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FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 20, n. 1/2, p. 55-68, jan./fev. 2010. 55 SHOPPING CENTER, SUBJETIVIDADE E EXCLUSÃO SOCIAL* Elaine Silva Ferreira Gonzaga** Resumo: objetivando a compreensão dos novos modos de subjetivação e consumo envolvendo a Geração Shopping Center em relação ao próprio shopping center, esta pesquisa estabeleceu como po- pulação estudantes do ensino médio e fundamental de escolas públicas em Goiânia. Para tanto, utiliza o método qualitativo da pesquisa exploratória, através de Grupos Focais. A análise dos dados revelou que os jovens pesquisados sentem-se, em sua maioria, fora da realidade do consumo como é entendido na contemporaneidade e, por isso, em seus discursos nota-se a idéia de segregação social, entre outros aspectos importantes que marcam a sociedade pós-moderna. Palavras-chave: Geração Shopping Center. Consumo. Sub- jetividade. Várias foram as transformações sociais e econômicas ocorridas nas últimas décadas, o que proporcionou o surgimento de vários estudos que se voltam para investigar a interdependência de dois fenômenos mar- cantes nas sociedades contemporâneas: o consumismo e o individualismo. No centro desses fenômenos estão os jovens nascidos no início da década de 80 que têm sua vida social estruturada em volta dos shopping centers - espaços fechados que aliam lazer, consumo e segurança. Mesmo que para isso como afirma Nascimento (2005, p. 19, grifo do autor) é preciso “[r]esponder às perguntas: Qual adolescente? De que época? De que local? De que grupo social?”. Neste sentido, o presente estudo parte do pressuposto que se faz necessário investigar mais profundamente a juventude goianiense além FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 20, n. 1/2, p. 55-68, jan./fev. 2010.56 dos estereótipos existentes sociologicamente, já que muitas vezes estes mascaram aspectos importantes que merecem a atenção por parte de estudiosos sociais. O objetivo é entender o lugar do shopping center no processo de subjetivação, as relações sociais, o lazer e o consumo dos jovens de escolas públicas, que representam a classe de baixa renda da cidade de Goiânia. Pois as escolas são um espaço “real” de interação e sociabilidade, se contrapondo ao ambiente dos shopping centers, pois nestes se negam as problemáticas sociais, através de uma realidade artificial lúdica (PADI- LHA, 2006). Assim, para atingirem os objetivos propostos por este trabalho, a coleta de dados foi realizada em duas etapas: a primeira constituiu de pesquisa bibliográfica e a segunda, de pesquisa de campo. Na pesquisa de campo a abordagem qualitativa foi priorizada, fazendo uso de grupos focais, buscou-se identificar tendências do grupo estudado. Seguindo as orientações da metodologia científica para esse tipo de pesquisa, foram escolhidos 12 jovens (moças/ rapazes entre 12 e 18 anos de idade) de cada uma das três escolas públicas pesquisadas, suas identidades foram preservadas por solicitação dos mesmos. O shopping center é numa instituição importante do comércio, do lazer e do entretenimento. Mas é preciso vê-lo muito além de um es- paço físico, é preciso olhá-lo como um espaço em que as pessoas buscam realização pessoal pela felicidade gerada pelo consumo, identificação com os grupos sociais e ainda, neles as pessoas ocupam seu tempo livre. Equiparando atividades de lazer ao consumo, fato que está no limiar da sociedade pós-moderna e que provoca profundas transformações sociais, culturais, políticas, econômicas e ainda, novos modos de subjetivação (PADILHA, 2006). Enfim, o presente trabalho tem como objetivo conhecer melhor o processo de subjetivação no qual está inserido o jovem goianiense de escolas públicas em relação aos shopping centers. CULTURA DE CONSUMO A cultura de consumo, apoiada pelas profundas transformações sociais, só se tornou uma área de estudo importante para as ciências sociais e humanas recentemente, afirma Mancebo (2002). Seu inicio, porém, remota o século XIX, quando além de se estabe- lecer os princípios da Revolução Industrial – entendida aqui não só como FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 20, n. 1/2, p. 55-68, jan./fev. 2010. 