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Universidade Federal de Lavras – UFLA Centro de Educação a Distância – CEAD GÊNEROS TEXTUAIS E DISCURSIVOS Guia de Estudos Helena Maria Ferreira Mauricéia Silva de Paula Vieira Lavras/MG 2013 Gêneros textuais e discursivos Ficha Catalográfica Preparada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca da UFLA Ferreira, Helena Maria. Gêneros textuais e discursivos : guia de estudos / Helena Maria Ferreira, Mauricéia Silva de Paula Vieira. – Lavras : UFLA, 2013. 115 p. : il. Uma publicação do Centro de Educação a Distância da Universidade Federal de Lavras. 1. Formação de professores. 2. Gêneros textuais. 3. Gêneros discursivos. I. Vieira, Mauricéia Silva de Paula. II. Universidade Federal de Lavras. III. Título. CDD – 372.6 2 Gêneros textuais e discursivos Governo Federal Presidente da República: Dilma Viana Rousseff Ministro da Educação: Aloizio Mercadante Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) Universidade Aberta do Brasil (UAB) Universidade Federal de Lavras (UFLA) Reitor: José Roberto Soares Scolforo Vice-Reitora: Édila Vilela Resende von Pinho Pró-Reitora de Graduação: Soraya Alvarenga Botelho Centro de Educação a Distância Coordenador Geral: Ronei Ximenes Martins Coordenadora Pedagógica: Elaine das Graças Frade Coordenador de Projetos: Cleber Carvalho de Castro Coordenadora de Apoio Técnico: Fernanda Barbosa Ferrari Coordenador de Tecnologia da Informação: Raphael Winckler de Bettio Departamento de Ciências Humanas Letras Português (modalidade à distância) Coordenadora do Curso: Mauricéia Silva de Paula Vieira Coordenadora de Tutoria: Débora Cristina de Carvalho Revisor Textual: Marco Antônio Villarta-Neder 3 Gêneros textuais e discursivos Sumário UNIDADE 1........................................................................................................5 TEXTO, CONTEXTO E DISCURSO................................................................5 1.1 Texto e Discurso.......................................................................................6 1.2 Texto......................................................................................................16 1.3 Texto e Contexto.....................................................................................19 UNIDADE 2......................................................................................................28 GÊNEROS DISCURSIVOS E GÊNEROS TEXTUAIS: SISTEMATIZANDO E APROFUNDANDO OS CONHECIMENTOS.............................................28 2.1 Os gêneros na Antiguidade Clássica......................................................29 2.2 Gêneros discursivos e gêneros textuais:.................................................31 2.3 Gêneros discursivos................................................................................32 2.3.1 Bakhtin e os estudos sobre os gêneros discursivos.........................32 2.3.3 A teoria dos gêneros em Marcuschi ...............................................47 2.3.4 A teoria dos gêneros em Bazerman.................................................51 UNIDADE 3......................................................................................................54 TIPOS TEXTUAIS E SUPORTES TEXTUAIS...............................................54 3.2 Analisando os tipos textuais....................................................................65 3.3 Os suportes textuais................................................................................82 UNIDADE 4 ....................................................................................................86 GÊNEROS ORAIS E ESCRITOS NA ESCOLA: MEDIAÇÕES PEDAGÓGICAS PARA O ENSINO-APRENDIZAGEM...............................86 4.1 A utilização das sequências didáticas para o estudo dos gêneros textuais em sala de aula..............................................................................................97 4.3 Construindo a sequência didática........................................................100 REFERÊNCIAS..............................................................................................113 4 Gêneros textuais e discursivos UNIDADE 1 TEXTO, CONTEXTO E DISCURSO 5 Gêneros textuais e discursivos 1.1 Texto e Discurso Ao interagirem por meio da língua, os sujeitos sociais produzem discursos, ou seja, praticam ações verbais dotadas de intencionalidade. Os discursos produzidos se manifestam por meio de textos. Mas... Nesta unidade, trataremos da noção de texto, contexto e discurso a fim de compreendermos o tema central de nosso estudo: a questão dos gêneros textuais e discursivos. Primeiro, vamos refletir sobre algumas questões: • Para quê produzimos textos? • Como os textos circulam socialmente? • Uma palavra pode ser considerada um texto? A primeira pergunta pode ser respondida da seguinte forma: produzimos textos para interagir com alguém. Nós, seres humanos, nos diferenciamos de outras espécies por nossa capacidade de linguagem. “Na” e “pela” linguagem nos constituímos e nos construímos como sujeitos sociais. A faculdade de linguagem pode ser entendida como uma característica própria e diferenciadora da espécie humana. Ao utilizarmos a linguagem, estamos utilizando um conjunto de recursos que nos permitem expressar sentimentos, opiniões, crenças, desejos, etc. Podemos nos valer de gestos, de cores, de expressão facial; podemos empregar a linguagem matemática, a dança, a música, e etc. Podemos, também, nos valer de uma outra dimensão da linguagem: a verbal, isto é, a linguagem que se estrutura e se organiza através da palavra, seja falada, seja escrita. Essa dimensão da linguagem é compreendida como língua. Assim, quando contamos uma piada a um amigo, ou quando deixamos um bilhete 6 Gêneros textuais e discursivos escrito para avisar, por exemplo, que iremos nos atrasar para chegar em casa, usamos a língua/ linguagem com uma intenção comunicativa: produzir humor, no caso da piada, e avisar sobre o atraso, considerando-se o bilhete. Quando utilizamos a linguagem nós produzimos discursos. Segundo Maingueneau (2001), o termo discurso possui diversos sentidos. Podemos dizer “o presidente fez um discurso”, “tudo isso é só discurso”, o discurso islâmico”, “ o discurso dos jovens”, etc. Trata-se, segundo Maingueneau, de empregos usuais, comuns. Assim, o termo discurso pode se referir a um enunciado solene (“o presidente fez um discurso sobre o bolsa família”), a uma fala inconsequente (“o Brasil erradicou a pobreza”) e o conjunto de textos produzidos em um dado sistema (“discurso comunista”). Nas ciências da linguagem, o termo discurso surgiu aliado a uma concepção de linguagem como atividade interativa. Nessa concepção, há um conjunto de fatores que nos orientam na compreensão dos dizeres, dos textos, enfim, dos usos que fazemos da língua. Trata-se de uma série de fatores reunidos sob o rótulo da pragmática. Quando falamos em pragmática, estamos nos referindo a um conjunto de fatores que consideram não só a materialidade linguística, mas também uma dimensão mais ampla da língua (os interlocutores, os objetivos, o contexto sócio histórico cultural, etc). Para fazer referência às produções verbais, orais ou escritas, não dispomos apenas do termo discurso: utilizamos também os termos enunciado, frase e texto. O enunciado é compreendido como uma unidade básica da comunicação verbal, uma sequência dotada de sentido e sintaticamente completa, considerando-se,ainda, o contexto em que foi produzido. Essa noção de enunciado opõe-se à noção de frase, em que uma sequência linguística é analisada fora de contexto. Vejamos: 7 Gêneros textuais e discursivos Figura 1: Vagas de emprego Fonte: http://presencaonline.com/wp-content/uploads/2012/07/h%C3%A1-vagas.png Figura 2: Disponibilidade para namoro Fonte: http://www.vibeflog.com/carlagomes2009/p/25684287 Figura 3: Vagas para deficientes Fonte: http://adjcomunicacao.files.wordpress.com/2010/06/arte-ha-vagas.jpg? w=250&h=181 8 Gêneros textuais e discursivos A expressão “Há vaga(s)” pode ser considerada como uma frase se a considerarmos fora de uma situação comunicativa, de um contexto comunicacional. Mas, se inscrita na recepção de uma empresa, ou se nos referimos a uma condição de pessoa que está sem namorado(a), ou se essa inscrição aparece acompanhada de um símbolo de um cadeirante, consideramos que temos três enunciados distintos, uma vez que considerados os aspectos linguísticos e também a situação de comunicação. Essa acepção de enunciado possui um sentido equivalente ao de texto. Quando empregamos o termo texto, estamos nos referindo a produções verbais orais ou escritas, produzidas como um todo, como uma totalidade coerente. Consideramos que há interlocutores que procuram interagir em um determinado contexto, com uma intenção comunicativa. Voltaremos a essa questão. Para compreendermos a relação entre texto e discurso, vamos analisar o texto a seguir: O CAPITALISMO MAIS REACIONÁRIO Tragédia em um ato Personagens - o patrão e o empregado Época - atual ATO ÚNICO Empregado - Patrão, eu queria lhe falar seriamente. Há quarenta anos que trabalho na empresa e até hoje só cometi um