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FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTERIO PUBLICO HERMENÊUTICA JURÍDICA GRADUAÇÃO EM DIREITO Marcos Ferreira HERMENÊUTICA RICHARD E.PALMER Resenha Argumentativa Porto Alegre – Brasil Junho / 2014 Fundação Escola Superior do Ministério Público – Prof. Anízio Pires Página 1 PRIMEIRA PARTE SOBRE A DEFINIÇÃO , ÂMBITO E SIGNIFICADO DA HERMENÊUTICA Hermenêutica Jurídica - Richard E.Palmer Página 2 1 INTRODDUÇÃO Hermenêutica é uma palavra que cada vez mais se ouve nos círculos teológicos, filosóficos e mesmo literários. A Nova Hermenêutica emergiu como um movimento dominante da teologia protestante europeia, defendendo a hermenêutica como um ponto central dos atuais problemas teológicos. Houve três conferências sobre hermenêutica de âmbito internacional: Drew University: é possível encontrar várias obras recentes em inglês sobre hermenêutica num contexto teológica; Martin Heidegger: conjunto de ensaios recentemente publicados, discute o caráter persistentemente hermenêutico do seu próprio pensamento, no que respeita tento o primeiro como o último Heidegger. Na obra de Hirsch Validdity in Interpretation. Um ensaio completo sobre hermenêutica, constituindo um desafio às ideias dominantes da crítica atual. Segundo Hirsch, a hermenêutica pode e deve servir de disciplina fundamental, preliminar a toda a interpretação literária. O termo não é uma palavra usual quer na filosofia quer na crítica literária; e mesmo em teologia o seu uso aparece muitas vezes num sentido restrito que contrasta com o uso largamente feito na “nova hermenêutica” teológica contemporânea.Mas o que é mesmo hermenêutica? Segundo Webster Third New Intarnational Dicionary é um estudo de princípios metodológicos de interpretação e de expressão. Temos contudo uma necessidade no sentido da abordagem introdutória à hermenêutica num contexto não teológico, orientado para a classificação do sentido e do âmbito do termo. Filosoficamente falando, a interpretação literária na Inglaterra e na América atua de um modo geral num contexto realista. A percepção que cada um tem da obra é considerada separadamente da própria obra. A crítica moderna literária tornou-se cada vez mais tecnológica. Iniciou-se cada vez mais a abordagem do cientista. O texto de uma obra literária tende a ser analisado numa total separação relativamente a qualquer sujeito presente, e a “análise” é considerada como sendo virtualmente sinônima de “interpretação”. A interpretação literária de um modo geral é ainda essencialmente encarada como um exercício de dissertação conceitual do objeto literário. Lembremos que o diálogo abre o universo da obra literária sendo o mesmo imprescindível para a compreensão textual. Fundação Escola Superior do Ministério Público – Prof. Anízio Pires Página 3 Conclui-se que as obras literárias serão consideradas mais perfeitamente não enquanto objetos de análise, mas como textos que falam, criados por seres humanos. Uma interpretação literária, hermenêutica e as interpretações das obras A tarefa da interpretação e o significado da compreensão são diferentes – uma mais indefinível, outra mais histórica – , no que respeita a uma obra e no que respeita a um “objeto”. A hermenêutica é o estudo da compreensão, é essencialmente a tarefa de compreender textos. A hermenêutica chega à uma dimensão mais autêntica quando deixa de ser um conjunto de artifícios e de técnicas de explicação de texto e quando tenta ver o problema hermenêutico dentro do horizonte de uma avaliação geral da própria interpretação. Existem várias maneiras de se considerar uma interpretação e o emprego da palavra: O cientista chama “interpretação” à análise que faz dos dados; o crítico literário chama “interpretação” à análise que faz de uma obra. Na verdade, desde que acordamos de manhã estamos a interpretar. A interpretação é, portanto, talvez o ato essencial do pensamento humano, pois o fato de existir pode ser considerado com um processo constante de interpretação. É claro que há uma interpretação constante a muitos níveis linguísticos tecidos pela convivência humana. A existência humana tal como a conhecemos implica sempre a linguagem e, assim, qualquer teoria sobre interpretação humana tem que lidar com o fenómeno da linguagem, pois a linguagem molda a visão do homem e o seu pensamento. A interpretação é, portanto, um fenómeno complexo e universal. A compreensão é um fenómeno epistemológico e ontológica. Hermenêutica Jurídica - Richard E.Palmer Página 4 2 HERMENEUEIN E HERMENEIA: O SIGNIFFICADO MODERNO DO SEU ANTIGO USO Esta palavra, o verbo hermeneuein e o substantivo hermeneia, mais comuns, remetem o deus-mensageiro-alado Hermes, de cujo nome as palavras aparentemente derivam. Um significado que é considerável é Hermes se associe a uma função de transmutação – transformar tudo aquilo que ultrapassa a compreensão humana em algo que essa inteligência não consiga compreender. Há três orientações para hermeneuein: 1 ) exprimir em voz alta, ou seja, ”dizer; 2 ) explicar; 3 ) traduzir. Os três significados podem ser expressos pelo verbo português “interpretar”. A interpretação pode pois referir-se a três usos bastante diferentes: uma recitação oral, uma explicação racional e uma tradução de outra língua. A primeira orientação fundamental do sentido de hermenneuein é “exprimir”, ”afirmar” ou “dizer”. O dizer e a recitação oral enquanto “interpretação” recordam aos literatos um nível que muitos deles tendem a desprezar ou mesmo a esquecer. A linguagem escrita não tem a “expressividade” primordial da palavra falada. As palavras orais parecem ter um poder mágico, mas ao tornarem-se imagens