57 um conjunto de inovações tecnológicas, mas principalmente como um processo que resultou em profundas transformações sociais, econômicas e culturais em todo o Ocidente – começam a surgir mais ordenadamente, em Paris e Londres, as primeiras grandes lojas de departamento, e através delas uma verdadeira “cultura de consumo”. Neste momento, com o surgimento de um “processo civilizador”, nasce também uma dimensão simbólica e cultural envolvendo o consu- mo. A parti daí o consumo pode ser entendido não só como a compra de bens materiais para satisfação das necessidades, mas também como o consumo de imagens e de valores para a sociedade. Nota-se com isto, que a cultura de consumo que nasce no século XIX na Europa Ociden- tal está intimamente relacionada a “reconfiguração do espaço urbano e ao declínio do público por conta das crescentes apropriações privadas, bem como ao desenvolvimento galopante do capitalismo” (PADILHA, 2006, p. 43). As principais perspectivas hoje acerca desta cultura são apontadas por Featherstone (1995). O autor afirma que há três perspectivas funda- mentais sobre esta cultura: a econômica, a sociológica e a psicológica. A econômica, primeira perspectiva, tem como premissa o modo de expansão capitalista de mercadorias, que gerou uma ampla acumulação de material na forma de bens e locais de compra e consumo. Na sociológica, segunda concepção, as pessoas tendem a usar as mercadorias como forma de criar e estabelecer distinções e demarcações sociais. E a psicológica, última perspectiva, em que o consumo consegue gerar prazeres emocionais, sonhos e desejos em lugares de exposição e compra específicos. Baudrillard é outro teórico que se debruça diretamente sobre a sociedade de consumo. Para ele, a “sociedade de consumo” deve ser ana- lisada e compreendida a partir da demarcação das relações sociais que se desenvolvem com o consumo, consumo este que pode ser compreendido como um processo de comunicação, e que se tornou ao longo do tempo um processo de classificação e diferenciação social. Essas questões acerca da sociedade são complexas e devem ser compreendidas e analisadas tanto pelo campo das ciências sociais, como também das psicológicas, pois abrangem o indivíduo social e econômico – depende daquilo que o indivíduo pode chegar a possuir; e o indivíduo sujeito – depende daquilo que ele deseja possuir, entrando justamente aí no campo da subjetividade (PADILHA, 2006). FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 20, n. 1/2, p. 55-68, jan./fev. 2010.58 SHOPPING CENTER / GERAÇÃO SHOPPING CENTER Os shopping centers surgiram nos Estados Unidos, inspirados nas lojas de departamento, após a Segunda Guerra Mundial, na década de 50. Já no Brasil seu surgimento se deu na década de 60, mais exatamente em 1966, com a inauguração do Shopping Center Iguatemi em São Paulo, seguindo o modelo norte-americano. A expansão para outros estados só começou na década de 80, conforme explica Padilha (2006, p. 16). No entanto, com esta expansão surge uma revolução no padrão de consumo no país, tanto em aspectos físicos, já que o shopping é um centro comercial confortável e seguro construído em novas áreas urbanas, quanto em aspectos sociais, pois neste novo ambiente surgiram novas formas de relacionamento, comportamento e subjetividade. Ele assume também, lacunas sociais deixadas pelo governo com o discurso de que oferece acesso à lazer, à cultura, à arte, à tecnologia, entre outros, a uma parcela da população que os freqüentam. Figurando assim, o próprio capitalismo, pois converte carências sociais em lucro, realizando “a con- versão do ser social para o consumidor e a apropriação do bem público pelo bem privado”(PADILHA, 2006, p. 78). Ferreira et al. (2006, p. 13) também afirma que os shopping centers muitas