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Artigo: Pulpite dói

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A PULPITE DÓI?
P. L. Michaelson & G. R. Holland (International Endodontic Journal, 35, 829-832, 2002).
Tradução: Raisa Catunda - Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Odontologia da UFPE; Estágio docente da disciplina de Patologia Oral.
Revisão: Prof. Dr. Danyel Elias da Cruz Perez; Profa. Dra. Elaine Amorim Carvalho 
Resumo
Objetivo: Determinar se a polpa dental inflamada progride para necrose sem provocar dor.
Metodologia: 2202 registros de dentes maxilares endodonticamente tratados na Universidade de Michigan foram coletados. Os registros de dentes apresentando radiolucência periapical, mas sem nenhuma resposta de vitalidade, foram examinados mais detalhadamente para determinar, a partir do histórico, se o paciente tinha sentido dor ou não anteriormente, proveniente daquele dente.
Resultados: Aproximadamente 40% dos dentes incluídos não tiveram histórico de dor espontânea ou prolongada quando submetidos ao estímulo térmico. Nenhuma diferença estatisticamente significante foi encontrada na incidência de “pulpite indolor” em relação ao gênero ou dente. Os pacientes com idades acima de 53 anos apresentaram “pulpite indolor” com maior frequência que pacientes com idade inferior a 33 anos.
Conclusões: Muitos dentes parecem progredir para necrose pulpar sem que o paciente apresente sintomatologia dolorosa atribuída à polpa dental.
Palavras-chave: diagnóstico endodôntico, dor pulpar, pulpite.
INTRODUÇÃO
O diagnóstico de uma polpa dental doente pode ser difícil. Testes convencionais de diagnóstico, ambos térmicos e elétricos, não fazem uma correlação precisa com as mudanças morfológicas na polpa dental. Em particular, a correlação entre a inflamação pulpar, os sinais clínicos e os resultados dos testes é duvidosa.
Seltzer et al. (1963a) mostraram que a única correlação significativa entre os sinais clínicos e a patologia pulpar foi com a história de dor espontânea. Eles também concluíram que um dente poderia progredir para necrose pulpar de forma indolor. Este conceito, de que o dente poderia ter uma reação inflamatória sem dor foi mais tarde denominado “pulpite indolor” por Hasler & Mitchell (1970). A incidência de dentes apresentando uma radiolucência periapical sem história de dor tem sido relatada em 26-60% dos casos (Seltzer et al. 1963b. Barbakow et al. 1981, Bender, 2000). Estes estudos incluíram dentes com múltiplas raízes, que podem ter tido diferentes níveis de inflamação em diferentes canais e assim tornado a reparação difícil. Outros estudos que observaram dentes após a extração e determinaram necrose pulpar sugerem histologicamente que a necrose pulpar pode ocorrer sem dor em 14% (Dummer et al. 1980) e 58% dos casos (Seltzer et al. 1963a).
O presente estudo, ampliando os anteriores, restringe as observações para dentes unirradiculares que não foram traumatizados e faz correlação com o gênero, dente e idade. O desenho deste estudo é baseado na convicção de que, em um dente unirradicular, a radiolucência periapical estabelece que a polpa é necrótica ao passo que em dentes multirradiculares a radiolucência periapical é, algumas vezes, associada com uma resposta vital (Lin et al. 1984) e que dentes traumatizados podem ter polpas necróticas como resultado da ruptura de vasos apicais em vez de inflamação (Stanley et al. 1978). Os dentes incluídos no presente estudo tinham polpas necróticas como resultado de inflamação pulpar (Van Hassel, 1971). As observações determinaram qual a proporção de dentes progrediu para necrose sem que o paciente relatasse dor.