erro. Patrão - Está bem, meu filho, está bem. Mas de agora em diante tome mais cuidado. (Pano bem rápido) 9 Gêneros textuais e discursivos O texto “O capitalismo mais reacionário”, de Millôr Fernandes, trata da questão das relações de trabalho entre empregado e patrão. O título Tragédia em um ato, já nos deixa antever o final da história. A fala do patrão, embora se refira ao empregado como “meu filho”, traz a presença de uma voz social, presente em uma ideologia capitalista, cujo sentido é o de que o empregado não pode errar e de que precisa tomar mais cuidado. Embora, explicitamente, não haja uma ameaça de demissão, tal ameaça pode ser inferida se considerarmos não só a palavra “tragédia” presente no título, mas também o nosso conhecimento sobre os pilares do capitalismo, sistema que busca o lucro acima de tudo. Há, no texto, um discurso capitalista e as posições sociais são bem definidas: o patrão e o empregado. O termo discurso, nesse sentido, refere-se ao uso da língua em um contexto específico, ou seja, à relação entre os usos da língua e os fatores extralinguísticos presentes no momento em que esse uso ocorre. Por isso, o discurso é o espaço da materialização das formações ideológicas, sendo por elas determinado. Nesse sentido, pode ser visto como uma abstração, porque corresponde à “voz” de um grupo social. (ABAURRE; ABAURRE, 2007, p. 10). Assim, há o discurso capitalista, o discurso ambiental, o discurso feminista, o discurso nacionalista, etc. Tais discursos se sustentam em sistemas sociais de representações, de normas, de regras, de preceitos e de valores que procuram explicitar a realidade e regular comportamentos. Esses sistemas sociais são como filtros que organizam uma cultura e mesmo que não percebamos a existência desses filtros, eles estão sempre presentes e é por esses filtros que avaliamos a realidade em que estamos inseridos. Tais sistemas sociais são as formações ideológicas, um conjunto de valores e de crenças que permeia a sociedade em dado momento sócio histórico. Vejamos o texto publicitário, a seguir, para compreendermos 10 Gêneros textuais e discursivos melhor essa questão: Fonte: http://blogs.estadao.com.br/reclames-do-estadao/2010/08/11/sua-mulher-vai- bater-o-fusca/ A propaganda anterior foi veiculada para um determinado público- alvo e argumenta que uma das razões para que o homem adquira um Volkswagen é o fato de que um dia, “mais cedo ou mais tarde sua esposa vai dirigir”. O texto é construído a partir das vantagens e das facilidades para se trocar peças do Volkswagen. Há um discurso presente: o fato de que mulher não sabe dirigir e que pode bater o carro, amassar o capô, soltar o para-choque. etc. Tal discurso perdurou durante muito tempo e ainda faz parte da crença de alguns que saem com piadinhas como: “mulher no volante, perigo constante” ou “mulher não precisa tirar carteira para ser piloto de 11 Gêneros textuais e discursivos fogão”. Claro que se considerarmos o momento atual, veremos que muitas seguradoras de automóveis têm preços mais atraentes para as mulheres uma vez que há dados que comprovam o menor envolvimento do sexo feminino em acidentes com carros. Mas, a piadinha não deixa de estar alicerçada em uma crença, ou em uma ideologia sobre a mulher. Trata-se, portanto de uma formação ideológica. As diferentes visões de mundo/formação ideológica sobre determinado referente (mulher, homem, empregado, patrão) se materializam nos textos através da linguagem. A cada formação ideológica corresponde uma formação discursiva. Uma formação discursiva pode ser compreendida como um conjunto de temas (categorias ordenadoras do mundo natural: alegria, medo, vergonha, solidariedade, honra, liberdade, opressão, etc.) e de termos (elementos que estabelecem uma relação com o mundo natural: mesa, carro, árvore, mulher, etc.) que concretizam uma visão de mundo específica. (ABAURRE; ABAURRE, 2007, p.07) Em outros termos: as formações discursivas são formações componentes das formações ideológicas. Cada visão de mundo está ligada a um contexto mais amplo, que envolve discussões sociais, políticas, religiosas, etc. Desse modo, uma formação ideológica não é a atitude de uma pessoa, mas é um conjunto de representações que estão ligadas a determinada classe/grupo social. Quando interagimos com alguém, interagimos por meio de textos, ou seja, nosso discurso se materializa no texto. Produzimos textos orais (conversa, telefonema), textos escritos (bilhete, relatório, carta) e textos que congregam várias semioses (no e-mail podemos empregar cores, emoticons, etc) com a finalidade de alcançar determinado efeito de sentido. Para convencer, podemos empregar um 12 Gêneros textuais e discursivos discurso mais autoritário ou mais sedutor. Vai depender do nosso interlocutor, da situação comunicativa, das crenças e dos valores que nos orientam. Enfim, há uma série de fatores que interferem nos modo de dizer, ou de produzir um texto. Socialmente, os textos que produzimos circulam em padrões mais ou menos estabelecidos, em formas que foram construídas em um processo histórico e cultural, considerando-se as tecnologias disponíveis em cada época, as necessidades sócio-comunicativas dos sujeitos sociais. Por exemplo: a carta e o telegrama dividem espaço com o e-mail. Os diários e os álbuns de fotografias convivem com os blogs e com o facebook. Essa discussão sobre os textos será objeto de estudo na próxima seção. Agora, iremos refletir sobre o que estudamos, a partir das atividades propostas. ATIVIDADES 1.Assista aos vídeos indicados a seguir e reflita: Por que grandes empresasaderiram ao discurso ambiental e sustentável? O que está em jogo? Vídeo 1: https://www.youtube.com/watch?v=soStcC3c_TE Vídeo 2: https://www.youtube.com/watch?v=G2mPJdeSypM&feature=endscreen Vídeo 3: https://www.youtube.com/watch?v=StTLavxzpac Produza um artigo de opinião em que você discuta a adesão ao discurso ambiental e sustentável de grandes empresas. 2. A seguir, apresentamos alguns textos (letra de música, soneto e uma propaganda) produzidos em diferentes momentos e que foram construídos a partir de determinadas representações sobre a mulher. Analise, em cada texto, o tema e os temos (ou imagens) correspondentes à formação ideológica por ela representada. Para orientá-lo (a), busque informações sobre o texto e o contexto em que foi produzido. Finalmente, faça um texto discutindo as diferentes 13 Gêneros textuais e discursivos representações/discursos sobre a mulher, a partir das análises efetuadas. Socialize as suas discussões com os colegas. Ai, que saudades da Amélia Roberto Carlos Nunca vi fazer tanta exigência Nem fazer o que você me faz Você não sabe o que é consciência Nem vê que eu sou um pobre rapaz Você só pensa em luxo e riqueza Tudo que você vê você quer Ai, meu Deus, que saudade da Amélia Aquilo sim é que era mulher Às vezes passava fome ao meu lado E achava bonito não ter o que comer E quando me via contrariado Dizia: Meu filho, que se há de fazer Amélia não tinha a menor vaidade Amélia é que era mulher de verdade Amélia não tinha a menor vaidade Amélia é que era mulher de verdade Às vezes passava fome ao meu lado E achava bonito não ter o que comer E quando me via contrariado Dizia: Meu filho, que se há de fazer Amélia não tinha a menor vaidade Amélia é que era mulher de verdade Amélia não tinha a menor vaidade Amélia é que era mulher de verdade Disponível em: http://letras.mus.br/roberto-carlos/87939/ A D. ÂNGELA Anjo no nome, Angélica na cara! Isso é ser flor e Anjo juntamente: Ser Angélica flor e Anjo florente, Em quem, senão em vós, se uniformara? Quem vira uma tal flor que a não cortara De verde pé, da rama florescente; E quem um Anjo vira tão luzente Que por seu Deus o não idolatrara? 14 Gêneros textuais e discursivos Se pois como Anjo sois dos meus altares, Fôreis o meu Custódio e a minha guarda, Livrara eu de diabólicos azares. Mas vejo, que por bela, e por galharda, Posto que os Anjos nunca dão pesares, Sois Anjo que me tenta, e não me guarda. Gregório de Matos Fonte: http://www.propagandasantigas.blogger.com.br/ Show das Poderosas Anitta Prepara que agora É a hora do show das poderosas Que descem e rebolam Afrontam as fogosas só as que incomodam Expulsam as invejosas Que ficam de cara quando toca Prepara Se não tá mais à vontade, sai por onde entrei Quando começo a dançar eu te enlouqueço, eu sei Meu exército é pesado e a gente tem poder 15 Gêneros textuais e discursivos Ameaça coisa do tipo: Você Vai! Solta o som, que é pra me ver dançando Até você vai ficar babando Pare o baile pra me ver dançando Chama atenção à toa Perde a linha, fica louca http://letras.mus.br/mc-anitta/show-das-poderosas/ Após as atividades, vamos continuar nossa conversa. O que vem a ser um texto? Uma palavra pode ser considerada texto? Reflita sobre essas questões e anote a resposta em seu caderno. 