visuais perdem muito desse poder. É habitual imaginar que o texto fala por si – “vida própria” – , sem a ajuda de dados biográficos, históricos ou psicológicos. O próprio texto tem o seu “ser” nas palavras, no seu arranjo, nas suas intenções, e nas intenções da obra enquanto ser de uma determinada espécie. Uma segunda orientação significativa de hermeneuein é “explicar. Podemos exprimir um situação sem a explicar; exprimi-la é interpretá-la, mas explica-la é tembém uma forma de interpretação. Aristóteles define hermeneia referindo-se à operação da mente que formula juízos que têm a ver com a verdade ou falsidade das coisas. Nessa ideia, a interpretação é a operação fundamental do intelecto quanto formula um juízo verdadeiro sobre uma coisa. A enunciação (interpretação) não pode, segundo Aristóteles, confundir-se com a lógica, porque a lógica provém da comparação da comparação de juízos formulados. A enunciação é a formulação dos próprios juízos, não é um processo de raciocínio que parte do conhecimento para o desconhecido. A enunciação não é por tanto lógica, retórica ou Fundação Escola Superior do Ministério Público – Prof. Anízio Pires Página 5 poética, mas mais fundamental; é a enunciação da verdade (ou falsidade) de uma coisa enquanto juízo. Todavia, a compreensão que serve de base à interpretação já molda e condiciona interpretação – é uma interpretação preliminar, mas uma interpretação que provocará toda a diferença (mudança) porque coloca o palco para uma interpretação subsequente. Lembremos aqui que o enquadramento do horizonte no qual se coloca a compreensãoé o fundamento de uma interpretação oral é o que verdadeiramente comunicativa. Ressalto também que a interpretação oral é o que todos fazemos quando ao ler um texto procuramos fornecer todas as nuances do seu significado; pode não ser um público ou mesmo em voz alta. De certo modo, por um processo dialético, há uma compreensão parcial que é usada para compreendermos cada vez mais. À medida que consideramos estas duas orientações da interpretação (dizer e explicar), a complexibilidade do processo interpretativo e o modo como ele se baseia começam a aparecer. A interpretação como “dizer”, relembra a natureza da leitura como “performance”; contudo, mesmo na “performance” que é ler um texto literário, o autor tem que o compreender. Outra complexibbilidade da compreensão surge também com a língua, pois “interpretar” significa “traduzir”. Quando um texto é na própria língua do autor, o choque entre o mundo do texto e o seu autor pode passar despercebido. Quando o texto é uma língua estrangeira, o choque quando o mundo e o texto do autor pode passar despercebido. O ato de traduzir não é uma simples questão mecânica de encontrar sinônimos, mas uma preliminar para a pré-compreensão referente ao contexto histórico (bagagem do interprete). A tradução conscientiza-nos, pois, do choque entre o nosso universo de compreensão e aquele em que a obra atua. Hermenêutica Jurídica - Richard E.Palmer Página 6 3 SEIS DEFINIÇÕES MODERNAS DE HERMENÊUTICA Há uma justificação histórica para esta definição, visto que a palavra encontrou o seu uso atual precisamente quando seguiu a necessidade de regras para uma exegese adequada das Escrituras. Mesmo lendo o título, percebemos que a hermenêutica se diferencia da exegese quando metodologia da interpretação. A distinção entre o comentário real (exegese) e as regras, métodos ou teoria que o orientam (hermenêutica) data desta utilização primitiva e permanece fundamental para uma distinção da hermenêutica, quer na teologia quer, quando a definição foi ulteriormente alargada, relativamente à literatura não bíblica. Na Inglaterra e mais tarde na América, a utilização da palavra “hermenêutica” seguiu a tendência geral de referência a uma exegese especificamente bíblica. Tanto a escola de interpretação bíblica “gramatical” como a “histórica” , afirmam que os métodos interpretativos aplicados à Bíblia, eram precisamente os que se aplicam às outras obras.Com o aparecimento do racionalismo, os intérpretes sentiram obrigados a tentar juízos prévios. A tarefa da exegese era pois entrar profundamente no texto, usando as ferramentas da razão natural e encontrando aquelas grandes verdades morais que os escritores do Novo Testamento pretendiam, verdades escondidas sob diferentes termos históricos. Para além da fé Iluminista nas “verdades morais” que levou ao que hoje parece uma distorção da mensagem bíblica, de um modo geral, as consequências na hermenêutica e na investigação bíblica foram salutares. A interpretação bíblica fez desenvolver técnicas de análise gramatical de grande requinte, e os intérpretes comprometeram-se mais do que nunca num conhecimento total do contexto histórico das narrações bíblicas. Com todos estes progressos, os métodos da hermenêutica bíblica tornaram-se essencialmente sinônimos de uma teoria secular da interpretação – insto é, da filosofia clássica. E, pelo menos, desde o Iluminismo até aos nossos dias os métodos de investigação bíblica têm estado sempre ligados à filosofia. O termo “hermenêutica”, inalterável, tornou – se virtualmente idêntico a uma metodologia filosófica. Dizer que a concepção de uma hermenêutica estritamente bíblica, se transformou gradualmente na de uma hermenêutica considerada como conjunto de regras gerais de exegese filosófica, sendo a Bíblia um objeto entre outros de aplicação dessas regras. Fundação Escola Superior do Ministério Público – Prof. Anízio Pires Página 7 Lembremos aqui que é característica de Schleiermacher ter repensado a hermenêutica como “ciência” ou ‘arte” da compreensão. O resultado não é simplesmente uma hermenêutica filosófica