vezes selecionam seus públicos, através de sua localização, por exem- plo. Por isso, hoje, tem-se a denominação: “shopping de rico” e “shopping do povo” - como se isso impedisse a entrada de “indesejados”. Alguns deles chegam a impedir a entrada de pessoas consideradas ‘mal vestidas’, descalças ou de aparência suspeita, agindo com base nas vestimentas e nos estereótipos e, muitas vezes, cometendo grave discriminação por causa disso. Os shopping centers tentam esconder esta realidade, porém seus freqüentadores ficam expostos a todos estes fatores, influenciando seu comportamento e sua subjetividade, principalmente entre os adolescentes que estão em processo de construção identitária. A adolescência é um período de transição entre a infância e a matu- ridade, quando os papéis de criança são descartados e os papéis de adultos ensaiados, foi determinada na sociedade por fatores socioeconômicos e culturais, pois nem sempre existiu, já que os estudos apontam a adolescência como uma produção cultural e social (NASCIMENTO, 2005). Como as transformações no mundo contemporâneo provocaram profundas mudanças nos perfis dos adolescentes, surgiu o que alguns cha- mam de geração shopping center que é formada por “adolescentes nascidos no início da década de 80 que se divertem, se encontram, namoram e, FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 20, n. 1/2, p. 55-68, jan./fev. 2010. 59 também compram, no shopping center” (LENGLER, 1995, p. 34). Eles estão habituados a este ambiente e o tem como um segundo lar, pois a maioria de suas atividades perpassa pelo shopping. Percebe-se assim, que a globalização trouxe conseqüências para com- portamentos e mentalidades dos jovens no Brasil, os meios de comunicação atuais tornaram as informações muito acessíveis a este grupo e estão tornando os teenagers cada vez mais parecidos, apesar das diferenças culturais entre diversos países. Os adolescentes possuem quase que uma mesma aparência. No entanto, apesar das influências norte-americanas e européias provocarem algumas semelhanças entre os jovens, pois o ocidente hoje, tem características de “aldeia global”, entre os jovens brasileiros ainda existem particularidades que não podem ser ignoradas (NASCIMENTO, 2005, p. 19). SUBJETIVIDADE E CONSUMO Este século tem sido de profundas transformações, o capitalismo como a nova ordem econômica do mundo, buscando o lucro a qualquer pre- ço, provocou uma reviravolta na cultura e na subjetividade dos indivíduos, e também implementou na sociedade conceitos como a competitividade, a eficácia, as privatizações, o livre comércio, a flexibilização, a violência, a comunicação de massa, a meritocracia, entre tantos outros. Que con- tribuíram para emersão de um novo sujeito, totalmente diferente do que se tinha há algumas décadas atrás, pois o sujeito nunca deve ser pensado como algo acabado, mas sempre como algo em constante movimento, tendo novas possibilidades de ser (COIMBRA; LEITÃO, 2003). Assim, a subjetividade deve ser entendida, mais como um processo, que como uma estrutura, pois está na sua constituição e funcionamento os processos sociais, culturais, econômicos, tecnológicos, midiáticos, ecológicos e urbanos, nos quais os indivíduos estejam inseridos, e estes são sempre mutáveis. Pode-se concluir que o indivíduo sofre as influências do meio no qual está inserido e que os processos de subjetivação, “[n] ão pertence a uma disciplina particular, mas convoca uma abordagem interdisciplinar ou mesmo transdisciplinar”, pois evoca conceitos de vá- rias áreas de estudo: sociologia, psicologia e psicanálise, economia, entre outras (FERREIRA NETO, 2004, p. 2). Agora fazendo um paralelo entre o conceito de subjetividade e consumo. O consumo entendido hoje como: “o conjunto de processos socioculturais nos quais se realizam a apropriação e os usos dos produtos” (CANCLINI, 1999, p. 77), deve ser tratado como uma produção da FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 20, n. 1/2, p. 55-68, jan./fev. 2010.60 