MÉTODOS
O presente estudo obteve aprovação do Conselho de Revisão Interna de Ciências em Saúde da Universidade de Michigan. Os registros de pacientes mantidos na Clínica Endodôntica de Pós-Graduação da Faculdade de Odontologia da Universidade de Michigan dos períodos entre 1989-2000 foram selecionados (>10.000). Apenas incisivos e caninos maxilares foram selecionados para possível inclusão no estudo, já que tais elementos possuem, em 100% dos casos, um canal (Vertucci 1984). Um total de 2202 dentes anteriores maxilares foram tratados durante este período. Destes dentes, os registros de pacientes incluídos neste estudo foram de apenas diagnósticos feitos de necrose pulpar com periodontite apical crônica. O prontuário do paciente foi necessário para incluir um registro de exames clínicos e testes diagnósticos suficientes para apoiar o diagnóstico de necrose pulpar. Estes testes clínicos incluíram testes pulpares térmicos ou elétricos dos grupos afetados e controle do mesmo paciente. Radiografias foram examinadas para confirmar a radioluscência periapical. O prontuário do paciente era então avaliado para registro de histórico de dor atual ou anterior ao estímulo térmico, bem como dor espontânea. As palavras “dor espontânea”, “histórico de dor espontânea”, “sensibilidade térmica”, “sensibilidade ao frio”, “sensibilidade ao calor”, “histórico de sensibilidade térmica”, “histórico de sensibilidade ao frio” ou “histórico de sensibilidade ao calor” deveriam estar especificadas integralmente. Para a inclusão, os dentes deveriam estar posicionados no centro do filme, com 3 mm de osso periapical presente (abaixo do ápice da raiz) e possuir bom contraste.
Os dentes com outros diagnósticos pulpares (polpa normal, pulpite irreversível, tratamento endodôntico prévio e cirurgia) foram excluídos do estudo, bem como os prontuários com dados incompletos ou dentes que não mostraram radiolucência periapical. Múltiplos dentes afetados, dentes imaturos e traumatizados foram omitidos. Além disso, pacientes que faziam uso de analgésicos de uso crônico, como aspirina ou anti-inflamatórios não-esteróidais por razões que não eram odontológicas, ou drogas psicoativas, como antidepressivos, foram eliminados do estudo. Quatrocentos e noventa e sete prontuários apresentavam os critérios de inclusão no estudo.
Os dados foram tabulados usando a planilha do Excel (Microsoft Corporation, Redmon,EUA), e analisados estatisticamente utilizando o teste T-student e Qui-quadrado para correlacionar o histórico de dor com a incidência de necrose pulpar de maneira apropriada. Os valores de p<0,05 foram considerados significantes.
RESULTADOS
Dos 497 prontuários incluídos no estudo, 226 foram de pacientes do gênero masculino e 237 do gênero feminino. A idade média foi 42,89 anos. Trinta e quatro prontuários não continham o gênero do paciente. Em 29 casos/prontuários, a idade do paciente não foi registrada. Em ambos os grupos o resto dos dados estava completo, portanto foram incluídos na análise global, mas foram excluídos dos cálculos que envolviam idade ou gênero.
A incidência global de “pulpite indolor” foi de 38,83%. A incidência de “pulpite indolor” para o gênero masculino e feminino foi de 41,35 e 35,84%, respectivamente; a diferença não foi estatisticamente significante (Tabela 1). A incidência de “pulpite indolor” foi determinada com relação ao elemento dental e nenhuma diferença estatisticamente significante (P>0,05) foi encontrada (Tabela 2). 
A incidência de “pulpite indolor” variou com a idade. Primeiro se determinou que as idades estavam distribuídas de maneira normal. O teste T-student indicou que os pacientes que apresentaram “pulpite indolor” tiveram uma idade média de 46,83 anos, enquanto os pacientes que apresentavam “pulpite dolorosa” tinham idade média de 40,27 anos (±16,87) (p<0,01). Em uma tentativa de derivar um significado maior dos dados relativos à idade, elas foram dividas em três grupos de tamanho aproximadamente igual, um incluindo mais da metade do desvio padrão (DP) abaixo da média (≤33 anos), um com aqueles dentro da metade de um DP abaixo ou acima da média (33-52 anos) e um contendo aqueles com mais de metade de DP acima da média (≥ 53 anos). Pacientes com idade ≥ 53 anos tiveram maior incidência de “pulpite indolor” do que o grupo com idade ≤ 33 anos (Tabela 3, Qui-quadrado p<0,01). Nenhuma outra diferença estatisticamente significante foi encontrada entre os grupos de idade.