1.2 Texto Etimologicamente, a palavra texto origina-se do latim textum, que significa tecido, entrelaçamento. Tecer um texto significa “trançar os fios das palavras”. Definir o que é um texto, embora pareça fácil, mostra-se uma tarefa complexa, uma vez que esta noção varia de acordo com a corrente teórica que se adote e também com noções como língua e linguagem. Assim, um texto já foi considerado como “frase complexa”, como “signo complexo”, como “ato de fala complexo”, como “produto acabado de uma concepção discursiva”, como “meio específico de realização da comunicação verbal”, como “processo que mobiliza operações e processos cognitivos”, como “o lugar de interação entre atores sociais e de construção interacional de sentidos” (KOCH, 2006, p. 34). Consideramos, embasados em Koch e Travaglia (2000), que o texto é uma unidade linguística concreta, que é tomada pelos usuários da língua (falante/ouvinte, escritor/leitor) em uma situação de interação, como uma unidade de sentido completo que preenche uma função comunicativa. Vejamos um exemplo: 16 Gêneros textuais e discursivos Fonte: http://cardosinho.blog.br/wp-content/uploads/2011/06/charge-duke-para-o- tempo.jpg A charge é um texto que circula com a finalidade de criticar, usando como estratégia o humor. Trata-se de função social. Todo texto, ao circular socialmente, procura cumprir uma função. Na charge acima, o tema tratado é o desvio de verbas por parlamentares. Ao lermos o primeiro quadrinho causa-nos estranheza o fato de o parlamentar afirmar que nunca fez caixa 2, que nunca aceitou propina e que nunca desviou verbas. Por que a estranheza? Ora, se o objetivo da charge é o de criticar, o que haveria de errado em encontrarmos políticos honestos? Que crítica estaria sendo produzida? Ao lermos o segundo quadrinho nosso estranhamento se desfaz e achamos graça no texto, pois a afirmação “meu único defeito é falar mentira” nos faz reconstruir o sentido de tudo que o parlamentar afirmou no primeiro quadrinho e percebemos que ele já aceitou propina, já fez caixa 2, e, também que é mentiroso. Lembramo-nos dos desvios de verba, do dinheiro na mala, na cueca, dos caixas 2, tão divulgados em nosso país, e percebemos uma crítica a alguns parlamentares e a alguns políticos que nos representam. 17 Gêneros textuais e discursivos IMPORTANTE Qualquer enunciado, de qualquer tamanho, pode ser considerado um texto. Para tanto, precisará preencher uma função comunicativa, em uma situação específica de interlocução. O texto – oral ou escrito – é composto por enunciados que, articulados entre si, podem fazer sentido numa dada situação comunicativa, considerando-se os elementos de contextualização. Assim, na construção do sentido é preciso considerar os fatores pragmáticos, isto é, quem produziu o texto, com qual o objetivo, para qual leitor, em que gênero, onde e em que suporte circulará o texto final. Tais considerações deixam à mostra duas premissas: 1- Não existe sentido pronto no texto; 2- Na produção de sentido é necessário considerar não só a materialidade linguística (as palavras, as imagens, cores, etc.) mas também o contexto (condições de produção) e o nosso conhecimento prévio. Em síntese: o sentido não está dado no texto, mas é produzido pelo leitor em cada evento de uso de uso da língua. Embora produza o sentido, o leitor não é livre para produzir qualquer sentido. Como seres socioculturais, nós, os integrantes de uma mesma cultura partilhamos conhecimentos, crenças, valores. Partilhamos conhecimentos linguísticos, textuais, pragmáticos, etc. Assim, o sentido construído é dependente do contexto sócio histórico cultural em que estamos inseridos. Atualmente, é preciso considerar que a globalização e as tecnologias da informação e comunicação têm possibilitado a produção 18 Gêneros textuais e discursivos de textos que congregam várias linguagens ou semioses. São os chamados textos multimodais e ou multissemióticos. A expressão “multimodal” e ou “multissemiótico” acompanhando o termo texto engloba, não apenas, aspectos visuais como fotografias, desenhos, pinturas, caricaturas, mas também a própria disposição gráfica do texto no papel ou na tela do computador. O termorefere-se, portanto, aos textos que congregam, em sua constituição, vários recursos semióticos: sons, escrita, imagens, cores, ícones (emoticons). 1.3 Texto e Contexto Sempre que lemos um texto precisamos ficar atentos às circunstâncias de produção que o envolvem. De forma mais específica, precisamos ficar atentos ao contexto em que o texto se insere. Mas o que vem a ser o contexto e qual sua importância? Na leitura e na produção de sentido, é preciso que o leitor considere uma série de fatores. Vamos imaginar que, em uma recepção de uma clínica, encontra-se pendurada uma placa com os seguintes dizeres: Fonte: http://paolocazu.blogspot.com.br/2009/07/e-proibido-fumar-partir-de-6-de- agosto.html Qualquer falante nativo do português sabe que, nesta situação, há claramente uma intenção, por parte dos proprietários da clínica, de 19 Gêneros textuais e discursivos que esse texto seja lido e entendido como uma norma a ser seguida e que a não-observância dessa regra pode provocar uma repreensão verbal ao infrator. Agora, imaginemos que o enunciado/texto “Proibido fumar” tenha sido escrito em uma parede de uma galeria de arte, com um spray de cor preta. E imaginemos que, ao lado desse texto, apareçam outras proibições como “Proibido beber”, “Proibido viver”, etc. e, com spray colorido, estivesse a seguinte inscrição na parede “É proibido proibir”. Os visitantes da galeria, acostumados com exposição de arte, provavelmente, não entenderiam o texto “Proibido fumar” como uma proibição explícita ao fumo, tal como interpretariam na situação da clínica. Na compreensão de um texto, os falantes mobilizam um conjunto de conhecimentos para produzir sentido para o que leem ou ouvem. De um modo geral, consideram: • A materialidade linguística, isto é, o conjunto se palavras e de imagens e o modo como estão articuladas; • Os conhecimentos prévios sobre normas sociais e sobre o ambiente em que estão inseridos (uma clínica ou uma galeria, por exemplo); • A intenção comunicativa de quem o produziu: instituir uma norma ou provocar uma reflexão de caráter estético. Vamos analisar outro texto: 20 Gêneros textuais e discursivos Fonte: http://pontoecontraponto.com.br/category/lingua-portuguesa/ 21 Gêneros textuais e discursivos Na leitura desse texto, precisamos considerar: • A materialidade linguística que constitui o texto: os elementos verbais (palavras, tamanho das letras), as cores, os números que definem uma sequência para a leitura, o logotipo, as instituições envolvidas, etc. • O gênero textual cartaz de campanha e sua função social: orientar, informar e instruir sobre o tema; • O tema proposto relativo à proibição legal de dirigir após consumo de bebida alcoólica; • O público-alvo para o qual o texto se dirige: motoristas jovens. • A instituição social de onde esse “discurso” partiu. Trata- se de um discurso institucional que emanou de um poder público. • A data de veiculação (após a “lei seca”) e o meio em que o texto foi veiculado. Todos os elementos elencados nos exemplos anteriores fazem parte do contexto em que o texto foi produzido. O termo contexto possui vários sentidos. No início dos estudos sobre o texto, o termo contexto referia-se ao entorno verbal, isto é, ao contexto linguístico. No caso, por exemplo, do seguinte trecho “pegar carona com a gatinha que não bebeu pega muito bem”, o termo bebeu deve ser entendido em relação à gatinha, que se encontra no início do período. Aos poucos, o conceito de contexto ampliou-se para dar conta de uma série de fatores que interferem na produção de sentido, uma vez que a linguagem se insere no interior de uma cultura, marcada por tradições, por crenças, por costumes. Assim, o contexto engloba não só o contexto linguístico (também chamado de cotexto) mas também a situação de interação imediata, ou o entorno social, político e cultural em que o texto foi produzido. Engloba, ainda, um conjunto de saberes que são compartilhados pelos falantes ( saberes linguísticos, de 22 Gêneros textuais e discursivos mundo, sobre os textos, sobre as regras sociais etc.). IMPORTANTE O termo contexto refere-se, portanto: • ao cotexto, isto é, as sequências verbais encontradas antes ou depois da unidade/palavra que queremos interpretar no interior do mesmo texto. • ao ambiente físico, ou o contexto situacional. Por exemplo, unidades como “eu”, você”, “aqui” podem ser interpretadas pelo contexto situacional da interação. • aos saberes anteriores, isto é, os conhecimentos prévios que possuímos. Por exemplo, sabemos que a lei seca foi instituída no país recentemente. Vamos agora responder a outra questão: qual a importância do contexto? Koch (2006) elenca os seguintes motivos que justificam a importância do contexto: a- Certos enunciados são ambíguos, mas o contexto permite fazer uma interpretação unívoca. b- O contexto permite preencher as lacunas do texto. Todo texto possui lacunas a serem preenchidas e o contexto nos permite preencher tais espaços. c- Os fatores contextuais podem alterar o que se diz. Por exemplo, se alguém diz “Que bonito!”, saberemos se se trata de um elogio ou de uma crítica pelo tom empregado. d- O contexto justifica por que se disse isso e não aquilo. Nosso dizer é escolhido de acordo com o contexto em que estamos inseridos. Seguimos as regras desse