sociedade, mais exatamente como uma produção do capitalismo, que vê nele uma forma de se perpetuar, de se reproduzir. Mas o consumo tam- bém deve ser observado com uma produção do eu, do sujeito subjetivo, pois é no interior de cada indivíduo que acontece o desejo de apropriação de códigos, estilos e modas tão amplamente propagadas pela cultura de consumo (MORAIS, NACIMENTO, 2005; PADILHA, 2006). Sob estes aspectos da atual sociedade, Canclini (1999, p. 39) com- pleta afirmando que atualmente as identidades se configuram no consumo, daquilo que se possui e que se pode chegar a possuir. Hoje, não se com- pram apenas mercadorias, compram-se novos modelos de vida, buscam a felicidade através do consumo. E este condicionamento das necessidades, está de certa forma atrelado à publicidade. Para os consumidores não há nem a reflexão das relações trabalhistas, o que há é apenas a compra do produto imediato, da mercadoria que se tem nas mãos e da satisfação das suas necessidades (MANCEBO et al., 2002). O shopping center, então, torna-se atualmente, o local que se con- cretiza toda essa realidade apresentada, em que a mercadoria se torna a peça chave do sistema, o local em que tudo se volta em torno das sensações que os produtos podem oferecer, e que “dotados de tamanho destaque despertam desejos nos consumidores, ocultando em meio a tanto fetiche, as relações de dominação/ exploração que caracterizam seu sistema de produção” (FERREIRA et al., 2006, p. 9). Dessa forma, nesta cultura o consumo não pode ser considerado um momento autônomo, já que o sujeito passa a criar novas formas de subjetividade e de se relacionar com o outro. Sobre estas relações interpes- soais, Bauman (1998) afirma que estas estão permeadas pelo dominante espírito do consumismo e que os indivíduos dispõem do outro como fonte potencial de experiência agradável sem gerar laços duradouros ou mesmo cobrando direitos e obrigações. Na juventude, as relações interpessoais são extremamente neces- sárias, a exemplo do namoro que “é um fenômeno universal e uma etapa necessária para se adquirir identidade, funções sociais e psicológicas” e “é inegável a influência dos determinantes sócio-culturais” naquele, segundo Nascimento (2005, p. 139). No entanto, nas últimas décadas, o namoro, tem sofrido grandes mudanças de formas e objetivos. Se antes, objetivava o casamento. Hoje, ele consiste, muitas vezes, numa experiência agradável, sem compromisso de matrimônio. Dois fatores contribuíram para essa falência do namoro: as religiões perderam a importância na determinação de valores (sexo, por FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 20, n. 1/2, p. 55-68, jan./fev. 2010. 61 exemplo); e as imposições no qual a sociedade está inserida no sistema mercantilista (homem como mercadoria – homo consumens, por exemplo) (NASCIMENTO, 2005). Assim, o namoro substituído pelo “ficar” entre os atuais adoles- centes, está se tornando relações entre objetos descartáveis, acentuando ainda mais as características da sociedade pós-moderna, que é marcada pela individualidade, hedonismo e consumismo (NASCIMENTO, 2005; FEATHERSTONE, 1995). Outra marca dos tempos atuais é a insegurança, esta característica tem provocado um movimento de clausura do homem contemporâneo, principalmente das altas e médias classes sociais, que se refugiam cada vez mais em ambientes fechados, monitorados por câmeras, criando o paradoxo da liberdade vigiada e o distanciamento das classes, agravando ainda mais as discriminações sociais (LESSA, [1990]). O shopping center é um exemplo dessa realidade, desde seu surgimento no Brasil, ele tem se destacado por oferecer segurança, protegendo seus freqüentadores de pessoas indesejadas que ameacem a ordem artificial estabelecida,o que culmina na segregação social (PADILHA, 2006, p. 30). Entende-se assim, que a busca por segurança na atualidade tem sido uma das grandes preocupações da sociedade, mas quanto mais os indivíduos se fecham, mais perdem a liberdade de ir e