mas conjuntos de princípios que possam servir de base a todos os tipos de interpretação de texto. Dilthey viu na hermenêutica a disciplina central que serviria de base a todos as disciplinas centradas na compreensão da arte, comportamento e escrita do homem. Dilthey defendia que a interpretação das expressões essenciais da vida humana, seja ela do domínio das leis, da literatura ou das Sagradas Escrituras, implica um ato de compreensão histórica, uma operação fundamentalmente diferente da quantificação, do domínio científico do mundo natural; porque neste ato de compreensão histórica está em causa um conhecimento pessoal do que significa sermos humanos. Num estádio primitivo do seu pensamento, Dilthey procurou fundamentar a sua crítica numa versão transformadora da psicologia; mas, como a psicologia não era uma disciplina histórica ,os seus esforços foram dificultados desde o começo. Dilthey encontrou na hermenêutica a base mais humana e histórica para o seu próprio esorço de formulação de uma metodologia verdadeiramente humanística das Geisteswissenschaften. Neste contexto, a hermenêutica não se refere à ciência ou às regras da interpretação textual nem a uma metodologia para as Geisteswissenschaften mas antes á fenomenologia da própria existência humana. A análise de Heidegger indicou que a “compreensão” e a “interpretação” são modos fundantes da existência humana. Assim a hermenêutica heideggeriana do Dasein, transforma-se também em hermenêutica, especialmente na medida em que apresenta uma ontologia da compreensão; a sua investigação é de caráter hermenêutico, quer nos conteúdos quer no método. A hermenêutica avança ainda aos um passo entrando na sua fase linguística, com a controversa afirmação de Gadamer de que !um ser pode ser compreendido é ilinguagem”. A hermenêutica é um encontro com o Ser através da linguagem. Ultimamente, Gadamer defendeu o caráter linguístico da própria realidade humana, e a hermenêutica mergulha nos problemas puramente filosóficos da relação e da realidade. A psicanálise, e particularmente a interpretação dos sonhos, é muito obviamente uma forma de hermenêutica. A hermenêutica é o processo de decifração que vai de um conteúdo e de um significado interpretativo. Hermenêutica Jurídica - Richard E.Palmer Página 8 4 A LUTA CONTEMPORÂNEA SOBRE HERMENÊUTICA: BETTI “VERSUS” GADAMER Todo nós temos , por um lado, a tradição de Scheleiermacher e de Dilthey, cujos partidários encaram a hermenêutica como um corpo geral de princípios metodológicos que subjazem à interpretação. E temos, por outro, os seguidores filosófica das características e dos requisitos necessários a toda a compreensão. Betti, na tradição de Dilthey, pretende dar-nos uma teoria geral do modo como “as objetivações” da experiência humana pode ser interpretadas; defende veemente a autonomia do objeto de interpretação e as possibilidades de uma “objetividade” histórica na elaboração de interpretações válidas. Gadamer, na sequência de Heigger, orienta o seu pensamento para a questão mais filosófica do que è a interpretação em si mesmo; defende de um modo igualmente convincente que a compreensão é um atoo histórico e que como tal está sempre relacionada com o presente. A tônica da desmitologização de Bultmann reside na transformação do conhecimento de cada um. Assim, por exemplo, não só o conceito que Bultmann tem dohomem com ser histórica orientado para o futuro, está muito perto do que se defende em Ser e Tempo como há também pelo menos três aspectos específicos em que a teologia de Bultmann segue Heigger: 1º Na distinção entre a linguagem usada como mera informação que se deve interpretar objetivamente como um fato e a linguagem plena de contributos pessoais e de poder de impor obediência que se assemelha ao conceito heideggeriano do caráter derivativo das asserções (especialmente lógicas). 2º Na ideia de que Deus confronta o homem enquanto Palavra,enquanto linguagem, que se assemelha à tônica crescente dada por Heidegger ao caráter linguístico de que o Kergma com a palavra das palavras, fala por uma autocompreensão existencial. A hermenêutica de Betti Betti queria distinguir os diferentes modos de interpretação das disciplinas humanas e formular um corpo básico de princípios com os quais se interpretasse as ações do homem e os objetos. Se há que fazer uma distinção entre o momento de compreender um objeto por si mesmo e o momento de ver o significado existencial do objeto através da nossa própria vida e do nosso futuro, em tão podemos dizer que este último ponto de vista é nitidamente a preocupação de Gadamer, de Bultmann e de Ebeling, enquanto a preocupação de Betti tem sido determinar a natureza da interpretação “objetiva”. Fundação Escola Superior do Ministério Público – Prof. Anízio Pires Página 9 Betti de modo algum pretende omitir da interpretação o momento subjetivo ou mesmo negar a sua necessidade em toda a interpretação humana. Betti defende que a recente hermenêutica alemã se tem de tal modo ocupado com o fenômeno do Sinngebung (a função do intérprete na atribuição de sentido ao objeto) que acabou por se equacionar com a interpretação. A defesa que Betti faz da objetividade é ilustrada com alguns exemplos de regras de hermenêutica e com objeções à posição de Gadamer. Para Betti, o objeto a interpretar é uma objetivação do espírito expressa de uma forma sensível. A interpretação, portanto, é necessariamente um reconhecimento e uma reconstrução do significado que o seu autor foi capaz de incorporar, usando um determinado tipo de materiais. Assim, como Betti observa, é perfeitamente absurdo falar de uma objetividade que não envolva subjetividade do intérprete. Uma segunda