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O atraso econômico em perspectiva histórica – A. Gerschenkron Luís Victor Mota Freitas TERMOS-CHAVE: atraso econômico, países atrasados x avançados, contexto histórico na industrialização Objetivo: Comumente se pensa que o que os países atrasados, quando buscam se industrializar, é imitar o processo de industrialização dos países já desenvolvidos. Nesse texto, Gerschenkron busca mostrar que países atrasados têm contextos diferentes, que variam segundo diversos fatores, e vão exigir atitudes diferentes para o processo de industrialização conforme as particularidades desses fatores. Para isso, ele expõe elementos importantes do processo de industrialização de países atrasados durante o século XIX. 1 - OS ELEMENTOS DO ATRASO Muito do que pensamos sobre as industrializações atrasadas decorre da seguinte generalização marxista: “a história dos países industrializados mais adiantados traça a rota do desenvolvimento das nações mais atrasadas”. É como se os países com indústria desenvolvida mostrassem aos outros o futuro, e os menos desenvolvidos tivessem que apenas seguir isso. Isso é, em parte, verdadeiro, porém o desenvolvimento dos países atrasados, justamente por serem atrasados, pode se dar de maneira bastante diferente. Alguns dos fatores de divergência dos países atrasados, no seu processo de desenvolvimento, são: Ø Velocidade do crescimento; Ø Estrutura produtiva; Ø Instrumentos institucionais; Ø O “espírito” ou “ideologia” que vigora no país à época. Esses elementos são discutidos com mais detalhe ao longo do texto. Para Gerschenkron, existe, no período pré industrialização, uma tensão entre os obstáculos ao seu desenvolvimento industrial e a grande promessa inerente ao desenvolvimento. Enquanto ainda existem obstáculos institucionais importantes, como a servidão de camponeses e a ausência de unificação política, a industrialização do país não parece possível, então é preciso que se passe por um período de preparação antes de se efetuar o desenvolvimento industrial propriamente dito. Quanto mais atrasado um país é, maiores são os ganhos esperados da industrialização, e o próprio atraso do país faz com que ele possa tomar emprestado o know-how e as maquinarias estrangeiras já desenvolvidas por países adiantados. Geralmente, é preciso que a tensão entre a pré industrialização e os benefícios esperados da industrialização seja grande o suficiente para que o processo de industrialização ocorra. Os países atrasados têm mão de obra mais barata do que os desenvolvidos, o que é visto tanto como uma barreira quanto como uma vantagem para a industrialização. Na prática, porém, é uma situação complexa, que varia de país para país, e segundo Gerschenkron um dos grandes problemas com a mão de obra nos países atrasados é o de ela ser ligada ao campo ou a outras formas de produção. Discipliná-la para o trabalho fabril é algo difícil e que leva tempo, e é um processo pelo qual passaram todos os países que já se industrializaram. A aplicação das tecnologias mais modernas foi uma característica fundamental das industrializações de sucesso, principalmente em um ambiente em que havia competição com os países adiantados. Industrializações atrasadas tendem a se concentrar em setores que passaram por um grande desenvolvimento tecnológico recente, adotando as tecnologias mais modernas possíveis e fazendo fábricas de grande porte, muitas vezes maiores e mais tecnológicas do que as dos países adiantados. Isso se dá pela necessidade de suplantar esses países na concorrência, e a mão de obra mais barata nos países atrasados lhes dá uma vantagem competitiva, que combinada com um setor altamente moderno, faz com que o país possa passar pela industrialização. Esse processo, no entanto, não pode ocorrer nos setores que exigem conhecimento muito desenvolvido e habilidades tecnológicas muito especiais, porque isso é algo que toma tempo para um país adquirir. Na produção de ferro e aço, vários países atrasados superaram os países desenvolvidos durante a sua industrialização, porém a produção de tecidos inglesa, um dos setores mais complexos, não foi desafiada por nenhum país durante o século XIX. Os processos de industrialização geralmente ocorrem em múltiplas frentes ao mesmo tempo, já que a industrialização é um processo com grande complementaridade. Por exemplo, é difícil construir uma ferrovia se não há também minas de carvão por perto. Um setor complementa o outro de maneira a gerar economias externas (externalidades positivas) para esses outros setores, auxiliando no seu desenvolvimento. Todos os elementos básicos acima citados são em muito reforçados por questões ideológicas e institucionais dos países atrasados. Nas seções abaixo, se discutirá quais são esses fatores e como eles operam em vários níveis de atraso. 