vir. Tornando a insegurança inimiga da comunidade, pois ela tende a levar as pessoas a perderem sua liberdade. A segurança também pode estar associada à noção de pertencer a uma comunidade. Para Bauman (2003) não ter comunidade significa não ter proteção, além de que, é através dela que as relações humanas se perpetuam. No entanto, para ele a noção de comunidade tem desaparecido, e como há interdependência entre os indivíduos no mundo globalizado, qualquer barreira construída para manter a distância ou estabelecer limites, torna a vivência mais difícil. Ele completa afirmando que para existir uma comunidade nesta época de indivíduos é necessário que ela seja tecida a partir do compartilhamento e do cuidado mútuo. ANÁLISE DOS DADOS Lazer As respostas dos alunos das escolas foram variadas e incluíram muitas atividades como shows, barzinhos, casa de amigos, passeios em praças, parques e shopping centers com objetivo de ir ao cinema. FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 20, n. 1/2, p. 55-68, jan./fev. 2010.62 Além da frequência ao shopping, os adolescentes têm nas Lan Hou- ses, local que oferece serviços de computador e internet por aluguel, outra grande alternativa de lazer principalmente pelos jogos virtuais. Isso acontece por estes jovens não possuírem computadores em suas casas, e como meio de inclusão, procuram estes ambientes para participarem do que tem sido disseminado na atualidade como novo “estilo de vida” - a vida digital. Questionados sobre o que normalmente fazem nas Lan houses, os integrantes dos grupos pontuaram: internet, orkut, msm, blogão, bate-papos e jogos. Os objetivos são distintos para as meninas e para os meninos. Elas normalmente acessam páginas de relacionamentos (orkut, blogs, msn, e-mail). Eles também as acessam, porém em me- nor proporção. O que mais lhes interessa são os jogos eletrônicos, que têm freqüentemente temáticas que envolvem violência, e embora eles afirmassem que os jogos não os inf luenciava, as meninas contestaram, afirmando que quando eles saiam da Lan house normalmente estavam mais agitados. Demonstrando assim, que os jogos virtuais podem in- f luenciar sim, de alguma forma, o comportamento desses jovens. Outro ponto observado nos grupos focais e que tem relevância é o fato de que os jovens que têm menos recursos financeiros encontram formas de lazer que requerem pouco ou nenhum gasto, utilizando para isso muitos lugares públicos; como as ruas de seus bairros, e nelas man- tém uma alta sociabilidade através dos jogos de futebol; ou idas as praças públicas, por exemplo. Eles não se restringem a lugares fechados para se divertirem e não relacionam esse tipo de lazer mais livre com violência e insegurança. Shopping Center Este tópico se refere ao aspecto central da pesquisa e foi colocado ao grupo com a seguinte questão: quantas vezes vocês vão ao shopping center por semana? Os alunos responderam que vão em média, duas vezes por semana ao shopping center. No entanto, outros adolescentes responderam que iam de vez em quando. Questionados porque não iam ao shopping com tanta freqüência, as respostas variaram entre “enjoa”, ”perde a graça”, até chegar a “falta de atenção dos vendedores” e “discriminação social”. Como os jovens estão construindo suas identidades, a atenção é um fator importante, passa pela valorização do outro e pelo sentimento de fazer parte. Pode-se pensar então, como os freqüentadores do shopping podem FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 20, n. 1/2, p. 55-68, jan./fev. 2010. 