regra é a do contexto, ou seja, a totalidade no interior da qual as partes individuais são interpretadas. Numa terceira regra geral, Betti reconhece o “caráter tópico” do significado, isto é, a relação com a própria posição e cm os atuais interesses do intérprete que toda a compreensão envolve. O intérprete de um acontecimento passado, necessariamente o interpretará em termos daquilo que experimentou. As críticas de Betti a Gadamer levantam sérias objeções à “intersubjetividade” essencial e à historicidade da compreensão, defendendo que Gadamer não conseguiu produzir métodos confirmativos que permitissem distinguir uma interpretação certa de uma interpretação errada, e de que ele considera conjuntamente processos muito diferentes de interpretação. E.D. Hirsch – A hermenêutica como lógica da avaliação Basicamente Hirsch argumenta que se defendermos que o sentido de uma passagem (o seu sentido verbal) pode mudar, então não há qualquer norma fixa para avaliarmos se a passagem está a ser corretamente interpretada. Hirsch toma como norma o sentido verbal pretendido pelo autor e chega ao ponto de caracterizar o sentido verbal como imutável, reprodutível e fixo. Aqui a hermenêutica atribui-se a si própria a tarefa de fortalecer a justificação teórica para a determinação do objeto de interpretação. E de colocar normas com s quais o sentido determinado imutável e idêntico a si mesmo pode ser compreendido. De fato, o problema hermenêutico não é simplesmente um problema filosófico, e não é possível relegar para o limbo a historicidade e as definições aristotélicas, o grosso da teoria da compreensão em Schleiermacher, Dilthey, Heidegger e Gadamer, para não falarmos já dos contributos dados para uma definição da compreensão histórica. Portanto para Hirsch, o problema hermenêutico não seria da “interpretação” – o de com preencher a distância histórica entre o Novo Testamento e os dias de hoje, de Hermenêutica Jurídica - Richard E.Palmer Página 10 modo que o texto se possa tornar significativo para nós; o problema é simplesmente o problema filosófico de determinar o sentido pretendido pelo autor. Para Hirsch, a hermenêutica já não é teoria da interpretação; é lógica de avaliação. É a teoria pela qual podemos dizer: ‘o que o autor pretendeu dizer foi isto e não aquilo”. Fundação Escola Superior do Ministério Público – Prof. Anízio Pires Página 11 5 SIGNIFICADO E ÂMBITO DA HERMENÊUTICA A hermenêutica, apesar do conflito contemporâneo, deve manter-se um campo de estudo e uma área problemática com continuidade, aberta aos contributos de muitas e diversas tradições, algumas das quais estão mesmo por vezes em conflito. Um teoria da compreensão torna-se extremamente significativa quando considera a experiência vivida como seu ponto de partida. Deste mono, o pensamento orienta-se para um fato, um evento em toda a sua concretividade, mais do que para uma ideia; torna- se uma fenomelogia do evento da compreensão. A hermenêutica precisa de entrar cada vez mais fundo neste ato complexo da compreensão; tem que lutar para formular uma teoria da compreensão linguística e histórica tal como funciona na interpretação do texto. A finalidade da hermenêutica reduzir-se-ia a uma mera determinação do “o que é que o autor pretendia dizer”, excluindo a questão de como é que isso se torna significativo para nós. Toda a questão da metodologia na filosofia da ciência, as experiências com métodos de observação participativa em Sociologia, a psicologia da aprendizagem e da imaginação, todas elas são ricamente sugestivas para novas orientações do pensamento sobre esse processo a que chamamos interpretação. Hermenêutica Jurídica - Richard E.Palmer Página 12 SEGUNDA PARTE QUATRO GRANDES TEÓRICOS Fundação Escola Superior do Ministério Público – Prof. Anízio Pires Página 13 6 DOIS PRECURSORES DE SCHLEIERMACHER Fredrich Ast Para ele, o objetivo essencial é captar o “espírito” da antiguidade, revelado com nitidez na herança literária. A filosofia não é uma questão de manuscritos poeirentos e de pedantismo gramatical árido; não aborda o factual e o empírico como fins em si mesmos, mas com meios para alcançar o conteúdo externo de uma obra como uma unidade. A tarefa da hermenêutica torna-se então a de classificar a obra através do desenrolar interno do seu significado e a de relacionar cada uma das partes entre si e mais latamente com o espírito da época. Ast divide explicitamente essa tarefa e três partes ou formas de compreensão: 1) a compreensão histórica; 2) a compreensão gramatical; e 3) a compreensão geistige, isto é, compreender a obra na sua relação com a visão total do autor e com a visão total da época. Ast distingue entre níveis de compreensão, como os que foram apresentados e níveis de explicação. Contudo, paralelamente aos níveis de compreensão histórica, gramatical e geistige há três níveis de explicação: a hermenêuticade letra, a hermenêutica do sentido e a hermenêutica do espírito. A hermenêutica de letra é concebida dum modo bastante mais lato, pois inclui quer a explicação de palavras. Este primeiro tipo exige não só um conhecimento factual do meio como também um conhecimento da língua. A hermenêutica do sentido ou do “significado” refere-se à exploração do gênio da época e do autor. A hermenêutica do espírito, procura a ideia que controla a visão da vida, ponto de vista, especialmente em autores históricos, e a concepção básica que encontra a sua expressão na obra. O significado hermenêutico disto está na relação da explicação com o processo criativo como um todo: a interpretação e o problema interpretativo devem obviamente ser relacionados com os processos do conhecimento e da criatividade. Friedrich