2 - OS BANCOS Nessa seção, Gerschenkron usa o exemplo do período de Napoleão III no poder na França, de 1848 a 1870, e os benefícios à industrialização nele ocorridos. Com o tratado de Cobden- Chevallier em 1860, houve a redução de tarifas aduaneiras, e também o fim das proibições de importação. O tratado trouxe novos ares à indústria francesa, que passou a participar mais do ambiente competitivo do comércio internacional e ter acesso a matéria prima mais barata, produzida no exterior e de maneira mais eficiente. Porém, um dos avanços mais importantes ocorridos durante o governo de Napoleão III foi o desenvolvimento da atividade bancária. Os bancos de investimento tiveram um papel fundamental na Europa, financiando ferrovias, minas, fábricas, canais, portos e o desenvolvimento de cidades. O Crédit Mobilier, fundado pelos irmãos Pereire em 1852, foi um banco projetado para financiar necessidades de investimento de longo prazo, o que era algo completamente diferente do que os bancos ingleses faziam à época, que só atendiam a empréstimos de curto prazo. A Inglaterra, por ter tido uma industrialização pioneira e mais gradual, não precisou desses instrumentos, mas ele foi de suma importância em países atrasados. O efeito irruptivo da invenção dos irmãos Pereire repercutiu por toda a Europa, e transformou o sistema bancário europeu, com diversos bancos tendo sido criados à imagem dele. Até na própria França, embora o Crédit Mobilier tenha colapsado em 1867, devido a um conflito com o antigo sistema bancário francês, a disputa fez com que os seus concorrentes adotassem as suas práticas bancárias. Na Alemanha, surgiram bancos universais, que combinaram a ideia dos Pereire com o crédito a curto prazo, gerando instituições financeiras muito mais sólidas do que o próprio Crédit Mobilier. Os bancos alemães conseguiram desenvolver uma relação muito próxima com a indústria, oferecendo crédito de longo prazo e até formando um conselho de supervisão para as empresas, fazendo uma parceria tanto financeira quanto empresarial e administrativa. Toda essa estrutura dos bancos alemães fez com que a indústria desse país fosse bem diferente da inglesa em sua organização. Isso, por fim, acabou sendo vantajoso, tendo a Alemanha na verdade se beneficiado muito por ter sido precedida pela Inglaterra. A experiência alemã ocorreu de maneira similar também em diversos outros países, como Áustria, Itália, Suíça e Bélgica. 3 - O ESTADO Houve países em que os elementos de atraso eram bastante acentuados em comparação com a França e a Inglaterra. Esses países não puderam passar pelos processos acima, e tiveram que fazer uso de outros elementos institucionais para que pudessem conseguir obter o desenvolvimento industrial. A Rússiaé um desses países, em que a servidão permaneceu até 1861 e foi um grande fator de atraso. Historicamente, a Rússia havia passado por desenvolvimento econômico associado as questões militares, o que fez com que esse crescimento ocorresse de maneira bastante irregular. Quando o aparato militar era necessário ao país, o crescimento econômico ocorria, e caso contrário ele diminuía de intensidade. Como crescimento não era contínuo, as gerações que passavam por período de crescimento tinham um fardo enorme nas costas, já que não havia uma estrutura de longo prazo desenvolvida para permitir o crescimento gradual. Devido às altas exigências impostas à população, o governo precisava usar estratégias de opressão para combater a fuga da população russa, como o trabalho forçado. Consequentemente, a alta demanda de esforço sobre a população fazia com que o crescimento não pudesse ser constante, já que isso estaria além dos limites físicos da capacidade da própria população. Depois de um tempo, o Estado parou de fazer uso dos servos para o crescimento econômico. Porém, a partir de então, a nobreza tomou o lugar do Estado, demandando uma pesada carga de trabalho dos servos e constituindo um grande fator de atraso. As reformas russas, ocorrendo por volta de 1860, tomaram medidas como a de acabar com a servidão, e tiveram o papel de montar as bases para que a industrialização pudesse ocorrer, ocorrendo de maneira similar a outros países, como Alemanha e França. A industrialização de maneira intensa só começou a ocorrer na Rússia a partir de 1880, tendo sido alavancada pela construção de ferrovias feita pelo Estado. Algumas das medidas tomadas pelo Estado para garantir o desenvolvimento industrial foram: protecionismo, destinação de parte das receitas estatais à industrialização, estabilização do rublo e adoção do padrão-ouro. No período pré-industrial, alguns dos obstáculos mais significativos à industrialização russa eram a escassez de capital, que mesmo através de um bom sistema bancário não teria conseguido arrecadar recursos o suficiente para a industrialização, e os baixos padrões de honestidade dos negócios, resultando em uma população indisposta a emprestar o seu dinheiro a bancos mesmo que eles existissem. Foi preciso que o Estado guiasse o processo, desviando verbas de consumo para investimento, para que a industrialização pudesse começar. 4 - AS GRADAÇÕES DO ATRASO Um dos principais efeitos de uma industrialização bem-sucedida é o estabelecimento de um processo de diminuição gradual dos atrasos, e aqui novamente pode se fazer um paralelo entre Alemanha e Rússia. Na Alemanha, já na virada do século XX, havia uma nítida mudança na relação entre bancos e indústria. As indústrias começaram a se separar dos bancos, gradualmente ganhando independência, e a união entre bancos e indústrias, característica do processo de industrialização atrasada, foi terminando. Já na Rússia, até por volta de 1900 a industrialização foi conduzida pelo governo. Após um período de conflitos internos, que duraram de 1900 e 1906, o alto crescimento industrial foi retomado, mas sem necessitar dessa vez do suporte estatal. As condições da Rússia à época já eram bem diferentes do que algumas décadas atrás, já havendo uma maior confiança da população nos empresários e uma maior disponibilidade de capital. Aqui, porém, embora o Estado não tivesse uma participação tão ativa, os bancos passaram a ocupar seu lugar, de maneira similar ao que tinha acontecido na Alemanha, e assim a indústria ainda não era independente. Essa mudança pode se classificar como uma exigência do grau de atraso da Rússia nesse momento. 