63 saber se os jovens possuem dinheiro ou não. Os adolescentes respondem a esta questão citando: “roupas diferentes” ou “[…] quando você chega de a pé”. Estes exemplos demonstram que o julgamento normalmente envolve questões de aparência e de aparente poder de consumo/ compra, está relacionado à percepção visual dos freqüentadores. Analisando o discurso dos adolescentes sobre segregação social ainda, percebe-se que eles vivenciam esta realidade cada vez que vão ao shopping, ficando evidente a concepção do shopping center como espaço de exclusão, segregação e preconceito. O assunto tratado provoca uma certa inquietude nos adolescentes, pois uns demonstram tristezas, outros revoltas, mas todos têm alguma opinião. No entanto, mesmo com a discriminação os adolescentes ainda freqüentam estes ambiente, ou se ressentem por não freqüentar. Por que isso ocorre? Talvez seja uma tentativa de estar no centro dos aconteci- mentos, num lugar em que de alguma forma se sintam iguais à “maioria” – já que a atual cultura, através da publicidade, retrata estes ambientes como sendo verdadeiros templos, onde sonhos e ideais de vida podem ser alcançados. Outro aspecto importante é que todos os pesquisados aliaram a idéia de juventude ao shopping, pois acreditam que o espaço é mais fre- qüentado por jovens. Provavelmente isto está relacionado ao fato de que a idéia de consumo mostrada pelas propagandas está muito vinculada à juventude, a eterna juventude. Os gastos no shopping center também foram uma temática da pesquisa. O consumo dos jovens neste ambiente está relacionado ao lazer, ficando em R$35,00 por mês (média). Quanto questionados sobre: o que vocês fazem no shopping center e o que ele tem de bom? Responderam que normalmente vão para comer, andar, paquerar, ficar ou ir ao cinema. Nota-se com isto que estes jovens não são consumidores, mas freqüentadores de shopping centers. Relacionamentos Este foi um aspecto importante que surgiu durante a pesquisa, abordado pelos próprios jovens, pois as palavras namoro, paquerar, “fi- car” e turma, foram constantes nas respostas dos adolescentes dadas em questionamentos que se relacionavam ao shopping center. O “namorar” figurou entre as respostas dadas pelos adolescentes ao se tratar do shopping center como espaço de lazer, mas para maiores FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 20, n. 1/2, p. 55-68, jan./fev. 2010.64 esclarecimentos foram questionados sobre a natureza de namoro. Então, responderam que se tratava do “ficar”, e que por isso não era um relacio- namento fixo, e que dependendo da pessoa com quem eles se relacionavam eles trocam ou não telefone e msn. As relações amorosas, do tipo “ficar”, tem crescido na preferência dos adolescentes, e esta forma de relacionamento é caracterizada por Nas- cimento (2005, p. 142) como “[…] relações entre objetos descartáveis”, elas não perduram – situação confirmada nas falas dos alunos. Muitas vezes, os parceiros não se encontram nunca mais. É uma troca de prazeres em que quando se satisfaz um ao outro, acaba. Algo como: eu uso e jogo o outro fora. Injunções do sistema mercantilista que prevalece hoje, o “homem-mercadoria” se relaciona com indivíduos como se relaciona com objetos materiais. Uma marca da sociedade pós-moderna, que é definida como uma sociedade individualista, consumista e por vezes resistente ao sentimento de frustração (NASCIMENTO, 2005). Sobre a mesma temática de relacionamentos, agora a respeito das amizades, em todos os grupos foi identificado que o shopping center é um espaço de sociabilidade. Os jovens gostam de estar em grupo, entre amigos, para se ir a este ambiente. Um dos motivos apresentados é o fato de terem com quem conversar e se divertir, mas um motivo que foi trazido com a discussão é de fato interessante: os jovens gostam de estar em grupo porque se sentem mais protegidos. A análise das respostas aponta para dois aspectos: primeiro, o fato de que andar em grupo traz uma maior segurança física para os adoles- centes, pois estes jovens não têm a presença dos pais em seucotidiano; e a segunda, mas não menos importante, reside no aspecto da proteção contra a própria sociedade, ou seja, da proteção contra os olhares das classes mais privilegiadas, contra a discriminação. Como a temática da segurança surgiu na pesquisa, foi necessário abordá-la também sob outro aspecto. Assim, os adolescentes foram ques- tionados sobre a questão da violência nas escolas, eles afirmaram que há