diferenças materiais. Brasil O Brasil, ao longo do séc. XIX, foi muito influenciado pelo direito francês, a ponto de existir dualidade de jurisdições e um Conselho de Estado no Império. A Proclamação da República, por outro lado, conduziu o país segundo o modelo americano, inclusive no tocante às jurisdições. Entretanto, continuamos muito influenciados pela produção intelectual francesa, ainda que não pelo modelo institucional francês. Isso significa que os julgados e a doutrina da época citavam frequentemente a doutrina e a jurisprudência francesas, inclusive com menções ao contrato administrativo. Ressalte- se que o direito positivo da época não dava base legal para a existência do contrato administrativo. A legislação sobre o tema dos contratos administrativos seguiu sendo bem frágil. Até 1986, o tema dos contratos administrativos era regido por decretos da década de 20. Só em 1986, um decreto-lei (Decreto-Lei 2300/86) veio reger o tema dos contratos administrativos, e só em 1993 foi promulgada a Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei Federal 8.666/93). Em sua formulação original, a Lei 8666/93 não deveria ser tomada como a Lei de Contratos Administrativos. Por ser uma lei da União, deveria ser uma lei de normas gerais sobre contratos administrativos, uma vez que a União não tem competência constitucional para detalhar todos os aspectos do contrato. Só poderia trazer regras gerais para contratação. A própria Lei 8666/93 afirma, logo no art. 1º14, que a lei dispõe sobre normas de licitação e contratos administrativos, de forma geral. Mas os intérpretes tomam a lei como se ela estabelecesse todas as regras para o contrato administrativo15. O comportamento comum em relação à lei a toma como o regime único dos contratos administrativos. Tudo milita para que as pessoas digam que é um regime único. Discutindo sobre o tema, o STF decidiu que a lei é de normas gerais e se aplica aos Estados e Municípios, que não reagiram para fazer prevalecer sua autonomia federativa. A Lei 8666/93 é muito preocupada com a moral. Mas é uma moral burocrática, uma moral que engessa, se voltando muito para os meios e pouco para a finalidade. A lei detalha e engessa excessivamente o procedimento, como se apenas as regras pudessem fazer um controle efetivo. Assim, a lei tentou ser a mais abrangente e rigorosa possível. Um exemplo é o disposto no art. 2º, parágrafo único, que estabelece uma noção ampla de contrato para a incidência da lei. Por essa noção ampla, os autores consideram que qualquer contrato que tenha como parte a Administração se submete a essa lei. E, se submetendo a essa lei, qualquer contrato que tenha como parte a Administração internaliza o regime de cláusulas exorbitantes (alteração unilateral do contrato, rescisão unilateral, aplicação unilateral de sanções, etc.). Na medida em que a lei afirma que contrato é “todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares”, como entender que existam contratos que não sigam essa regra tipicamente publicista? Parece que a lei, no art. 62, §3º, em seus dois incisos 16 , quis criar uma alternativa a esse regime. A lei exemplifica alguns contratos, no inc. I, cujo conteúdo é regido predominantemente por normas de direito privado. Porém, afirmar que as normas gerais e as cláusulas exorbitantes aplicam-se “no que couber” cria muitas 14 “Art. 1o Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.” 15 É aquilo que o Professor Floriano, em seu texto sobre “A Nova Contratualidade Administrativa”, sustenta ser a “maldição de um regime único”. 16 “Art. 62 (...) § 3o Aplica-se o disposto nos arts. 55 e 58 a 61 desta Lei e demais normas gerais, no que couber: I - Aos contratos de seguro, de financiamento, de locação em que o Poder Público seja locatário, e aos demais cujo conteúdo seja regido, predominantemente, por norma de direito privado; II - Aos contratos em que a Administração for parte como usuária de serviço público. ” dúvidas. Numa leitura radical do inc. I, não se aplicaria o regime público. Porém, o sentido que se aceita majoritariamente é que pouco sobra de privado em tais contratos quando é a
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