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Ribeiro, M. As Condições de Trabalho nas Fábricas Paulistas.

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As Condições de Trabalho nas Fábricas Paulistas 
Maria A. Ribeiro 
Autor: Bruno Gabriel Witzel de Souza 
 
1. A Divisão do Trabalho e a Hierarquia Internas à Fábrica. 
 A força de trabalho infantil e feminina foram preponderantes na indústria têxtil nacional, sem nenhuma 
alteração significativa desta composição em toda a Primeira República. Apesar disto, eram os homens quem tinham 
maiores oportunidades de emprego, uma vez que as áreas ocupadas por estes eram mais amplas. Além disso, os 
homens tendiam a ser empregados em atividades que envolvessem maior esforço físico e também maior conhecimento 
técnico – como na reparação mecânica dos equipamentos, nas seções que envolviam conhecimentos químicos (como 
tinturaria) etc.. Por fim, os homens eram também maioria nos cargos de mestre e contramestre, os quais desfrutavam 
de uma posição hierarquicamente superior a dos proletariados. 
 A preponderância de mulheres e crianças explica-se por seu emprego em atividades que não exigiam 
qualificações especiais ou conhecimentos técnicos, mas habilidade manual e atenção. Esses trabalhadores eram 
treinados no próprio trabalho, cuja monotonia fazia com que se adquirisse rapidamente as habilidades requeridas à sua 
realização. 
 Além desta diferenciação dos trabalhos realizados por homens, mulheres e crianças, um aspecto fundamental 
na organização hierárquica das fábricas era a presença dos mestres e contramestres, aos quais cabia a vigilância do 
processo produtivo, dos trabalhadores e também algum eventual reparo técnico nas máquinas e na operação da 
atividade fabril como um todo. 
 De início, os mestres costumavam ser importados da Europa para o treinamento da força de trabalho nacional, 
o que evidencia logo de início o maior grau de conhecimento técnico exigido deste grupo. 
 Os mestres e contramestres, apesar de sua profunda relação com o proletariado, nunca foram considerados 
pelos trabalhadores como iguais a eles, tanto é assim que nunca foram aceitos nas organizações trabalhistas. Isto 
porque eram eles quem realizavam o processo de intermediação entre o industrial e o proletariado, sempre em favor do 
primeiro. Assim, de modo a obter melhor remuneração e alguns benefícios extras, os mestres e contramestres tendiam 
a agir de modo violento para com o proletariado, constrangendo os trabalhadores por meio de insultos, ameaças e 
mesmo violência física no caso das crianças. 
 Estes mestres e contramestres tinham a responsabilidade não apenas de vigiar o processo produtivo, mas 
deviam estar atentos às atividades dos trabalhadores como um todo. Assim, muitos deles foram imbuídos com um 
poder de polícia, de modo que as agressões físicas aos trabalhadores e os constrangimentos a que os submetia não 
eram apurados legalmente; pelo contrário, era mesmo desejável por parte dos industriais esta postura de controle sobre 
a força de trabalho. 
 Além destas funções de patrulha e vigia da força de trabalho, os mestres e contramestres eram, por suas 
funções técnicas, responsáveis pela organização hierárquica da produção, determinando o rol de atividades de cada 
trabalhador na seção pela qual era responsável. Não raro, este grupo utilizava-se deste poder administrativo para 
favorecer determinados funcionários, colocando-os à frente de máquinas mais produtivas, menos danosas à saúde etc., 
enquanto que podiam prejudicar indiretamente qualquer um com quem não tivessem boas relações. 
 
2. Uma Força de Trabalho Especial: Mulheres e Crianças. 
 As mulheres e crianças sempre foram a base da força de trabalho na indústria têxtil: 72,74% do proletariado 
têxtil era formado por mulheres e crianças, sendo este o ramo da indústria que mais empregava esta categoria da força 
de trabalho. 
 A regulamentação do trabalho dos menores já era uma questão preocupante em 1891, quando uma legislação 
válida apenas para o Distrito Federal. Em 1894, o Código Sanitário de São Paulo realizaria algumas menções 
regulatórias ao emprego de menores nas indústrias. Regulamentos sanitários e outras leis seguir-se-iam ao longo das 
décadas de 1910 e 1920, mas nenhuma delas teve um efeito real sobre a condição do menor empregado na indústria: 
primeiro porque tais códigos de caráter trabalhista estipulavam leis vagas, genéricas, de interpretações dúbias; 
segundo porque havia uma séria dificuldade para fiscalizar as indústrias que descumprissem as leis referentes ao 
emprego dos menores; e terceiro porque sempre houve uma ferrenha oposição dos industriais à sua aplicação efetiva: 
assim, “através de conchavos, de encontros secretos com a autoridade sanitária, os industriais revogaram os 
dispositivos legais”, inclusive os de 1917, que postulara diversas medidas de proteção ao menor e também à mulher 
(como proibição de menores em empregos pesados ou de risco, proibição de menores nas jornadas noturnas, 
estipulação das jornadas de trabalho dos menores de acordo com a idade, uma espécie de licença maternidade para as 
mulheres e outras medidas de proteção trabalhista). 
 Apesar de efetivamente terem participado de greves e manifestações, as mulheres e crianças eram mais 
facilmente submetidas à coerção do regime fabril, seja pela própria estrutura de submissão das mulheres que então 
imperava como ordem familiar, seja pela necessidade que tinham de trabalhar para garantir à família uma renda 
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mínima para a subsistência. Assim, em períodos de greve, não raro os industriais recorriam ainda mais à força de 
trabalho de mulheres e crianças em substituição aos trabalhadores que haviam cessado a produção. 
 As condições de trabalho das mulheres e crianças tornaram-se socialmente insustentáveis a partir do fim da 
IGM. O crescimento econômico da nação, o surgimento de documentos internacionais para a proteção do trabalhador 
pelos Estados nacionais, bem como a incidência maior em quantidade e qualidade das greves fizeram com que o 
governo sancionasse as primeiras leis gerais quanto à situação do trabalhador. 
 Com Arthur Bernardes encontramos o primeiro expoente da política do “pão e do porrete”: a criação das 
pensões para ferroviários, o regime de férias, e os seguros contra acidentes de trabalho datam de seu governo, também 
marcado pela violenta repressão aos movimentos sociais; o objetivo era promover políticas reformistas que esvaziasse 
a agitação social. 
 Finalmente em 1927 seria sancionado o Código dos Menores, cuja aplicação efetiva, no entanto, ainda 
demoraria a ocorrer, dada a ferrenha oposição dos industriais às suas medidas de restrição ao trabalho dos menores. 
 
