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Resumo IPEA

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Mudanças estruturais no Brasil – avanços e limites
O objetivo deste trabalho é investigar a ocorrência e intensidade de mudança estrutural na economia brasileira entre 2004 e 2011, considerando que se pode identificar, a partir da análise da dinâmica de crescimento o fato de que houve um processo de crescimento maior do que a média dos vinte anos anteriores (1983-2003), acompanhado de maior inclusão social. A hipótese é que a economia brasileira teve suas características de crescimento modificadas e isto a partir da combinação de três elementos: (i) o primeiro deles é o cenário internacional, particularmente favorável nos anos iniciais do período; (ii) o segundo, é a melhoria da distribuição de renda, que tem a ver com o aumento do salário mínimo, com as políticas de Transferências de Assistência e Previdência Social (TAPS), que afetaram a distribuição de renda e a dinâmica do mercado interno de bens de consumo; (iii) e o terceiro, é o papel central do investimento público, especialmente em infraestrutura. 
Área: Macroeconomia e Política Econômica
Dois fenômenos: (i) o de que houve um processo de crescimento maior do que a média dos vinte anos anteriores (1983-2003), acompanhado de maior inclusão social; e (ii) o de que o peso da atividade doméstica foi determinante para a definição das taxas de crescimento observadas.
O ponto de partida da análise é a constatação de que em 2003 as condições macroeconômicas brasileiras haviam melhorado, assim como as de outros países da América Latina. A economia brasileira apresentava: (i) bom resultado em suas contas públicas (queda da razão DLSP/PIB; redução da dolarização da dívida interna e queda da dívida externa); obtenção de consideráveis superávits primários); (ii) inflação controlada pela política de metas de inflação agregada à política de câmbio flutuante; e (iii) progressivos resultados favoráveis da balança comercial a partir de 2004, destacando-se o expressivo crescimento das reservas internacionais.
A hipótese é que a economia brasileira teve suas características de crescimento modificadas se contrastadas com o período de 1950 a 2003, e isto a partir da combinação de três elementos. O primeiro deles é o cenário internacional, particularmente favorável nos anos iniciais do período; o segundo, é o papel das políticas sociais, destacando-se as Transferências de Assistência e Previdência Social (TAPS), que afetaram a distribuição de renda e a dinâmica do mercado interno de bens de consumo; e o terceiro, é o papel central do investimento público, especialmente em infraestrutura. Portanto, a proposição é que a de que o crescimento foi inicialmente impulsionado pelo setor externo e, depois de 2006, pela dinâmica interna da economia.
O crescimento do Brasil no período 2004-2011: alguns dados básicos
A média do crescimento real da economia entre 2004 e 2011 foi de 4,3% ao ano, representando o dobro da média observada nas duas décadas imediatamente anteriores.
Registre-se que esta média foi baixa no contexto internacional, especialmente se comparada com a de outros países em desenvolvimento. Alguns deles cresceram à mesma taxa que o Brasil, como Chile, Rússia e Turquia e outros a taxas expressivamente maiores, como a China (10,0% aa), a Índia (8,4% aa) e a Argentina (7,5% aa).
Ainda assim, o ponto a enfatizar é que, no caso específico do Brasil, ocorreu crescimento acompanhado de melhoria da distribuição de renda e redução expressiva da pobreza.
No período analisado, a renda per capita brasileira cresceu mais que 25% em termos reais (com um crescimento demográfico de 1,1% anual), o desemprego metropolitano caiu mais que 50% (de 12,3% em 2003 para 6,0% em 2011) e a pobreza absoluta para quase a metade da observada em 2002 (Osorio, 2011).
De fato, o número de pessoas que viviam com renda abaixo de RS 70,00 ao mês diminuiu de 17 milhões em 2003 para cerca de 9 milhões em 2009. De outro lado, cabe mencionar que a desigualdade da renda pessoal caiu a cada ano – e mais de 10% no total – entre 2003 e 2009.