August Wolf Wolf defendia que cada regra deveria ser teórica através da prática; a hermenêutica torna-se assim uma pesquisa prática, mas do que uma pesquisa teórica. É uma coleção de regras. Hermenêutica Jurídica - Richard E.Palmer Página 14 Para ele, o objetivo da hermenêutica é captar o pensamento escrito ou mesmo oral de um autor como ele desejaria ter sido captado. Uma espécie de interpretação é diálogo, diálogo com um autor. Fundação Escola Superior do Ministério Público – Prof. Anízio Pires Página 15 7 O PROJETO DE SCHLEIERMACHER DE UMA HERMEÊUTICA GERAL “A hermenêutica como arte da compreensão não existe como uma área geral, apenas existe uma pluralidade de hermenêutica especializada”. Essa arte, afirma Schleiermaccher, é na sua essência a mesma, seja o texto um documento jurídico, um escrito religioso ou uma obra de arte. Os textos exprimem-se numa língua e assim usa-se a gramática para encontrar o sentido de uma frase. Mesmo dentro da hermenêutica filosófica, não haveria coerência sistemática. Pelo contrário, Friedrich Wolf defendera que precisávamos de uma hermenêutica diferente para a história, para a poesia e para os textos religiosos e consequentemente para as subvarientes dentro de cada uma destas classificações. Para Wolf a hermenêutica era uma coisa muito simples e prática: um corpo de sabedoria para abordar os problemas específicos da interpretação. Scheiermacher defendeu que a arte da exploração, que constituíra uma grande parte da teoria hermenêutica , estava fora da hermenêutica. A explicação, em vez da arte da “compreensão” que vai transformar-se imperceptivelmente em arte de formulação retórica. A distinção fundamental entre falar e compreender constitui a base para uma nova orientação orientação em hermenêutica e abriu caminho a uma base sistemática para a hermenêutica na teoria da compreensão. Para Schleiermacher, a compreensão enquanto arte é voltar de novo a experimentar os processos mentais do autor do texto. É o reverso da composição pois começa com a expressão já fixa e acaba e recua até à vida mental que a produziu. O círculo hermenêutico O círculo com um todo define a parte individual, e as partes em conjunto formam o círculo. Por exemplo: um aviso de proibição contextualizado em uma norma. Compreender o sentido de uma palavra de aviso individualmente quando a considerarmos na sua referência à totalidade. Para atuar eficazmente o círculo implica num elemento de intuição. Com uma imagem espacial, o círculo propões uma área de compreensão e início do caminho à interpretação. Visto que a comunicação é uma relação dialógica, pressupõe- Hermenêutica Jurídica - Richard E.Palmer Página 16 se desde o início uma comunicação de sentido, partilhada por quem fala e por quem houve. O círculo então opera, não só a nível linguístico como também a nível do tema em causa. No pensamento mais tardio de Scheleiermacger há uma tendência crescente para separar a esfera da linguagem da esfera do pensamento. A primeira é a da interpretação gramatical enquanto que Scheleiermacher começou por chamar ao segundo “técnico” designando-o mais tarde de “psicológico”. A interpretação gramatical pertence ao momento da linguagem e a interpretação psicológica procura a individualidade do leitor, o seu gênio particular. Lembremos que não só a gramática é um elemento indispensável na orientação e enfoque da nossa interpretação, com também a revelação psicológica da individualidade se expressa de um modo essencial no estilo particular do autor. Por isso, não interessa se há um “talento” mais ou menos profundo para conhecer individualmente outros seres humanos; a menos que esse talento se combine com o talento de uma intuição linguística, quer na colocação das fronteiras gramaticais quer na penetração psicológica da individualidade de uma autor através do seu estilo, nenhum conhecimento adequado resultará. Sobre a ciência sistemática, as intenções de Scheleiermacher foram mais longe : primeiro, postular a ideia de que a compreensão opera de acordo com leis que podem ser descobertas; seguidamente, enunciar algumas das leis ou princípios a partir dos quais ocorre a compreensão. Esta esperança pode resultar na palavra ciência. A hermenêutica é a arte de compreender o orador naquilo que é dito, mas a linguagem ainda é a chave. Tudo que pressupõe a hermenêutica é linguagem e é também só linguagem aquilo que encontramos na hermenêutica. A hermenêutica torna-se psicológica , transforma-se na parte de determinar ou de reconstruir um processo mental, um processo que mais tarde se tornará linguístico, pois a hermenêutica é vista como partindo das condições de diálogo. Scheleiermacher ultrapassou decisivamente a visão da hermenêutica como um conjunto de métodos acumulados por tentativas e erros e defendeu a legitimidade de uma arte geral da compreensão anterior a qualquer arte especial de interpretação. Um outro elemento significativo da hermenêutica de Scheleiermacher é o conceito de compreensão “independentemente da sua relação com a vida”. Isto será o ponto de partia para o pensamento hermenêutico de Dilthey e de Heidegger. Porque Dilthey tomou como seu objetivo compreender “ a partir da própria vida” e Heidegger defendeu o mesmo objetivo e procurou alcançá-lo de um modo diferente e mais radicalmente histórico. Fundação Escola Superior do Ministério Público – Prof. Anízio Pires Página 17 8 DILTHEY: A HERMENÊUTICA COMO FUNDAMENTO DAS GEISTESW ISSENSCCH AFTEN Dilthey tinha como objetivo apresentar métodos para alcançar uma interpretação “obviamente válida” das “expressões da vida interior”. O problema da formulação de uma teoria das ciências humanas foi visto no horizonte da