contexto e por isso dizemos que é o contexto que nos permite dizer o que dizemos. Vamos ler a charge a seguir para compreendermos a importância do contexto: 23 Gêneros textuais e discursivos Fonte:http://venicios.blogspot.com.br/2009/11/apagao-no-congresso.html Essa charge foi publicada em 2009, após um apagão que ocorreu em diversos estados do país. Se observarmos a referência embaixo da charge perceberemos o ano 2009 e o número 11 (o apagão ocorreu em novembro de 2009). Nesse mesmo ano, diversos escândalos envolvendo o Congresso estavam presentes na mídia. Assim, na leitura da charge precisamos considerar a função social do gênero, a materialidade linguística (articulação entre o texto verbal e as imagens) e também o contexto extralinguístico (contexto sócio histórico) em que ela foi produzida. Para finalizar essa unidade e para sistematizar discussões, vamos ler um fragmento dos Parâmetros Curriculares Nacionais que tratam da articulação entre texto e discurso. O discurso, quando produzido, manifesta-se linguisticamente por meio de textos. O produto da atividade discursiva oral ou escrita que forma um todo significativo, qualquer que seja sua extensão, é o texto, uma sequência verbal constituída por um conjunto de relações que se estabelecem a partir da coesão e da coerência. Em outras palavras, um texto só é um texto quando pode ser compreendido como unidade significativa global. Caso contrário, não passa de um amontoado aleatório de 24 Gêneros textuais e discursivos enunciados. A produção de discursos não acontece no vazio. Ao contrário, todo discurso se relaciona, de alguma forma, com os que já foram produzidos. Nesse sentido, os textos, como resultantes da atividade discursiva, estão em constante e contínua relação uns com os outros, ainda que, em sua linearidade, isso não se explicite. A esta relação entre o texto produzido e os outros textos é que se tem chamado intertextualidade. Todo texto se organiza dentro de determinado gênero em função das intenções comunicativas, como partedas condições de produção dos discursos, as quais geram usos sociais que os determinam. Os gêneros são, portanto, determinados historicamente, constituindo formas relativamente estáveis de enunciados, disponíveis na cultura. Interagir pela linguagem significa realizar uma atividade discursiva: dizer alguma coisa a alguém, de uma determinada forma, num determinado contexto histórico e em determinadas circunstâncias de interlocução. Isso significa que as escolhas feitas ao produzir um discurso não são aleatórias — ainda que possam ser inconscientes, mas decorrentes das condições em que o discurso é realizado. Quer dizer: quando um sujeito interage verbalmente com outro, o discurso se organiza a partir das finalidades e intenções do locutor, dos conhecimentos que acredita que o interlocutor possua sobre o assunto, do que supõe serem suas opiniões e convicções, simpatias e antipatias, da relação de afinidade e do grau de familiaridade que têm, da posição social e hierárquica que ocupam. Isso tudo determina as escolhas do gênero no qual o discurso se realizará, dos procedimentos de estruturação e da seleção de recursos linguísticos. É evidente que, num processo de interlocução, isso nem sempre ocorre de forma deliberada ou de maneira a antecipar-se à elocução. Em geral, é durante o processo de produção que as escolhas são feitas, nem 25 Gêneros textuais e discursivos sempre (e nem todas) de maneira consciente. Pensar em textos, orais ou escritos, como padrões recorrentes de linguagem nos remete a questões sobre os gêneros textuais e discursivos, conceito que será abordado na próxima unidade. IMPORTANTE • Os termos formação ideológica e formação discursiva estão ligados a estudos no campo da Análise do Discurso. • A formação ideológica tem como um de seus componentes uma ou várias formações discursivas. Assim, os discursos são regidos por formações ideológicas. ATIVIDADES Leia os textos abaixo para discutir o conceito de contexto. Texto 1: Propaganda 26 Gêneros textuais e discursivos Fonte:http://vpatalano.blogspot.com.br/ Texto 2: Charge Após a leitura dos dois textos, produza um texto, mostrando qual a importância do contexto para a produção do sentido: 27 Gêneros textuais e discursivos UNIDADE 2 GÊNEROS DISCURSIVOS E GÊNEROS TEXTUAIS: SISTEMATIZANDO E APROFUNDANDO OS CONHECIMENTOS 28 Gêneros textuais e discursivos 2.1 Os gêneros na Antiguidade Clássica O estudo sobre os gêneros esteve, ao longo da história da humanidade e das investigações sobre a língua(gem), ligado, de alguma forma, à tentativa de classificação de diferentes aspectos da realidade, principalmente de fatos linguísticos. Assim, tanto o objeto de estudo em si (como a oratória, a literatura,...), quanto o modo de classificar os diferentes gêneros, assim como a determinação dos fatores predominantes nessa classificação, fizeram com que diferentes estudos, em diversos campos do conhecimento, surgissem e se desenvolvessem. Nesse contexto, podemos falar em gêneros retóricos, que estão ligados aos vários campos do saber desde a filosofia clássica. Aristóteles propôs, em Arte Retórica, a organização da oratória em três gêneros: a) o deliberativo (dirigido a um auditório que se tem a intenção de aconselhar ou dissuadir); b) o forense ou judiciário (orador acusa ou defende) e; c) o demonstrativo ou epidítico (discurso religioso ou de repreensão ao cidadão). Esses discursos seriam definidos pelas circunstâncias em que são produzidos, considerando a categoria dos seus ouvintes. Ainda na Antiguidade Clássica, a noção de gêneros passou a ser relacionar aos textos com valor social ou literário reconhecido. Assim, o recorte feito contemplou os gêneros literários classificando-os como líricos, épicos e dramáticos. Essa classificação associa os gêneros à representação do autor e dos personagens nas obras. Assim, as obras em que apenas o autor fala, pertenceriam ao gênero lírico; as em que autores e personagens têm direito à voz, ao gênero épico; e, ao gênero dramático estariam associadas as obras em que apenas os personagens falam. Essa divisão estava então fundamentada no modo de enunciação dos textos. Além disso, o gênero lírico estaria relacionado ao tempo presente, que corresponderia à categoria da recordação; o épico, ao passado, 29 Gêneros textuais e discursivos correspondendo à categoria da apresentação; e o dramático, ao futuro, correspondendo à categoria da tensão. Em momento bem posterior, no início do século XX, por volta da segunda década, com o Formalismo Russo o estudo dos gêneros ocupa posição de destaque, momento em que se defenderam caráter evolutivo dos gêneros, considerando tanto o seu desenvolvimento quanto sua história literária como um processo dinâmico. Para os formalistas, essa evolução ocorreria nos aspectos constitutivos do gênero, isto é, forma e função (uma nova forma surgiria uma vez que a antiga teria esgotado suas possibilidades de exercer determinada função), ao mesmo tempo em que seria uma resposta ao surgimento de novos gêneros e/ou ao desenvolvimento de outros. Nesse sentido, um gênero seria sempre a transformação de outro gênero anteriormente existente, por inversão, deslocamento ou combinação. Todorov (1980) destaca a dificuldade da definição de gênero na literatura moderna, afirmando que não há nada que determine seu lugar ou sua forma. Assim, os gêneros existem como uma instituição, revelando traços constitutivos da sociedade à qual pertencem, funcionando como "horizontes de expectativa" para leitores e como "modelos de escritura para autores" (p. 163). Todorov (1980), procurando definir a origem dos gêneros, diz que De onde vêm os gêneros? Pois bem, simplesmente de outros gêneros. Um novo gênero é sempre a transformação de um ou de vários gêneros antigos: por inversão, por deslocamento, por combinação. Um “texto” de hoje (também isso é um gênero num de seus sentidos) deve tanto à “poesia” quanto ao romance” do século XIX, do mesmo modo que a “comédia lacrimejante” combinava elementos da comédia e da tragédia do século precedente. Nunca houve literatura sem gêneros; é um sistema em contínua transformação e a questão das origens não pode abandonar, historicamente, o terreno dos próprios gêneros: no tempo, nada há de “anterior” aos gêneros (TODOROV, 1980, 46). 30 Gêneros textuais e discursivos Podemos perceber que a noção de gêneros, no decorrer da história, esteve sujeita aos diferentes estágios do desenvolvimento do pensamento teórico, em variadas áreas do conhecimento, até chegar à atualidade, quando pesquisadores se ocupam da caracterização do chamado cibergênero (ARAÚJO, 2003). Alguns gêneros presentes na Antiguidade foram se modificando de acordo com as demandas sociais, com as tecnologias e com a cultura. Atualmente, interessa-nos uma discussão que perpassa os estudos da linguagem: a questão dos gêneros discursivos e dos gêneros textuais. 