Ou seja, nos anos estudados a economia brasileira cresceu mais que nos 20 anos anteriores e, sobretudo, apresentando uma dinâmica de melhoria de distribuição de renda, o que não havia sido observado com a mesma envergadura no passado.
As alavancas do crescimento
É possível considerar o Plano Plurianual (PPA) 2004-2007 como o documento em que aparece a disposição do governo em “iniciar uma estratégia de desenvolvimento de longo prazo com inclusão social e distribuição de renda”. Neste documento parece bastante clara a disposição de impulsionar a economia pelo “mercado de consumo de massa” e pelo investimento modernizador, que configurasse aumento da produtividade (Brasil, 2003).
Um dos pontos centrais da estratégia era a expansão da renda e do consumo dos mais pobres a um ritmo superior ao crescimento da renda e do consumo dos mais ricos. As políticas públicas cumpriam papel destacado nessa estratégia, criando condições para o aumento real do salário mínimo, abrangência maior do seguro desemprego, a expansão da oferta de bolsas (de diversas modalidades), a promoção da agricultura familiar, a atenção universal aos mais velhos, o microcrédito, os programas de moradia econômica, a universalização efetiva dos serviços públicos essenciais como a seguridade social (pensões e atenção sanitária) e a educação (Brasil, 2003, pp.13-19).
Mesmo considerando o papel do consumo de massas na definição do perfil do crescimento, o “novo modelo” evidenciou o papel central do Investimento Público para que a nova dinâmica se processasse. Uma das prioridades foi a expansão da infraestrutura, inclusive em momentos de restrição fiscal (Brasil, 2003, p.11).
A proposição era a de que as inversões realizadas pelo Estado promoveriam a infraestrutura básica e estimulariam decisões de investimento do setor privado. O conceito de fundo é que o consumo (no caso de aumento), isoladamente, não determina patamares estruturais para a dinâmica econômica, sendo o investimento o motor fundamental do crescimento.
Diante dessas colocações, conclui-se que a estratégia adotada pelo país não foi apenas de “adaptação à conjuntura internacional”, ou uma estratégia de inserção passiva. De fato, o Governo brasileiro “aproveitou-se” de um período de cenário externo particularmente favorável para realizar uma intervenção discricionária, procurando influir na dinâmica do crescimento, mediante mudança estrutural no perfil da demanda.
O ponto que levantamos é o de que o crescimento foi fortemente influenciado pelo cenário internacional, com papel propulsor no crescimento, mas que este não foi o fator explicados da mudança da dinâmica do crescimento. Para esta mudança o Estado desempenhou papel decisivo: através de políticas que afetaram a distribuição de renda e através da promoção do Investimento Público e de Empresas Públicas; através de Políticas de Crédito. Outro elemento central da análise é a compreensão de que a ação pública no sentido indicado só foi possível a partir da base propiciada pela Constituição de 1988, que definiu o papel do Estado na promoção das políticas sociais e a garantia da universalidade do acesso às mesmas.
A partir desses elementos, passamos ao detalhamento dos fatores que, segundo nosso argumento, atuaram como “alavancas do crescimento”. Natureza do cenário externo favorável. Conforme mencionado, o crescimento acelerado da economia brasileira a partir de 2003 foi significativamente impulsionado pelo setor externo. O Brasil e outros países em desenvolvimento se beneficiaram do aumento dos preços internacionais das “commodities” e do ritmo de crescimento do comercio mundial. Esta melhoria levou a rápido crescimento das exportações brasileiras e o forte aumento da formação bruta de capital fixo nos setores produtores de matérias primas e naqueles outros setores intensivos nelas. Este foi um processo que alcançou países da América Latina, do Oriente Médio e da África subsaariana.
Mesmo que não minimizando a importância das políticas de incentivo às exportaçõesadotadas pelo Governo brasileiro desde 2003, é justo destacar que o cenário internacional favorável teve um papel decisivo no crescimento do fluxo comercial. Com efeito, o aumento das exportações entre 2004 e 2010 esteve relacionado a produtos primários ou a produtos manufaturados vinculados aos mesmos. Não houve sequer aumento na exportação de “bens de consumo popular”, o que contradiz a concepção do modelo de “consumo de massas” previsto pelo PPA. Ou seja, observou-se rápida melhoria da balança comercial, porém com piora do perfil do comercio.