filosofia da vida de Dilthey. Friedrich Schlegel referia-se à “filosofia da vida” como sendo a apresentação viva da consciência humana e da vida humana contra as especulações abstratas e intalegíveis da “escola de filosofia”. Dilthey defendia que a dinâmica da vida interior de um homem era um conjunto complexo da cognição, sentimento e vontade, e que estes fatores não podiam sujeitar-se às normas da casualidade e à rigidez de um pensamento mecanicista e quantitativo. O objetivo das ciências humanas não deveriam ser a compreensão da vida em termos de categoria exteriores à vida, mas a partir de categorias intrínsecas, derivadas dela. A vida devia ser compreendida a partir da experiência da própria vida. Para Dilthey , não significa regressar a uma qualquer base mística ou a uma qualquer fonte da vida, humana ou não humana,a alguma espécie de energia psíquica básica. Dilthey sustentou que “os estudos humanísticos” ou “ciências humanas” tinham que forjar novos modelos de interpretação dos fenômenos humanos. Estes tinham que derivar das características da própria experiência vivida. Os estudos humanos não lidam com fatos e fenômenos que silenciam o homem mas com fatos e fenômenos que apenas são significativos pela luz que trazem aos processo internos do homem, à sua “experiência interna”. A diferença entre os estudos humanísticos e as ciências naturais, não está necessariamente nem num tipo de objeto diferente que os estudos humanísticos possam ter, nem num tipo diferente de percepção; a diferença essencial está no contexto dentro do qual o objeto percepcionado é compreendido. Hermenêutica Jurídica - Richard E.Palmer Página 18 Dilthey afirmou repetidas vezes que o homem é “um ser histórico”, pois o mesmo faz parte dela. Dilthey não concebe a história como algo que defrontamos como se fosse um objeto. A historicidade também não nasce, vive e morre no decurso do tempo. Não se refere ao caráter passageiro e efêmero da existência humana, que constitui um tema poético. A historicidade significa duas coisas: 1) O homem compreende-se a si próprio, não pela introspecção mas sim por meio de objetivações da vida. 2) A natureza humana não é uma essência fixa. Na teoria hermenêutica, o homem é visto na sua dependência reletivamente a uma interpretação constante do passado, e assim, quase poderíamos dizer que o homem é “o animal hermenêutico” que quase se compreende a si próprio em termos de interpretação de uma herança constantemente presente e ativamente em todas as suas ações e decisões. O contributo de Dilthey foi alargar o horizonte da hermenêutica colocando-o no contexto dos estudos humanísticos. A penetração cada vez mais funda no significado das expressões da vida apenas ocorria através de uma compreensão histórica. A arte para Dilthey é a expressão mais pura da vida. Dilthey renovou o projeto de uma nova hermenêutica e deu-lhe um impulso significativo. Colocou os fundamentos do pensamento de Heidegger na temporalidade da autocompreensão. Pode com razão ser considerado como o pai “problemática hermenêutica contemporânea”. Fundação Escola Superior do Ministério Público – Prof. Anízio Pires Página 19 9 O CONTRIBUTO DE HEIDEGGER PARA A HERMENÊUTICA EM SER E TEMPO Heidegger defendia a facticidade do ser como sendo um problema ainda mais essencial do que a consciência e com conhecimento humanos, enquanto que Husserl tendia a encarar a própria facticidade do ser como um dado da consciência. Husserl utiliza a ideia de tornar visível o funcionamento da consciência como subjetividade transcendental. Enquanto Heidegger vê o meio vital do ser-no-mundo histórico do homem. É significativo, para uma definição de hermenêutica , que o tipo e fenomenologia que Heidegger desenvolveu em Ser e Tempo seja por vezes designado como hermenêutica fenomenológica. Esta designação é mais do que uma subdivisão da área que Husserl tinha em mente; pelo contrário, antes indica dois tipos de fenomenologia muito diferentes. Para Husserl, a filosofia tem que tornar-se uma “ciência rigorosa” um “empirismo mais alto”; para ele, todo o rigor do mundo nunca poderá fazer com que o conhecimento científico se torne uma meta final. A filosofia em Husserl mantém-se essencialmente científica, e isso reflete-se no significado que hoje tem para as ciências do passado, uma forma de interpretação. Na secção de Ser e Tempo intitulada “O método fenomenológico de investigação”. A mente não projeta um sentido no fenômeno; é antes o que aparece que é uma manifestação ontológica da própria coisa. Um método deste tipo deveria ser da maior importância para a teoria hermenêutica, pois implica que a interpretação não se fundamente na consciência humana e nas categorias humanas, mas sim na manifestação da coisa com que deparamos, da realidade que vem ao nosso encontro. A ontologia tem que se tornar fenomenologia. A ontologia tem que se voltar para os processos de compreensão e de interpretação pelos quais as coisas aparecem; tem que descobrir o modo e a orientação da existência humana; tem que tornar visível a estrutura invisível do ser-no-mundo. A fenomenologia do Dasein é hermenêutica no sentido original da palavra, que designava um trabalho da interpretação. Hermenêutica Jurídica - Richard E.Palmer Página 20 A hermenêutica enquanto metodologia da interpretação dos estudos humanísticos é uma metodologia da interpretação dos estudos humanísticos é uma forma derivada que assenta na função ontológica primária da interpretação e a partir dela cresce. Efetivamente, a hermenêutica transforma-se numa ontologia da compreensão e da interpretação. A compreensão é assim ontologicamente fundamental e anterior a qualquer ato de experiência. Um