2.2 Gêneros discursivos e gêneros textuais: Os termos gênero discursivo e gênero textual ganham destaque no cenário dos estudos sobre ensino de língua portuguesa, sobretudo a partir das diretrizes apresentadas pelos dos Parâmetros Curriculares Nacionais, ao postularem que (...) a unidade básica do ensino só pode ser o texto. Os textos organizam-se sempre dentro de certas restrições de natureza temática, composicionale estilística, que os caracterizam como pertencentes a este ou aquele gênero. Desse modo, a noção de gênero, constitutiva do texto, precisa ser tomada como objeto de ensino. Nessa perspectiva, necessário contemplar, nas atividades de ensino, a diversidade de textos e gêneros, e não apenas em função de sua relevância social, mas também pelo fato de que textos pertencentes a diferentes gêneros são organizados de diferentes formas. (BRASIL, p. 23) Entretanto, se há uma clareza em relação à orientação de que o texto deve se constituir como a unidade de ensino e o gênero como objeto de ensino, a noção de gênero encontra-se presente em um terreno em que os termos discursivo e textual precisam ser explicitados. Esses conceitos estão inseridos em vertentes teóricas distintas, mas que possuem em comum as 31 Gêneros textuais e discursivos bases dos estudos de Bakhtin. Segundo Rojo (2005) (...) a primeira – teoria dos gêneros do discurso – centrava- se sobretudo no estudo das situações de produção dos enunciados ou textos e em seus aspectos sócio-históricos e a segunda – teoria dos gêneros de textos - na descrição da materialidade textual. (ROJO 2005, 185) Rojo (2005) esclarece que os trabalhos que adotam a teoria de gêneros de texto buscam analisar elementos da materialidade relativos à estrutura ou forma composicional, noções articuladas à linguística textual. Por sua vez, os trabalhos que adotam a vertente discursiva tendem a selecionar em suas análises os aspectos da materialidade linguística relativos à situação da enunciação, ou discursiva, sem buscar esgotar os aspectos linguísticos ou textuais. A seguir, discutiremos com mais detalhamento a noção de gêneros discursivos e a de textuais. 2.3 Gêneros discursivos 2.3.1 Bakhtin e os estudos sobre os gêneros discursivos Grande parte dos estudos atuais sobre os gêneros buscam em Bakhtin uma base de sustentação. Teórico da literatura, Bakhtin tornou- se autor de destaque nos estudos contemporâneos. Para o autor, a língua é de natureza social e seu estudo deve dar conta da significação completa. A palavra não existe fora de contexto social e os falantes servem-se da língua para suas necessidades comunicativas, pois Na prática viva da língua, a consciência linguística do locutor e do receptor nada tem a ver com um sistema abstrato de formas normativas, mas apenas com a linguagem no sentido de conjunto de contextos possíveis de uso de cada forma particular (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1992, p,25) 32 Gêneros textuais e discursivos Para Bakhtin, a língua não pode ser considerada como um conjunto abstrato de normas e de regras imutáveis e não existe falante e nem enunciado individualizado. Falante e ouvinte são sujeitos sociais, históricos e inseridos numa cultura. Esses sujeitos se constituem nas relações sociais das quais participam e nas interações que estabelecem com o outro através da linguagem e dos enunciados que produzem. Esses enunciados pressupõem enunciados que o precederam e outros que lhe sucederão, constituindo, assim, um verdadeiro diálogo. Em outras palavras: na interação, todo discurso concreto se entrelaça a outros discursos, a outras vozes e a outros pontos de vista, constituindo uma rede ampla de diálogos. Segundo o autor, o objeto de discurso de um locutor concentra em si uma pluralidade de vozes. Assim: O enunciado existente, surgido de maneira significativa num determinado momento social e histórico, não pode deixar de tocar os milhares de fios dialógicos existentes, tecidos pela consciência ideológica em torno de um dado objeto de enunciação, não pode deixar de ser participante ativo do diálogo social. (BAKHTIN, 1998, p. 86) O discurso, segundo Bakhtin, nasce do diálogo. O termo diálogo, na acepção bakhtiniana, refere-se a toda comunicação verbal e deve ser compreendido em um sentido amplo, isto é, como propriedade intrínseca à linguagem e não apenas como uma comunicação face a face. Todo texto dialoga com outros textos; toda cultura dialoga com outras culturas. Por isso, na interpretação de um texto é preciso considerar esses fios dialógicos que se entrecruzam a outros fios produzidos. Todorov nos esclarece que: Um discurso não é feito de frases mas de frases enunciadas, ou, resumidamente, de enunciados. Ora, a interpretação é determinada, por um lado, pela frase que se enuncia, e por outro, por sua própria enunciação. Esta enunciação inclui um locutor que enuncia, um alocutário a quem se dirige, um tempo e um lugar, um discurso que 33 Gêneros textuais e discursivos precede e que se segue; enfim, um contexto de enunciação. (TODOROV, 1980, p. 27) Partindo da interação entre língua e sociedade, Bakhtin afirma que, em cada uma das esferas sociais, ou domínios discursivos, existem “tipos relativamente estáveis de enunciados”- os gêneros do discurso. Cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso. (BAKHTIN, 2003, p.277) Bakhtin usa o termo “esferas sociais” ou campo de utilização da língua para se referir aos espaços sociais das atividades humanas. Assim, há a esfera científica, a literária, a religiosa, a jurídica, a acadêmica, a familiar, a jornalística etc. e em cada uma dessas esferas existem necessidades comunicativas específicas. Cada uma dessas esferas possui, segundo Bakhtin, os “tipos relativamente estáveis de enunciados”. Esses enunciados estão inseridos nessas esferas sociais e, portanto, refletem aspectos temporais, históricos dessa esfera. Refletem ainda a finalidade e as condições de produção específicas dessas instituições. Por exemplo, na esfera religiosa circulam ladainhas, salmos, evangelhos e orações, entre outros, que abordam conteúdos como súplicas de perdão, ensinamentos, doutrinações e pecado. Por sua vez, na jurídica encontraremos conteúdos temáticos relativos à normatização e regulamentação de condutas sociais, a sanções e assim por diante. Na esfera literária, encontramos poemas, contos, romances que tratam de assuntos diversos. Para Bakhtin: “as formas da língua e as formas típicas de enunciados, isto é, os gêneros do discurso, introduzem-se em nossa experiência e em nossa consciência conjuntamente. (...) Aprender a falar é aprender a estruturar enunciados (porque 34 Gêneros textuais e discursivos falamos por enunciados e não por orações isoladas e, menos ainda, é óbvio, por palavras). Os gêneros do discurso organizam nossa fala da mesma maneira que a organizam as formas gramaticais (sintáticas). Aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvir a fala do outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras pressentir-lhe o gênero, adivinhar-lhe o volume (extensão aproximada do todo discursivo), a dada estrutura composicional, prever-lhe o fim, ou seja, desde o início, somos sensíveis ao todo discursivo que, em seguida, no processo da fala, evidenciará suas diferenciações. Se não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo fala, se tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal seria quase impossível.” (BAKHTIN, 2003, p. 302) Assim, numa situação comunicativa, quando algum dos participantes começa seu dizer afirmando “agora vou contar uma de português”, imediatamentenos preparamos para ouvir uma piada e sabemos que o objetivo do participante é o de produzir humor. Por isso, Bakhtin afirma que moldamos nossa fala e nossa escuta a essas formas relativamente de enunciados e que se não houvesse os gêneros discursivos a comunicação verbal seria quase impossível. Os gêneros do discurso ou gêneros discursivos estão intrinsecamente ligados à esfera de comunicação do qual fazem parte e refletem as condições específicas e as finalidades dessas esferas através de três elementos básicos, a saber: 35 Gêneros textuais e discursivos a- Conteúdo temático: A expressão conteúdo temático refere-se aos temas das diferentes atividades humanas, ou seja, o assunto de que vai tratar o enunciado em questão. Trata-se de um domínio de sentido. Por exemplo, vejamos como o tema aquecimento global é tratado em esferas distintas. Texto 01 Fonte: http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://3.bp.blogspot.com. Texto 02 O aquecimento global é uma consequência das alterações 36 Gêneros textuais e discursivos climáticas ocorridas no planeta. Diversas pesquisas confirmam o aumento da temperatura média global. Conforme cientistas do Painel Intergovernamental em Mudança do Clima (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU), o século XX foi o mais quente dos últimos cinco, com aumento de temperatura média entre 0,3°C e 0,6°C. Esse aumento pode parecer insignificante, mas é suficiente para modificar todo clima de uma região e afetar profundamente a biodiversidade, desencadeando vários desastres ambientais. Texto 3 Os textos 01, 02 e 03, embora tratem do mesmo assunto, são provenientes de diferentes instâncias. Assim, o texto 01 busca produzir humor e ao mesmo tempo propõe uma reflexão; o texto 02 busca informar sobre o aquecimento global e o texto 03 explora as multiplicidades da linguagem