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1 Lucratividade e a Grande Depressão no Brasil: Evidências da Indústria Têxtil de Algodão Stephen Haber Autor: Bruno Gabriel Witzel de Souza A Grande Depressão no Brasil. A historiografia convencional costuma observar a Grande Depressão como um evento de segunda importância para a economia brasileira: se não lhe nega a importância e os efeitos nocivos, também não os observa como muito duradouros e acredita ter o pólo dinâmico da economia se alterado justamente em função da crise. Esta visão clássica baseia-se fundamentalmente nos dados do produto industrial agregado compilado pelo IBGE para o período de 1929-1933, segundo o qual a oscilação do produto industrial durante a Grande Depressão não foi, comparativamente a outros países, muito grande e que o país daria sinais de robusta recuperação já em 1934. O autor parte de dados diferentes: baseado na análise de oito das maiores, mais antigas e mais capital- intensivas indústrias têxteis de algodão brasileiras, além dos dados do relatório do CIFT, Haber argumentará que os efeitos da crise sobre a economia brasileira foram muito mais profundos do que geralmente se crê. Com base nesses dados, o autor calcula a taxa de retorno contábil sobre o estoque de capital das firmas, o retorno financeiro (dividendos pagos/capital acionário) e o grau de confiança dos investidores. A Lucratividade na Grande Depressão. Os três indicadores calculados pelo autor indicam que a indústria têxtil brasileira já apresentava problemas muito antes de 1929: desde 1925 a lucratividade destas empresas amostrais tinha caído significativamente, fruto principalmente do aumento da concorrência internacional de têxteis no mercado brasileiro (Fishlow discute o aumento das importações de produtos industrializados como a causa da estagnação industrial na década de 1920). No entanto, seria o período de 1929-1933 o mais crítico em termos de lucratividade, pagamento de dividendos e confiança dos investidores. Segundo os dados calculados por Haber, os prejuízos médios para este período foram de 33% em relação ao estoque de capital das firmas, o que se refletiu no cancelamento do pagamento de dividendos e na queda significativa dos preços das ações. Vê-se, portanto, um panorama muito diferente do ajuste suave para baixo que a historiografia convencional atribui à Grande Depressão. Os dados coletados pelo CIFT corroboram a análise “microeconômica” levada a cabo por Haber e diferem em muito dos dados do IBGE. Segundo a perspectiva do autor, os dados do IBGE não são indicadores da produção propriamente dita, mas do volume de vendas da economia industrial para o período. Como as indústrias têxteis começaram a dar descontos de até 25% sobre o preço de seus produtos em uma tentativa desesperada de aumentar as receitas pelo efeito-preço, o volume das vendas realmente não caiu muito, mas a lucratividade deve ter despencado, conforme indica sua pesquisa. Assim, Haber observa que a indústria deve ter diminuído posteriormente o total produzido para tentar reequilibrar as condições de oferta e demanda, o que contradiz claramente a idéia de Stein de que na Grande Depressão as firmas chegaram a paradoxalmente a aumentar a jornada de trabalho para não ter que dispensar mão-de-obra e para poder cobrir, com um aumento da quantidade ofertada, pelo menos seus custos fixos. A Recuperação da Depressão. A partir de 1934, começou a ocorrer a recuperação econômica. Nesse momento, a lucratividade das empresas consideradas volta a crescer, embora a níveis ainda muito modestos em seu início. Com os lucros novamente positivos, embora baixos, voltam os pagamentos de dividendos. Porém, mesmo em 1937, quando o pior da Grande Depressão já passara, o grau de confiança dos investidores ainda era muito baixo: a razão entre o valor das ações e o valor contábil das empresas ainda não estava nem metade do que estivera em 1925, evidenciando que a confiança dos investidores havia sido completamente corroída em função da crise. O resultado é que as firmas encontraram sérias dificuldades para financiarem quaisquer projetos após a Grande Depressão. Em primeiro lugar porque dificilmente encontrariam acionistas dispostos a comprar mais ações ou a financiar projetos de investimento em capital de longo prazo. Em segundo lugar porque fora aprovada em 1931, com vigência até 1937, a lei de limitação às importações de bens de capital (vide Stein). O resultado disso foi que no período de recuperação da Grande Depressão começou a desenvolver-se no Brasil diversas oficinas pequenas para a manufatura de bens de capital para a indústria têxtil. O segundo efeito, mais relevante do ponto de vista estrutural daquela economia no longo prazo, seria o desestímulo à inovação tecnológica e administrativa após a Grande Depressão: dada a condição de baixa confiança do investidor e a legislação restritiva de importação aos bens de capital, a recuperação não foi acompanhada de novos investimentos, de modo que obsolescência tecnológica marcar-se-ia como uma das características da indústria nacional nas décadas por vir (Haber concorda aqui plenamente com a argumentação de Fishlow e Stein).
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