3. A Jornada de Trabalho. 
 Era nas principais reivindicações dos trabalhadores – jornada de trabalho e nível salarial – que a 
regulamentação trabalhista mantinha as maiores omissões. 
 Mulheres e crianças geralmente compartilhavam as mesmas jornadas que os homens. Em períodos de greve, a 
sobrecarga sobre as mulheres e crianças aumentava ainda mais, no sentido de buscar no trabalho destes uma 
compensação do tempo no qual os demais trabalhadores paravam sua própria produção. 
 Assim, os regulamentos trabalhistas das décadas de 1910 e 1920 buscaram restringir as jornadas de trabalho 
dos menores, determinando o número máximo de horas trabalhadas de acordo com a faixa etária. Outra preocupação 
foi a da proibição das jornadas noturnas para os menores e, posteriormente, também para as mulheres. 
 As dificuldades de pôr em prática estas medidas legislativas já foram apontadas acima. O grande problema, no 
entanto, está no fato de serem as firmas as próprias responsáveis pela fixação das jornadas de trabalho: “a 
determinação do tempo de trabalho pertencia exclusivamente à fábrica, que por um simples aviso do gerente, do 
mestre ou do contramestre alterava-o para mais ou para menos. Apesar disto, a dispersãoda duração da jornada de 
trabalho entre os diversos estabelecimentos têxteis era reduzida”. 
 Em muitos casos, a jornada de trabalho era estendida como forma de compensar quaisquer aumentos salariais 
concedidos aos trabalhadores. Os trabalhadores eram então coagidos a trabalhar horas extraordinárias sob a ameaça de 
serem demitidos ou de aplicação de multas. 
 Pela greve de 1917, os trabalhadores conseguiriam a instauração da jornada de trabalho de 8 horas diárias. No 
entanto, a contracorrente industrial, após conseguir derrotar a greve de 1920 com a repressão policial, cancelou tal 
medida, voltando a prevalecer as condições arbitrárias de determinação do período da jornada de trabalho. 
 
4. O Salário. 
 A determinação dos salários é extremamente complexa para o período considerado: estes eram definidos “por 
obra, tarefa ou peça, variando o preço conforme a qualidade [e a quantidade] do que era produzido”. Além disso, havia 
uma discriminação salarial de acordo com a categoria do trabalhador: os salários das mulheres era cerca de 50% do 
salário dos homens, e os salários dos menores era cerca de 60% do salário das mulheres – este padrão, observado 
inicialmente para 1912, permaneceu quase inalterado em 1920. Como mulheres e crianças representavam a maior 
massa trabalhadora da indústria têxtil, é evidente a redução dos custos com salários por parte dos industriais deste 
setor. 
 Como os salários eram fixados por produto entregue, inexistia um contrato salarial sobre o qual se baseassem 
as remunerações aos trabalhadores, o que o sujeitava a todo tipo de arbitrariedade e manipulação por parte dos 
industriais. Além disso, “o salário fixado por obra [...] permitia a prática de critério de preferência por parte dos chefes 
na distribuição das tarefas”. 
 Frente a essa estrutura salarial, é interessante observar as reivindicações dos empregados da indústria 
Mariângela por uma tabela de salários de que se baseasse nas condições de produção e rendimento de cada pano. No 
entanto, mesmo este tabelamento não tornava o salário menos volátil, afinal bastava aos industriais alterarem as 
categorias dos produtos produzidos para alterarem todo o rol de salários previamente fixado. 
 Some-se a isto o fato de a maioria dos trabalhadores industriais terem suas folhas de pagamento diminuídas 
por multas dos mais diversos tipos e por descontos de compras realizadas nos armazéns das fábricas para se ter o 
panorama de incerteza quase absoluta do trabalhador em relação a seu salário: “até mesmo sua remuneração foge ao 
seu controle”.

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