5 - IDEOLOGIAS DA INDUSTRIALIZAÇÃO ATRASADA Na França, os indivíduos que chegaram ao poder junto com Napoleão III não eram pessoas isoladas, mas sim pertencentes a um grupo bem definido, os socialistas sansimonianos. É surpreendente, à primeira vista, que um dos grupos que mais contribuiu para o desenvolvimento do capitalismo na França tenha sido socialista, e que os irmãos Pereire tenham sido ardentes defensores do sansimonismo até a sua morte. Saint-Simon, apesar de ter ideias corporativas e ser altamente favorável à indústria, tinha também interesse pelas “classes mais numerosas e sofredoras”. Ele via a revolução industrial como um meio de dar, futuramente, uma boa condição de vida a todos. Os seus seguidores adotaram ainda mais ideias socialistas, buscando mudanças políticas que dessem suporte a elas, mas ainda assim deram um importante papel aos bancos. Isso foi uma percepção bastante não utópica, e fundamental para o desenvolvimento da indústria, tanto na França quanto fora dela, onde essa influência chegou. A importância desse elemento ideológico na França ocorre porque só o laissez-faire não era forte o suficiente para promover a industrialização, devido à situação de atraso francesa. Era preciso algo além, e as ideias de Saint-Simon forneceram justamente isso, que foi uma fé de um futuro melhor, pelo qual as pessoas lutariam. Essas ideias foram adotadas com um fervor quase que religioso, muitas das vezes. Friedrich List, amigo próximo de Saint-Simon, fez algo similar no contexto germânico. Porém, na Alemanha a situação era outra, e não se podia simplesmente disseminar as mesmas ideias que tinham tido sucesso na França. Devido às falhas de unificação da Alemanha, esse era um ponto muito mais importante para os alemães naquele momento, e portanto o nacionalismo era a ideologia necessária para alavancar o desenvolvimento industrial. List o promoveu, e, como o esperado, a estratégia acabou tendo sucesso. Já na Rússia, por estar em condições de um atraso muito maior, precisava de algo mais forte do que tanto a ideologia francesa ou a germânica. Lá, o que desempenhou esse papel foi o marxismo, bastante aceito por intelectuais russos. No contexto marxista, o capitalismo é uma etapa necessária para se chegar ao socialismo, então era preciso que se passasse pela industrialização. Com esse apoio ideológico, o desenvolvimento industrial russo foi bastante intenso ao fim do século XIX. 6 - CONCLUSÕES Do que foi tratado acima, pode se chegar a algumas conclusões gerais sobre o processo de industrialização nos países atrasados: Ø A demanda por industrialização acelerada é comum nos países atrasados, e pode ser uma exigência do contexto em questão; Ø Tendências dos países atrasados de terem fábricas grandes e tecnologia de ponta não deve ser considerada uma megalomania; Ø Imitação dos países avançados pelos atrasados é algo que combina com uma gama de elementos locais. É natural que isso ocorra, pois contexto do atraso exige medidas diferentes; Ø Quanto maior o atraso, maior os potenciais ganhos com a industrialização, porém maiores também os obstáculos. Gerschenkron faz uma análise mais detalhada sobre esse último item. Ele nota que, quanto maior o atraso de um país, maiores são os ganhos potenciais que ele tem com a industrialização, porém também são maiores os obstáculos a ela. O progresso industrial é um processo árduo e dispendioso, enquanto o progresso médico é mais barato. Por isso, os países atrasados vão melhorando os seus padrões de saúde, levando a uma superpopulação, e assim as revoluções industriais são facilmente derrotadas por contrarrevoluções malthusianas. Quanto mais um país se atrasa, mais as tensões sociais se intensificam. O próprio governo soviético, segundo o autor, é um produto do atraso do país. Se a revolução industrial fosse feita com mais antecedência, a insatisfação camponesa,principal força propulsora da Revolução Russa, não teria chegado ao nível onde chegou. O governo soviético, a longo prazo, teve mais oposição do que apoio da população, pois acabou usando os trabalhadores de maneira ainda mais intensa para o desenvolvimento econômico do que o governo russo havia feito historicamente. A razão para a manutenção soviética no poder foi a promessa de felicidade futura e, mais fortemente, a ameaça militar externa. Portanto, Gerschenkron conclui que perigos como esse, que podem afetar todo o planeta, fazem com que o atraso das nações seja uma questão para o mundo inteiro, e não só para os países atrasados. Se os países adiantados colaborarem para o desenvolvimento dos atrasados, eles podem acabar se beneficiando ao evitar cenários como o da União Soviética, ou outros até piores.
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