O que ocorreu foi que as condições internacionais levaram a rápida resposta dos produtos básicos aos estímulos externos (especialmente do agrobusiness), no entanto, houve fraca performance da indústria, abrindo-se flanco para a discussão da possível existência de um processo de “desindustrialização”. O atraso na adoção de uma política industrial mais contundente e a contínua apreciação da moeda nacional nos anos estudados causaram influência negativa no progresso dos ramos mais complexos da indústria, ademais de uma atuação agressiva da China na ocupação dos mercados de bens manufaturados. Ou seja, o processo de crescimento ocorreu com piora do perfil industrial da economia.
Mesmo assim, o estímulo inicial ao crescimento dado pelas condições externas promoveu expansão do investimento de empresas residentes, provocando aumento de renda e emprego. Isto afetou o perfil da demanda, provocando um efeito acelerador ao investimento, induzido por esta nova demanda.
Neste contexto, o setor externo foi fundamental para o crescimento mais robusto que se iniciou em 2003. No entanto, o ponto a realçar é o de que a economia brasileira passou a ser impulsionada pelo mercado interno, pelo menos a partir de 2006. A seguir, apresentam-se os elementos que foram cruciais nessa mudança, destacando-se a maior inclusão social.
Políticas Públicas e mudanças na estrutura de distribuição de renda
As mudanças observadas na estrutura de distribuição de renda tiveram influência sobre o perfil e a velocidade do crescimento, conforme comentado anteriormente. Elas foram possíveis pela articulação dos seguintes aspectos: (i) os mecanismos de Políticas Sociais previstos na Constituição de 1988 e que definem as Transferências Públicas de Assistência e Previdência Social (TAPS); (ii) o crescimento do Salário Mínimo; (iii) o crescimento do Crédito às Famílias.
O ano de 2004 caracteriza-se como começo do processo de crescimento do mercado interno em razão, conforme mencionado, da alavanca inicial do comercio internacional. Paralelamente, este estímulo deu lugar a um ciclo de crescimento endógeno da Carga Tributária, que esteve relacionado ao processo de crescimento econômico.
Ora, este movimento permitiu que ocorresse crescimento das Transferências de Assistência e Previdência definidas a partir da Constituição de 1988, ao mesmo tempo em que ocorria um significativo ajuste fiscal, conforme já comentado anteriormente. De fato, observa-se leve tendência ascendente das TAPS na última década, na direção de um patamar de 15% do PIB. Ou seja, esses dados conferem dimensão da importância das TAPS como direcionamento de recursos aos mais pobres e o peso das mesmas na conformação da demanda interna. O que se observa é que o crescimento do patamar das TAPS sobre o PIB (mesmo que não expressivo) teve papel importante na melhoria da distribuição de renda, sendo que, ademais esses recursos direcionados aos mais pobres são fonte de gastos em bens de consumo, pela forte propensão que este grupo tem ao consumo.
É possível perceber que o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) é a maior Transferência, correspondendo, em média a 6% do PIB, atendendo a 25 milhões de pessoas e representando cerca de 40% das TAPs totais.
No caso do RGPS, a parcela diretamente associada ao salário mínimo subiu de 59% para 61% na última década. Assim, quando há um aumento do salário mínimo as transferências do RGPS aumentam, ainda que em proporção menor. Desta forma, o crescimento do salário mínimo verificado neste período cumpriu papel importante na dinâmica recente, ao tornar possível a manutenção dos patamares das despesas com benefícios do RGPS como percentagem do PIB.