briga toda semana, ficando evidente uma aceitação natural da violência, pois ela já faz parte do dia-a-dia dos alunos. Assim, percebeu-se que as escolas públicas pesquisadas têm-se um alto índice de violência entre os alunos. Apesar de não se configurar como objeto de estudo desta pesquisa, a questão surgiu e não se pode ser negligenciada. Po- rém, é uma problemática que merece ser aprofundada em outras pesquisas. Para entender ainda melhor a questão da discriminação social e da subjetividade dos jovens, foi feita uma pergunta sobre como ir ao FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 20, n. 1/2, p. 55-68, jan./fev. 2010. 65 shopping (produção visual). As falas foram bem parecidas entre os jovens e demonstraram que as roupas, além de servirem como instrumento de sedução e de conquista do outro, surgem também como um modo de diferenciação social, não precisam necessariamente ser de “marca” mas tem que estar na moda. Desta forma, nota-se que os jovens gostam de ser vistos, já que hoje os indivíduos são muito mais valorizados pelo que possuem, que pelo que são. E como a sociedade quase não oferece lugares para que se possa exercitar a atividade reflexiva, muito provavelmente estes adolescentes viverão por muito tempo com estes paradigmas. Para entender os interesses dos jovens foram questionados sobre outras formas de lazer além do shopping center. Todos os jovens pareciam estar com a resposta na ponta da língua, atividades ao ar livre e ficar com a família foram as opções. CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo principal deste trabalho visava conhecer melhor o processo de subjetivação no qual estão inseridos os jovens goianienses de classe de baixa renda em relação aos shopping centers. Analisados os dados da pesquisa de campo, percebeu-se que os jovens possuem formas próprias de pensar acerca de si mesmos, têm um certo receio em se relacionar com o mundo, diante de uma sociedade cada vez mais violenta e muitas vezes mascaram estes para os adultos que por sua vez também os ignoram. Mas isso não impede que os jo- vens pesquisados de renda mais baixa procurem formas de lazer “extra muros”, que freqüentem as casas de amigos, joguem futebol de rua, andem de bicicleta, freqüentem praças, enfim, eles vivem com e apesar da violência. Estes jovens também andam mais em grupo, e estes grupos representam uma forma de segurança para eles. São nesses mesmos grupos que eles encontram, muitas vezes, afeto, carinho e, como fala- do acima, segurança. Nos seus discursos também são notados muitos aspectos de discriminação social, mas este fato está relacionado apenas aos momentos em que estes adolescentes tentam “entrar” no universo ao qual eles não “pertencem”, ou seja, o universo das classes mais fa- vorecidas. É perceptível a tristeza e a fragilidade com que alguns deles discutem esta temática. A questão aqui é: estes jovens não precisam e nem podem viver à margem daquele universo porque, mesmo que se esteja falando de uma realidade utópica, estes espaços deveriam ser FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 20, n. 1/2, p. 55-68, jan./fev. 2010.66 democráticos. A cultura capitalista e, conseqüentemente, o consumo se consolidam e têm aval em sistemas democráticos. Os shopping centers se enquadram como um lugar que pertence ao universo da classe média e alta. Os dados da pesquisa bibliográfica mostram que estes aparecem como um espaço de alta segregação social, inclusive este foi um pressuposto no início desse estudo. Em Goiânia, conforme resultado da pesquisa de campo, este pressuposto foi confirmado. Os shopping centers são destinados não só a serem espaços de compras, mas principalmente, a serem opções de entretenimento, lazer e cultura para os adolescentes das classes média e alta. Embora estes lugares sejam destinados a este público, os adolescentes de renda mais baixa também circulam por estes espaços, obviamente com um certo constrangimento, em menores proporções e também com objetivos distintos. Estes