outro aspecto do problema está no fato da compreensão sem se relacionar com o futuro; nisso consiste o seu caráter projectivo. Mas a projecção tem que ter uma base , e a compreensão está também relacionada com a situação de cada um. Um característica importante da compreensão tal como Heidegger a encara, é que ela opera sempre no interior de um conjunto de ralações já interpretadas, num todo relacional. O termo “mundo” em Heidegger não significa o meio ambiente, objetivamente considerado tal como aparece aos olhos de um cientista. Está mais próximo daquilo a que poderíamos chamar o nosso mundo pessoal. O mundo não é a totalidade de todos os seres mas a totalidade em que o ser humano está mergulhado. Heidegger inventou o termo “significação” para designar a base ontológica que permite compreender essa fabricação de relações. Com isto, Heidegger prova que a significação é algo mais fundo que o sistema lógico da linguagem, funda-se sobre algo anterior à linguagem – e que se insere no mundo – a totalidade relacional. A interpretação não é pois uma questão de imprimir valor a um objeto isolado, pois aquilo que encontramos surge como já visto numa relação particular. O fundamento da compreensão é anterior a toda a afirmação temática. A compreensão e a significação conjuntamente constituem, a base da linguagem e da interpretação, pois a compreensão tem uma certa “estrutura prévia” que atua em toda a interpretação. A esperança de uma interpretação “sem preconceitos e sem pressupostos” desapareceu ultimamente, face ao modo como a compreensão opera. A própria definição de auto-evidência assenta num corpo de pressupostos que passam despercebidos, mas que estão presentes em toda a construção interpretativa feita pelo intérprete “objetivo” e sem “pressupostos”. Fundação Escola Superior do Ministério Público – Prof. Anízio Pires Página 21 10 O ÚTIMO CONTRIBUTO DE HEIDEGGER PARA A TEORIA HERMENÊUTICA Heidegger foi mais longe defendendo que toda a compreensão é temporal, intelectual e histórica. Antes dele, aceitávamos simplesmente como certa a definição prévia daquilo que era real, e só depois perguntávamos como é que os processos mentais colocavam essa realidade. Nos últimos escritos, o caráter hermenêutico do pensamento de Heidegger apresenta outras orientações mantendo-se no entanto hermenêutico, tornando-se mesmo hermenêutico, no sentido de se preocupar com a exegese. A verdade transformou-se em visão correta e o pensamento transformou-se numa questão de colocação de ideias face à visão da mente,isto é, transformou-se em manipulação adequada de ideias. Com esta visão do pensamento e da verdade, armou-se o palco para todo o desenvolvimento da metafísica ocidental, para a abordagem teórica da vida – ideologicamente, em termos de ideias. Portanto, para a teoria da interpretação, é muito diferente conceber o pensamento em termos escritamente ideacionais pois assim interpretação não lida com uma matéria desconhecida que tem que ser classificada mas sim a classificação e a avaliação de dados já conhecidos. Hermenêutica Jurídica - Richard E.Palmer Página 22 11 A CRÍTICA DE GADAMER À ESTÉTICA MODERNA E À CONSCIÊNCIA HISTÓRICA Betti faz uma visão do aspecto dos diferentes tipos de interpretação tendo em mente a formulação de uma teoria geral global e sistemática e pretendendo desenvolver um conjunto de regras básicas para uma interpretação mais válida. Depois de Betti, restou a Gadamer percepcionar e desenvolver as consciências positivas e frutíferas da fenomenologia no campo da teoria hermenêutica, em particular o pensamento de Heidegger. Gadamer agora, de um modo totalmente sistemático, a nova concepção radical de Heidegger relativamente à compreensão, traçada no capítulo anterior; esclareceram as implicações desta concepção no modo como se concebem o estético e o histórico. Gadamer não se preocupa diretamente com os problemas práticos da formulação de princípios interpretativos corretos; antes pretende esclarecer o próprio fenômeno de tais princípios; pelo contrário, eles são necessários às disciplinas interpretativas. Significa sim que Gadamer trabalha sobre uma questão preliminar e fundamental: como é possível a compreensão, não só nas humanidades mas em toda a experiência humana sobre o mundo? Esta é uma questão que se coloca às disciplinas da interpretação histórica mas que vai muito mais longe do que elas. A abordagem de Gadamer está pois mais próximas da dialética socrática do que do pensamento moderno, manipulativo e tecnológico. A verdade não se alcança metodicamente, mas dialeticamente; a abordagem dialética da verdade é encarada como a antítese do método; ela é de fato um meio de ultrapassar a tendência que o método de estrutura previamente o modo individual de ver. Na verdade o próprio método é geralmente encarado como estando no interior do contexto da concepção sujeito-objeto da situação interpretativa do homem servindo de fundamento ao pensamento moderno, manipulador e tecnológico. Embora a hermenêutica dialética de Gadamer tenha afinidade com Hegel, ela procede do subjetivismo implícito em Hegel e aliás em toda a metafísica moderna anterior a Heidegger. Embora tenha semelhanças com a dialética de Platão, não pressupõe a doutrina platônica das ideias nem a sua concepção de verdade e de linguagem. Antes propões uma dialética baseada na estrutura do ser tal como foi explicada pelo último Heidegger. Fundação Escola Superior do Ministério Público – Prof. Anízio Pires Página 23 Segundo Gadamer, é relativamente moderno o conceito de “consciência estética”, distinguindo-se isoladamente dos domínios “não estéticos” da experiência. Não se relaciona com a auto compreensão do