Na verdade, o papel do salário mínimo tem impacto maior sobre as transferências relativas à LOAS/RMV e abonos e seguro-desemprego. No caso da LOAS/RMV, a quase totalidade (99%) dos benefícios correspondem ao valor de 1 SM (citação). Além do mais, no caso desses programas o número de beneficiários cresceu expressivamente, de maneira que essas transferências apresentaram forte tendência de alta na última década, aproximando-se de 1,5% do PIB. Portanto, houve melhoria do perfil distributivo das TAPS entre 2004 e 2010.
Outro efeito do aumento real do salário mínimo foi o crescimento da arrecadação de tributos vinculados à folha de pagamentos e a arrecadação previdenciária. Em síntese, o que se observa é que o aumento dos gastos públicos com programas sociais e transferências públicas vinculadas ao salário mínimo cumpriram papel central na redução da desigualdade de renda na última década.
Ademais, o aumento dos gastos públicos reforçou a própria dinâmica do mercado de trabalho, observando-se aumento contínuo da massa salarial, além da já mencionada queda do desemprego. Esta dinâmica, por sua vez, provocou impactos sobre o consumo das famílias brasileiras, que cresceu cerca de 5% ao ano desde 2004. Note-se que se agrega aqui um terceiro fator a influir sobre o consumo, também aliado à ação direta do Governo, que se refere ao crescimento do crédito. Neste caso, o destaque vai para o fato de que os Bancos Públicos tiveram importante papel neste movimento. Além do mais, a instituição do “crédito consignado”, relacionado à folha de salário também se soma a isso, uma vez que o risco desta modalidade de crédito é consideravelmente baixo. Assim, há expansão do volume de crédito às pessoas físicas, em sintonia com as diretrizes do PPA.
Ou seja, o crescimento da renda dos mais pobres, junto com a expansão do crédito e o aumento do emprego geraram o aumento da demanda por alimentos processados, de vestuário, de limpeza, de produtos farmacêuticos, de eletroeletrônicos, móveis, materiais de construção, de serviços em geral, etc.
Este processo também gera aumento do Investimento privado para responder ao aumento da demanda. Desta forma, pode-se observar alguns dos fatores que definiram o processo de participação crescente da demanda interna na taxa de crescimento da economia brasileira.
Ainda assim, o que queremos destacar é que a análise da dinâmica do crescimento não está completa. Seguindo o que já comentamos no início do trabalho, o “novo modelo” não se centra apenas no movimento do consumo e no investimento privado induzido pelo mesmo. Outro elemento chave é o Investimento autônomo, especialmente o Investimento Público.
O papel do Estado no direcionamento do Investimento (Investimento Público e crédito ao Investimento Privado) O que se pode observar pela análise dos componentes da Renda Agregada é que no período considerado a taxa de crescimento do total dos Investimentos foi maior do que o crescimento do consumo. Este aumento da taxa de investimento foi fortemente impulsionado pela aceleração dos investimentos em infraestrutura, patrocinados pelo Setor Público, mas também pelo Investimento privado, induzido pela demanda crescente dos consumidores.
O ponto a firmar é que o crescimento com melhoria da distribuição de renda observado na economia brasileira se relacionou diretamente com o papel do Estado como “promotor e coparticipante do processo de crescimento” (Brasil, 2003, p.108). Esta é uma característica da dinâmica econômica histórica brasileira, que se intensifica em termos relativos desde 2003 (Almeida Filho, 2013). Além da intensificação, o que o artigo pretende destacar é que há mudança estrutural nesta participação do Estado, que aumenta em termos relativos à sua média histórica o volume de transferências de renda, pelos mecanismos já apontados.A partir de 2006, a indução dos investimentos e transferências públicas ganha intensidade com o aumento dos investimentos relacionados ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), neste caso retomando o papel histórico do Estado de responsabilizar-se pela infraestrutura da economia. 
Nesta nova dinâmica do crescimento o setor público desempenha três funções cruciais na aceleração da taxa de investimento da economia (IPEA, 2012): (i) através do aumento da taxa de Investimento Direto (especialmente investimento em Infraestrutura); (ii) através do financiamento ao investimento privado pela via dos créditos do BNDES (influindo no perfil dos investimentos e na localização); (iii) através de sua ação para a formação de consórcios para os grandes projetos de investimento.