poética. b- Estrutura composicional: A estrutura composicional corresponde ao modo de estruturar o texto. Cada gênero apresenta uma determinada estrutura. Assim, uma carta possui indicação do local e da data em que essa foi escrita, a saudação e o nome da pessoa para quem se escreve, o texto propriamente dito, a despedida e o nome de quem escreve. Uma receita apresenta o título, ingredientes e modo de fazer. Vejamos: 37 Gêneros textuais e discursivos Além desse aspecto estrutural, o termo estrutura composicional recobre a organização da narração, por exemplo, que se estrutura em torno de equilíbrio inicial, conflito, clímax e resolução do conflito; por sua vez, o artigo de opinião se organiza em torno de um ponto de vista (tese) e de argumentos que sustentem essa posição. c- Estilo de linguagem: o estilo de linguagem corresponde à seleção dos recursos linguísticos (vocabulário, estrutura sintática, escolha lexical, etc.) que serão empregados em função da esfera em que o gênero circulará. Assim, o vocabulário poderá ser mais formal o menos formal, poderá apresentar termos técnicos de determinada área de conhecimento, por exemplo. A estrutura sintática, por sua vez, poderá privilegiar uma sintaxe mais simples ou com estrutura mais complexa, exemplificada por períodos mais longos. As classes de palavras, como conjunções, verbos, nomes (adjetivos e substantivos) também estão inseridas no estilo de linguagem. Até mesmo questões relacionadas à paragrafação e à pontuação estão relacionadas ao estilo de linguagem 38 Gêneros textuais e discursivos para que um gênero atenda às finalidades comunicativas a que se propõe. Vejamos na receita acima o uso dos verbos. Você observou que na primeira parte (ingredientes) não há a presença de verbos? E que na segunda parte (modo de fazer) os verbos estão no infinitivo (colocar, bater, juntar, servir, etc.). Geralmente, no gênero receita, os verbos são empregados como no exemplo acima, ou então no imperativo (coloque, bata, junte, sirva etc.), pois tal gênero, como objetiva instruir o leitor, traz sequências injuntivas. Para tirar a dúvida, vamos ler o texto a seguir, que circulou na internet. O texto brinca com estilo de linguagem de um texto científico. Enquanto faz a leitura, preste atenção no vocabulário, na estrutura sintática, nos tempos e modos verbais, etc. Vá fazendo anotações e marcando trechos que achar interessante. COMO SIMPLIFICAR UM TEXTO CIENTÍFICO Beto Holsel http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/jokes/simpl-texto.html Muitos textos científicos são escritos numa linguagem de difícil compreensão para o grande público. Torna-se necessário traduzi-los para torná-los mais acessíveis ou, pelo menos, para uma difusão mais extensiva da profundidade do pensamento científico. Isto pode ser feito com aplicação de um método engenhoso que consiste na reunião de conceitos fragmentados em outros mais abrangentes que, numa sucessão progressiva de sínteses - ou estágios - reduzem a complexidade do texto original até o nível de compreensão desejado. Se estas colocações parecem ainda obscuras ou abstratas - o que mostra que são científicas - um exemplo muito simples ilustrará o método e facultará ao leitor esperto praticá-lo em outros textos. O exemplo que daremos a seguir é o de um texto altamente informativo em que são discerníveis elementos de Química, Física, Botânica, Geometria e outras disciplinas. Como se verificará, entretanto, essa massa de compreensão pode ficar mais próxima. Ao final do quinto estágio, surgirá, clara e límpida, a síntese mais refinada daquele texto, antes incompreensível, que brilhará singela e cristalina, evidenciando a eficácia do nosso método. TEXTO ORIGINAL O dissacarídeo de fórmula C12H22O11, obtido através da fervura e da evaporação de H2O do líquido resultante da prensagem do caule da gramínea Saccharus officinarum, Linneu, isento de qualquer outro tipo de processamento suplementar 39 Gêneros textuais e discursivos que elimine suas impurezas, quando apresentado sob a forma geométrica de sólidos de reduzidas dimensões e arestas retilíneas, configurando pirâmides truncadas de base oblonga e pequena altura, uma vez submetido a um toque no órgão do paladar de quem se disponha a um teste organoléptico, impressiona favoravelmente as papilas gustativas, sugerindo a impressão sensorial equivalente provocada pelo mesmo dissacarídeo em estado bruto que ocorre no líquido nutritivo de alta viscosidade, produzindo nos órgãos especiais existentes na Apis mellifica, Linneu. No entanto, é possível comprovar experimentalmente que esse dissacarídeo, no estado físico-químico descrito e apresentado sob aquela forma geométrica, apresenta considerável resistência a modificar apreciavelmente suas dimensões quando submetido a tensões mecânicas de compressão ao longo do seu eixo em consequência da pequena deformidade que lhe é peculiar. PRIMEIRO ESTÁGIO A sacarose extraída da cana de açúcar, que ainda não tenha passado pelo processo de purificação e refino, apresentando-se sob a forma de pequenos sólidos tronco- piramidais de base retangular, impressiona agradavelmente ao paladar, lembrando a sensação provocada pela mesma sacarose produzida pelas abelhas em um peculiar líquido espesso e nutritivo. Entretanto, não altera suas dimensões lineares ou suas proporções quando submetida a uma tensão axial em consequência da aplicação de compressões equivalentes e opostas. SEGUNDO ESTÁGIO O açúcar, quando ainda não submetido à refinação e, apresentando-se em blocos sólidos de pequenas dimensões e forma tronco-piramidal, tem o sabor deleitável da secreção alimentar das abelhas, todavia não muda suas proporções quandosujeito à compressão. TERCEIRO ESTÁGIO Açúcar não refinado, sob a forma de pequenos blocos, tem o sabor agradável do mel. Porém não muda de forma quando pressionado. QUARTO ESTÁGIO Açúcar mascavo em tijolinhos tem o sabor adocicado, mas não é macio ou flexível. QUINTO ESTÁGIO Rapadura é doce, mas não é mole. Agora responda: A qual conclusão você chegou sobre o estilo de linguagem empregado no texto lido? Como dito, o texto acima brinca com a linguagem. Mas o que queremos que você tenha observado é a exploração dos recursos de linguagem – estilo – em cada uma das etapas. Se observarmos o primeiro parágrafo (texto original), verificamos que os períodos são mais longos e complexos, a seleção lexical (palavras) contempla termos técnicos como “arestas retilíneas”, Saccharus officinarum, “papilas gustativas”, etc. Tais recursos são adequados aos gêneros que 40 Gêneros textuais e discursivos circulam no espaço acadêmico e científico. À medida em que o texto se desenvolve, as mudanças vão ocorrendo em toda a estrutura textual (vocabulário, extensão etc.) e, ao fina,l temos um provérbio, em um estilo de linguagem mais simples com frases curtas e a presença da repetição. Bakhtin (2003) ressalta, ainda, a natureza heterogênea dos gêneros do discurso (orais e escritos) e classifica-os como primários e secundários. Enquanto os gêneros primários se caracterizam por serem construídos em situações comunicativas verbais espontâneas, tais como cumprimentos, elogios, bate-papos informais, conversas telefônicas, etc. os secundários estão presentes em situações comunicativas culturais mais complexas, e envolvem a escrita. Entretanto, esta classificação não coloca os gêneros em compartimentos fechados, uma vez que os gêneros primários podem tornar-se componentes dos gêneros secundários e, com isso, perdem sua relação imediata com a realidade. Interessa-nos, por fim, compreender que ao analisar um texto sob a perspectiva de gênero discursivo, precisamos considerar não só a categorização/classificação do gênero e suas características. Precisamos, ainda, refletir sobre sua finalidade ou função social, analisar o conteúdo temático, a forma composicional e o estilo de linguagem empregado. Nas palavras de Silva: a noção de gênero discursivo reenvia, em ternos operacionais, a um estudo do uso, (dimensão pragmático- social), da forma (dimensão linguístico-textual) e do conteúdo temático dos discursos, (dimensão temática/macroestrutural) materializados na forma de texto. Em suma, para se depreender a natureza do gênero discursivo, as entradas a serem feitas no texto (aqui tomado como a unidade de análise) hão de contemplar todas as dimensões que o constituem, caso contrário, se apenas iluminar uma delas, deixando as outras à sombra, neutralizando-as, pode-se correr o risco de lidar com outra realidade linguística e aí criar outro objeto de estudo. (SILVA, 1999, p. 86) (grifos nossos) 41 Gêneros textuais e discursivos Para concluir esta discussão, apresentamos o trecho a seguir, retirado de Silva (1999). Tal trecho é bastante esclarecedor sobre os aspectos que são colocados como relevantes quando se adota o termo gêneros discursivos. Historicamente gerados no e pelo trabalho linguístico empreendido pelos sujeitos, os gêneros discursivos submetem-se a um conjunto de condições que cercam o seu funcionamento comunicativo, discursivo, definido em e por seus processos de produção e recepção, bem como o seu circuito de difusão, a saber: a instância social