sujeito, ou com o tempo; é encarada como um momento atemporal sem qualquer outra preferência que não seja a si própria. Gadamer ressalta que não há qualquer modo adequado de avaliação da arte que não seja o da satisfação perceptiva. Não há preconceitos para a arte em termos de conteúdo, pois que a “forma” e o “conteúdo” da arte; o prazer estético é atribuído à primeira. A arte deixa e ter um lugar definido no mundo pois nem ela nem o próprio artista pertencem ao mundo de um modo determinado. Gadamer considera explicitamente como fundamento e ponto de partida da sua análise da “consciência histórica” a análise feita por Heidegger da estrutura prévia da compreensão e da historicidade intrínseca da existência humana. Não há uma visão ou uma compreensão puras da história, sem referência ao presente. A história só entendida e compreendida com um olhar e semelhança com o presente. Contudo, o conceito de historicidade, mesmo quando afirma isto, simultaneamente afirma a operacionalidade do passado no presente: o presente só é visto e compreendido através das intenções, modos de ver e preconceitos que o passado transmitiu. Para Heidegger e Gadamer, a linguagem, a história e o ser que a linguisticidade do ser é simultaneamente a sua ontologia – o seu “tornar-se ser” – e o meio da sua historicidade. A tarefa do historiador não era a de projetar na história os seus sentimentos pessoais mas sim a de entrar completamente no mundo histórico do qual pretendia dar conta. Ressalto aqui que não se pode haver uma interpretação sem pressupostos, então a noção de “interpretação correta” enquanto correta em si mesma é um ideal impensável, é uma impossibilidade. Não há interpretação sem relação com o presente, e este nunca é perfeitamente ou rígido. Lembro também que para Gadamer a tensão presente / passado é em si a mesma um fator essencial e de certo modo frutífero em hermenêutica. Para o intérprete não interessa que o que é mediado pelo texto seja essencialmente o sentimento ou a opinião do seu autor, interessa sim o fato de ser algo significativo de seu pleno direito. E que a tarefa da hermenêutica é essencialmente interpretar o texto e não o autor. Portanto, a hermenêutica não é tanto um processo subjetivo como uma questão de nos colocarmos numa tradição e depois, num “evento” que nos transmite tradição. A compreensão é uma participação na corrente da tradição, num momento em que mistura passado e presente. Hermenêutica Jurídica - Richard E.Palmer Página 24 12 A HERMENÊUTICA DIALÉTICA DE GADAMER A experiência, diz Gadamer, tem a sua realização dialética “não num conhecimento mas numa abertura à experiência, sendo ela própria liberta pela experiência”. Embora esta experiência não seja um conhecimento objetificável, entra no seu encontro interpretativo com as pessoas. Contudo não é uma capacidade puramente pessoal; é um conhecimento do modo como as coisas são, um “conhecimento das pessoas” que na verdade não pode ser posto em termos conceituais. “A verdadeira experiência”, diz Gadamer, “é a experiência da nossa própria historicidade” Fundação Escola Superior do Ministério Público – Prof. Anízio Pires Página 25 TERCEIRA PARTE MANIFESTO HERMENÊUTICO À INTERPRETAÇÃO LITERÁRIA AMERICANA Hermenêutica Jurídica - Richard E.Palmer Página 26 12 PARA UMA REABERTURA DA PERGUNTA: QUE É A INTERPRETAÇÃO? Perguntar de um modo significativo o que acontece quando compreendemos uma obra literária significa ultrapassar a definição dominante da situação interpretativa em termos do esquema sujeito-objeto. Consideremos algumas das consequências gerais da aceitação do modelo sujeito-objeto no encontro interpretativo . A linguagem é vista como um objeto que comunica “significado”. O homem é considerado como um anormal produtor de símbolos, sendo a linguagem o sistema com que domina os símbolos. Uma das falhas da objetividade moderna é a de encarar a obra como um “objeto” mais do que como uma “obra”, o que distancia o leitor relativamente ao texto, complicando a sua compreensão. Compreenderuma obra é experimentá-la. A experiência é algo que acontece aos seres humano possuidores de vida e de história. Abandonemos por um momento a abstração do modelo científico do nosso conhecimento do mundo e interrogamo-nos sobe o que se passa na experiência, sobre o que se entende pelo uso comum da palavra experiência. Fundação Escola Superior do Ministério Público – Prof. Anízio Pires Página 27 CONCLUSÃO A hermenêutica se encontra em desafios e problemas para saber qual o seu definido significado. Muitas teorias e autores que descrevem-na contribuíram para uma “quase conclusão” significativa para a palavra. Nem um nem outro está certo em todas suas afirmações e sim, um conjunto de ideias e conclusões corroboram para um pré- entendimento de seu uso. Ela está fundamentada na experiência de vida do leitor e que a historicidade tem uma grande relevância na pré-compreensão. Desde o autor – a busca pelo que o autor queria realmente dizer quando escreveu o texto –, e até o presente que se faz somente e necessariamente com uma carga de vivência e experiência. Contudo, a linguagem empregada mostra-se essencial na interpretação, mas que a mesma linguagem é um dos problemas hermenêuticos. Não existem métodos explícitos para a busca da compreensão, pois o ser busca automaticamente o método que a vida lhe deu para futuras compreensões. Um texto interpretado hoje não terá a mesma interpretação daqui a dez anos. A experiência é, por assim se possa dizer, um dos melhores modos de explicar o que é realmente a Hermenêutica e que posteriormente terá outros ganchos atrelados a essa palavra.
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