adolescentes de baixa renda vêem no shopping center apenas uma opção de lazer, com o objetivo de se divertirem com a turma. Esta é uma questão importante encontrada nesta pesquisa: o shopping center é um lugar de sociabilidade, para ser frequentado com os amigos. Para os jovens, não há graça em irem sozinhos a estes ambientes. “É melhor ficar em casa” dizem. Como foi tratada antes, essa turma de amigos tam- bém oferece uma segurança para eles. Percebe-se que não é apenas uma segurança física, embora esta seja bastante importante para a realidade desses jovens, mas também representa uma segurança psicológica contra os olhares de ataque dos adolescentes das camadas mais privilegiadas, que os discriminam por seus gestos, linguajar e roupas. Provavelmente será uma utopia apresentar aos shopping centers uma solução para esta questão, porque isto já está no alicerce da cultura consu- mista e de seleção que estes lugares impõem aos seus freqüentadores. No entanto, já se têm notícias de shopping centers criados para atender a este público, embora eles também já estejam sendo denominados por alguns como sendo “shoppings de pobre”, apesar de que no mundo empresarial têm sido chamados de power shoppings (shopping center ao ar livre). Mas olhando por outro ângulo, estes shoppings podem oferecer uma certa inclusão a esses jovens, que não constrangidos podem aceitar melhor a classe social na qual estão inseridos, melhorando sua auto-estima e, ainda, tornando-os, pelo menos sob esta perspectiva, jovens mais “felizes”. O trabalho, no entanto, tem suas limitações. A amostra utilizada, pela dimensão do estudo e pela disponibilidade de tempo, foi pequena, não permitiu inferir sobre todos os aspectos do processo de subjetivação e consumo entre adolescentes em Goiânia. Assim, pesquisar novas realidades FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 20, n. 1/2, p. 55-68, jan./fev. 2010. 67 nas quais estes jovens estão inseridos, já justificaria a continuidade do estudo, se não fosse ainda a necessidade de aprofundamento em questões que surgiram ao longo da pesquisa, como a segurança, as Lan Houses e os relacionamentos amorosos descartáveis. SHOPPING CENTER, SUBJECTIVITY AND SOCIAL EXCLUSION Abstract: in order to comprehend the new forms of subjectivity and consump- tion involving Generation Shopping Center in relation to the actual mall, this research established as a public high school students and public elementary schools in Goiania. For this, use the method of qualitative exploratory research through focus groups. Data analysis revealed that young people surveyed feel, mostly outside the realm of consumption as understood in contemporary society and, therefore, in his speeches note the idea of social segregation, among other important aspects that mark the postmodern society. Keywords: Generation Shopping Center. Consumption. subjectivity. Referências BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 1995. BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003. CANCLINI, Nestor García. Consumidores e Cidadãos; conflitos multiculturais da globalização. 4. ed. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ, 1999. COIMBRA, Cecília; Leitão, Maria Beatriz Sá.Das essências às multiplicidades: especialismo psi e produções de subjetividade. Psicologia e Sociedade, Porto Alegre, v. 15, n.2, jul./ dez. 2003. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/psoc/v15 n2/ a02v15n2.pdf>.Acesso em: 18 dez. 2006. DENCKER, Ada de Freitas Maneti; DA VIÁ, Sarah Chucid. 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Aprovado em: 04.05.2010. ** Mestranda em Comunicação na linha de pesquisa Mídia e Cultura pela Universidade Federal de Goiás. Orientadora: Profª. Drª. Suely Henrique de Aquino Gomes. Graduada em Relações Públicas (2006) também pela Uni- versidade Federal de Goiás, desenvolve pesquisas com foco em juventude, subjetividade e corpo. E-mail: rpelaine@hotmail.com
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