de uso da linguagem (pública ou privada); os interlocutores (locutor e destinatário); o lugar e o papel que cada um desses sujeitos representa no processo interlocutivo, os quais, em grau maior ou menor, sofrem as injunções do lugar social que cada um ocupa na sociedade; a relação de formalidade ou não entre eles; o jogo de imagens ali presente e o jogo de vozes socialmente situadas, orientando o que pode ou não ser dito e como deve fazê-lo; a atitude enunciativa do locutor (intuito discursivo) em relação ao seu objeto de dizer e ao seu destinatário; as expectativas e finalidades deste aliadas a sua a atitude responsiva em relação ao que está sendo enunciado; o registro e a modalidade linguística e o veículo de circulação. Todos esses fatores, em sua relação, imprimem ao discurso uma configuração peculiar no que tange a: (i) a abordagem do tema (esta varia conforme as esferas da comunicação verbal); (ii) o arranjo esquemático (global) em que o conteúdo semântico se assentará; (iii) os modos de organização discursivos (atualização da narração, da descrição, etc.); e, por fim, (iv) a seleção dos recursos linguísticos (o estilo). Enfim, todos esses fatores orientam o modo como o discurso se materializa no texto, este pertencente ao um dado gênero, construído na e por uma esfera da atividade e comunicação humana. (SILVA, 1999, p.93) A seguir, vamos discutir o tema gêneros textuais. 2.3.2 Os gêneros textuais na perspectiva de Bronckart Para Bronckart (2003), os textos são produtos da atividade humana. Logo, encontram-se articulados aos interesses, às necessidades e às condições de funcionamento das formações sociais no seio das quais são produzidos. Os contextos sociais são diversos e evolutivos: no quadro de cada comunidade verbal são produzidos e 42 Gêneros textuais e discursivos circulam diferentes espécies de texto/ gêneros. O autor ressalta que a noção de gêneros – na Antiguidade, aplicada a textos com valor social ou literário – sofreu, a partir de Bakhtin, ampliações passando a ser aplicada ao conjunto de produções verbais organizadas: as formas escritas usuais e ao conjunto de formas textuais orais. Bronckart dialoga com Bakhtin e o adota em seu quadro teórico, reconhecendo o destaque dado por Bakhtin à relação de interdependência entre o domínio das produções de linguagem e o domínio das ações humanas. Entretanto, considera que a terminologia “gêneros discursivos”, empregada por Bakhtin, é flutuante (no conjunto das obras), devido à própria evolução da obra e às traduções. Segundo Bronckart, os gêneros discursivos são entidades vagas e, por isso, são de difícil classificação. Aponta como causas dessa dificuldade: 1- Diversidade de critérios que podem ser utilizados para definir um gênero (baseados no tipo de atividade humana envolvida – gênero jornalístico, científico, etc- , centrados no efeito comunicativo, referentes à natureza, ao suporte, ao conteúdo temático, etc); 2- Mobilidade dos gêneros no espaço histórico-cultural: alguns gêneros reaparecem sob formas diferentes, como o e- mail, por exemplo, que fez com que o gênero carta pessoal praticamente desaparecesse; a fluidez das fronteiras entre gêneros (vamos nos lembrar que um gênero pode assumir a forma de outro gênero, por exemplo, um poema pode assumir a forma de um anúncio e, finalmente, o fato de que novos gêneros podem não ter recebido um nome consagrado. 3- Critérios linguísticos que consideram regras linguísticas especificas, como tempos e modos verbais, uso de pronomes e 43 Gêneros textuais e discursivos de organizadores, etc. Bronckart ressalta que esse critério aplica-se somente aos segmentos que compõem o gênero. Devido a essa dificuldade, Bronckart não considera os gêneros discursivos como objeto de análise e toma como objeto de análise o texto, “unidade de produção de linguagem situada, acabada e autossuficiente” (2003, p.75). Para o autor, o texto é “toda unidade de produçãoverbal que veicula uma mensagem linguisticamente organizada e tende a produzir um efeito de coerência em seu destinatário” (2003, p.137). Assim, os textos são produtos da atividade humana e estão articulados às nossas necessidades, aos nossos interesses e às condições de funcionamento dos contextos sociais em que estamos inseridos e nos quais produzimos nossos dizeres, sejam orais ou escritos. Em outros termos, a noção de texto, engloba não só as produções escritas, mas também os textos orais que produzimos. Para o autor, em função dos objetivos, dos interesses e questões específicas às formações sociais (domínios/ esferas da atividade humana) os falantes elaboram diferentes espécies de texto, que apresentam características relativamente estáveis. Bronckart usa o termo gêneros de texto, que constituem modelos indexados para os usuários da língua. Nas palavras do autor: “Na medida em que todo texto se inscreve, necessariamente, em um conjunto de textos ou em um gênero, adotamos a expressão gênero de texto em vez de gênero do discurso.” (BRONCKART, 2003, p.75) Para Bronckart, todo texto possui uma organização interna em três níveis superpostos e em parte interativos, como um folhado textual. “Concebemos a organização de um texto como um folhado constituído por três camadas superpostas: a infraestrutura 44 Gêneros textuais e discursivos geral do texto, os mecanismos de textualização e os mecanismos enunciativos.” (BRONCKART, 2003, p. 119) A infraestrutura corresponde ao nível mais profundo e comporta o plano mais geral do texto – o conteúdo temático - , as articulações entre os tipos de discurso e articulação entre as sequencias linguísticas que aparecem. Segundo Bronckart, o plano geral pode assumir formas variáveis pois está relacionado ao gênero, ao tamanho do texto, ao conteúdo temático, às condições de produção (suporte, registro oral ou escrito, à circulação, etc.) e também às sequencias linguísticas que o texto. Os mecanismos de textualização compreendem um nível intermediário e são responsáveis pela coerência temática. Envolvem os mecanismos de conexão, coesão nominal e coesão verbal. Por sua vez, os mecanismos enunciativos, um nível superficial, são responsáveis pela manutenção da coerência pragmática do texto, contribuem para o esclarecimento dos posicionamentos enunciativos (quais as vozes e as instâncias que se manifestam?) e indiciam as diferentes avaliações (julgamentos, opiniões, sentimentos) sobre aspectos do conteúdo temático. Vejamos a representação desses planos: 45 Gêneros textuais e discursivos De um modo geral, podemos afirmar que a análise, na perspectiva proposta por Bronckart, apresenta-se em diálogo com os estudos da Linguística Textual. Para o autor, os textos, produtos concretos das ações de linguagem, são constituídos por segmentos/sequências linguísticas diferentes (tais como exposição, relato, diálogo, etc.) e é no nível desses enunciados linguísticos que podemos encontrar regularidades de organização e de marcação linguísticas. Tais enunciados são segmentos constitutivos de um gênero e Bronckart os denomina de tipos de discurso, isto é, “formas linguísticas que são identificáveis nos textos e que traduzem a criação de mundos discursivos específicos” (2003, p. 149). Assim, ao terminarmos esta seção podemos constatar que as denominações “gênero textual” e “gênero discursivo” aliam-se a uma perspectiva epistemológica que toma por base os estudos na perspectiva do texto ou do discurso. De um modo geral, como ambos buscam em Bakhtin um apoio teórico, há muita semelhança entre as análises. IMPORTANTE • Gêneros do discurso (Bakhtin): tipos relativamente estáveis de enunciados; produtos da interação verbal. • Gêneros textuais (Bronckart): constituem modelos indexados para os usuários da língua. A seguir apresentaremos outro autor que discute a questão dos 46 Gêneros textuais e discursivos gêneros. 2.3.3 A teoria dos gêneros em Marcuschi Segundo Marcuschi (2005, p.19) os gêneros textuais são fenômenos históricos e intrinsecamente ligados à vida cultural e social. O aspecto cultural é de suma relevância, conforme se depreende do trecho a seguir: Os gêneros textuais surgem, situam-se e integram-se funcionalmente nas culturas em que se desenvolvem. Caracterizam-se muito mais por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais do que por suas peculiaridades linguísticas e estruturais. (MARCUSCHI, 2005, p. 20) Embora tais modelos sirvam para estabilizar as atividades comunicativas diárias, eles não são modelos estanques: eles surgem e se modificam na cultura. Para Marcuschi (2005, p.20), não são as novas tecnologias de per si que originaram os gêneros, mas sim a intensidade dos usos dessas tecnologias e suas interferências nas atividades comunicativas diárias. E-mails, chats, blogs, fotoblogs, etc. são exemplos desses gêneros emergentes. Entretanto, conforme acentua o autor, eles não são inovações absolutas uma vez que se ancoram em gêneros já existentes: cartas, bilhetes, conversações, diário, etc. O autor estabelece uma distinção entre tipo textual e gênero textual: a) Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de construção teórica definida pela natureza linguística de sua composição {aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas}. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. b) Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados 47 Gêneros textuais e discursivos que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. Se os tipos textuais são apenas meia dúzia, os gêneros são inúmeros. Alguns exemplos de gêneros textuais seriam: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, reportagem jornalística, aula expositiva, reunião de condomínio, notícia jornalística, horóscopo (...) carta eletrônica bate-papo por computador, aulas virtuais e assim por diante (Marcuschi, 2005, 21 et. seq.). Assim, enquanto os gêneros textuais são os textos materializados que circulam socialmente – “são artefatos culturais” – os tipos textuais são as sequências linguísticas que compõem o gênero. Marcuschi esclarece que os tipos textuais são limitados e que entram na composição de vários gêneros. Vejamos como o tipo é encontrado em gêneros diversos, como piada, conto, fábula, história em quadrinho etc. Vejamos alguns exemplos: Texto 01 – Piada Texto 01 – Piada Luizinho, do que você tem mais medo? - Da mula-sem-cabeca, fessora. - Mas, Luizinho, a mula-sem-cabeca não existe. É apenas uma lenda... Você não precisa ter medo. Mariazinha, do que você tem mais medo? - Do saci-pererê, fessora. - Mariazinha o saci-pererê também não existe. E somente outra lenda... Você não precisa ter medo. - E você, Joãozinho? Do que tem mais medo? - Do MalaMen, fessora. - Mala Men? Nunca ouvi falar... Quem é esse tal de Mala Men? - Quem é eu também não sei, fessora. Mas toda noite minha mãe diz na oração: Não nos deixes cair em tentação mas livrai-nos do Mala- Men. Disponível em: http://www.piadasnet.com/piada894joaozinho.htm 48 Gêneros textuais e discursivos Texto 02- Letra de música Era um garoto Que como euAmava os Beatles E os Rolling Stones.. Girava o mundo Sempre a cantar As coisas lindas Da América... Não era belo Mas mesmo assim Havia mil garotas afim Cantava Help And Ticket To Ride Oh Lady Jane, Yesterday... Cantava viva, à liberdade Mas uma carta sem esperar Da sua guitarra, o separou Fora chamado na América... Stop! Com Rolling Stones Stop! Com Beatles songs Mandado foi ao Vietnã Lutar com vietcongs... Ratá-tá tá tá... Tatá-rá tá tá... Ratá-tá tá tá... Tatá-rá tá tá... Ratá-tá tá tá... Tatá-rá tá tá... Ratá-tá tá tá... 49 Gêneros textuais e discursivos Era um garoto Que como eu! Amava os Beatles E os Rolling Stones Girava o mundo Mas acabou! Fazendo a guerra No Vietnã... Cabelos longos Não usa mais Nem toca a sua Guitarra e sim Um instrumento Que sempre dá A mesma nota Ra-tá-tá-tá... Não tem amigos Nem vê garotas Só gente morta Caindo ao chão Ao seu país Não voltará Pois está morto No Vietnã... Stop! Com Rolling Stones Stop! Com Beatles songs No peito um coração não há Mas duas medalhas sim.... Ratá-tá tá tá... Tatá-rá tá tá... Ratá-tá tá tá... Disponível em :http://www.vagalume.com.br/ 50 Gêneros textuais e discursivos Observem que nos dois gêneros encontramos sequências narrativas. Em todos temos personagens, enredo, sequências linguísticas que narram fatos ocorridos (reais ou fictícios), verbos no passado etc. Se antes era possível delimitar gêneros pertencentes à oralidade ou à escrita, hoje o que encontramos são modelos híbridos que rompem a dicotomia entre fala e escrita e evidenciam que essas modalidades se apresentam, na verdade, como um continun. Marcuschi (2001) ressalta que haveria um protótipo de uma modalidade escrita e que não seria aconselhável compará-lo com um gênero protótipo da oralidade. Nesse continun, os textos, em alguns momentos, se entrecruzam e constituem domínios mistos, como, por exemplo, alguns gêneros televisivos que constituem o Jornal Nacional, que são escritos para serem “falados”, ou então alguns gêneros atuais que articulam, em sua composição, oralidade e escrita. 2.3.4 A teoria dos gêneros em Bazerman Seguindo um viés antropológico e social, Bazerman (2005) destaca que os gêneros organizam nossa vida diária. Para ele, há um ciclo ininterrupto de textos e atividades e, socialmente, existem sistemas organizados e bem articulados dentro dos quais determinados textos circulam por caminhos previsíveis e produzem fatos sociais, ou seja, ações linguajeiras significativas que afetam o fazer humano, seus direitos e deveres. Nesse contexto, há padrões comunicativos mais ou menos estáveis e regulares que possibilitam uma compreensão padronizada de determinada situação. Assim, os gêneros são formas de comunicação reconhecíveis e auto reforçadoras que emergem nos processos sociais em que as pessoas interagem através de condutas coordenadas. Bazerman acrescenta que os gêneros podem ser 51 Gêneros textuais e discursivos compreendidos como fenômenos de reconhecimento psicossocial e parte de processos de atividades socialmente organizadas. Em síntese, gêneros são formas tipificadas que tipificam ações sociais. Ao conceito de gênero, Bazerman alia as noções de conjunto de gêneros e sistema de gêneros. O conjunto de gêneros refere-se aos textos que uma pessoa, desempenhando determinado papel, tende a produzir. Por sua vez, um sistema de gêneros engloba os diversos conjuntos utilizados por pessoas que trabalham juntas de uma forma organizada e também as relações padronizadas que se estabelecem na produção e circulação desses documentos. Assim, ao produzir uma petição e enviá-la a um juiz competente, um advogado espera o parecer desse juiz. Nesse processo, diversos gêneros são produzidos dentro de um fluxo comunicativo próprio do sistema judiciário. Outra questão colocada por Bazerman, diz respeito à construção de identidades sociais. A produção de um conjunto de gêneros dentro de um sistema de atividades permite o desenvolvimento de identidades social e formas de vida coletivas, próprias daquele espaço sócio-discursivo. Bazerman ressalta que apesar do interesse de pesquisadores em localizar e categorizar os gêneros, essa tarefa é dificílima, uma vez que os gêneros são fatos sociais e não apenas fatos linguísticos. Qualquer categorização torna-se redutora e empobrece a realização individual de cada texto. ATIVIDADES 1. Após a leitura deste capítulo, faça uma síntese destacando as principais ideias sobre os gêneros, na perspectiva dos autores 52 Gêneros textuais e discursivos apresentados. 2. Reflita sobre os gêneros a seguir e preencha o quadro com as informações solicitadas: Gênero textual Características formais Função social Estilo de linguagem reportagem notícia Carta pessoal música poema 53 Gêneros textuais e discursivos UNIDADE 3 TIPOS TEXTUAIS E SUPORTES TEXTUAIS 54 Gêneros textuais e discursivos 3.1- Compreendendo a noção de tipos textuais É comum encontrarmos nos textos teóricos, nas diretrizes e nas propostas curriculares e em livros didáticos, o uso das expressões “tipo textual” e “tipologias textuais”. Os textos apresentam-se em diferentes tipos porque esses tipos se concretizam devido à existência de diferentes modos de interação entre as pessoas. Assim, o estudo dos textos e dos diferentes gêneros textuais é fundamental para o desenvolvimento das competências linguística, comunicativa e discursiva doa aprendizes e não fazê-lo poderá implicar em prejuízos para o uso adequado da língua. Sem nos prender aos aspectos históricos que fazem parte dos estudos sobre os tipos textuais, discutiremos aqui apenas questões conceituais relacionadas à tipificação mais tradicionalmente difundida pelos teóricos que estudam a temática. Para entender essa questão, leia a definição apresentada abaixo: 55 Gêneros textuais e discursivos Tipologia Textual é um termo que deve ser usado para designar uma espécie de sequência teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição. Em geral, os tipos textuais abrangem as categorias: narração, argumentação, exposição, descrição e injunção (Swales, 1990; Adam, 1990; Bronckart, 1999). Esse termo é usado para designar uma espécie de sequência teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas) (MARCUSCHI, 2005, p. 22). O tipo textual é uma noção que remete ao funcionamento da constituição estrutural do texto, ou seja, um texto configurado em um determinado gênero (piada, charge, história em quadrinhos, resenha etc), pode trazer na sua organização vários tipos textuais, os quais compõem a tessitura do texto, a estrutura composicional do texto em questão. De acordo com Travaglia (2007), o tipo pode ser identificado e caracterizado por instaurar um modo de interação, uma maneira de interlocução, segundo perspectivas que podem variar constituindo critérios para o estabelecimento de tipologias diferentes. O autor expõe várias formas para classificar os tipos textuais, entre as quais merecem destaque: a) a proposta de Adam (1993) que elenca as sequências narrativa, descritiva, argumentativa explicativa e dialógica (conversacional). b) a proposta de Dolz e Schneuwly (2004) que enumera cinco tipos de textos que são comumente referidos como ordens ao listar gêneros que pertenceriam a cada ordem ou tipo. As cinco ordens são: narrar, relatar, argumentar, expor e descrever
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