No que se refere especificamente a esta última atuação é interessante observar alguns dados:
- A Formação Bruta de Capital Fixo do Governo alcançou seu maior valor em percentagem do PIB no ano de 2010, considerando-se dados de duas décadas;
- O “Gasto em Investimento” das empresas estatais federais (especialmente da Petrobrás) no mesmo ano alcançou seu maior valor em % do PIB;
- Os desembolsos totais do BNDES também alcançaram um recorde em 2010.
Contudo, as transferências públicas serviram de amortecimento e um fato importante a considerar é o de que em 2011 a queda do crescimento não veio acompanhada por uma pior performance do mercado de trabalho.
Mesmo assim, a desaceleração dos Investimentos Públicos agudiza a situação da indústria, sendo que se observa uma redução dos espaços da indústria nacional, resultante do perfil de inserção internacional que estava sendo levado adiante pelo país. 
O nosso ponto é o de que o Investimento Público tem papel central no novo modelo de crescimento que se estava montando desde 2003, sendo que a retomada econômica do país, depois da desaceleração provocada pela crise de Subprime em 2009, foi fortemente condicionada pela ação do Estado na promoção de Investimentos e na expansão do crédito ao investimento e ao consumo, pela via dos bancos públicos.
No entanto, em 2011 houve forte queda no Investimento Público, fator que, segundo nosso argumento, afetou fortemente o crescimento daí para frente. O mais significativo para uma análise da dinâmica do crescimento é que este movimento ocorreu de forma conjugada a uma conjuntura de desaceleração econômica global e num momento em que os Problemas da Indústria Nacional se agudizavam. Neste caso, a potencialização antes mostrada funciona às avessas, cumprindo a queda no investimento público papel de aprofundar os resultados e expectativas do setor privado. Ainda que esta discussão não esteja sendo aqui detalhada, é interessante observar que essa relação com o exterior seguiu a “linha de menor resistência”, na qual a economia nacional aumentou sua inserção internacional pela via das commodities e de produtos manufaturados ligados às mesmas. A demora na implantação de uma política industrial mais explícita e do ajuste do câmbio às condições mínimas necessárias para a garantia da competitividade internacional foram importantes obstáculos à indústria do país.
Ou seja, conforme já comentado, o crescimento observado entre 2004 e 2010 ocorreu, a despeito da piora do perfil e inserção da indústria. A este respeito, ressalte-se que o avanço do crescimento puxado pela demanda interna depende fortemente dos gastos públicos e, neste sentido, a política macroeconômica é um elemento central para a continuidade do movimento que se estava observado, especialmente em situação de fraco desempenho da economia internacional a partir de 2009.
Ocorre que, no interregno que estamos estudando, a política macroeconômica centrou-se fortemente na ação de combate à inflação, através da política de Metas de Inflação em conjunto com a adoção do modelo de câmbio flexível e forte abertura financeira. Considerou-se continuamente a questão da pressão inflacionária existente como sendo resultante de pressões de demanda e, neste sentido, a ação da manutenção de juros altos e de uma taxa de câmbio valorizada se apresentavam como importantes à atuação anti-inflacionária.
No entanto, ambos os movimentos não iam na direção de avançar no “modelo” que se estava levando adiante. De um lado, as taxas de juros em altos patamares e o câmbio valorizado afetavam negativamente a indústria. De outro lado, o nível das taxas de juros e a necessidade de intervenções esterilizadoras sobre o câmbio em situação de entrada excessiva de capital afetavam continuamente de modo negativo as contas públicas. 