DISCUSSÃO
A incidência global da “pulpite
indolor”, como determinado neste estudo, é similar a outros achados por Seltzer et al. (1963b), Hasler & Mitchell (1970) e Bender (2000) que foram 40, 58 e 60%, respectivamente. Nossos resultados, contudo, estão em marcante contraste com os de Dummer et al. (1980), pois seus dados sugerem que apenas 14% dos pacientes apresentando necrose e periodontite periapical não relatam possuir sintomas anteriores consistentes com pulpite. Eles também diferem, ainda que em menor proporção, da incidência de 26% de “pulpite indolor” achada por Barbakow et al. (1981), em seu estudo com dentes multirradiculares. Uma comparação detalhada de vários estudos é difícil por conta da diferença substancial no desenho dos estudos. Mesmo assim, todos os dados disponíveis concordam que a “pulpite indolor” não é uma contradição. 
A ausência de qualquer diferença na incidência da “pulpite indolor” entre os gêneros difere dos estudos que procuraram dor pós-operatória (Torabinejad et al. 1988). Isto pode indicar que a “pulpite indolor” é mais fortemente relacionada aos processos patofisiológicos nas polpas afetadas do que com a percepção. A ausência de qualquer diferença entre elementos dentais não é muito surpreendente já que apenas três tipos dentais de morfologia basicamente semelhante foram incluídos.
A aparente alta incidência de “pulpite indolor” com idade mais avançada pode ser atribuída a diversos fatores. A lesão pulpar original pode ter sido menos agressiva e progrediu de maneira mais lenta resultando na necrose em uma idade mais avançada. As polpas em dentes mais velhos possuem menor inervação do que em dentes jovens (Johnsen & Johns 1978, Johnsen et al. 1983). Falsos negativos aos testes de vitalidade podem ser mais comuns em dentes com tecido coronal espessado por dentina secundária e por dentina peritubular esclerosada (Peters et al. 1994). O tempo desde a inflamação pulpar original até a apresentação de sintomas poderia ser altamente variável e pacientes mais velhos podem não lembrar da dor que tiveram há algum tempo atrás.
Devido a alta inervação pulpar, foi admitido que ela seria extraordinariamente sensível e que pequenos graus de agressão e inflamação seriam prontamente detectados. Mais recentemente, têm sido demonstrado que os maiores papéis da inervação pulpar são os de controlar o fluxo sanguíneo (Tonder & Naess 1978) e participar da inflamação neurogênica (Byers et al. 1992). A experiência clínica e evidências anedóticas sugerem que a dor é raramente relatada em polpas saudáveis em um dente intacto e imprevisível em uma polpa doente. A inflamação pulpar ocorre até mesmo em cáries dentárias iniciais (Brannstrom & Lind 1965), mas presumivelmente, escapa da detecção sensorial. Nossos resultados apoiam a teoria que a inflamação pulpar não é necessariamente prontamente detectada pelo paciente, embora, claramente, não se pode falar no grau de inflamação para que seja detectada.
 
Os dados existentes são insuficientes para fornecer uma explicação plausível da “pulpite indolor”. As polpas podem morrer discretamente como um resultado da rápida disseminação da inflamação, talvez relacionado à virulência da bactéria envolvida. Por outro lado, as polpas podem se ajustar de maneira lenta ao avanço da inflamação, mantendo mediadores abaixo dos níveis que ativariam nociceptores. Podem existir efeitos mais centrais no sistema nervoso originados da polpa dental. Os mediadores locais analgésicos como a endorfina e somatostatina, conhecidos por estarem presentes na polpa (Casasco et al, 1990), podem desempenhar algum papel. Se o papel principal da inervação pulpar é no controle vascular, o número e a sincronia do potencial de ação enviados centralmente podem ser insuficientes para convergir e somar.
Este estudo simples confirma o fenômeno da pulpite indolor e assinala, mais uma vez, as severas limitações das técnicas atualmente disponíveis para o diagnóstico da condição da polpa dental.
REFERÊNCIAS
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