Depois da crise de Subprime, observa-se flexibilização da política de combate à inflação em favor de outros mecanismos. Na verdade, abria-se a possibilidade de redução da taxa de juros básica. No entanto, quando a ação de redução mais forte da mesma ocorreu, a opção foi a de adotar um “trade-off”: reduzia-se a taxa de juros, mas reduziam-se também os gastos públicos. Ou seja, a tese da inflação de demanda continuava central e a redução desses gastos ocorreu de forma expressiva em 2011, afetando os Investimentos Públicos. É claro que precisa se considerar a piora do ambiente externo na contaminação do ambiente doméstico dos investimentos. No entanto, o ponto levantado é o de que a desaceleração dos Investimentos Públicos foi crucial para a queda do crescimento do país em 2011, visto que esta era uma alavanca central para o crescimento observado no período imediatamente anterior.
Na verdade, se agregaram três questões no final de 2010 e durante 2011: (i) a já citada queda dos investimentos públicos, (ii) a manutenção do salário mínimo, que ficou constante em termos reais, (iii) importantes constrangimentos ao crédito foram postos em prática, (iv) ambas as políticas fiscal e monetária foram apertadas. 
Considerações finais
Neste trabalho mostramos os elementos que influem na dinâmica do crescimento econômico do Brasil entre 2004 e 2010. O objetivo foi demonstrar que estava ocorrendo uma mudança do modelo de crescimento brasileiro: a taxa de crescimento passava a depender mais do setor doméstico e se observava um movimento de distribuição de renda com forte redução da pobreza absoluta no país. Neste sentido, o crescimento, especialmente depois de 2006, não se centrou no setor externo, pois os componentes internos tiveram um peso fundamental, com ênfase especial no papel do estado: (i) através das políticas sociais e das decisões quanto à dinâmica do salário mínimo; (ii) através do crédito dos bancos públicos; (iii) através do Investimento Público (diretamente e via estatais) e de ações em prol do investimento privado (BNDES).
Por outro lado, é preciso considerar que o modelo de crescimento não havia se completado. De fato, observa-se um processo de perda de competitividade do setor industrial e a piora do perfil da balança comercial. Estas barreiras se relacionaram com a política de câmbio valorizado, mas, em realidade, os problemas são mais profundos, pois estão relacionados a uma nova configuração do comércio e da produção mundial, exigindo uma política industrial explícita, que atue sobre o tema da competitividade e envolvendo uma estratégia de inserção nas novas cadeias globais de valor. Este foi um problema central da estratégia de crescimento adotada pelo país, o que se agrega ainda ao fato de que não se apresentaram mudanças na estrutura de financiamento doméstica. O ponto realçado é que a volta de uma taxa de crescimento em patamares que garantam a continuidade de um crescimento mais vigoroso e estável requer a recuperação do setor industrial, com melhora na produtividade.
Considerando a melhora dos estímulos monetários e fiscais em 2012 e também levando em conta os estímulos do Governo Brasileiro para induzir o crescimento do investimento privado, não é fácil explicar a ausência de sinais de recuperação dos investimentos até o terceiro trimestre do mesmo ano. Seguindo a interpretação construída ao longo do trabalho, entende-se que o papel dos investimentos públicos é, mais uma vez, centralpara a recuperação. O estímulo ao setor privado, sem uma ação mais forte dos investimentos públicos não é suficiente. Nosso ponto é o de que a recuperação requer o crescimento do investimento público, integrado à política industrial e social.
A consideração é a de que há espaço fiscal para isto, já que o país conta com importante superávit primário e a Dívida Líquida do Setor públicos continua caindo. Neste sentido, o foco da macroeconomia voltado para a busca de um crescimento mais vigoroso deveria ir no sentido de priorizar esta ação como central ao país. A questão da descoordenação da indústria é uma situação mais grave, uma vez que o processo é de natureza estrutural histórica, pois há setores da matriz industrial que foram extintos. A retomada exige um projeto explícito de inserção internacional e doméstica.
Ademais, outro fato central quanto aos limites do modelo de crescimento é a consideração de que o mesmo não tem como foco a redução continuada das diferenças de renda entre os brasileiros. Ainda que tenha havido crescimento com redução da pobreza extrema e melhoria da distribuição de renda e que isto seja novidade no contexto do desenvolvimento brasileiro, a economia mantém-se como uma das mais desiguais do mundo.

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